Ética política e sociedade

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Ética, política e sociedade



Ética, política e sociedade



Ética, política e sociedade Fábio Roberto Tavares Márcia Bastos de Almeida Sergio de Goés Barboza


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Tavares, Fábio Roberto T231e Ética, política e sociedade / Fábio Roberto Tavares, Márcia Bastos de Almeida, Sergio de Goes Barboza. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014. 192 p.

ISBN 978-85-68075-15-9 1. Moral. 2. Princípio. I. Almeida, Márcia Bastos de. II. Barboza, Sergio de Goes. III. Título. CDD 177.2


Sumário

Unidade 1 — Princípios da ética e moral ocidental .......1 Seção 1 Formação da moral ocidental e racionalizações éticas .........3 1.1 1.2

A moral e a ética ocidentais .................................................................4 A moral é temporal e é reflexo dos costumes da sociedade ................11

Seção 2 Individualidade e coletividade ............................................20 2.1

O indivíduo e a coletividade ..............................................................20

Seção 3 O determinismo, a liberdade e a subjetividade social .........31 3.1

Nascidos para a liberdade ..................................................................32

Unidade 2 — Correntes filosóficas e a construção da moral ................................................43 Seção 1 A filosofia de Hegel e a moral .............................................44 1.1

Conhecendo um pouco de Hegel ......................................................45

Seção 2 Kant e o imperativo categórico ...........................................56 2.1 2.2 2.3 2.4

O imperativo categórico ....................................................................56 Os imperativos ...................................................................................60 Os imperativos hipotético e categórico ..............................................63 As fórmulas do imperativo categórico ................................................65

Seção 3 Nietzsche e a genealogia da moral ....................................69 3.1

A moral em Nietzsche........................................................................70

Unidade 3 — Construção da política ocidental ...........87 Seção 1 Fundamentos da política ocidental e o contrato social .......89 1.1

Fundamentando a política e o contrato ocidental ..............................90


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Seção 2 Formação do Estado liberal ...............................................102 2.1

Liberalismo de Estado ......................................................................102

Seção 3 Realismo político e tipos de regimes políticos no Brasil....112 3.1

A política real ..................................................................................112

Unidade 4 — Sociedade e globalização .....................131 Seção 1 Indivíduo e sociedade .......................................................134 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7 1.8 1.9 1.10 1.11 1.12

Ação social e seus tipos ...................................................................134 Objeto da sociologia........................................................................135 A definição de ação social de Max Weber .......................................136 Conceito de ação social ...................................................................136 O método de Weber ........................................................................137 O espírito capitalista e a ética protestante ........................................137 O processo de racionalização do mundo moderno ..........................139 A teoria burocrática .........................................................................140 Racionalidade prática ......................................................................140 Racionalidade teórica ......................................................................141 Racionalidade substantiva ................................................................141 Racionalidade formal .......................................................................141

Seção 2 Os tipos de sociedades e a vida coletiva ...........................144 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.8 2.9 2.10 2.11 2.12 2.13

Émile Durkheim ...............................................................................144 O objeto de estudo ..........................................................................144 Estudar a sociedade como “coisa” ...................................................146 Fato normal e patológico .................................................................147 A sociedade de solidariedade mecânica e a sociedade de solidariedade orgânica .....................................................................148 Desafios para o enfrentamento das questões sociais no mundo capitalista ........................................................................................150 Marx e a religião ..............................................................................153 Será que Marx estava alinhando a religião a todas as drogas que existiam no século XIX?.............................................................154 Quais eram os interesses dos britânicos? ..........................................154 O que Karl Marx queria? ..................................................................155 Ideologia e alienação .......................................................................155 O marxismo vulgar ou marxismo sem Marx .....................................157 Karl Marx: “Tudo que sei é que não sou marxista” ...........................158


Sumário

2.14 Materialismo histórico e dialético ....................................................159 2.15 O Estado e a sociedade ....................................................................161

Seção 3 A globalização e a formação cultural da sociedade global ...............................................................162 3.1 3.2 3.3 3.4

A Divisão Internacional do Trabalho ................................................162 A globalização na perspectiva dos clássicos da sociologia ...............163 Algumas características do capital ...................................................166 Diálogo entre Adam Smith e Karl Marx ............................................167

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Apresentação

A vida nos apresenta situações em que as condutas morais se transforma constantemente. Mas, em meio às transformações das condutas morais, dos costumes que a sociedade vem sofrendo, os valores vão se transformando em outros. A ética e a moral são os condutores para a sustentabilidade de uma sociedade mais humana, mais justa, mais igualitária. É o bem comum que subsidia as condições para as condutas morais, para a manutenção de valores que coadunam com o interesse coletivo. Essas temáticas estarão presentes na unidade 1, além de conceitos que nos farão compreender melhor a ética, a moral, o sujeito e a sociedade. Somos sujeitos sociais e vivemos em conjunto, em uma organização social. Nós nascemos, vivemos e morremos em uma organização. Essas organizações são geridas por uma política. Quando nascemos, dependemos de um hospital e, portanto, de uma política de saúde pública; se vamos para uma creche ou escola de educação infantil, dependemos de uma política educacional. Você vai acompanhar o movimento do pensamento que construiu as teorias filosóficas a partir das concepções dos filósofos. De forma linear e gradativa, começamos com a ideia de política na Grécia Antiga, até o modelo adotado pelo Estado brasileiro. Em alguns momentos vamos apresentar dicas de leituras e filmes para que você possa utilizar outros instrumentos que lhe servirão de aprendizado. Quando o assunto é política, podemos nos calar e apenas ouvir, ou nos inflamar com discussões que orbitam entre o senso comum e a paixão cega por um candidato ou partido político. Essas posturas, no entanto, não traduzem o verdadeiro sentido de discussão ou pensamento político, mas de discussão partidária e individualista.


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É pouco? Acredito que não. Tudo isso foi desenvolvido para que você possa, no exercício da leitura, do estudo, do aprofundamento, compreender e fixar o aprendizado de forma autônoma, que é a intenção desse modelo de ensino — Ead. Dando continuidade aos estudos, perpassaremos também pela explicação sociológica da vida coletiva, focando as três principais linhas mestras, ou seja, a Sociologia compreensiva ou interpretativa, a Sociologia positiva e as ideias centrais do pensamento de Marx a respeito da sociedade capitalista. Bons estudos.


Unidade 1

Princípios da ética e moral ocidental Fábio Roberto Tavares

Objetivos de aprendizagem: Nesta unidade, você terá a oportunidade de identificar o conceito e a etimologia de ética e moral, assim como entender a formação da moral ocidental e como vão sendo construídas as racionalizações éticas. Você poderá analisar e refletir sobre o indivíduo e suas relações na coletividade presentes na sociedade. Você terá a oportunidade de identificar a importância do determinismo, da liberdade e da subjetividade social para o indivíduo e para a sociedade.

Seção 1:

Formação da moral ocidental e racionalizações éticas Nesta seção, você terá oportunidade de aprender e refletir sobre a moral e a ética, suas diferenças, suas proximidades e sua importância na vida ocidental. Trabalharemos algumas questões que apresentam as origens ou bases fundamentais da existência humana, ou seja, a gênese da consciência moral, aquilo que possibilita aos seres humanos serem considerados homens, utilizando o filtro da racionalidade ética. Vamos estudar a ética e a moral com a contribuição de grandes pensadores, como Platão, Sócrates, Aristóteles, Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino.


Seção 2:

Individualidade e coletividade Aqui você vai estudar como se dá a relação do indivíduo com a coletividade, qual a realidade de cada um, como se entende a individualidade e a coletividade para alguns pensadores. Você também poderá identificar como a ética contribui para a definição das regras de ação recomendáveis ao coletivo e aos indivíduos.

Seção 3:

O determinismo, a liberdade e a subjetividade social Nesta seção, você encontrará conceitos e questionamentos que são feitos continuamente em nossas vidas, como: Somos livres ou nascemos determinados? Nossas escolhas são livres ou são determinadas por quais fatores? Queremos, nesta seção, provocar as questões sobre os modelos de conduta que aprendemos como certo e errado e, por isso, quando falamos de certo e errado estamos, também, falando de liberdade e como as noções de liberdade e justiça se refletem na relação entre indivíduo e sociedade.


Princípios da ética e moral ocidental

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Introdução ao estudo Ao longo da história da humanidade, várias têm sido as áreas que fomentam reflexões acerca da ética e da moral, especificamente no Ocidente — até porque a humanidade necessita de acordos para que a sua interação e convivência se tornem sustentáveis. É nessa perspectiva da convivência, do entendimento, que queremos trabalhar os conceitos de ética, de moral e suas racionalizações. Não podemos falar de ética sem vislumbrar a filosofia como fundamento da própria ética e da moral. A filosofia foi campo fértil ao longo da história da humanidade para o desenvolvimento da moral e da ética como parte de uma sociedade que queremos sempre melhor. Enquanto a filosofia nos lança nos questionamentos acerca do que é certo e do que é errado, a ética nos conduz no caminho daquilo que acreditamos ser o melhor para nós mesmos e para os outros. Com esta unidade, você terá oportunidade de aprender a construção histórica e social da moral, bem como os conceitos de valor e da ética. Também terá oportunidade de perceber que a moral está fundamentada (como a fundação de uma construção) a um ethos, constituído durante a modernidade pelo modelo epistemológico inaugurado naquele período. Você poderá analisar e refletir sobre os valores que norteiam o nosso agir nos dias atuais e como esse agir foi se modificando na história da cultura ocidental, como o determinismo, a liberdade e a subjetividade estão presentes no nosso dia a dia. Vamos lá? Bons estudos.

Seção 1

Formação da moral ocidental e racionalizações éticas

Caro acadêmico, queremos conversar sobre a ética e suas caracterizações e racionalizações. Queremos, aqui, perceber que há uma interface entre moral e ética que é indissociável. O importante desse estudo é dar destaque ao conceito de moral, e você compreender o comportamento humano em relação ao que é moral. Podemos dizer, recorrendo aos textos de Platão e Aristóteles, que, no Ocidente, a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates. Para Sócrates, o conceito de ética iria além do senso comum da sua época, o corpo seria a prisão da alma, que é imutável e eterna. Existiria um “bem em si” próprio da sabedoria da alma e que pode ser rememorado pelo aprendizado. Essa bondade absoluta do homem tem relação a uma ética anterior à experiência, pertencente à alma, e que o corpo, para reconhecê-la, teria que ser purificado.


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Aristóteles subordina sua ética à política, acreditando que na monarquia e na aristocracia se encontraria a alta virtude, já que esta é um privilégio de poucos indivíduos. Também diz que, na prática ética, nós somos o que fazemos, ou seja, o homem é moldado na medida em que faz escolhas éticas e sofre as influências dessas escolhas. Aristóteles, filósofo grego antigo, compartilha conosco a ideia de que o mundo essencialista é o mundo da contemplação. No pensamento filosófico dos antigos, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa. Para a ética essencialista, o homem era visto como um ser livre, sempre em busca da perfeição. Esta, por sua vez, seria equivalente aos valores morais que estariam inscritos na essência do homem. A partir dessa pequena introdução para a ética ocidental desses grandes pensadores, vamos então nos aprofundar nessa temática.

1.1 A moral e a ética ocidentais Dessa forma — para ser ético —, o homem deveria entrar em contato com a própria essência, a fim de alcançar a perfeição. Costuma-se resumir a ética dos antigos, ou ética essencialista, em três aspectos: 1. o agir em conformidade com a razão; 2. o agir em conformidade com a natureza e com o caráter natural de cada indivíduo; 3. a união permanente entre ética (a conduta do indivíduo) e política (valores da sociedade). A ética era uma maneira de educar o sujeito moral (seu caráter) no intuito de propiciar a harmonia entre o mesmo e os valores coletivos, sendo ambos virtuosos.

Para saber mais Há duas obras que gostaríamos de mencionar que poderão lhe servir de base para aprofundamento de estudos. Uma delas é de Adolfo Sanchez Vázquez, sobre a ética. A outra é uma obra de introdução à filosofia, com a contribuição de vários autores e organização da filósofa brasileira Marilena Chaui. Confiram a indicação bibliográfica das duas obras: 1. SANCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. 267 p. 2. CHAUI, Marilena; FERES, Olgária et al. Primeira filosofia: lições introdutórias. São Paulo: Brasiliense, 1987.


Princípios da ética e moral ocidental

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Não se pode imaginar a construção da ética e da moral ocidental sem considerar a contribuição do Cristianismo para essas duas dimensões. Por isso, vamos dar um pulo cronológico e ideológico e trazer dois pensadores que se destacam: Tomás de Aquino e Agostinho de Hipona.

1.1.1 Tomás de Aquino e Agostinho de Hipona Figura 1.1 Tomás de aquino

Fonte: Mishabender/Shutterstock (2014).

Com o Cristianismo romano, através de Tomás de Aquino e Agostinho de Hipona incorpora-se a ideia de que a virtude se define a partir da relação com Deus, e não com a cidade ou com os outros. Deus, nesse momento, é considerado o único mediador entre os indivíduos. As duas principais virtudes são a fé e a caridade.

Para saber mais É interessante conhecermos melhor quem é Tomás de Aquino, como ele viveu, o que o influenciou para ele ter essa expressividade através de seu pensamento e também como foi sua vida. Você pode encontrar essas informações no link: <http://www.infoescola.com/filosofos/ tomas-de-aquino>.


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Através do pensamento cristão, elaborado por Tomás e Agostinho, se afirma a ética do livre arbítrio, sendo que o primeiro impulso da liberdade dirige-se para o mal (pecado). O homem passa a ser fraco, pecador, dividido entre o bem e o mal. O auxílio para a melhor conduta é a lei divina. A ideia do dever surge nesse momento. Com isso, a ética passa a estabelecer três tipos de conduta; a moral ou ética (baseada no dever), a imoral ou antiética e a indiferente à moral. Outros pensadores vão ingressar nessa discussão ainda do círculo cristão e também de outras vertentes: Lutero, Copérnico, Descartes, Kant. Vejamos as suas contribuições. As profundas transformações que o mundo sofre a partir do século XVII com as revoluções religiosas, por meio de Lutero; científica, com Copérnico e filosófica, com Descartes, oprimem um novo pensamento na Era Moderna, caracterizada pelo Racionalismo Cartesiano — agora a razão é o caminho para a verdade, e para chegar a ela é preciso um discernimento, um método. Em oposição à fé surge, agora, o poder exclusivo da razão de discernir, distinguir e comparar. Esse é um marco na história da humanidade, que, a partir daí, acolhe um novo caminho para se chegar ao saber: o saber científico, que se baseia num método, e o saber sem método, que é mítico ou empírico. Figura 1.2 A humanidade busca o saber

Fonte: Pinkypills/Shutterstock (2014).


Princípios da ética e moral ocidental

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A ética moderna traz à tona o conceito de que os seres humanos devem ser tratados sempre como fim da ação e nunca como meio para alcançar seus interesses. Essa ideia foi contundentemente defendida por Immanuel Kant. Agostinho de Hipona é outra figura de grande expressão no pensamento ocidental quando se trata da ética e da moral. Agostinho e Tomás, santos reconhecidos da Igreja Católica, foram grandes pensadores também na área da teologia e da filosofia. Foram também os maiores representantes de dois movimentos — a patrística e a escolástica, que tinham a intenção de aproximar a fé e a razão. A linha de pensamento de Santo Agostinho girava em torno de dualismos, herança de Platão e dos maniqueístas orientais. Bem e mal, corpo e espírito eram totalmente separados. O filósofo condenava os pecados da carne e alegava que a fé era o essencial para a vida. Segundo Scofano, seguia uma lógica “primeiro eu creio, depois explico”. São Tomás de Aquino ia na contramão de Santo Agostinho, colocando a razão em primeiro lugar. Tentava até mesmo explicar a fé por meios racionais, alegando que podia provar a existência de Deus. Argumentava que tudo está em movimento e todo movimento é causado por alguém; desse modo, é preciso que haja uma causa inicial, um “primeiro motor”, como chamava. Além disso, constatou que é preciso que haja um Deus para que o universo esteja em tão perfeita harmonia (LINS, 2009).

Podemos, então, afirmar que esses dois pensadores tinham um grande cuidado e afinco em trazer para o mesmo nível fé, filosofia e religião. Parece-nos impossível, mas, se buscarmos suas obras, veremos que isso foi possível, dada a vasta obra dessas duas grandes expressões do pensamento ocidental.

Questões para reflexão Tomás propõe uma nova ética. Em que consiste essa nova ética?

Caro estudante, você viu até aqui os referenciais éticos e suas caracterizações e racionalizações. E também o que escreveram alguns pensadores em diferentes vertentes. Uma das condições para podemos entender alguns conceitos é verificar, na própria história, como há uma evolução de conceitos. Vamos lá.


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Estudar ética, falar de ética, refletir sobre a ética é, portanto, entender toda a dimensão da sociedade, da humanidade. A ética, por si só, não vai elaborar um manual de condutas, nem tampouco elencar um rol de atitudes certas e erradas. Embora a ética seja um assunto basicamente filosófico, seu campo de atuação e reflexão pode ser estendido por todas as áreas. A ética também se divide em vários campos do saber: teologia, filosofia, psicologia, direito, economia e outros. A ética como disciplina teórica busca explicar e indicar o melhor comportamento do ponto de vista moral, mas, como toda teoria, não se distancia da prática, porque é a prática do comportamento humano que a sustenta e tem como função fundamental “[...] explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes” (SANCHEZ; VAZQUEZ, 1970, p. 20). Os problemas teóricos da ética podem ser divididos em dois campos (VALLS, 1996): 1. os problemas gerais e fundamentais — liberdade, consciência, bem, valor, lei e outros; 2. os problemas específicos — aplicação concreta, ou seja, ética profissional, ética política, entre outros. Srour (2013) aborda sobre as acepções e confusões que a ética provoca. Ele considera que existam três tipos de acepções que podem causar confusões, porque ampliam demais as concepções da ética: 1. A ética é descritiva — que corresponde a juízo de valor, ou seja, quem tem boa conduta pode ser considerado uma pessoa ética, virtuosa e íntegra. Enquanto quem não condiz com as expectativas sociais pode ser considerado ‘sem ética’. Nesse sentido, Srour (2011) considera que a ética assume uma ideia simplista reduzida a um valor social, ou apenas um adjetivo. 2. A ética é prescritiva — a ética como “[...] sistema de normas morais ou a um código de deveres” (SROUR, 2011, p. 19), ou seja, os padrões morais que deveriam conduzir categorias sociais ou organizações passam a se chamar de código de ética; nesse sentido de prescrição, a ética e a moral tornam-se sinônimo indistinguível.


Princípios da ética e moral ocidental

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3. A ética é reflexiva — que corresponde à teoria de um estudo sistemático como objeto de investigação que, ao transitar por diferentes áreas, pode ser considerada: Ética filosófica — que reflete sobre a melhor maneira de viver (ideais morais). Ética científica — que estuda, observa, descreve e explica os fatos morais (a moralidade como fenômeno). É essa ética, com todas as suas nuances, que nos auxilia a compreender a construção da moral ocidental. O Brasil é um país muito característico nesse grupo e a partir de sua reflexão vamos voltar nosso estudo para o Brasil para percebermos melhor. Ainda de acordo com Srour (2013), a ética é perene e a moral é mutável. A ideia de ética é que ela não muda, a ética faz reflexões acerca dos costumes, que é o campo da moral. Para melhor compreendermos, no Brasil, temos a história da mulher como um bom exemplo de mudança de costumes e, por conseguinte, mudança de valores morais.

Para saber mais DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. Essa obra conta a trajetória das mulheres desde o Brasil no período colonial. O livro conta a história da mulher, os principais aspectos de seu tempo e interseções, como: família, trabalho, mídia, literatura, violência, entre outros. Figura 1.3 A conquista da mulher

Fonte: Divulgação/Editora Contexto (2014).


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Até a década de 1930, a mulher não podia votar e nem ser votada. Portanto, o sufrágio feminino foi uma conquista de equiparar a mulher ao homem e torná-la um membro da sociedade como qualquer outro, ou seja, uma pessoa participativa aos desígnios políticos do país. No cenário político nacional, a primeira mulher a se tornar deputada federal foi em 1933, e somente em 1979 foi eleita a primeira senadora. Em 2011 o país elege, pela primeira vez, uma mulher como Presidente da República. Se você observar os anos — 1933, 1979 e 2011 —, verá o quanto demora para que os valores se transformem e, ao mesmo tempo, depois de estabelecida a mudança, esses valores tornam-se tão familiares que nem mais pensamos nessa trajetória de conquista e transformação. No mundo do trabalho, a mulher conquistou espaço tardiamente, e, por esse motivo, várias são ainda as desigualdades entre a mulher e o homem no mundo do trabalho. Existem diversas pesquisas que apontam mulheres e homens com mesmo nível de escolaridade e mesma função, mas que têm salários diferentes. Veja, então, caro acadêmico, que não se pretende aqui fazer nenhum tipo de apologia à mulher, muito pelo contrário, porque a mulher não precisa disso, a mulher é só um bom exemplo para que possamos perceber o quanto ela se transformou e contribuiu pra a transformação da sociedade. Antes ela não votava e nem era votada, antes ela não trabalhava fora de casa, antes a sua vida limitava-se a cuidar de filhos e marido e da casa. E hoje? Figura 1.4 As mulheres na busca da igualdade de direitos

Fonte: Divulgação/Mujeres em Red (2014).


Princípios da ética e moral ocidental

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1.2 A moral é temporal e é reflexo dos costumes da sociedade A partir dessa reflexão sobre a mulher, podemos perceber que a moral são os costumes, são as práticas do comportamento humano e as práticas aceitáveis de uma sociedade. Então, como esses costumes, práticas e culturas mudam? Mudam quando a própria sociedade clama por mudanças ou quando, a partir de um movimento de um grupo, procura-se conscientizar o resto da sociedade da importância de pensar e agir diferente. Foi dado o exemplo da mulher, mas muitos outros são exemplos que se enquadrariam nesse momento para ilustrar essa transformação de valor e costume, a exemplo da homossexualidade, doenças que carregavam preconceitos e hoje não mais, entre outros. Pode-se dizer que a moral é mutável, como diziam os romanos — “o tempora, o mores” — ou seja, os costumes mudam com o tempo. Srour (2013, p. 56) elenca alguns itens para a compreensão do que vem a ser moral: É um sistema de normas culturais que pauta as condutas dos agentes sociais de uma determinada coletividade e lhes diz o que é certo ou não fazer; Depende da adesão de seus praticantes aos pressupostos e valores que lhes servem de fundamentos; Representa um posicionamento diante das questões polêmicas ou sensíveis e constitui um discurso que justifica interesses coletivos; Organiza expectativas coletivas ao selecionar e definir melhores práticas a serem observadas; Tem natureza simbólica, essência histórica e caráter plural, e seus cânones variam à medida que espelham as coletividades históricas que o cultivam.

Srour (2013, p. 57) ainda resume a moral comparativamente à ética: Por isso mesmo, as morais são as nervuras sensíveis das culturas e dos imaginários sociais, as peças de resistência que armam as identidades organizacionais, códigos genéticos das condutas sociais requeridas pelas coletividades. Assim sendo, enquanto as morais correspondem às representações mentais que dizem aos agentes sociais o que se espera deles, quais comportamentos são recomendados e quais não o são, a ética diz respeito à disciplina teórica e ao estudo sistemático dessas morais e de suas práticas efetivas.


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Acadêmico, você deve se perguntar continuamente por que dar tanta importância à ética. Alguns indicativos estarão elencados a seguir, porém há muitos outros que confirmam que a ética é importante, sim, para a sociedade e para a compreensão de como vai se construindo a moral. A ética é perene porque as suas reflexões são um curso contínuo e eterno; sempre haverá reflexões sobre a ética. Já a moral é temporal, porque, de acordo com o tempo, os costumes e valores de uma sociedade se modificam. A ética é universal porque as suas reflexões independem da cultura, sociedade ou tempo histórico, as suas reflexões cabem em qualquer lugar e em qualquer tempo, porque se referem ao comportamento humano. A moral é cultural porque em cada sociedade, em cada lugar, os costumes e valores serão diferentes. A ética é regra, porque não existe mutabilidade em suas reflexões, as suas reflexões é que podem ser realizadas perante as mudanças. A moral é conduta de regra, porque é preciso relacionar os valores para que a moral possa instituir a sua conduta. A ética é teoria porque está situada no campo das reflexões, enquanto a moral se refere às práticas do comportamento humano, seus costumes, seus hábitos e seus valores. Essas são as principais diferenças entre ética e moral, que ajudam para auxiliar na compreensão quanto às suas ramificações e desdobramentos.

Questões para reflexão Com tantos conceitos, você já é capaz de responder ao seguinte questionamento? Erroneamente, as pessoas referem-se à ética como um sinônimo de moral ou acham que moral é a mesma coisa que ética, ou seja, duas palavras que podem ser utilizadas para “avaliar e julgar” comportamentos. Partindo desse princípio, você, estudante, consegue diferenciar a ética da moral? Etimologicamente falando, ética é derivada do grego ethos, que significa costume, hábitos e valores de determinada coletividade. A palavra moral deriva do latim mos — ou mores, no plural — que também significa costume ou as normas adquiridas como hábito.


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A Ética é um saber científico que se enquadra no campo das Ciências Sociais. É uma disciplina teórica, um sistema conceitual, um corpo de conhecimentos que se torna inteligível aos fatos morais. Mas o que são fatos morais? São os fatos sociais que dizem respeito ao bem e ao mal, juízos sobre as condutas dos agentes, convenções históricas sobre o que é certo e errado, justo e injusto, o que é certo ou errado? Toda coletividade formula e adota os padrões morais que mais lhe convém (SROUR, 2013, p. 7-8).

Portanto, do ponto de vista etimológico, ética e moral significam a mesma coisa, contudo há o limiar tênue entre uma e outra. E isso você poderá observar à medida que vamos nos aprofundando no assunto. Veja, então, resumidamente: “A ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de comportamento dos homens, ou da moral, considerado, porém, na sua totalidade, diversidade e variedade” (SANCHEZ; VAZQUEZ, 1970, p. 21). A moral é o estudo dos costumes de uma determinada sociedade numa determinada época e lugar. Para aprofundar nosso conhecimento sobre ética e moral, mais detidamente sobre definições de ética e moral, e também sobre as variantes éticas, ou novos campos em que a ética vai se mostrar importante como fator determinante para os rumos da humanidade, é preciso lançar alguns questionamentos: Por que, aliás, ética e não moral? Impõem-se aqui algumas definições, suficientemente abertas e flexíveis, para não congelar, desde o princípio, a análise. A etimologia não poderia nos guiar em nada nesta tarefa: ta êthé (em grego, os costumes) e mores (em latim, hábitos) possuem, com efeito, acepções muito próximas uma da outra; se o termo “ética” é de origem grega e “moral”, de origem latina, ambos remetem a conteúdos vizinhos, à ideia de costumes, de hábitos, de modos de agir determinados pelo uso. Contudo, apesar deste paradoxo que a análise etimológica nos assinala, há que operar uma distinção entre a ética e a moral. A primeira é mais teórica que a segunda, pretende-se mais voltada a uma reflexão sobre os fundamentos que esta última (RUSS, 1999, p. 7-8).


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Questões para reflexão Uma pergunta pertinente após essa reflexão que acabamos de fazer vai para o questionamento do campo da moral: afinal, qual é o campo da moral? O campo da moral, pela sua mutabilidade, se torna um campo vasto, em que se possibilita uma multiplicidade de ações. Até porque a moral é oriunda das ações e interações humanas. A moral, portanto, está em toda parte, nas escolas, nas igrejas, nos hospitais, nas organizações privadas e públicas. É através da moral que os códigos de convivência são estipulados, para que as pessoas se comportem adequadamente e também para que haja harmonia na interação humana e da instituição. Do ponto de vista dessas ações humanas, existem dois universos que se constroem perante o fim de suas ações: universal e particular. Na administração pública, por exemplo, os atos administrativos devem estar voltados ao universal, porque as suas ações sempre devem preservar o interesse coletivo; portanto, no meio da administração pública não cabem atos administrativos voltados ao interesse particular. O campo da moral é vasto; a moral é o alicerce para que a sociedade possa estipular as suas regras de convivência. Portanto, condutas morais não são exclusividade da administração pública, as condutas morais estão presentes a todo tempo e em qualquer lugar. Se você for um servidor público, legislador, ou, quem sabe, um responsável na elaboração de políticas públicas, ou simplesmente um cidadão, deve se perguntar: quem são as pessoas que irão se beneficiar com a minha ação? Quais são as atitudes mais apropriadas para que um maior número de pessoas possa se beneficiar com as minhas atitudes? A minha ação é de interesse próprio ou de interesse coletivo? Essas perguntas e tantas outras ajudam a sinalizar em qual campo da moral se encaminham as nossas ações. Segundo Srour (2013), existem dois universos que se podem tomar como o início para melhor compreensão da prática moral: particularismo e universalismo.


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Figura 1.5 Universalismo e particularismo

UNIVERSALISMO • É consensual porque interessa a todos: o bem de uns e o bem de outros não rivalizam. • Os interesses pessoais, grupais ou gerais se realizam sem prejudicar ninguém.

PARTICULARISMO • É abusivo porque o bem de uns causa mal aos outros. • Os interesses pessoais ou grupais se realizam à custa dos interesses alheios.

Fonte: Srour (2013, p. 9).

O universalismo dita as condutas morais positivas, em que existe o consenso para que o bem comum seja preservado. Nesse sentido, mesmo quando existem ações voltadas ao interesse de uma minoria ou de um grupo específico, ainda assim esses interesses não vão se confrontar com o interesse dos demais. Não há uma rivalidade de interesses, pelo contrário, a satisfação dos interesses se dá de forma consensual. No particularismo, os interesses pessoais ou de um grupo se prevalecem em detrimento do interesse de outros, por isso são práticas negativas. Não há um consenso de quem precisa mais, para que as práticas nesse universo sejam realizadas de forma consensual e em preservação do bem comum. Pelo contrário, existe uma rivalidade de interesses para que a vontade de uns se realize independente da necessidade de um ou de outro ser maior. A administração pública, por exemplo, está na esfera do universalismo, e é por isso que ela existe e é dessa forma que ela deve servir aos cidadãos. Mas o servidor público, que é o condutor da prática do serviço público, poderá se encontrar na polaridade da escolha entre universalismo e particularismo, em pequenas atitudes do seu cotidiano. O que o autor chama de fato social é qualquer ação neutra; por exemplo, cumprir com as minhas obrigações no trabalho. Fato moral já implica uma atitude positiva ou negativa, ser conivente ou agente de práticas ilícitas no trabalho (negativa), denunciar práticas negativas no trabalho (positiva). Então: Fatos sociais — são aqueles que não afetam os outros, nem para o bem e nem para o mal, portanto são eticamente neutros;


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Fatos morais — podem ter efeito positivo, numa visão universalista (causam benefícios aos outros) ou particularista (não causam benefícios aos outros). Nesse sentido, voltando ao exemplo da administração pública, não se pode efetuar somente fatos sociais, muito pelo contrário, é preciso que os fatos morais universalistas e positivos se tornem recorrentes para que se evitem práticas irregulares ou ilícitas. Por isso, também nos perguntamos: o que é moral, amoral, ou imoral? Como diferenciar esses princípios? O que é agir conforme a moral? O que é o agir imoralmente? O que é uma atitude amoral? Como podemos diferenciá-los? De forma bem resumida, pode-se dizer que: Moral — é agir conforme os valores da sua organização ou sociedade sem prejudicar os outros. Imoral — é uma atitude que vai contra as normas e valores de uma organização ou sociedade e que prejudica os outros. Amoral — quando uma atitude não influi nem positivamente e nem negativamente, ou seja, uma ação neutra. Pode-se concluir que uma atitude moral é uma ação positiva, uma atitude imoral é uma ação negativa e uma atitude amoral é uma ação neutra. Dessa forma, o âmbito da moral é decidir como agir, é uma questão da prática, enquanto que o âmbito da ética é refletir sobre essas ações e suas implicações na felicidade humana. As questões de legalidade, ilegalidade, moralidade e imoralidade apresentadas por Srour (2013) são muito importantes para que se possa observar, na prática, o que há de legal e moral nas ações do nosso cotidiano. Nem tudo que é legal é moral e nem tudo que é moral é legal. Vejamos algumas situações apresentadas por Srour (2013, p. 59), de acordo com o quadro que segue: Quadro 1.1 Legalidade e moralidade Quanto à legalidade?

Quanto à moral?

Exemplo:

LEGAL

MORAL

Treinamento de funcionários patrocinado por uma empresa.

LEGAL

IMORAL

Falta de correção da tabela do Imposto de Renda por longos anos, sob a alegação de que fazê-lo seria introduzir o instituto de correção monetária.

ILEGAL

MORAL

Desrespeito aos sinais vermelhos de madrugada nas grandes cidades pelo receio de assaltos.

ILEGAL

IMORAL

As fraudes em licitações públicas.

Fonte: Adaptado de Srour (2013, p. 59).


Princípios da ética e moral ocidental

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Caro acadêmico, os textos que apresentamos até o presente momento posicionaram o debate em torno da ética e da moral, a partir da forma de como, nos diversos momentos da civilização ocidental, filósofos posicionaram seus estudos, suas formas de responder à dinâmica vital, ao desafio da existência. Assim, podemos constatar que os desafios éticos e morais do mundo antigo diferenciavam-se dos desafios éticos e morais do mundo medieval e estes dos desafios do mundo ocidental moderno e contemporâneo. Na próxima seção, vamos estudar como a individualidade e a coletividade contribuem para a evolução da sociedade. Até lá.

Atividades de aprendizagem 1. O fato social é a causa principal da teoria sociológica, que constitui em qualquer forma de instigação sobre os indivíduos que são obtidos como uma coisa exterior a eles, tendo uma duração sem laços e estabelecida em toda a sociedade. Na administração pública, temos fatos sociais e fatos morais. Perante essa afirmação, associe os itens a seguir: I. Moral II. Imoral III. Amoral (

) é optar como atuar, é uma questão de costume.

(

) quando uma posição não contribui nem corretamente e nem negativamente.

(

) atuar de acordo com os valores da sua instituição ou sociedade.

(

) é uma decisão que vai em contraposto aos preceitos e valores de uma entidade.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: (

) I — III — I — II.

(

) II — I — III — II.

(

) III — II — I — III.

(

) I — II — III — I.


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2. A moral é a base da ética que o indivíduo pratica em sociedade, porém este indivíduo tem que obedecer a normas impostas como um sistema normatizador. Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: (

) As práticas morais são estabelecidas em cada um dos grupos sociais, como família, trabalho, religião, clube, entre outros.

(

) As práticas morais não se modificam e nem se transformam ao longo da história da humanidade.

(

) Fatos sociais são ações positivas ou neutras, que se destacam dentro da área social.

(

) Fatos morais são ações neutras ou dinâmicas.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

( ) V — F — F — F. ( ) F — F — V — F. ( ) V — V — F — V. ( ) F — V — V — V. 3. A consciência moral pode ser considerada um ato concreto, reconhecido e identificado pela pessoa humana. Nesse sentido, a consciência moral é entendida como costumes e hábitos que se referem à morada de um povo ou sociedade, resultando na ética. Diante desse pressuposto, analise as sentenças a seguir: I. Uma das funções da ética é indicar o melhor comportamento individual ou grupal. II. O comportamento se pauta nos princípios morais, culturais, financeiros de cada sociedade para, se possível, desenvolver a ética. III. A ética ampara a orientação sobre a realidade cotidiana de cada povo, buscando valorizar seus preceitos conforme o comportamento correspondente de cada grupo social. IV. A ética é um princípio interligado à moral, porém com ideias diferentes; um direciona a conduta, enquanto o outro torna as ações materiais.


Princípios da ética e moral ocidental

Agora, assinale a alternativa CORRETA: (

) As sentenças I e III estão corretas.

(

) As sentenças II e III estão corretas.

( ) Somente a sentença IV está correta. (

) As sentenças III e IV estão corretas.

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Seção 2

Individualidade e coletividade

Nossa carteira de identidade traz a foto/imagem do nosso rosto. As formas do nosso rosto indicam algumas de nossas características, que são muito pessoais. Essas características indicam nossa identidade pessoal e intransferível, pelo menos visualmente, a não ser que tenhamos um gêmeo univitelino, e através de uma foto não se pode identificar as diferenças. Para chegarmos ao entendimento do conceito de sociedade, o que é sociedade, vamos destacar algumas palavras-chave imprescindíveis. A primeira palavra que quero destacar é “indivíduo”. Entre vários significados, pontos de vista para conceituar indivíduo, que parece ser mais complexo para entender do que a própria sociedade, vamos tomar o caminho do conceito do indivíduo como distinto, mas nem por isso incomunicável com outros indivíduos.

2.1 O indivíduo e a coletividade Figura 1.6 Indivíduo

Fonte: Pogonici/Shutterstock (2014).


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A singeleza da imagem na figura anterior mostra o indivíduo como tantos outros, junto, porém com suas peculiaridades; no caso, a cor o diferencia, mas sabemos que o que realmente diferencia um indivíduo de outro, via de regra, não é visível aos olhos. Trata-se, sempre, da questão de identidade. De saber quem somos e como somos; de saber por que somos. Sobretudo quando nos damos conta de que o homem se distingue dos animais por ter a capacidade de se identificar, justificar e singularizar. De saber quem ele é. De fato, a identidade social é algo tão importante que o conhecer-se a si mesmo através dos outros deixou os livros de filosofia para se constituir numa busca antropologicamente orientada (DAMATTA, 1997, p. 15).

A etimologia da palavra indivíduo nos reporta ao latim “individuus”, dividindo-se em “in” que indica negação, não, mais “dividuus”, divisível, dividir. Juntando-se essas duas palavras, não divisível, entendemos que indivíduo é o que não se divide, que não se pode multiplicar, ou numa linguagem mais cinematográfica, não se pode replicar. Carl Gustav Jung, por sua vez, definiu individuação como um processo por meio do qual uma pessoa se torna consciente de sua individualidade. Individualidade pode ser definida como o conjunto de atributos que constituem a originalidade, a unicidade de uma criatura, e que a distingue de outras tantas; é o somatório das características inerentes à alma humana. Toda criatura que se individualizou tornou-se um ser homogêneo, pois não mais procura comparar-se com os outros, admite a sua singularidade. A questão que se coloca a partir desses conceitos — indivíduo e coletivo — é a seguinte: constituímo-nos como humanos a partir das relações que estabelecemos societária e culturalmente. Porém, em que circunstância é possível falar de individualidade e coletividade? O humano não estaria preso aos imperativos da coletividade social que o determinam? Em que contexto se estabelecem as possibilidades para a manifestação de traços característicos de cada indivíduo, demarcando suas diferenças em relação à totalidade cultural e societária em que se encontra inserido? Como somos parte de uma cultura? Como passamos a conviver como seres sociais pertencentes a um mesmo grupo e sociedade? Acompanhemos o instigante relato a seguir, acontecido no início do século XX, na Índia:


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Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente numerosos, descobriu-se em 1920 duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família (?) de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinha nada de humano e seu comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos. Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre. Comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra. Eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam. Kamala viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se (?) lentamente. Necessitou de seis anos para aprender a andar e, pouco antes de morrer, tinha um vocabulário de apenas cinquenta palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela, bem como às outras com as quais conviveu. Sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se por gestos, inicialmente e, depois, por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples (PROJETO UNISINOS, 2013). A história que acabamos de ler nos coloca diante de um fato verídico e que pode contribuir para que nos aproximemos da compreensão de quanto nossa constituição humana depende do convívio social e cultural em que nos inserimos. Amala e Kamala, as meninas-lobo, na medida em que sua linguagem, seus hábitos e costumes não condiziam com os padrões societários e culturais humanos, não alcançaram os parâmetros de humanização convencionados e constitutivos de nossas civilizações. Mesmo que se reconheça, a partir de sua constituição física, traços de seres pertencentes à espécie humana, não se pode falar plenamente de sua humanidade, na medida em que não aprenderam a fazer uso da fala, da linguagem, da comunicação que articula as relações intersubjetivas humanas. Esta é uma das principais características dos seres humanos: a capacidade de olhar para o mundo e criar signos e símbolos que o expressem em sua totalidade. E, por


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fim, as meninas-lobo não demonstravam capacidade de conferir um sentido ao mundo, de manifestar qualquer forma de interpretação ou de relação espacial, temporal e histórica.

Questões para reflexão A partir de que momento passamos a fazer parte da coletividade?

Esse relato, assim como tantos outros relatos que se tornaram clássicos na antropologia, nos permite constatar, num primeiro momento, a singularidade do homem diante da natureza em função de sua capacidade de dar sentido à realidade, ao mundo em que se insere. Mas, também, de reconhecer as especificidades e diferenças constitutivas de cada indivíduo partícipe de uma mesma sociedade e cultura. Ou seja, cada um de nós, na sua experiência com o mundo, com a realidade, como os demais seres humanos em seu entorno, é capaz de interpretar, significar e ressignificar a vida, o mundo, de acordo com suas especificidades, mesmo que vinculadas às convenções societariamente estabelecidas. Reconhecer a individualidade e a diferença do homem no âmbito social e cultural em que se encontra inserido torna-se antropologicamente significativo para interpretarmos as contradições que os homens enfrentam cotidianamente em tempos de homogeneização social e cultural em que se inserem as sociedades de massa características de nossos tempos. Para além da redutibilidade das relações de reprodução e consumo a que milhões de indivíduos estão submetidos, é fundamental reafirmarmos que somos únicos e dotados de subjetividade articulada a partir da multiplicidade de relações sociais e culturais em curso na atualidade. Segundo Rouanet (1993, p. 149), a Modernidade foi marcada por três características principais: “[...] o cognitivismo, o individualismo e o universalismo”. Ou seja, a capacidade de a razão humana conhecer por conta própria, a atitude individual na busca de sua autorrealização, o que inclui o conhecer e o prazer de viver, e a noção de uma natureza humana universal, a partir de algumas características comuns a todas as pessoas. Já o nosso tempo é, em grande medida, um tempo de relações marcadas pela funcionalidade e, portanto, impessoais. Tendemos para o utilitarismo, em que somente tem sentido e validade aquilo que é útil. Esvazia-se cada vez mais


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o vínculo com o social, com a comunidade de pertencimento e de sentido. Nesse contexto, torna-se urgente e necessário fomentar o pensamento crítico e criativo que demarca a individualidade e singularidade de cada indivíduo na constituição de sua autonomia. Condição necessária para que se preservem as prerrogativas políticas e éticas sobre as quais se assenta a capacidade do agir humano na busca do bem viver e da felicidade humana. Dessa forma, uma das características marcantes de nosso tempo é o comodismo, senão o conformismo diante de situações que agridem frontalmente a autonomia de indivíduos, povos e culturas. É importante questionar as imposições sociais, os imperativos da gestão utilitarista da vida capitaneada pela lógica econômica global de mercado e sua pretensão de transformar relações e seres humanos em mercadorias consumíveis e descartáveis, subvertendo e aniquilando as potencialidades críticas e criativas constitutivas do humano. Assim, para compreender melhor essa dimensão do coletivo, recorrermos a Santos (2006, p. 73), que nos esclarece que: Os interesses coletivos são expressão do espírito associativo do homem. Dizem respeito ao homem associado, socialmente agrupado, membro de grupos ou comunidades, com algum grau de organização, que medeiam entre o indivíduo e o Estado. Desvinculam-se dos interesses concretos de cada indivíduo para assumir contornos de um interesse abstrato, da coletividade, do grupo.

Nesse sentido, um dos grandes desafios é conviver com as diferenças, com o coletivo que em seu seio carrega o indivíduo, buscar as possibilidades de realização pessoal no âmbito das possibilidades e contradições societárias de nossos dias. Tal postura é característica de quem reconhece o fato de que construímo-nos como seres humanos, que nossa individualidade participa de uma determinada cultura e que, sob tais condições, a tarefa sine qua non de uma vida é contribuir para o engrandecimento cultural e social da humanidade em sua totalidade. Nesse caso, é possível falar de fenômeno coletivo quando, desvanecidos os interesses individuais originários, busca-se uma nova realidade, o que torna o interesse coletivo direto e pessoal para o grupo, legitimando-o a representar essa coletividade como um todo. Portanto, os interesses coletivos valem-se dos grupos como veículos para a sua exteriorização, pois a existência do grupo, pelo fato de presumir um mínimo de coesão de organização e estrutura, possibilita a aglutinação e coesão dos interesses, dando-lhes o caráter coletivo.


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Em todas as esferas do fazer humano, se apresenta o desafio de tornar uma sociedade, uma comunidade, ou o local em que vamos atuar e, mesmo, viver, em um local de ações mútuas de solidariedade, de coletividades cooperativas em torno de problemas comuns, bem como de suas possibilidades de resolução. Em tempos de competição, de medo, insegurança e individualismo, torna-se urgente reafirmar o princípio da autonomia, do uso, por parte dos indivíduos em sua individualidade, da razão em seu âmbito público e privado. Figura 1.7 Somos livres?

Fonte: Gazlast/Shutterstock (2014).

Nós, seres humanos, devemos obedecer a certos imperativos da natureza, como a necessidade de nos abrigar, nos alimentar e nos reproduzir. A maneira pela qual fazemos isso, entretanto, difere da dos outros animais qualitativamente. Não nos comportamos em função de uma programação inata e instintiva, como eles. Se assim fosse, não haveria diferentes visões de mundo e diferentes formas de agir ao longo das gerações. A nossa espécie, porém, por força das pressões evolutivas a que fomos submetidos em nossa formação, desenvolveu um mecanismo que possibilita modificar nosso comportamento e adotar diferentes soluções para resolver as demandas da vida, o que permitiu nossa ocupação de diversos nichos ecológicos por todo o planeta. Ao contrário dos animais, não nascemos sabendo como agir para solucionar nossas demandas naturais, instintivamente. Precisamos de um longo aprendi-


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zado para adquirir os conhecimentos necessários para sobrevivermos. Esse período é chamado de processo de socialização ou endoculturação: aprendizado contínuo da cultura da sociedade à qual pertencemos e que é, dessa forma, interiorizado em nós, nos guiando em nossas práticas. Seria impossível sobrevivermos sem pertencer a uma comunidade, em função do caráter social e gregário de nossa espécie. Entretanto, a comunidade não sobrevive sem que aqueles que a compõem compartilhem de regras mínimas de convivência e crenças que orientem os indivíduos em suas ações. A cultura, que faz isso, é produto de nossas interações sociais e nos é legada pelas gerações que nos precederam. Nascemos num mundo social que nos transmite uma tradição, representada por nossa cultura, a qual nós modificamos por nossas ações e questionamentos. Nosso tempo apresenta, portanto, enormes desafios éticos que decorrem da diversidade cultural das sociedades contemporâneas, do consumismo, do individualismo, do hedonismo, do desprezo ao próximo e à natureza, gerando um quadro de crise que tem sérias implicações sobre a ética, sobre os valores e sobre a responsabilidade tanto do indivíduo quanto de toda a coletividade.

Para saber mais A palavra VALOR tem sua raiz no latim, valere, e significa coragem, bravura, o caráter o homem; daí por extensão significa aquilo que dá a algo um caráter. 1. A noção filosófica de valor está relacionada por um lado àquilo que é bom, útil, positivo; e, por outro, à prescrição, ou seja, a algo que deve ser realizado. 2. Do ponto de vista ético, os valores são os fundamentos da moral, das normas e regras que prescrevem a conduta correta (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 268).

Hoje, mais do que nunca, é preciso possibilitar ao indivíduo e por conseguinte à coletividade uma verdadeira experiência de vida grupal, de formação humana que leve as pessoas a serem agentes integrados e comprometidos na transformação do ambiente em que vivem, e não acharem que isso não tem nada a ver com elas. Essa é a genuína cultura da solidariedade que inclui o indivíduo na sua individualidade, este indivíduo fazendo parte de uma coletividade. Cultura da solidariedade diz mais que práticas solidárias. Vai mais fundo. Significa criar um imaginário cujos símbolos segreguem aliança, fraternidade. Nela o símbolo (syn+ballein) realiza sua vocação etimológica de unir


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opondo-se ao diábolo (dia+ballein) que divide. Sem cair no dualismo grotesco de demonizar a realidade que se opõe a nossa posição, é inegável que a solidariedade se situa do lado sim+bólico, da união, da comunhão, da cooperação, enquanto o sistema vigente com a lógica da troca competitiva é dia+bólico, dividindo as pessoas dentro de si em desejos opostos, dentro da família com competição entre seus membros, dentro das classes jogando os indivíduos uns contra os outros, dentro da sociedade em classes antagônicas. Tudo regido pela competição, concorrência insolidária (LIBÂNEO, 2012, s. p.).

Em tudo isso não podemos perder a dimensão da individualidade do homem e da possibilidade que ele tem de criar mecanismos de mudança dentro da coletividade. O homem, pelas ações que realiza, faz com essa teia de relações preestabelecidas possa ser reconstruída pelos próprios indivíduos, no sentido de estabelecer novos princípios para a sociedade. De acordo com Srour (2013, p. 45), existem dois tipos de interesses pessoais: egoísta, “[..] quando beneficia exclusivamente o indivíduo à custa dos outros e, portanto, assume feições abusivas e particularistas”; e autointeresse, “[...] quando beneficia o indivíduo sem prejudicar outrem, e, portanto, assume feições consensuais e universalistas, pois salvaguarda a individualidade e interessa a todos”.

Questões para reflexão O humano não estaria preso aos imperativos da coletividade social que o determinam? Observamos que a constituição de um homem, enquanto indivíduo, só pode ser feita por meio de suas relações com os outros em sociedade. E é nessa interação social que o indivíduo forma sua consciência moral, além de constituir seus anseios, desejos e sonhos. O que se espera de uma coletividade que se vê desafiada pelos seus indivíduos é que seja capaz de: orientar as pessoas e os recursos materiais e financeiros para a promoção humana;


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manter uma atitude crítica frente às propostas políticas vigentes; vivenciar o espírito de partilha e ajuda mútua na comunidade educativa; realizar campanhas comunitárias diante das situações emergentes. A participação ativa e efetiva das pessoas na vida política e social é um grande desafio, como forma de externar a cidadania que todos almejam. No texto a seguir, lemos, entre conceitos, o que vem a ser cidadania, os direitos e deveres do cidadão, algo que deveria estar entranhado em nossas vidas, porém, sabemos, não são tão conhecidos, muito menos praticados em nossa sociedade. Considerando que o indivíduo só se torna humano a partir de sua interação com os demais seres humanos, torna-se impossível isolar o ser individual da sociedade. Essa interação é padronizada pela cultura. O indivíduo, como membro de uma sociedade, tem um comportamento modelado em função de suas potencialidades hereditárias e das normas e padrões de sua cultura. Participa, desde o nascimento, de um sistema social, sendo herdeiro de uma tradição cultural mantida pelos seus antepassados e transmitida de geração a geração. A partir do nascimento, a criança é submetida a um processo contínuo de aprendizagem que se prolonga por toda sua vida, com fases de maior ou menor apreensão. É o condicionamento consciente e inconsciente do indivíduo, orientando-o e canalizando seus impulsos pessoais para as expectativas da sociocultura. Ao mesmo tempo, leva-o a evitar comportamentos antissociais, sujeitos a punições e sanções. Trata-se da endoculturação, processo através do qual o comportamento humano é modelado culturalmente e organizado socialmente. Resulta na produção de personalidades que caracterizam individualmente os membros de um grupo. Os antropólogos preocupam-se com as formas que os indivíduos utilizam para assimilar sua cultura e adaptar-se convenientemente. Assim, para esses especialistas, a educação é um processo amplo, não apenas o desenvolvido pelas instituições oficiais, mas também todo tipo de socialização que tenha como resultado a aquisição de cultura e, portanto, de personalidade. A família, os amigos e a sociedade, com seus meios de comunicação, exercem papel preponderante na assimilação de normas de conduta e atitudes e na formação dos sistemas de valores. Nas sociedades simples, a educação se processa naturalmente por indivíduos e grupos (família, grupos etários etc.), oralmente, sendo relativamente orientada. A aprendizagem é feita mais por participação, ou seja, o menino, o jovem e o


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adulto aprendem toda a tradição cultural ao participar das atividades próprias de cada setor cultural, dos ritos e cerimoniais, onde mitos e lendas são narrados pelos mais velhos e memorizados pelos mais novos.

Questões para reflexão Em que contexto se estabelecem as possibilidades para a manifestação de traços característicos de cada indivíduo, demarcando suas diferenças em relação à totalidade cultural e societária em que se encontra inserido? Submetido à endoculturação, o indivíduo estará em condições de participar plenamente de sua sociedade, tendo seu comportamento adaptado a modos culturalmente aceitos. Nesses grupos, a aprendizagem mais formal ocorre sempre por ocasião da puberdade, tanto masculina como feminina. Nos rituais pubertários, o jovem não apenas é submetido a provas de resistência física e disciplinar, como também se inicia nos segredos do grupo, nos mitos, na religião e em todo sistema de valores que norteia e forja sua personalidade e os papéis que deverá desempenhar durante sua vida. Exemplo: entre os Xavantes, grupo tribal brasileiro do Mato Grosso, a educação é feita, em grande parte, pelos grupos de idade mais avançada, que se responsabilizam em ensinar os integrantes de grupos etários mais novos. É um método de aprendizagem em que o menino e o jovem são iniciados, por um instrutor natural, na tradição xavante. Todos os setores culturais são atingidos e a personalidade molda-se dentro das exigências do ambiente social.

Atividades de aprendizagem 1. A origem da palavra cidadania vem do latim civitas. Sobre a definição de cidadania, analise as afirmativas a seguir: I. Cidadania é o encontro dos chamados novos direitos de uma sociedade, auxiliada pelo Estado, desde que não envolva ações que garantam direitos humanos.


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II. Cidadania é a ação do Estado através de lei e que tem como princípio observar e garantir os direitos humanos, através do Estatuto da Criança e do Adolescente. III. Cidadania é a garantia dos direitos coletivos através da gestão pública, que deve cumprir suas ações sociais e emergenciais, atenta às necessidades de sua sociedade. IV. Cidadania expressa um conjunto de direitos e deveres que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Assinale a alternativa CORRETA: (

) Somente a afirmativa IV está correta.

(

) Somente a afirmativa I está correta.

(

) Somente a afirmativa III está correta.

( ) Somente a afirmativa II está correta. 2. O comportamento de uma sociedade é resultado de sua consciência. Essa sociedade, por sua vez, é composta por valores, princípios e hábitos morais que influenciam a subjetividade do sujeito. Sobre a subjetividade, assinale a alternativa CORRETA: (

) A subjetividade do sujeito sofre influência do meio em que ele está inserido.

(

) A subjetividade do sujeito não é influenciada pelo meio em que ele se desenvolve.

(

) A subjetividade do sujeito é inalterável, ele nasce e se desenvolve sem que ela se modifique.

(

) A subjetividade dos sujeitos de uma mesma sociedade é idêntica, pois o meio a define totalmente.


Princípios da ética e moral ocidental

Seção 3

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O determinismo, a liberdade e a subjetividade social

Conceber o ser humano em suas várias dimensões constitutivas é condição necessária para compreendermos o homem como um ser para a liberdade. A questão da liberdade é desafiadora, pois imediatamente nos coloca diante de problemas cruciais, para os quais talvez não se encontrem respostas conclusivas ou mesmo satisfatórias.

Questões para reflexão Somos totalmente livres? Como definir liberdade? Ao definir liberdade, não estaríamos inviabilizando-a, limitando-a? Ou seria constitutiva da liberdade a clarividência dos limites das ações e intenções humanas na vida em sociedade? Como ponto de partida, talvez se possa dizer que, embora o homem não possa ser totalmente livre, ele não suportaria viver sem o pressuposto da liberdade. Para situarmos adequadamente a questão da liberdade, analisemos um preso: para ele, a liberdade é concebida como a possibilidade de sair da prisão. Para os cidadãos que em sua cotidianidade respeitam regras e convenções sociais, há certa sensação de liberdade quando se tem a garantia de que em seu meio não se encontra aquele indivíduo que afronta violentamente a ordem legalmente estabelecida e legitimada na vida em sociedade. Tomo outro âmbito de análise: um adolescente pode imaginar que a liberdade se alcança na medida da independência em relação aos pais, embora seu sustento e suporte educacional e legal sejam garantidos pelos progenitores.


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Figura 1.8 A frágil liberdade

Fonte: Gts/Shutterstock (2014).

3.1 Nascidos para a liberdade A busca por ser livre e a afirmação da liberdade assumem tamanha importância e intensidade que se confundem com a própria vida. Como projeto existencial que se realiza no espaço e no tempo, o homem é convocado a ser livre, a pensar e colocar em jogo a vida na incessante busca de realização da liberdade. Opções se apresentam no horizonte existencial de possibilidades, escolhas são feitas (mesmo que se possa apontar para os condicionamentos sociais, políticos, econômicos e culturais) e em torno delas vamos tecendo a teia de nossas vidas. Vida e liberdade, ou mesmo ausência dela, nos acompanham existencialmente e exigem constante posicionamento. Se afirmarmos que a liberdade é a meta dos seres humanos, então é possível constatar o anseio pela liberdade no decorrer do tempo histórico da aventura do homem sobre a Terra. Não houve período na história dos mais diversos povos e sociedades em que a questão da liberdade não se apresentou registrada em suas mais diversas formas. Em todos esses períodos, encontramos homens lutando apaixonadamente pela liberdade e, consequentemente, não houve época em que tal anseio, ao mobilizar a totalidade das forças humanas, não tenha custado a vida de milhares de seres humanos.


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Para saber mais No link <http://www.anarquista.net/escravidao-moderna> você vai encontrar um texto muito interessante sobre a “escravidão moderna”, com todas suas nuances, suas características e seus desdobramentos. Vale a pena ler.

A luta contra a escravidão, contra a tirania de reis, de imperadores e seus impérios, contra as imposições dogmáticas e ortodoxas das religiões, enfim, contra todas as formas de impedimentos e do direito dos homens investigarem e conhecerem o mundo, de expressar suas ideias, perpassa os mais diversos povos e países em diferentes tempos e espaços geográficos. A liberdade define a humanidade nos homens. O poema de Vicente Carvalho retrata bem essa ideia dizendo que “[...] a felicidade está sempre onde a pomos e nunca a pomos onde estamos”. O exercício da liberdade se efetiva no âmbito social e, por isso, a ética tem uma dimensão social na distribuição do Bem Comum. Assim sendo, reservamos este espaço para você aprender, além do que já aprendeu anteriormente, que a ética não é um exercício que se restringe à dimensão individual, mas está ampliada socialmente. Vamos aqui nos reportar mais uma vez ao pensamento aristotélico que afirma ser o homem um “[...] animal gregário ou social por natureza”. Contudo, a vida social nos remete a outras relações e dimensões e, mais especificamente, ao Bem Comum. O bem que é compartilhado por todos. Nesse sentido, podemos elencar, em nosso cotidiano, todos os elementos que o constituem: as instituições públicas, as verbas para a manutenção do Estado e a distribuição desta, a rua com a nossa vizinhança, dentre muitos outros elementos, o nosso trabalho para gerir a nossa vida em comunidade. Por isso, há uma área da ética que lança luzes sobre a questão: a Ética Social. Como isso funciona? A ética estuda o comportamento ético dos sujeitos nas sociedades de forma geral. Essa leitura ética está focada no modo como a pessoa vive com o outro, que, em suas relações, forma o tecido social. Ora, toda pessoa busca um fim, que é a felicidade. Portanto, todos procuram esse mesmo fim, que é o Bem Comum. Este, por sua vez, é o conjunto de condições sociais que permite e favorece aos membros da sociedade o seu desenvolvimento pessoal e integral (ALONSO; LÓPEZ; CASTRUCCI, 2010, p. 90). A dimensão objetiva do homem o lança numa relação de contradição com a natureza em sua dimensão microcósmica e, a partir da superação resultante


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do enfrentamento dessa contradição, constitui-se o mundo em sua realidade macrocósmica. Ou seja, o mundo como totalidade que abriga a vida em sua totalidade e, necessariamente, a vida humana. Como partícipe do mundo natural, o homem buscou, desde tempos imemoriais de sua aventura humanizante, se situar e se constituir dentro da natureza, mas, sobretudo, transcendendo seus imperativos cíclicos e necessários. Esse esforço de superação o conduziu à sua afirmação como ser social, construindo sociedades, organizando a vida em agrupamentos cada vez maiores e, consequentemente, articulando relações complexas em suas dimensões culturais, econômicas, políticas e sociais. O homem descobre-se num primeiro momento como ser-no-mundo, para num segundo momento conceber-se como sujeito e protagonista do mundo por ele articulado. As exigências do exercício de seu protagonismo diante do mundo o conduzem a querer conhecer e intervir diretamente nas leis da natureza. Desenvolve um olhar científico como forma de investigar os fenômenos naturais. Constata que conhecer é poder. Poder científico e técnico de intervenção e controle das variáveis naturais que conformam sua existência. Portanto, a objetividade pode ser anunciada como uma das categorias fundamentais da constituição do humano. O homem, em sua condição de sujeito e protagonista na constituição do mundo, se relaciona com tudo o que existe, com toda a realidade ao seu alcance de compreensão. Objetiva o mundo, torna-o objeto de suas inquirições, estudos e abordagens. O homem observa a realidade ao seu redor e se lança sobre ela com o intuito de conhecê-la em suas condições de possibilidade. Nesse momento, se apresenta o problema sobre o que entende por realidade. A partir dos argumentos até aqui situados, pode-se dizer que a realidade contém tudo aquilo que o homem apreende conceitualmente em sua condição de externalidade. Mas, também, de dar conta de que o real compreende o conjunto de categorias de que o homem se serve para situar tais externalidades conceitualmente em determinada temporalidade e espacialidade. Dessa forma, pode-se dizer que a realidade é a resultante das relações e esforços teóricos e conceituais humanos na compreensão dos seres e objetos que lhe são externos em suas potencialidades. Portanto, torna-se real ao homem tudo o que ele pode vivenciar e experienciar sensivelmente nas categorias espaço e tempo, nas quais sua existência está condicionada. Entre o que ele conhece e o que existe constitui-se o mundo


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em sua totalidade. Ou seja, o mundo constitui-se a partir da capacidade de objetivação do homem, mas também de um conjunto de seres e situações que escapam da capacidade objetiva humana, o que significa dizer que a realidade em sua totalidade transcende a capacidade humana de compreensão. Sob tais perspectivas, é necessário reconhecermos os limites das condições de possibilidade do conhecimento humano e, ao mesmo tempo, dar-se conta de que ampliamos nossa capacidade compreensiva do mundo na medida em que o investigamos e questionamos em seus fundamentos constitutivos, entre os quais a própria condição humana. Sob os imperativos da técnica característica dos tempos atuais, torna-se necessário fomentar socialmente o espírito crítico e investigativo diante da realidade de mundo em que nos encontramos inseridos. Esse espírito mágico propagado pelo desenvolvimento da ciência e da técnica fez com que o homem ficasse maravilhado com seus avanços em todas as áreas do conhecimento humano. O espírito da objetividade, além de compreender o mundo, estendeu-se sobre o próprio ser humano em suas condições constitutivas em âmbito biológico, psicológico, histórico, social, político, econômico e cultural. O princípio norteador do projeto societário moderno assim se apresenta: uma vez desvendados os segredos, as leis que regem o mundo em sua realidade macrocósmica e microcósmica, o homem conseguiria determinar a realidade em sua totalidade. O que constatamos contemporaneamente, a partir de um olhar crítico às bases do ideário científico e técnico constituído pela modernidade, é o crescente grau de objetivação do mundo e do próprio homem, apresentado pragmaticamente no crescente grau de especialização nas mais diferentes áreas do conhecimento humano, tornando impossível a qualquer ser humano alcançar uma visão de totalidade do mundo no qual está inserido. E, sob tais pressupostos limitantes de nossa compreensão da realidade, a perda da capacidade decisória dos seres humanos e das sociedades em relação às questões cruciais dos tempos atuais.


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ÉTICA, POLÍTICA E SOCIEDADE

Atividades de aprendizagem 1. Ser cidadão é ter o direito à vida, à propriedade, à liberdade, à igualdade, enfim, direitos políticos, civis e sociais. Sobre os tipos de cidadania, quanto à função, associe os itens, utilizando o código a seguir: I. Emancipada. II. Tutelada. III. Assistida. (

) Distributivo.

(

) Vantagens.

(

) Equalização de oportunidades.

(

) Redistributivo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: (

) III — II — I — I.

(

) II — III — I — II.

(

) I — II — II — III.

(

) I — II — III — I.

2. A relação do trabalho desenvolvida pelos seres humanos é considerada uma atividade a ser desenvolvida. Nesse sentido, no que se refere à questão de desenvolvimento de atividades, é possível observar que é através do trabalho que há construção dos valores éticos. Diante desse pressuposto, analise as sentenças a seguir: I. A realização do trabalho desenvolve habilidades, cria valores e costumes, sendo uma forma de intercâmbio de conhecimentos, por se tratar de uma atividade social. II. Por meio do trabalho, o homem desenvolve e cria a cultura e sua própria história. III. Os homens desenvolvem habilidades individuais no momento do seu nascimento. IV. O homem pode desenvolver seus princípios, cultura e valores, tanto sociais como éticos, a partir do trabalho.


Princípios da ética e moral ocidental

Agora, assinale a alternativa CORRETA: (

) As sentenças I, II e IV estão corretas.

(

) Somente a sentença II está correta.

( ) As sentenças II, III e IV estão corretas. (

) Somente a sentença I está correta.

Fique ligado! Começamos esta unidade estudando sobre a ética e a moral, suas aplicações, sua validade e evolução na história da humanidade, desde seus primórdios até hoje. Vimos a importância do indivíduo para a coletividade e vice-versa, ou seja, uma não pode anular o outro e muito menos subsistir sem o outro. Cada indivíduo, com suas características muito peculiares, se completa no coletivo. Para concluir esta unidade, vimos como a liberdade é fundamental para a dinâmica social; você pode confirmar isso na sua própria realidade, na família, na escola, no seu grupo de amizade.

Para concluir o estudo da unidade Para ir além do que estudamos nesta unidade, um passo a mais, eu sugiro a leitura do livro Déficits de cidadania e discurso democrático na sociedade multicultural. A autora, Cassiana Alvina de Carvalho, leva-nos a refletir sobre toda a diversidade vivida, surgida na contemporaneidade, levando-se em consideração outros temas tão relevantes quanto o que vimos e os que ela acrescenta, como cidadania, democracia, multiculturalismo. Vale a pena.

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Atividades de aprendizagem da unidade 1. Quanto à Ética e à Moral, classifique as seguintes afirmativas em V (verdadeiras) ou F (falsas). (

) As pessoas referem-se à Moral e à Ética como sinônimos, ou acham que moral e ética são as mesmas coisas.

(

) Os romanos traduziram o “ethos” grego, para o latim “mos”, que quer dizer costume, de onde vem a palavra mora.

(

) A Ética está ligada ao campo das normas e das leis; a Moral é a reflexão sobre essas normas e leis.

(

) A Moral caracteriza-se por especificidades culturais e apresenta-se de forma normativa.

Agora assinale a sequência CORRETA. (

) A sequência correta é V — F — V — F.

(

) A sequência correta é V — V — F — V.

(

) A sequência correta é F — V — V — F.

( ) A sequência correta é V — V — V — V. 2. Quanto às principais teorias da Ética Normativa, relacione os itens: I. Ética Teleológica. II. Éticas Deontológicas. III. Ética dos Direitos Humanos. (

) Dois grandes teóricos discutem suas fundamentações: Noberto Bobbio e Habermas.

(

) Determina o que é correto de acordo com uma certa finalidade.

(

) Procuram determinar o que é correto, não segundo uma finalidade a ser atingida, mas segundo as regras em que se fundamenta a ação.

Agora, assinale a sequência CORRETA. (

) A sequência correta é III — II — I.

(

) A sequência correta é II — I — III.

(

) A sequência correta é III — I — II.

( ) A sequência correta é I — II — III.


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3. O homem, nos princípios de sua história, se reconhece com um ser no mundo, porém, com o passar dos tempos, foi aprimorando seus conhecimentos e passa a se reconhecer como indivíduo e protagonista do mundo. Agora, classifique V para as sentenças verdadeiras e F paras as falsas: (

) O homem se relaciona com tudo o que existe, seja com indivíduos ou com seu mundo, desde que esteja de acordo com sua compreensão.

(

) O homem passa a conhecer a realidade ao seu redor, mas busca conhecê-la em suas condições e possibilidades.

(

) A realidade é tudo o que o homem entende e compreende conceitualmente, determinando tempo e espaço.

(

) O homem passa a observar o espaço à sua volta a partir do momento em que define sua própria realidade e espacialidade.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA. (

) V — V — V — F.

(

) V — V — F — F.

(

) F — F — V — V.

( ) V — F — V — F. 4. Na atualidade, os sujeitos são valorizados socialmente pelo poder de compra que demonstram possuir. Os meios de comunicação, através da publicidade de seus produtos, apelam para o consumo desenfreado. Segundo o que apresenta a mídia, poder e prestígio são sinônimos de realização pessoal. Analise as sentenças a seguir: I. O ideal de felicidade para as sociedades contemporâneas está atrelado à questão econômica. II. As possibilidades de consumo são iguais para todos nas sociedades que produzem em massa. III. O sujeito com capacidade de consumir desenfreadamente é desvalorizado pela sociedade atual individualista. Agora, assinale a alternativa CORRETA: (

) Somente a sentença I está correta.

(

) As sentenças I e II estão corretas.

( ) As sentenças I e III estão corretas. (

) Somente a sentença III está correta.


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5. O conceito de liberdade é muito complexo e desafiador, visto que os seres humanos buscam reconhecer a liberdade dentro dos limites sociais e culturais convencionados. Sobre o momento em que o homem identifica sua liberdade limitada, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: (

) O ser humano busca a liberdade intensamente, a ponto de não suportar viver sem o pressuposto dessa liberdade. Como condição do bem viver, faz-se necessário o enfrentamento dos condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais.

(

) O homem acredita ser totalmente livre, percorrendo caminhos desejados, obtendo conhecimentos e desenvolvimento, devido à sua liberdade ilimitada.

(

) O homem, no horizonte existencial das possibilidades, muitas vezes torna-se discordante da ordem legalmente estabelecida na vida em sociedade.

(

) O homem necessita reconhecer que a conquista e o exercício da liberdade requerem responsabilidades, pois ser livre inviabiliza as possibilidades de escolhas.

(

) O homem, em sua dimensão constitutiva, busca garantir uma sociedade democrática através de lutas constantes pela liberdade.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: (

) V — F — V — F — V.

(

) V — V — F — F — F.

(

) F — F — F — V — F.

(

) F — V — V — V — V.

6. Normas e valores fazem parte do conjunto que forma a Ética, sendo que estes devem representar o que uma determinada sociedade considera adequado. Contudo, o comportamento e as ações se modificam dependendo da transformação de cada sociedade. Partindo desse pressuposto, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: (

) As sociedades antigas, se comparadas com as contemporâneas, possuem as mesmas normas e valores, pois praticamente não se alteraram.


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(

) O sistema feudal e o capitalista apresentam alterações distintas, entretanto as normas e os valores de cada época são os mesmos.

(

) No século XXI, as normas, leis e valores continuam imprescindíveis, entretanto a falta de ética impera.

( ) As leis estão sendo aprimoradas, com isso podemos pressupor que em breve não haverá mais falta de ética. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: (

) F — V — F — V.

(

) F — F — V — F.

(

) V — F — V — F.

(

) V — V — F — V.

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Referências ALONSO, Felix R.; LÓPEZ, Francisco G.; CASTRUCCI, Plínio de L. Curso de ética em administração. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. AQUINO, Rubim Santos Leão de et al. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. 40. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. CHAUI, Marilena. Ser humano é um ser social. São Paulo: Martins Fontes, 2013. DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1997. DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. JAPIASSU, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. LIBÂNEO. José Carlos. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2012. LINS, Marina. Santo Agostinho x São Tomás de Aquino: contribuições do cristianismo para a filosofia. 30 out. 2009. Agência UFRJ de notícias. Disponível em: <http://www.ufrj.br/ mostraNoticia.php?noticia=8756_Santo-Agostinho-X-Sao-Tomas-de-Aquino-contribuicoesdo-cristianismo-para-a-filosofia.html>. Acesso em: 11 jun. 2014. PROJETO UNISINOS. Disponível em: <http://www.projeto.unisinos.br/humanismo/ antropos/cultura.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2013. ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. RUSS, Jacqueline. RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. SANCHEZ VAZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. SANTOS, B. S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política São Paulo: Cortez, 2006. SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Campus-Inativar, 2013. VALLS, Alvaro Luis Montenegro. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, 1996.


Unidade 2

Correntes filosóficas e a construção da moral Márcia Bastos Almeida

Objetivos de aprendizagem: Conhecer três concepções filosóficas no âmbito da ética: a visão moral em Hegel, o racionalismo kantiano e a genealogia da moral de Nietzsche. Aprender os conceitos de moral discutidos ao longo da história da formação da cultura ocidental e, principalmente, a partir da modernidade.

Seção 1

A filosofia de Hegel e a moral Nesta seção, você terá oportunidade de conhecer um pouco desse filósofo que é considerado o último pensador de um modelo sistemático de tradição filosófica.

Seção 2:

Kant e o imperativo categórico Nesta seção, você aprenderá um pouco do pensamento de Kant e sua ética do dever.

Seção 3:

Nietzsche e a genealogia da moral Nesta seção, você conhecerá o filósofo que polemizou a tradição filosófica e sua forma vigorosa e sarcástica de escrever.


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Introdução ao estudo Esta unidade apresenta três seções com breves reflexões sobre a ética e a moral norteada pelo pensamento de três importantes filósofos: Hegel, Kant e Nietzsche. A ideia é apresentar duas concepções de ética fundamentadas no racionalismo (Hegel e Kant) e o mais polêmico de todos os filósofos conhecidos no Ocidente cujo pensamento filosófico é considerado antirracionalista. Estamos falando de Nietzsche! O primeiro filósofo, Hegel, levou para o campo da consciência a competência para o conhecimento histórico, filosófico e interpretativo do real. Também, colocou no reduto da consciência a capacidade ética para o exercício moral. Kant, o filósofo que representa a ideia de uma ética racionalista, estabeleceu a condição do dever para o exercício ético do sujeito. Embora seja considerado um dos maiores pensadores modernos, foi duramente criticado e até satirizado por Nietzsche, que também apresentamos na terceira e última seção. Assim, você terá oportunidade de conhecer um pouco de cada um desses filósofos. Ao longo do texto, você será convidado e motivado a fazer outras pesquisas que o levarão a mais conhecimento, ampliando de forma significativa os seus conhecimentos. Tenha uma boa leitura e aproveite!

Seção 1

A filosofia de Hegel e a moral

Este seção irá discorrer brevemente sobre o pensamento de Hegel. Você terá oportunidade de conhecer sua origem e sua trajetória, bem como o seu pensamento. É importante saber que um dos grandes méritos desse filósofo está na apropriação da dialética como metodologia de leitura e compreensão da realidade e do movimento histórico que a constitui. A dialética hegeliana se constitui em marco filosófico e ponto de partida para a dialética materialista de Marx. A dialética hegeliana está contemplada nesta seção para que você a conheça e, principalmente, aprenda esse movimento que poderá servir de linha norteadora em leituras posteriores. Aproveite!


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1.1 Conhecendo um pouco de Hegel Vamos começar nossa seção apresentando o filósofo Hegel. Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart, na Alemanha, em 27 de agosto de 1770, e faleceu em Berlim, em 1830. Em 1788, entrou para um seminário de teologia protestante em Tübingen. Nesse seminário, travou amizade com Schelling e Hölderlin. Em 1793 Hegel renunciou à profissão de pastor e até 1796 trabalhou como preceptor em Berna, na Suíça. Depois disso, mudou-se para Frankfurt onde permaneceu até 1800 — ainda como preceptor. Em 1801, ingressou como livre-docente da Universidade de Jena e, em 1816, foi nomeado professor na Universidade de Heildeberg. Em 1818 transferiu-se para a Universidade de Berlim, tornando-se reitor em 1829. Na perspectiva hegeliana (a pronúncia é assim: “regueliana”), Rousseau e Kant não conseguiram dar conta do problema ético por darem muito crédito à relação entre razão e natureza humana. Para Hegel (a pronúncia é “Reiguel”), somos sujeitos históricos e culturais e além da nossa vontade subjetiva existe a vontade objetiva. Trata-se de dois pólos que se fundem no sujeito. A vontade objetiva é instituída pela família, sociedade, escola, igreja, estado e cultura. Ou seja, são as instituições que vão, ao longo da história, criando os conteúdos dos valores, finalidades e normas determinantes do agir. A vontade objetiva não é pessoal, mas impessoal. Retomemos Chaui: A vontade objetiva é impessoal, coletiva, social, pública e historicamente determinada. Esse querer impessoal, social e histórico cria as instituições sociais, políticas, religiosas, artísticas e, com elas, a moralidade como sistema regulador da vida coletiva. [...] A vida ética é o acordo e a harmonia entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural. Realiza-se plenamente quando interiorizamos nossa cultura de tal maneira que praticamos espontânea e livremente seus costumes e valores, sem pensarmos, sem os discutirmos, sem deles duvidarmos, porque são como nossa própria vontade os deseja (CHAUI, 2000, p. 318).

Hegel marcou profundamente a história do pensamento da humanidade. O que ele diz na citação acima é que vamos introjetando os valores que são construídos e ressignificados historicamente; que os reproduzimos sem perceber. Assim, cada sociedade, em cada época, vai definindo e redefinindo seus valores.


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Para Hegel, ser ético e livre é interiorizar as regras morais da sociedade e com elas agir de forma espontânea.

Para saber mais Deixaremos uma dica de leitura para você conhecer mais sobre o pensamento hegeliano. Hegel, a moralidade e a religião, de Denis Lerrer Rosenfield (Rio de Janeiro: Zahar, 2002, 184 p.).

Hegel é autor do último sistema filosófico da tradição moderna para compreender a evolução da história, da filosofia e do universo. Isto é, Hegel quer mostrar que o modo de compreensão filosófico é necessariamente histórico. Para esse sistema, ele adotou o método dialético, que ficou conhecido como dialética hegeliana. Para isso, a partir da ideia de dialética, ele desenvolveu um esquema progressivo em que o movimento do real surge como solução culminante de contradições. O método dialético hegeliano tem um momento de partida (tese) que irá se contrapor a um movimento contrário (antítese). Esse movimento de negação e contradição será resolvido no terceiro momento: síntese. Esse último momento tornar-se-á uma nova tese, de forma a possibilitar um novo ciclo dialético.

Para saber mais O Dicionário básico de filosofia (Japiassú e Marcondes. 2. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Zahar, 2001) ensina Dialética (lat. dialectica, do gr. dialektike: discussão).

Vamos entender melhor o pensamento hegeliano. A reflexão filosófica deve partir de um exame de formação da consciência porque é através da consciência crítica de nossa situação histórica que podemos compreender o próprio processo histórico, as leis da história, seu sentido e sua direção e, apenas dessa forma, podemos ir além da consciência de nosso tempo. Assim, Hegel estabelece uma relação de comprometimento com a ideia de progresso humano, mas esse progresso é sempre julgado do ponto de vista dos que alcançaram, isto é, de um ponto de vista específico. A explicação para a historicidade, no pensamento de Hegel, consiste em que é apenas ao traçar o caminho pelo qual a razão humana se desenvolve que podemos entender o que somos hoje. Explicitamos assim o sentido da história, sua direção.


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Para saber mais O triângulo abaixo explicita o pensamento hegeliano para a compreensão do real.

3. Espírito (retorno da ideia sobre si) sistema da ciência 1. Lógica (La Idea dentro de si)

2. Natureza (a ideia exterior ou autoalienada a ele mesmo)

Fonte: Pinheiro (2012).

Hegel, em seu livro Fenomenologia do Espírito, formula sua concepção do processo de formação de consciência fundamentado no seguinte tripé: a) as relações morais (família/vida social); b) a linguagem, ou os processos de simbolização; c) o trabalho, ou a maneira como o homem interage com a natureza para dela extrair seus meios de subsistência, elemento que será valorizado fundamentalmente por Marx. Assim, ele considera a autoconsciência resultado de um processo de desenvolvimento que se caracteriza por essas três dimensões básicas. As relações morais explicam o papel no outro na formação da consciência de um indivíduo. Ele só ser torna um sujeito na medida em que é reconhecido como tal pelo outro, ou seja, pelas outras consciências. Esse reconhecimento se dá inicialmente na família e posteriormente na vida social. A identidade da consciência individual subjetiva depende desse reconhecimento, isto é, a identidade do eu é possível apenas através da identidade do outro que me reconhece e que, por sua vez, depende de que eu o reconheça. A linguagem, ou os sistemas de representações simbólicas, demonstra como a síntese do múltiplo de nossa experiência sensível depende do emprego de símbolos que nós próprios produzimos. O trabalho mostra como a consciência é formada igualmente pelo modo como o homem interage com a natureza e a considera como objeto do qual pode extrair os meios de sua subsistência.


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Hegel trata da figura da consciência como visão moral do mundo e a faz como relação entre a moralidade e felicidade, liberdade e natureza. A eticidade, o ethos do homem e da mulher, é configurado pela natureza e assim entendido é o caráter, já que o ethos era uma espécie de marca de nascença indelével que determinava a vida do homem e da mulher. O caráter era envolto em uma aura divina para fortalecer ainda mais a rigidez do ethos. Nesse sentido, havia, segundo essa interpretação do ethos da Grécia arcaica, uma perfeita integração entre o indivíduo e a coletividade, o singular e o universal, de tal forma que o indivíduo já sabia perfeitamente o papel a ser por ele desempenhado na comunidade, assim como os valores comunitários já estavam universalmente estabelecidos para seus membros. O questionamento à noção de caráter é ilustrado por Hegel através da tragédia de Sófocles: Antígona. A atitude de Antígona ao prestar as honras fúnebres ao irmão morto no ataque à própria cidade representa o início da ruptura do caráter, pois ela tem uma atuação ética já não correspondente à sua condição feminina, bem como assinala a consequente oposição entre as leis humanas e as leis divinas. Dessa forma, nasce um conflito entre o mundo do indivíduo e o mundo da coletividade, cuja descrição inicial é o estado de direito onde o critério da moralidade não é mais buscado em uma suposta identidade entre ethos e physis, mas deve ser buscado na razão, no saber puro, isto é, imunizado contra as contingências do mundo fenomênico, e, portanto, universal. O desafio do espírito certo de si mesmo é coordenar o racional e o natural. No entanto, a visão moral comete um erro. Ela considera o dever como o essencial, ao passo que desvaloriza a natureza. A divisão entre o essencial e o que não é essencial é bastante recorrente nas figuras da consciência e assinala tanto saberes quanto verdades insustentáveis nessas figuras. O desenvolvimento da experiência vai lidar com os pressupostos contraditórios existentes nessa relação que define a visão moral do mundo. A primeira experiência, ou o primeiro postulado, da consciência moral certa de si mesma é denominada fim-último. Nela, é buscada a harmonia entre a moralidade e a natureza objetiva, duas realidades estranhas e externas uma à outra. Nesse primeiro momento, trata-se da harmonia na forma do ser-em-si. O resultado dessa experiência é desanimador, tendo em vista uma articulação bem sucedida entre moralidade e felicidade. A consciência moral se orienta de acordo com a lei moral, mas não alcança a felicidade, ao passo que a consciência não moral não obedece à lei moral, mas obtém a felicidade. Por conseguinte,


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a consciência moral se queixa da inadequação entre sua racionalidade e seu ser-aí (Dasein) imediato e natural, bem como se queixa da injustiça à qual ela está submetida: segue a lei moral, mas é infeliz. A harmonia alcançada é uma pretensão do pensamento, meramente postulada, pois na sua efetividade, na sua vida concreta, a consciência-de-si moral certa de si mesma não consegue conciliar moralidade e felicidade. Não é uma harmonia do conceito, o qual vincula necessariamente tanto o pensamento quanto a efetividade. Se a perfeita adequação da vontade com a lei moral ocorrer, a moralidade se destrói, pois ela só existe na oposição, na luta contra a sensibilidade. Em virtude disso, a harmonia buscada é sempre postergada para um futuro longínquo, obscuro e inalcançável. Com isso, de modo análogo ao que ocorreu na primeira experiência, a exigência da razão, a ligação necessária entre moralidade e felicidade, não é efetiva. A consciência moral singular e efetiva não consegue vincular necessariamente moralidade e felicidade, de tal modo que uma outra consciência moral, o senhor e soberano do mundo, o legislador sagrado realiza o que a consciência moral singular e efetiva deveria, por si mesma, levar a efeito. Essa consciência tem um saber imperfeito e incompleto, porque o verdadeiro saber se encontra no soberano do mundo. Seu querer é também deficiente, porque afetado pelos móbiles empíricos. Em virtude disso, ela percebe que é indigna e não merecedora da felicidade, a qual, no entanto, deveria ser obtida como consequência necessária da obediência ao dever. Por ser uma vontade inadequada à lei moral, moralidade e felicidade têm uma interconexão meramente contingente, de tal modo que a consciência singular recebe a felicidade por meio da graça do soberano do mundo.

Para saber mais Consciência (lat. conscientia: conhecimento de algo partilhado com alguém) 1. A percepção imediata mais ou menos clara, pelo sujeito, daquilo que se passa nele mesmo ou fora dele (sinônimo de consciência psicológica). 2. A consciência espontânea é a impressão primeira que o sujeito tem de seus estados psíquicos.

A harmonia ou unidade entre moralidade e felicidade é “[...] uma consciência efetiva moral”. Existe, de fato, uma consciência moral, mas ela não consegue


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um vínculo necessário com a felicidade, reclamando da inadequação entre o racional e o natural e da injustiça derivada dessa inadequação. Esse vínculo é apenas pensado, sem ser efetivo, e não há uma consciência moralmente efetiva, pois a moralidade, por um lado, requer a efetivação da harmonia entre a vontade sensível e a vontade pura, mas, por outro lado, o que é moralmente, isto é, racionalmente requerido não tem efetividade. Com isso, a harmonia é sempre postergada para um futuro incerto, já que, no presente, o moralmente ordenado não tem lugar.

Questões para reflexão Como é o processo de formação da consciência para Hegel?

Ainda: a harmonia entre moralidade e felicidade é proporcionada por um Si, uma consciência moral representada, no entanto, fora da efetividade. Mas, fora da efetividade, essa consciência deve ser aquela que promove a harmonia entre moralidade e felicidade.

Para saber mais Sobre Hegel e sua filosofia, indicamos os sites abaixo para que você possa começar a se exercitar na pesquisa. O Domínio Público, por exemplo, é um site de pesquisa onde você poderá baixar obras clássicas tanto de filosofia quanto de outras áreas de conhecimento, além de literatura. Aliás, muito boa literatura. Aproveite esses espaços para conhecer sobre os autores indicados no livro e outros que, mesmo não indicados, são interessantes. <http://www.deboraludwig.com.br/arquivos/hegel_razao_na_historia.pdf>; <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2289>.

O pensamento hegeliano é considerado o último grande sistema filosófico ocidental. As ideias de Hegel transitam em campo deveras amplo que mostram a pretensão do pensador para compreender a realidade em sua integralidade a partir da percepção filosófica, porque o conhecimento da realidade deve ser fundamentado em pressupostos que conduzam à verdade norteados por um método rigoroso, racional e sistemático.


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A dinâmica para a compreensão da realidade está pautada em um processo histórico que retrata o desenvolvimento progressivo do espírito objetivo segundo uma lógica (movimento dialético) que lhe é imanente. Assim, ele tem a sua objetivação (espírito objetivo) que supera e conserva a sua diferença ao mesmo tempo, ou seja, o espírito subjetivo. Essa é a ideia da Filosofia do Espírito por considerar o centro do espírito o ponto objetivo da investigação filosófica no campo do direito, da política e da moral. O tema liberdade constitui um dos pontos principais da Filosofia Moderna e Hegel aprofundou o potencial especulativo do conceito de liberdade compreendendo-a no escopo do Idealismo Alemão por tratar-se de um conceito que se desenvolve em duas dimensões ou sentidos da liberdade que se interpenetram: o lógico-conceitual e histórico-institucional, ou, ainda, subjetivo e objetivo. De acordo com o primeiro — lógico-conceitual —, livre é quem permanece no seu próprio elemento, que está “em casa”, junto a si. O aspecto essencial dessa liberdade é a autossuficiência, ou ainda podemos entender, com Hegel, que livre quando se permanece nele mesmo, transita em suas próprias dimensões e tem em si mesmo a razão de ser da sua identidade autônoma, e não depende senão de si mesmo como algo que espontaneamente se põe como entidade referente de si mesmo, contemplando o estatuto lógico daquilo que é em-si e para-si. Nesse sentido, a liberdade representa a mais absoluta autorreferencialidade de algo que está junto de. Essa é a característica essencial da liberdade que é atribuída ao espírito uma vez que ela constitui a própria essência do espírito e a sua efetividade. Dessa forma, o indivíduo, para ser livre, deve ter nele mesmo a fonte e a razão de ser de seus atos, ao que inclui o domínio racional do sujeito como agente consciente de si e de sua ação, que dirige as suas escolhas e que encontra satisfação no seu agir como expressão da sua subjetividade. A presença da liberdade supõe uma condição lógica: a autoposição do sujeito como senhor de si mesmo. Essa dimensão da liberdade constitui um pressuposto necessário para que as ações de interferências não sejam invasivas à liberdade do sujeito, tornando-o suscetível a toda sorte de dominação por forças estranhas à sua autonomia. Para Hegel, a liberdade subjetiva pode ser compreendida a partir de vários sentidos, mas todos indicando a realização da particularidade de uma sujeito. A liberdade subjetiva refere-se a um tipo de ação consciente e livre. Relaciona-se à subjetividade da vontade como determinação moral, o que implica a não dominação das ações que os sujeitos livremente escolhem, opondo-se às


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práticas não desejadas que provêm da coerção e da autoridade de terceiros. Pode-se dizer, ainda, que se trata das pretensões pessoais que visam satisfazer os interesses e as necessidades do indivíduo quanto à sua felicidade e aos seus direitos. A liberdade subjetiva indica aquelas ações que demonstram arbítrio e têm o sentido depreciativo de idiossincrasias contingentes do sujeito. Compreendê-la significa reconhecê-la como o grande princípio da modernidade, o qual surge como elemento histórico distintivo em relação aos tempos antigos.

Para saber mais O sistema filosófico de Hegel é o último grande sistema da tradição moderna, em que ele coloca a história em seu centro mostrando, assim, que o modo de compreensão filosófico é necessariamente histórico.

Atividades de aprendizagem 1. Ainda com base no texto anterior, assinale a alternativa correta. a) A filosofia de Hegel pode ser caracterizada como relativista. b) O dogmatismo é o conceito mais evidente ao longo de toda a filosofia hegeliana. c) O dogmatismo, próprio do pirronismo, alcançou com muita veemência o pensamento de Hegel. d) A realidade enquanto Espírito possui uma vida própria, um movimento dialético. e) A natureza possui um forte poder de renovação. 2. Leia o texto abaixo. O senhor submete o escravo, uma vez que a relação é dialética, dependendo ele próprio de que o escravo o reconheça como senhor, assim o superior depende de que o inferior o reconheça como superior. Trata-se de um reconhecimento desigual. Por outro lado, o senhor reconhece implicitamente o escravo como outra consciência, já que sabe que este não é uma coisa, uma pedra ou uma árvore, e se dirige a ele como a outro sujeito. O escravo, por sua vez, na medida em que trabalha, interage com


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a natureza, “encontra a si mesmo”, a “a consciência trabalhadora”, “chega assim à intuição do ser independente como intuição de si mesma”.

Portanto, através do trabalho, o escravo supera sua condição de consciência submetida á do senhor, enquanto que o senhor, na medida em que depende do reconhecimento do escravo e de seu trabalho, se rebaixa a uma condição inferior. Assim, dialeticamente, as posições se invertem (MARCONDES, 1997, p. 234). I. A dialética do senhor e do escravo descreve uma relação assimétrica entre duas consciências que se tratam como sujeito e objeto. II. A dialética do senhor e do escravo descreve uma relação simétrica entre duas consciências que se tratam como sujeito. III. Não se trata de uma relação com simetria por não contemplar uma relação entre dois sujeitos, mas entre sujeito e objeto. IV. A dialética do senhor e do escravo descreve uma relação de reconhecimento mútuo e recíproco. Assinale a alternativa que corresponde corretamente às afirmações acima. a) Somente as alternativas I e III estão CORRETAS. b) Somente as alternativas I e III estão INCORRETAS. c) Somente as alternativas II e IV estão CORRETAS. d) Somente as alternativas I e IV estão CORRETAS. e) Somente as alternativas II e III estão CORRETAS. 3.

Se a preocupação em evitar que se caia em erro produz desconfiança em relação á ciência de forma tão radical, então não há por que também nãos desconfiar desta própria desconfiança, e não há portanto por que não supero que este receio de errar não seja ele próprio um erro. Na realidade estre receio pressupões muitas crenças como verdadeiras e baseia suas conclusões nelas. É a verdade desses pressupostos que deve ser examinada (MARCONDES, 1997, p. 232).

Avalie as afirmações que se seguem: I. No texto acima, Hegel considera a tradição racionalista como a ciência dos atos da cosnciência.

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II. A investigação da faculdade cognitiva é ela prórpia conhecimento. III. A Filosofia pode ser entendida como um órganon que trata do instrumento do saber antes do saber. IV. A Fenomenologia é a ciência dos atos da consciência. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmações I, III e IV estão corretas. b) Somente as afirmações II e IV estão corretas. c) Somente as afirmações III e II estão corretas. d) Somente as afirmações III e I estão corretas. e) Somente a afirmação I está incorreta. 4.

A fenomenologia do espírito examina assim as etapas do progresso da consciência. A primeira etapa é a consciência sensível, que pensa apreender o concreto na sensação. Porém, atinge apenas um universal abstrato indeterminado, um aqui e agora de qualidades que sempre se alteram (MARCONDES, 1997, p. 222).

De acordo com o texto acima, como podemos considerar a vertente epistemológica assumida por Hegel? Assinale a alternativa correta. a) Empirista. b) Essencialista. c) Racionalista. d) Existencialista. e) Materialista. 5.

A vontade objetiva é impessoal, coletiva, social, pública e historicamente determinada. Esse querer impessoal, social e histórico cria as instituições sociais, políticas, religiosas, artísticas e, com elas, a moralidade como sistema regulador da vida coletiva [...]. A vida ética é o acordo e a harmonia entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural. Realiza-se plenamente quando interiorizamos nossa cultura de tal maneira que praticamos espontânea e livremente seus costumes e valores, sem pensarmos, sem os discutirmos, sem deles duvidarmos, porque são como nossa própria vontade os deseja (CHAUI, 2000, p. 318).


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Com base no texto acima, assinale a alternativa que corresponde ao pensamento de Hegel em relação à vontade. a) É somente a história que determina a vontade objetiva. b) São as instituições que vão, ao longo da história, criando conteúdos dos valores, finalidade e normas determinantes do agir. c) As instituições não influenciam nos valores e finalidade determinantes do agir. d) A vontade objetiva se constitui ao longo da história pelas condições materiais de existência. e) A vontade objetiva é pessoal e não depende de instituições formadoras de valores.

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Seção 2

Kant e o imperativo categórico

O filósofo iluminista Immanuel Kant (1724-1804) é um marco no pensamento ocidental. Sua trajetória na Filosofia é norteada pela mudança de direcionamento das questões epistemológicas com a Crítica da Razão Pura. Trata-se de um dos filósofos mais lidos na contemporaneidade e suas contribuições abrangem os campos epistemológicos, da moral, do jurídico-político, estético e antropológico. Dedicou-se a quase todos os assuntos de sua época, que ele mesmo definiu como o esclarecimento, do qual somos herdeiros. Kant nasceu e morreu em Königsberg, na Prússia oriental, que hoje se chama Kaliningrado, na Rússia. Nunca conquistou bens materiais. Foi órfão de mãe, com uma infância modesta. Foi professor particular durante um grande período de sua vida e na maturidade assumiu o cargo de professor na Universidade de Könegsbert, onde lecionou até quase o fim da sua vida. Publicou inúmeros escritos que estão classificados pelos estudiosos em duas grandes fases: a dos textos “pré-críticos” e a dos textos “críticos”, em que está registrada a novidade de seu pensamento. Em sua obra, o termo “crítica” aparece como substantivo que abre o título de suas três principais obras: Crítica da razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788) e Crítica da faculdade do juízo (1790). Daí a importância de se conhecer o pensamento de Kant.

2.1 O imperativo categórico De acordo com Chaui (2002), Kant faz a distinção entre Razão Pura e Razão Prática; entre ação por necessidade e ação por finalidade. Tanto a Razão Pura quanto a Razão Prática têm caráter de universalidade e são as mesmas para todos os homens em todas as partes em todos os tempos. Esse é o conceito de universalidade. Os conteúdos dos conhecimentos podem variar no tempo e no espaço, mas as formas da atividade racional de conhecimento e da atividade racional prática ou ação moral são universais [...]. As formas independem da experiência (CHAUI, 2000, p. 316).

A Razão Prática se efetiva no exercício do sujeito em sua realidade, no seu cotidiano, na existência social humana, compreendedo que a sociedade é uma instituição criada pelo homem e por ele organizada a partir da razão prática. Sob esse aspecto, Kant estabelece outra distinção: necessidade e finalidade/liberdade.


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A natureza é o reino da necessidade, de acontecimentos regidos por sequências de causa e efeito — conhecido pelas ciências exatas e naturais. O reino humano é o da práxis, no qual as ações são realizadas racionalmente não por necessidade causal, mas tendo em vista fins ou por finalidade. Na medida em que os fins são estabelecidos pelos próprios seres humanos, são frutos de escolhas e, portanto, a ação por finalidade é uma ação vonluntária livre ou por liberdade (CHAUI, 2000, p. 316).

A liberdade é conceito fundamental na construção kantiana da Razão Prática. As nossas ações são guiadas pela razão que se efetiva na sociedade de forma voluntária e, portanto, livre. As regras organizadoras da sociedade foram construídas, significadas, modificadas pelos seres humanos no exercício pleno da liberdade. “O dever, longe se der uma imposição externa [...], é a expressão da nossa liberdade” (CHAUI, 2000, p. 316). Perguntemos a Kant: se somos livres e racionais, por que então precisamos assumir como dever o cumprimento da lei e das regras? A resposta kantiana é a seguinte: porque não apenas racionais, somos também naturais. Como seres racionais e naturais, também carregamos os apetites, os impulsos, os desejos, paixões, vaidade. Parece-nos aqui um retorno platônico. Porque alguns irão deixar a razão guiar à vontade e outros deixarão que as emoções os guiem nas ações. Esses não podem assumir a autonomia ética e passam a agir por interesse tendo a ilusão de liberdade. Segundo Kant (apud CHAUI, 2000, p. 316): “Agir por interesse é agir determinado por motivações físicas, psíquicas, vitais, à maneira dos animais”. A Igreja, a escola, a família e a sociedade são instituições que, entre outras coisas, educam e doutrinam a natureza do sujeito para o exercício ético. Porque é preciso essa educação, essa doutrinação? Não seria melhor deixar que o próprio sujeito fosse “criando” suas regras de conduta? Kant nos responde que os seres humanos tendem a confundir liberdade com a satisfação irracional dos apetites e impulsos. Na medida em que a vontade define nossa natureza racional, na medida em que o dever é uma criação voluntária, podemos concluir que o dever não nos é imposto e sim proposto pela razão à nossa vontade livre. Quando o querer e o dever coincidem, somos seres morais, pois a virtude é a força da vontade para cumprir o dever (CHAUI, 2000, p. 317).


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Para Kant, o nosso agir deve ser guiado pelo dever. Pensando assim, ele formula seus postulados pelo imperativo categórico e as máximas morais. Segundo ele, o dever não é um código prescrito com indicações do que se deve ou não fazer. O dever, para ele, é uma forma de agir que deve valer para todos, porque é universal. O dever é um imperativo categórico com força de lei; a lei moral interior. Além disso, o imperativo é incondicional. A partir disso, Kant formula três máximas morais que representam a incondicionalidade da ação por dever. 1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal. 2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoal como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio. 3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais. De acordo com Chaui (2000), a primeira máxima afirma a universalidade da conduta ética; a segunda, a dignidade dos seres humanos, e a terceira máxima afirma que a vontade que age por dever institui um reino humano de seres morais porque racionais. O motivo moral da vontade boa é agir por dever, no pensamento de Kant. Kant se dedicou a duas grandes obras, Crítica da Razão Pura e a Crítica da Razão Prática que representam duas formas de manifestação da razão: a Razão Teórica e a Razão Prática. A Razão Teórica permite ao sujeito elaborar o conhecimento da no mundo da natureza. A Razão Prática abre o caminho para o conhecimento do mundo social. Essa distinção impunha-se à Kant, à medida que ele atribuía uma diferença qualitativa à natureza e à sociedade, os dois mundos em que atuaria a razão, conhecendo as leis matemáticas e físicas do mundo natural e fazendo as leis que regeriam o mundo social ou os costumes e as condutas humanas. A qualificação da razão como pura exprime o fato de que se trata de faculdade da razão cuja existência independente de qualquer experiência. Trata-se de faculdades dadas, a priori, isentas de qualquer forma de vivência e independentes da atuação do sujeito sobre o mundo. Aos instrumentos do pensamento (as categorias a priori) da razão teórica pura corresponde o “imperativo categórico” como instrumento do julgamento moral da razão prática pura. Nos dois casos, esses instrumentos estão dados. As três principais obras de Kant sobre a moralidade, que para ele pertencem, como dito, a outra dimen-


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são da racionalidade são: Fundamentação da Metafísica dos costumes (1785), Crítica da Razão Prática (1788) e Metafísica dos Costumes (1797). Por meio de sua Filosofia moral, Kant pretende considerar o homem como sujeito do conhecimento, mas como agente livre e racional.

Para saber mais A Crítica da razão prática constitui, em termos gerais, uma resposta à interrogação moral: que devo fazer? Ocupa-se da razão na sua aplicação prática, enquanto determinação da vontade de agir. A obra pode ser encontrada neste link: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/ DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2246>. Entre as obras da filosofia moderna, a Crítica da razão pura, de Kant, destaca-se de tal modo que pode ser chamada de “a” fundação da filosofia moderna.

É no domínio da Razão Prática que, de acordo com Kant, somos livres, ou melhor, que se põe a questão da liberdade e da moralidade. Os princípios éticos da filosofia kantiana são derivados da racionalidade humana. Por isso, a moralidade trata do uso prático e livre da razão. Os princípios da Razão Prática são leis universais que definem nossos deveres, e, dessa forma, aplicam-se à todos os indivíduos em qualquer circunstância. Devido a essa peculiaridade, muitos estudiosos consideram a ética kantiana uma ética do dever, ou, ainda, uma ética prescritiva. Para Kant, existe uma lei moral objetiva, que é conhecida por nós não pela experiência, mas pela razão. Essa lei obriga-nos a agir a nos abster de agir, em razão da ação ser permitida ou proibida por ela. Trata-se daquilo que o filósofo chama de imperativo categórico: pois nem sua autoridade nem seu poder de nos motivar derivam de algo que não seja ela mesma. Kant rejeita veementemente as posições filosóficas, segundo as quais a moralidade humana depende de algo que seja exterior a ele mesma, conforme nos ensina: Permita-nos aduzir que, a menos que se queira negar toda a verdade ao conceito de moralidade, e toda relação entre ele e um objeto possível qualquer, não se pode negar que sua lei é de tal abrangência, que ela vigora não apenas para seres humanos, mas para todo ser racional em geral; e não apenas sob condições contingentes e com exceções, mas de maneira absolutamente necessária.


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A questão da moralidade em Kant tem como chave de compreensão a questão do “imperativo categórico” que orienta a ação da razão prática, no entanto, apesar de sua importância, o estudo filosófico dessa questão permaneceria prejudicado, se fosse reduzido a tal imperativo. O imperativo categórico como elemento privilegiado para pensar a questão da moralidade em Kant constitui apenas um dos instrumentos da razão. Uma compreensão integral da moralidade em Kant pressupõe conhecimento mais amplo das condições de possibilidade dela, como veremos no próximo item.

Para saber mais Leia a obra do filósofo: A metafísica dos costumes, publicado em 1797.

Questões para reflexão Reflita sobre a importância do imperativo categórico para Kant.

2.2 Os imperativos A razão prática é o complemento necessário da Razão Teórica porque permite ao sujeito (epistêmico) conhecer as leis que regem o mundo da natureza, incluindo-se as leis do cosmo, do mundo orgânico e inorgânico. Por outro lado, a Razão Prática pura acessa as leis do mundo social, regido pela vontade e liberdade dos homens. O mundo da natureza representa, para Kant, o reino da necessidade, contingência e determinação: o mundo social ou a sociedade, o reino da liberdade, do possível e da indeterminação. Cidadão dos dois mundos, o homem tem a faculdade de conhecer o primeiro (reconstruindo e desvendando suas leis) e de agir no segundo (formulando leis sociais que devem regê-lo). A finalidade do mundo da natureza escapa à vontade humana. O mundo social é o mundo do dever ser, cuja finalidade é definida pela vontade humana, motivo pelo qual ele constitui o sistema dos fins. No primeiro, o mundo do ser, valem os julgamentos científicos. Já no mundo do dever ser ou dos fins, valem os julgamentos morais.


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Para saber mais Uma das obras de Kant é a Metafísica dos costumes (1785). Na obra, o filósofo apresenta a questão da moralidade com o propósito de encontrar na razão pura um princípio supremo de moralidade que, num plano racional garanta o valor das ações, bem como a dignidade do sujeito. Acesse o site para ler o livro de Kant: <http://marcosfabionuva.files.wordpress. com/2011/08/a-metafisica-dos-costumes.pdf>.

A questão da moralidade somente surge em decorrência dessa “indeterminação” do dever ser ou do mundo social, onde os homens têm a liberdade de fazer valer suas vontades, fixar sus próprios objetivos ou fins. É por isso que nesse mundo a ação dos homens pode ser julgada segundo os critérios do bem e do mal, do certo e do errado, do justo e do injusto. Os critérios do julgamento encontram-se arraigados na razão prática pura. Seu instrumento privilegiado é o “imperativo categórico” que se resume na sentença: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer simultaneamente como um principio para uma legislação geral” (KANT, 2003, p. 15). Imperativo porque é um dever moral, categórico, porque atinge a todos, sem exceção. Para compreender a extensão e profundidade desse imperativo, torna-se necessário esclarecer alguns conceitos kantianos que o sustentam e sem os quais ele perderia seu estatuto racional. Trata-se dos conceitos de vontade, liberdade, autonomia, meios e fins, dignidade, universalidade, dever, máxima, imperativo e outros. A vontade é pensada por Kant como a faculdade de autodeterminação das próprias ações, segundo certas leis preconcebidas. Esse conceito implica a ideia de vontade legisladora e, mais especificamente, uma vontade legisladora geral. O exercício da vontade pressupõe a liberdade, a existência de um espaço indeterminado dentro do qual a vontade consegue exprimir-se, agindo, perseguindo fins prefixados, com meios livremente selecionados. A liberdade, em Kant, não existe senão sob a forma de uma ideia, produzida pela razão. Ela não tem “realidade” fora da razão, mas sem ela não haveria vontade. A razão é prática porque se torna a causa determinante da vontade. A autonomia, por sua vez, é inseparável da ideia de liberdade e no conceito o princípio geral da ética encontra sua forma de expressão mais adequada. A autonomia é definida no contexto da liberdade e em contraposição com a heteronomia. A natureza e as leis que a regem representam, como vimos, o espaço do determinado (Sein), a heteronomia. O mundo social ou dos costumes


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representa o espalho indeterminado (Sollen), a autonomia. A autonomia do sujeito se expressa em sua capacidade de autodeterminação, em sua vontade legisladora de estabelecer e concretizar fins no mundo social. Esses fins só podem ser alcançados via certos meios. Faz parte do imperativo categórico a exigência de que um ser humano jamais deve ser visto e usado como um meio, mas sim, exclusivamente, como um fim em si mesmo.

Para saber mais Autonomia (gr. autonomia) 1. Liberdade política de uma sociedade capaz de governar-se por si mesma e de forma independente, quer dizer, com autodeterminação. Em Kant, a autonomia é o caráter da vontade pura que só se determina em virtude de sua própria lei, que é a de conformar-se ao dever ditado pela razão prática e não por um interesse externo.

Isso significa que toda a legislação decorrente da vontade legisladora dos homens precisa ter como finalidade o homem, a espécie humana, mais especificamente, a vida e a dignidade do homem. O imperativo categórico orienta-se, pois, segundo um valor básico, inquestionável e universal: a dignidade da vida humana. Kant admite que, no mundo social, no sistema dos fins, existem duas categorias de valores: o preço e a dignidade. Enquanto o preço representa um valor exterior e a manifestação de interesses particulares, a dignidade representa um valor interior, de interesse geral. A legislação elaborada pela razão prática precisa levar em conta, como finalidade suprema, a realização desse valor interior e universal: a dignidade humana. Com isso, atende-se à exigência do imperativo categórico de jamais se transformar um homem em meio para alcançar fins particulares e egoístas (o preço). A realização da dignidade humana pressupõe respeito à lei geral que defende a dignidade humana. O valor universal da dignidade humana, transformação em finalidade última e universal do mundo social, é defendido e respeitado por uma lei universal que, por isso mesmo, impõe seu respeito e lhe confere validade universal. O respeito à dignidade da pessoa humana é transferido para a lei que defende essa dignidade, que assim se torna universal e necessária. Enquanto é universal e necessária, ela é boa e justa, o que lhe confere validade objetiva.


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Em consequência desse encadeamento de ideias e conceitos, seguir as prescrições de uma lei universal não significa sujeição heterônoma à lei, e sim um ato racional de respeito à espécie humana, uma expressão de vontade legisladora. Seguir essa lei significa um dever. O dever é compreendido por Kant como a necessidade de uma ação por respeito à lei. Seguir uma lei por dever significa seguir a instrução racional do imperativo categórico que, em outra formulação, diz: Age segundo a máxima que possa simultaneamente transformar-se me lei geral. Kant faz, ainda, a distinção entre máxima e lei. A lei é um princípio objetivo, prescreve um comportamento que todo ser racional deve seguir. A máxima é um princípio subjetivo que contém a regra prática que a razão determina de acordo com as condições do sujeito. Os imperativos expressam a necessidade de agir segundo certas regras. Kant distinguiu entre imperativos hipotéticos (que podem ser problemáticos ou técnicos e pragmáticos) e imperativos categóricos que têm valor moral. Todos os imperativos ordenam hipotética ou categoricamente, conforme veremos a seguir.

2.3 Os imperativos hipotético e categórico Os imperativos hipotéticos nos quais se formulam regras de ação para lidar com as coisas (imperativos técnicos) e com o bem-estar (imperativos pragmáticos) encontram-se fora do âmbito da moralidade. Tais imperativos determinam a vontade somente sob a condição de alcance de determinados objetivos, como: se quiseres ser campeão, deves treinar. Em outras palavras, eles são hipotéticos, valem na hipótese de que se queira tal fim. O ter ou não ter o desejo de alcançar determinado fim é remetido ao agente, portanto, sua imperatividade, ou seja, sua necessidade, é condicionada. Os imperativos hipotéticos configuram-se de duas maneiras: As regras de habilidade, conforme o exemplo dado acima; Os conselhos de prudência para determinado fim (por exemplo: sê cortês para alcançares a estima alheia) Assim, os imperativos hipotéticos estão subordinados a uma condição: correspondem a ações como meio de evitar tal ou qual castigo ou sanção ou para obter esta ou aquela recompensa. Enunciam um mandamento subordinado a determinadas condições (se queres ser salvo, age conforme os preceitos divinos).


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Quando o imperativo determina a vontade, sem ter em vista obter determinado efeito desejado, mas simplesmente como vontade, prescindindo dos efeitos que possa obter, estamos diante do imperativo categórico. Tal imperativo não diz: deves, se quiseres, e sim deves, porque deves. Essa modalidade imperativa constitui a própria lei moral. Leis precedem da vontade máxima da escolha. No que tange ao homem, esta última é um livre-arbítrio; a vontade, que não é dirigida a nada que ultrapassa a própria lei, não pode ser classificada como livre ou não livre, uma vez que não é dirigida a ações, mas de imediato à produção de leis para as máximas das ações (sendo, pois, a própria razão prática). Consequentemente, a vontade dirige com absoluta necessidade e não é ela mesma sujeita a nenhum constrangimento. Somente a escolha pode, portanto, se chamar livre (KANT, 2003, p. 68-9).

O imperativo categórico é inteiramente desvinculado de qualquer condição, pois se trata de um princípio ético formal da razão prática, absoluto e necessário, que pode ser expresso por algumas fórmulas. A partir do que vimos até agora, podemos dizer que a objetividade do imperativo categórico consiste em três aspectos: a) No fato de não fazer referência a condições patológicas, como desejos e necessidades individuais, mas apenas à razão em si mesma. Daqui se segue que não distingue qualquer ser racional de qualquer outro, aplicando-se de modo universal a todos os agentes racionais; b) Outro aspecto está no fato de o agente racional ser coagido pela razão e aceitar o imperativo categórico. Isso significa que esse imperativo é uma lei tão fundamental da razão prática, como a lei da não contradição o é para o pensamento. Daqui se segue que não aceitá-lo é deixar de usar a razão prática. Assim, tal como a lei da não contradição, não pode ser racionalmente rejeitado; c) Por fim, aceitar esse imperativo é aceitar um motivo para agir, é ser persuadido a obedecer. Uma vez que o imperativo categórico é incondicionado, baseia-se na razão em si mesma, então, o raciocínio prático, por si, pode fornecer motivos objetivos para agir. Assim, a lei moral torna-se universal e necessária, pois não podemos exercer a razão prática sem afirmá-la, de forma explícita ou implícita.


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O imperativo categórico tem assim a necessidade objetiva, fundando-se apenas no exercício da razão pura prática.

2.4 As fórmulas do imperativo categórico Ao justificar o imperativo categórico, Kant discerne o objetivo e a estrutura da razão prática. Este é formulado de três maneiras diferentes e, segundo Kant, são todas equivalentes, isto é, diferentes formulações da mesma lei moral. 1. Fórmula da lei universal: “Age de modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio legislador universal” (KANT, 2003, p. 72). 2. A segunda formulação diz: “Age de modo a considerar a humanidade, seja na tua pessoa, seja na pessoa de qualquer outro, sempre como objetivo, nunca como simples meio” (KANT, 2003, p. 72). 3. A terceira formulação destaca a vontade, como se o filósofo quisesse dizer que não estamos somente submetidos a uma lei, mas que essa lei também é fruto de nossa própria racionalidade: “Somo nós, com nossa vontade e racionalidade, que damos leis a nós mesmos” (KANT, 2003, p. 72-3). A terceira e última formulação supõe autonomia da lei moral, como já expressamos neste texto. Está na Crítica da razão pura a moral na afirmação simbólica de Kant, segundo a qual as duas coisas que mais o enchiam de admiração eram o céu estrelado e a lei moral. Para Kant, a lei moral não pode, em absoluto, ser confundida com uma abstração teórica inócua ou, muito menos, ser tida como um conjunto de regras fundamentadas e legitimadas por fins específicos. Ao contrário, ela encontra um fim em si mesma. É somente no domínio da razão prática que, de acordo com Kant, se põe a questão da liberdade e da moralidade. Os princípios éticos da filosofia kantiana são derivados da racionalidade humana. A moralidade trata do uso prático e livre da razão. Por isso, Kant sustenta que os princípios da razão prática são leis universais que definem nossos deveres e aplicam-se a todos os indivíduos em qualquer circunstância.


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Atividades de aprendizagem 1. Leia o texto: É na Crítica da razão pura que Kant formula sua concepção de uma filosofia transcendental, isto é, uma investigação que, “em geral, se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecimento de objetos”. A filosofia transcendental, portanto, contém a teoria do conhecimento de Kant, ou seja, sua análise das condições de possibilidade do conhecimento, por meio da qual se pode delimitar a ciência da pseudociência, distinguindo o uso cognitivo da razão, que efetivamente produz conhecimento do real, de seu uso meramente especulativo, em que ao pensamento não correspondem objetos. Pode-se dizer que essa obra consiste, por um lado, no exame da constituição interna da razão; por outro lado, no exame do seu funcionamento (MARCONDES, 1997, p. 209).

De acordo com o texto acima, podemos afirmar que para Kant: a) Os juízos sintéticos são a priori e dependem da experiência para a constituição do nosso conhecimento. b) Kant parte da distinção entre juízos analíticos e juízos sintéticos na concepção de uma filosofia transcendental. c) Os juízos sintéticos são de caráter lógico. d) Os juízos analíticos são a posteriori e não dependem da razão na constituição do nosso conhecimento. e) Todas as alternativas estão corretas. 2. É no domínio da razão prática, na visão de Kant, que somos livres, isto é, que se põe a questão da liberdade e da moralidade, enquanto no domínio da razão teórica o conhecimento, somos limitados por nossa própria estrutura cognitiva. Segundo essa concepção, a ética é, no entanto, estritamente racional, bem como subjetivos, nem a hábitos e práticas culturais ou sociais. Os princípios éticos são derivados da racionalidade humana. A moralidade trata, assim, do uso prático e livre da razão (MARCONDES, 2001, p. 213).


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Com base no texto acima e nos conhecimentos apresentados no livro, assinale a alternativa que contempla o modelo moral em Kant. a) A moralidade trata do uso prático e livre da razão cujos princípios são universais e definem nossos deveres. b) A moralidade trata do uso teórico da razão condicionada pelos imperativos categóricos. c) Os princípios morais não podem ser considerados como uso prático, mas como condição da vida. d) A moralidade trada do uso prático da razão, mas não como condição de liberdade. e) Os princípios morais podem e devem ser considerados como uso teórico da razão sem considerar a liberdade como seu fundamento. 3. O objetivo fundamental de Kant é, portanto, estabelecer os princípios a priori, ou seja, universais e imutáveis, da moral. Seu foco é o agente moral, suas intenções e motivos. O dever consiste na obediência a uma lei que se impõe universalmente a todos os seres racionais (MARCONDES, 1997, p. 213). Por isso, a formulação do imperativo categórico. Assinale a alternativa que contempla a ideia de imperativo categórico no pensamento de Kant. a) Age sempre conforme a lei cumprindo-a em seu rigor. b) Age sempre de acordo com a sua consciência moral. c) Age de acordo com as regras fundamentadas em sua razão d) Age de tal forma que a sua ação possa ser considerada como norma universal. e) Age de tal forma que a sua ação produza sempre a justiça. 4. A liberdade é um conceito fundamental na construção kantiana da razão prática. As nossas ações são guiadas pela razão que se efetiva na sociedade de forma voluntária e, portanto, livre. As regras organizadoras da sociedade foram construídas, significadas e modificadas pelos seres humanos no exercício pleno da liberdade. No entanto, Kant afirma que nossas ações devem ser norteadas pelo dever. Por quê?

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Assinale a alternativa correta. a) O dever é uma imposição do Estado para assegurar ordem em uma sociedade. b) Todo modelo moral precisa se fundamentar em regras e imposições do dever. c) Para Kant, o dever é a expressão da liberdade. d) O dever está sempre em conflito com a liberdade e por isso é importante que as ações sejam norteadas por ele (o dever). e) Kant entende que por sermos naturais é preciso ter um mecanismo para refrear os desejos. Esse mecanismo é o dever no cumprimento das regras estabelecidas pelo Estado. 5. Kant formulou seus postulados pelos imperativos categóricos e as máximas morais. Segundo ele, o dever não é um código prescrito com indicações do que se deve ou não fazer; o dever, para ele, é uma forma de agir que deve valer para todos, porque é universal. O imperativo dever é um imperativo categórico com força de lei: a lei moral interior. Com base no texto, assinale a alternativa que apresenta o imperativo categórico de Kant. a) Age sempre para atender os teus objetivos fazendo do outro um meio e não um fim. b) Age de tal forma que da tua conduta resulte em progresso para a tua família. c) Para alcançar sucesso é preciso ter princípios rígidos para nortear a conduta. d) Agir em conformidade com a lei sempre que possível é um dever de todo cidadão. e) Age como se a máxima de tua ação se transforme em lei universal.


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Nietzsche e a genealogia da moral Figura 2.1 Friedrich Nietzsche

Fonte: Nicku/Shutterstock (2014).

O irreverente e polêmico Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) tem sua obra marcada pela crítica à tradição filosófica, clássica e moderna. Sua formação acadêmica se deu nas universidades de Bonn e de Leipzig, onde cursou Filologia. Em 1870, assumiu a função de professor de Filologia Clássica na Universidade de Basileia na Suíça e, depois de 8 anos, precisou afastar-se das funções acadêmicas por motivos de doença. Por fim, abandonou a carreira de professor para se dedicar a escrever. Nunca fixou residência e levou uma vida errante, viajando pela França, Itália e Alemanha. Em 1890, sofreu uma crise e passou o resto de sua vida em hospitais psiquiátricos onde morreu em 1900, louco. Sua obra influenciou profundamente o pensamento da contemporaneidade, sobretudo na Europa. Dentre suas principais e grandes obras, chamamos a atenção para: O nascimento da tragédia (1872); O nascimento da filosofia na época trágica dos gregos (1874); O andarilho e sua sombra (1880); A gaia ciência (1882); Assim falou Zaratrusta (1884); Para além do bem e do mal (1886). O caso Wagner (1888); Ecce homo, Ditirambos dionisíacos, O anticristo e Vontade de potência apareceram depois de seu falecimento.


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3.1 A moral em Nietzsche Agora iremos propor ao leitor uma rápida leitura sobre o pensamento do filósofo mais polêmico do final do século XIX: Nietzsche (1844-1900). Sua morte prematura deixou um vazio no pensamento filosófico do mundo ocidental, mas sua vida significou um verdadeiro “tsunami” em toda a tradição filosófica. Sua concepção ética — registrada na obra Genealogia da moral — é contrária à concepção racionalista e, por isso, já foi considerada como irracionalista. Até hoje, poucos o compreenderam e talvez muitos jamais irão compreender a mente brilhante e ao mesmo tempo, conturbada desse filósofo. De forma resumida, transcreveremos abaixo o conceito da ética em Nietzsche: A moral racionalista foi erguida com finalidade repressora e não para garantir o exercício da liberdade; A moral racionalista transformou tudo o que é natural e espontâneo nos seres humanos em vício; Paixões, desejos e vontade referem-se à vida e à expansão de nossa força vital, portanto, não se referem, espontaneamente, ao bem e ao mal, pois estes são uma invenção da moral racionalista; A moral racionalista foi inventada pelos fracos para controlar e dominar os fortes, cujos desejos, paixões e vontade afirmam a vida. Transgredir regras e normas estabelecidas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa ousadia; A força viral se manifesta como saúde do corpo e da alma, como força da imaginação criadora; A moral dos fracos é produto do ressentimento, que odeia e teme a vida, envenenando-a com culpa e pecado. A sociedade, governada pelos fracos hipócritas, impõe aos fortes modelos éticos que os enfraqueçam e os tornem prisioneiros dóceis da hipocrisia da moral vigente. É preciso manter os fortes, dizendo-lhes que o bom é tudo o que fortalece o desejo da vida e o mal é tudo o que é contrário a esse desejo. A classificação acima foi transcrita, de forma resumida, de Chaui (2002, p. 353). Os pensadores que comungam com as ideias apresentadas postulam que a moral racionalista é a moral dos escravos, dos que renunciam à verdadeira


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liberdade ética. Nesse sentido, Nietzsche aponta suas críticas desde Sócrates, a quem considera “uma cobra peçonhenta”, passando por Platão e Aristóteles, a moral judaico-cristã e Kant entre outros. Ele foi mesmo um “tsunami” na filosofia. Por onde passou, arrastou e desconstruiu o pensamento. Nietzsche rompeu com a racionalidade fundamentada na metafísica que recorria a Deus para assegurar e validar o conhecimento. Para Descartes e para Kant, Deus é o princípio que consolida e valida a organização e a harmonia entre o conhecimento e o objeto conhecido. Mas Nietzsche coloca no tribunal essa tutela afirmando que esse modelo, além de obscurecer o conhecimento, estabelece, também, uma relação de violência e poder, já que o homem não pode “contestar” as verdades reveladas. Assim, ele pergunta: “[...] quando conseguiremos desdivinizar completamente a natureza?” (NIETZSCHE, 1984, p. 156). Segundo interpretação de Matos (1997), o filósofo da contrarrazão inspira-se nas obras de Espinosa, mas com uma nova interpretação. Para Espinosa, o conhecimento só é possível a partir da negação ao riso, do detestar e do deplorar. Para Nietzsche, ao contrário, o conhecimento, ou o intelligere, é justamente o resultado da soma dessas paixões. O conhecimento se configura no âmbito das paixões humanas, mais especificamente: o riso, o detestar e o deplorar. Ainda Matos: Essas três paixões têm em comum o fato de serem formas não de aproximação do objeto ou de identificação com ele. São, ao contrário, a maneira de mantê-lo a distância, seja diferenciando-se dele ou colocando-se em ruptura com ele, seja protegendo-se pelo riso, seja desvalorizando-o pela deploração, afastando-o e, eventualmente, destruindo-o pelo ódio — que são os impulsos base de todo conhecimento (MATOS, 1997, p. 136).

O conhecimento é afastamento do objeto em uma realidade em eterna desarmonia. Desse ponto de vista, o conhecimento é um desconhecimento. A razão não é originária do Bem, da Verdade e da Justiça. Além do problema do conhecimento, Nietzsche investigou a origem da Moral. Na Gaia ciência, ao anunciar a morte de Deus postula a ideia de que os valores têm sua origem no homem. São os homens que criam os valores e submetem a eles como se fossem portadores de todas as características em si (MATOS, 1997). Por isso, esse filósofo é, ao mesmo tempo, amado e odiado.


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Para saber mais Nietzsche foi um filósofo que marcou o pensamento ocidental de forma contundente porque fez uma crítica à tradição filosófica que, até então, ninguém ousou fazer. Mas ele o fez! Por isso, marcou seu nome na história. Ao afirmar que devemos “demolir” nossos valores, ele está nos provocando para pensarmos de forma crítica sobre os valores que fundamentam nossa moral.

Nietzsche parte do questionamento a respeito do nascimento da Filosofia na Grécia Clássica. Utilizando-se dos seus conhecimentos em Filologia, ele procurou subverter a imagem tradicional que temos da Filosofia surgindo na transição entre o pensamento mitológico para o lógico-científico. Ao fazer a leitura da mitologia, da tragédia, dos rituais dionisíacos, da música grega na transição do período arcaico para o clássico, ele procura mostrar que algo de essencial se perdeu no processo. A Filosofia, representada por Sócrates (o homem de uma visão só), instaura o predomínio da razão, da racionalidade argumentativa, da lógica, do conhecimento científico, da demonstração. Com isso, o homem perde a proximidade com a natureza e suas forças vitais, que mantinha no período anterior cuja expressão estava nas manifestações e na embriaguez. Conforme nos ensina Marcondes: A tragédia expressa esse elemento vital no confronto entre os homens e os deuses, no confronto entre o homem e seu destino, no herói que visa superar seus limites, como Prometeu no ciclo de tragédia de Ésquilo. Dionísio seria assim, o deus da música e da embriaguez, o deus que não habita no Olimpo, mas na natureza. A força vital, a alegria e o excesso (MARCONDES, 1997, p. 243).

A Filosofia representa, para Nietzsche, o espírito Apolíneo, derivado de Apolo, o severo deus da racionalidade, da medida, do equilíbrio. No período que antecede a Filosofia, o espírito apolíneo e o espírito dionisíaco se equilibravam de forma a se completarem mutuamente e dialeticamente. Com o desenvolvimento da razão filosófica e científica, o espírito apolíneo irá prevalecer, e o espírito dionisíaco, o desejo, a afirmação da vida, será reprimido. A história da tradição filosófica é a história do triunfo do espírito apolíneo em detrimento do dionisíaco. O advento do cristianismo irá reforçar essa direção com o espírito do sacrifício e da submissão, com o pecado e a culpa, com o supremo paradoxo do “deus morto”, Cristo, o “crucificado”, como Nietzsche


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se referia a ele. Nossa cultura seria fraca e decadente devido ao predomínio das “forças” que a construíram. “A verdade e a moral são os instrumentos que os fracos inventaram para submeter e controlar os fortes, os guerreiros. A tradição ocidental é o resultado desse processo” (MARCONDES, 1997, p. 244).

Para saber mais Em Genealogia da moral, Nietzsche procura entender a moral procurando o surgimento dos conceitos de certo e errado na historia. Assim, recorre à genealogia dos conceitos e à etimologia das palavras: saber o significado das palavras e conhecer a história de sua evolução é a única forma de penetrar na fonte de onde brotam a moral e os valores. O livro está disponível no site <http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/80134.pdf>.

Nietzsche revela e critica esse processo civilizatório ocidental e tenta restaurar os valores primitivos perdidos. A genealogia da moral procura estabelecer a gênese dos conceitos éticos tradicionais, revelando sua fraqueza e arbitrariedade. Designa como “a moral de rebanho” daquele que apenas se submetem e obedecem, anulando sua vontade e reprimindo seus desejos. No livro Além do bem e do mal, investiga a “transmutação de todos os valores”, questionando a dicotomia entre bem e mal, o maniqueísmo inerente em nossa cultura, em busca de novos valores afirmativos de vida, como a vontade, a criatividade e o sentimento estético. Nietzsche zomba do racionalismo crítico moderno, de sua pretensão de fundamentar nosso conhecimento e nossas práticas. Um de seus alvos é Kant, conforme apresenta, de forma sarcástica, no texto abaixo registrado no Aforismo 11, Além do bem e do mal: [...] Kant se orgulhava, antes de tudo e em primeiro lugar, de sua tábua de categorias; ele dizia com essa tábua em mãos: “isto é mais difícil do que jamais pode ser empreendido pela causa da metafísica. Mas entenda-se esse ‘pode ser’! Ele se orgulhava de ter descoberto no homem uma nova faculdade, a faculdade dos juízos sintéticos a priori. Digamos que se enganou nisso: mas o desenvolvimento e brusco florescimento da filosofia alemã decorrem desse orgulho e da competição de todos os mais jovens para, onde possível, descobrir algo ainda mais orgulhoso — e, em todo caso”, novas faculdades [...]


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Esse texto representa o tipo de crítica de Nietzsche à tradição filosófica do idealismo alemão, ao que chama de ‘Filosofia séria ou grave’.

Para saber mais Maniqueísmo (do lat. tardio manichaeus, do gr. tardio manichaèos, de Manichaios: Maniqueu, do persa Manes, o fundador da seita) 1. Doutrina criada por Manes (século III), que se difundiu pelo Império romano e pelo Ocidente cristão, florescendo nesse período. Combina elementos do zoroastrismo, antiga religião persa, e de outras religiões orientais, além do próprio cristianismo.

Nietzsche pode ser considerado um filósofo da antirrazão, porque para ele a moral racionalista ou dos fracos e ressentidos que temem a vida, o corpo, o desejo e as paixões é a moral dos escravos, dos que renunciam à verdadeira liberdade ética. São exemplos dessa moral de escravos: a ética socrática, a moral kantiana, a moral judaico-cristã, a ética da utopia socialista, a ética democrática, em suma, toda moral que afirme que os humanos são iguais, seja por serem racionais (Sócrates, Kant), seja por serem irmãos (religião judaico-cristã), seja por possuírem os mesmos direitos (ética socialista e democrática). Contra a concepção dos escravos, afirma-se a moral dos senhores ou a ética dos melhores, dos aristoi, a moral aristocrática, fundada nos instintos vitais, nos desejos e naquilo que Nietzsche chama de vontade de potência, cujo modelo se encontra nos guerreiros belos e bons das sociedades antigas, baseadas na guerra, nos combates e nos jogos, nas disputas pela glória e pela fama, na busca da honra e da coragem. Nietzsche valoriza a arte e o indivíduo, toma a vontade como central, mas pretende uma ruptura total com a tradição filosófica, na qual vê uma das principais causas da decadência da civilização e da fraqueza do homem. Fez da filosofia seu instrumento de críticas ao falso moralismo da sociedade ocidental norteada pela tradição clássica grega. Não poupou Sócrates e nem Kant, mas escreveu seu nome na história. Os movimentos sociais também influenciaram de forma profunda no pensamento e consequente produção de Nietzsche. Leia com atenção o trecho a seguir e depois faça uma comparação com os movimentos desencadeados aqui no Brasil. Nietzsche tinha uma saúde frágil (condição comum entre os poetas, artistas e filósofos) e foi acometido de uma doença quando trabalhou nos hos-


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pital campal durante a Guerra Franco-prussiana no atendimento a soldados alemães que estavam feridos. Para se recuperar, se hospedou em uma cidade da Suíça, Basileia, e lá recebeu a notícia de que a população e, principalmente, os trabalhadores de Paris estavam se rebelando contra o governo derrotado de forma violenta, atacando prédios públicos, ateando fogo em museus e destruindo obras de arte. Chamo a sua atenção para esse evento porque isso aconteceu em 1871, em Paris, e, quando acontece em nosso território, somos tentados a pensar que só acontece aqui e agora! Esse movimento ganhou o nome de Comuna de Paris e foi proclamado como movimento organizado em março de 1871, promovendo o mais violento levante popular da Europa do século XIX. Os episódios da comuna foram fundamentais para o posicionamento político de Nietzsche que, impressionado com os acontecimentos, direcionou suas forças intelectuais para que o movimento que ele considerava como barbárie fosse detido. Assim, a Comuna de Paris foi o ponto de partir para uma série de escritos dos 20 anos seguintes que, ainda, o colocou entre os antidemocratas, antissocialistas ou de qualquer luta que reivindicasse a igualdade de direitos. Ainda no livro A genealogia da moral ele desferiu, de forma aguerrida, suas críticas ao cristianismo, comparando-o à uma epidemia que dizimou o Império Romano vítima da “febre das catacumbas”, fazendo alusão ao local de reunião dos primeiros cristãos. Suas acusações são no sentido de que a moral cristã é a responsável por promover a insurreição dos fracos. Uma das frases mais conhecidas de Nietzsche é: “Deus está morto!” conforme citação abaixo: Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda a história até hoje! (NIETZSCHE, 2005, §125).


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Com essa frase bombástica, o filósofo provoca a humanidade na busca de valores que transcende a moral convencional formada pelo modelo teocêntrico e, principalmente, pelos valores cristãos. Outro feito importante de Nietzsche em seus sistema filosófico foi a separação entre História e Filosofia (conforme fez Hegel), por entender que a História limita a vida, impedindo o sujeito à ousadia, o risco e o alargamento de oportunidades porque a razão coloca freios nos instintos naturais do homem. A artificialidade racional limita as reais condições humanas. Isso acontecia porque, segundo o filósofo, a História impede o homem de cometer os mesmos erros que são imprescindíveis para a humanidade. Esse pensamento tem sua origem nos pitagóricos e na física dos estoicos que compreendem como naturais as grandes destruições do mundo e o seu ressurgimento. Pensando assim, tudo pode acontecer mais de uma vez e, mais importante, tudo pode ser tentado inúmeras vezes. A racionalidade histórica limita essa condição excepcionalmente humana. Partindo desse princípio, o filósofo da contra razão sai em busca do seu Super-Homem, ou seja, de uma classe social que não esteja contaminada pelos valores religiosos cristãos e, também, pelo projeto político econômico liberal. Mas quem é esse Super-Homem? Alguém que transcenda a ordem estabelecida e reorganize a sociedade a partir de uma nova ordem fundamentada em novas regras ditada por uma versão superior de homem que não se deixar conduzir como rebanho e nem é conduzido por sentimentos como arrependimento, compaixão entre outros. Se o homem consegue adquirir a convicção filosófica da necessidade absoluta de todas as ações e, ao mesmo tempo, da total irresponsabilidade destas, se consegue converter essa convicção em carne e em sangue, então desaparecerá também este resto de remorso de consciência (NIETZSCHE, 1984, p. 14).

No entanto, esse devir de uma nova moral norteada por um Super-Homem não é para todos. Haverá um lugar de refúgio para os poucos que compreenderão essa nova ordem social. Aqueles que se permanecerão impermeáveis à religiosidade e à moral ditada por ela. A nova sociedade imaginada por Nietzsche só poderia ser considerada harmônica ou equalizada a partir da ideia de igualdade entre a nova classe de super-homens. Não se trata do modelo de nobreza antigo, mas de uma casta de homens capazes de pensar, e pensar bem, para todos.


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Esse posicionamento e a forma como redigiu sua obra, fez de Nietzsche um pária por muitos anos (dois séculos, no mínimo). Somente na contemporaneidade, sua obra é revisitada, interpretada, comentada e, depois de muitas tentativas, compreendida. O próprio filósofo tinha clareza das consequências de seus posicionamentos extremados. Em sua autobiografia, Ecce homo, publicada em 1908, portanto após oito anos de sua morte, ele admite: Conheço a minha sorte. Alguma vez estará unido ao meu nome algo de gigantesco — de uma crise como jamais haverá existido na terra, da mais profunda colisão de consciência, de uma decisão tomada, mediante um conjuro, contra tudo o que até esse momento se acreditou, exigiu, santificou. Eu não sou um homem, sou dinamite (NIETZSCHE, 2009, p. 27).

Essa metáfora, comparando-se à uma bomba de dinamite, foi inspirada na rocha do lagoa Silvanaplate. Com isso, ele estava dizendo que seus pensamentos devastariam todo e qualquer edifício de pensamento considerado sólido (como o pensamento e modelo moral construído da antiguidade até a modernidade). Figura 2.2 A rocha do Lago Silvanaplate, que inspirou Nietzsche

Fonte: Ullstein/Glow Images (2014).

Questões para reflexão Nietzsche fez duras críticas à Filosofia grega e, inclusive, foi contundente com Sócrates. Reflita: como Nietzsche vê a questão da moral?


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Atividades de aprendizagem 1. Leia o texto abaixo para responder às questões. Agora uma palavra contra Kant como moralista. A virtude deve ser nossa invenção; deve surgir de nossa necessidade pessoal e em nossa defesa. Em qualquer outro caso é fonte de perigo. Tudo que não pertence à vida representa uma ameaça a ela; uma virtude nascida simplesmente do respeito ao conceito de “virtude”, como Kant a desejava, é perniciosa. A ”virtude”, o “dever”, o “bem em si”, a bondade fundamentada na impessoalidade ou na noção de validez universal — são todas quimeras, e nelas apenas encontra-se a expressão da decadência, o último colapso vital, o espírito chinês de Königsberg. Exatamente o contrário é exigido pelas mais profundas leis da autopreservação e do crescimento: que cada homem crie sua própria virtude, seu próprio imperativo categórico. Uma nação se reduz a ruínas quando confunde seu dever com o conceito universal de dever. Nada conduz a um desastre mais cabal e pungente que todo dever “impessoal”, todo sacrifício ao Moloch da abstração. — E imaginar que ninguém pensou no imperativo categórico de Kant como algo perigoso à vida!... Somente o instinto teológico tomou-o sob sua proteção! — Uma ação suscitada pelo instinto vital prova estar correta pela quantidade de prazer que gera: e ainda assim esse niilista, com suas vísceras de dogmatismo cristão, considerava o prazer como uma objeção... O que destrói um homem mais rapidamente que trabalhar, pensar e sentir sem uma necessidade interna, sem um profundo desejo pessoal, sem prazer — como um mero autômato do dever? Essa é tanto uma receita para a décadence quanto para a idiotice... Kant tornou-se um idiota. — E ele era contemporâneo de Goethe! Este calamitoso fiandeiro de teias de aranha foi reputado o filósofo alemão par excellence — e continua a sê-lo!... Abstenho-me de dizer o que penso dos alemães... Kant não viu na Revolução Francesa a transformação do estado da forma inorgânica para a orgânica? Não perguntou a si mesmo se havia algum evento que não poderia ser explicado exceto através


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de uma disposição moral no homem, para que, fundamentada nisso, “a tendência da humanidade ao bem” pudesse ser explicada de uma vez por todas? Resposta de Kant: “Isso é a revolução”. O instinto que engana sobre toda e qualquer coisa, o instinto como revolta contra a natureza, a decadência alemã em forma de filosofia — isso é Kant! (NIETZSCHE, 2002, §XI).

Com base no texto acima podemos afirmar: I. Kant considera como imperativo uma proposição que tenha a forma de comando, de imposição e, em particular, de um comando ou ordem que o espírito dá a si próprio. II. Nietzsche considera destrutivo uma vida norteada apenas pelo dever sem levar em consideração os desejos pessoais, o prazer e os outros sentimentos. III. Kant e Nietzsche concordam que a vida deve ser norteada pelo dever para que o homem alcance uma moral virtuosa. IV. Nietzsche concorda plenamente com os imperativos categóricos formulados por Kant, mas discorda da obrigação de sua imposição à todos os homens. Assinale a alternativa correta. a) As afirmações I e IV são corretas. b) As afirmações I e IV são incorretas. c) As afirmações I e II são corretas. d) As afirmações I e II são incorretas. e) As afirmações II e IV são corretas. 2. “O conhecimento pelo conhecimento — eis a última armadilha colocada pela moral: é assim que mais uma vez nos enredamos inteiramente nela!” Com base no fragmento acima, podemos afirmar sobre Nietzsche: I. Que o modelo científico da modernidade reina absoluto cometendo o erro em considerar a descoberta e a invenção como conhecimento verdadeiro. II. Que a ciência é o único conhecimento para garantir o verdadeiro conhecimento e nortear as ações da humanidade. III. A moral impera e se moderniza com a ciência que nos convence sem questionamentos.

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Assinale a alternativa correta com relação às afirmações acima. a) Todas as afirmações estão corretas. b) Todas as afirmações estão incorretas. c) Somente a afirmação I está correta. d) As afirmações I e III estão corretas. e) As afirmações II e III estão corretas. 3. De acordo com o pensamento de Nietzsche, a moral é uma interpretação equívoca dos afetos porque os implica num fim. Toma-se por imprescindível uma relação estrutural de bem e mal para compreendê-la. Mas tal compreensão é sempre secundária. De acordo com o texto acima, assinale a alternativa correta com relação ao pensamento d e Nietzsche. a) A moral reduz a vida em uma finalidade polarizada entre o bem e o mal, quando, na verdade, existe um conjunto de fatores complexos envolvendo a vida. b) A moral está restrita à interpretação do que pode e não pode ser feito e isso é necessário para nortear a humanidade. c) Sem a moral, a humanidade caminhará para o caos, segundo Nietzsche. d) A moral cristã prescreve a melhor regra para a humanidade. e) Sem o cristianismo e a moral norteada pelos seus valores, a ciência não teria sucesso. 4. O conhecimento é afastamento do objeto em uma realidade em eterna desarmonia. Desse ponto de vista, o conhecimento é um desconhecimento. A razão não é originária do Bem, da Verdade e da Justiça. O que é, afinal, o conhecimento para Nietzsche? Assinale a alternativa correta. a) O conhecimento é o resultado da soma das paixões humanas, em especial o riso, o detestar e o deplorar. b) O conhecimento é uma conquista racional de mentes superiores e geniais. c) O conhecimento não pode ser alcançado sem o exercício da razão pura.


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d) O conhecimento pode ser alcançado, mas não depende do sujeito, e sim dos estímulos que ele recebe durante a vida. e) O conhecimento é resultado de um conjunto de fatores, incluindo a vontade objetiva. 5. A concepção de ética no pensamento de Nietzsche, registrado na obra Genealogia da moral, é contrária à concepção racionalista e por isso é considerada irracionalista, ou a ética da contrarrazão. Com base no texto e no conhecimento sobre a ética em Nietzsche, podemos afirmar: I. A moral racionalista foi inventada pelos fracos para controlar e dominar os fortes, cujos desejos, paixões e vontade afirmam a vida. II. Transgredir regras e normas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa ousadia. III. A moral racionalista foi erguida com finalidade repressora e não para garantir o exercício da liberdade. Assinale a alternativa correta: a) Somente as afirmações I e III estão corretas b) Somente a afirmação I está incorreta c) Somente as afirmações I e II estão corretas d) Somente a afirmação III está correta e) Todas as afirmações estão corretas

Fique ligado! O que nos chama a atenção no pensamento de Nietzsche é o impasse de se ter então que dizer, sempre mais uma vez: o que é a Filosofia? Esse filósofo, polêmico em todas as áreas do conhecimento, provoca questões que vão desde o conceito de filosofia, quanto a ética, moral e ciência. Nietzsche questiona a própria condição grega da Filosofia e os pressupostos da moral. Daí o livro Genealogia da moral ser um marco significativo de suas reflexões nessa área. Ler e compreender Nietzsche é um desafio para todas as gerações.

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Para concluir o estudo da unidade O tom polêmico que Nietzsche imprime aos seus livros provocou críticas negativas e o questionamento da qualidade de sua obra. No entanto, a maior controvérsia provocada por seus livros decorre da suspeita de uma possível manipulação do conteúdo feita por sua irmã após sua morte quando esta assumiu o espólio do filósofo. Movida por interesses financeiros e sem os devidos cuidados com o pensamento do irmão, Elizabeth Förster-Nietzsche passou a comercializar os livros chegando ao ponto de descontextualizar e deturpar alguns fragmentos que foram levados a público como obras inéditas. Os livros de Nietzsche são apresentados atualmente em várias edições. No entanto, a única considerada pelos pesquisadores como um trabalho realmente sério é a dos italianos Colli e Montinari, que se ocuparam de publicá-los mantendo os status de fragmento para o que é fragmento e de obra acabada apenas para o que foi designado pelo filósofo como tal.

Atividades de aprendizagem da unidade 1. Leia o fragmento abaixo: Não devemos enfeitar nem embelezar o cristianismo: ele travou uma guerra de morte contra este tipo de homem superior, anatematizou todos os instintos mais profundos desse tipo, destilou seus conceitos de mal e de maldade personificada a partir desses instintos — o homem forte como um réprobo, como “degredado entre os homens”. O cristianismo tomou o partido de tudo o que é fraco, baixo e fracassado; forjou seu ideal a partir da oposição a todos os instintos de preservação da vida saudável; corrompeu até mesmo as faculdades daquelas naturezas intelectualmente mais vigorosas, ensinando que os valores intelectuais elevados são apenas pecados, descaminhos, tentações. O exemplo mais lamentável: o corrompimento de Pascal, o qual acreditava que seu intelecto havia sido destruído pelo pecado original, quando na verdade tinha sido destruído pelo cristianismo! (NIETZSCHE, 2002, §V).


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Utilizando o texto acima, construa um pequeno texto dissertativo/ argumentativo com, pelo menos, dois argumentos, sobre o tema: interpretação de Nietzsche sobre a influência d cristianismo na moral ocidental. 2.

[...] necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor desses valores deverá ser colocado em questão — para isto é necessário um conhecimento das condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e se modificaram (moral como consequência, como sintoma, máscara, tartufice, doença, mal-entendido; mas também moral como causa, medicamento, estimulante, inibição, veneno), um conhecimento tal como até hoje nunca existiu nem foi desejado [...] (NIETZSCHE, 2009, p. 12).

Considerando o fragmento acima, construa um pequeno texto dissertativo/argumentativo e explique de que maneira Nietzsche interpreta a relação entre conhecimento e formação moral. 3.

Em algum rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da história um universal: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram que morrer (NIETZSCHE, 1991, p. 31).

No texto acima, o Filósofo está chamando a atenção sobre a utilidade (ou inutilidade) do intelecto humano dentro da natureza. Considerando o fragmento acima, construa um pequeno texto dissertativo/argumentativo explicando de que maneira Nietzsche interpreta a relação entre razão e natureza. Nietzsche entende que não pode existir uma separação, como aconteceu na Idade Moderna, entre homem e natureza. A natureza não pode ser racionalizada, ou conquistada conforme queriam e impuseram os modernos. Faz, também, uma crítica aos gregos que consideraram a razão a única fonte de conhecimento, desprezando totalmente a natureza humana em torno do desejo e prazer. Também os considera (os gregos) exacerbadamente arrogantes por se considerarem os úni-

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cos no universo a constituírem um modelo de interpretação do real a partir da razão. 4. Leia o texto abaixo: Kant se orgulhava, antes de tudo e em primeiro lugar, de sua tábua de categorias; ele dizia, com essa tábua nas mãos: “isto é mais difícil do que jamais pôde ser empreendido pela causa da metafísica”. Mas entenda-se esse “pôde ser”! Ele se orgulhava de ter descoberto no homem uma nova faculdade, a faculdade dos juízos sintéticos a priori. Digamos que se enganou nisso: mas o desenvolvimento e brusco florescimento da filosofia alemã decorrem desse orgulho e da competição de todo os mais jovens para, onde possível, descobrir algo ainda mais orgulhoso — e, em todo caso, “novas faculdades”! Mas prestemos atenção: já é tempo. Como os juízos sintéticos a priori são possíveis? — perguntou-se Kant — e, o que respondeu ele propriamente? Em virtude de uma faculdade: mas infelizmente não assim em três palavras, mas de modo tão circunstanciado, tão respeitável, e com tal dispêndio do senso alemão de profundeza e de encaracolado, que não se percebeu a cômica que se esconde em uma tal resposta. Ficou-se até mesmo fora de si com essa nova faculdade, e o júbilo chegou ao auge quanto Kant descobriu ainda por cima também uma faculdade moral no homem [...] (NIETZSCHE, 1982, aforismo 11).

De acordo com o texto acima, assinale a alternativa que contempla a crítica de Nietzsche a Kant. a) Nietzsche desfere de forma extremamente sarcástica crítica ao modelo estético em Kant. b) O Filósofo não critica o também alemão Kant, mas apenas relata o trabalho de Kant sobre a possibilidade do conhecimento. c) Nietzsche ironiza a pretensão kantiana com relação à descoberta de algo tão profundo dos fundamentos de nosso conhecimento e do nosso agir moral. d) Nietzsche estabelece uma comparação entre o pensamento de Kant e Hegel. e) Nietzsche, de forma irônica, elogia a construção epistemológica de Kant


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5.

A Filosofia, segundo Nietzsche, representada por Sócrates, o “homem de uma visão só”, instaura o predomínio da razão, da racionalidade argumentativa, da lógica, do conhecimento científico, da demonstração. Com isso, o homem perde a proximidade com a natureza e suas forças virais, que mantinha no período anterior e que encontra sua expressão nos rituais dionisíacos, na dança, na embriaguez A tragédia expressa esse elemento vital no confronto entre os homens e os deuses, no confronto entre o homem e seu destino, no herói que visa superar seus limites, como Prometeu no ciclo de tragédias de Ésquilo. Dionísio seria assim o deus da música e da embriaguez, o deus que não habita o Olimpo, mas a natureza; a força vital, a alegria, o excesso... (MARCONDES, 1997, p. 243).

Com base no texto acima e no conteúdo apresentado, assinale a alternativa que contempla a representação na tragédia grega da Filosofia, para Nietzsche. a) A filosofia é representação do espírito dionisíaco por contemplar a ideia equilíbrio. b) O surgimento da filosofia representa o predomínio do espírito apolíneo, o deus da racionalidade. c) O surgimento da filosofia representa a extinção do pensamento mitológico e a tragédia é desconsiderada. d) A Filosofia tem caráter sistemático e não pode ser representada por deuses mitológicos. e) O surgimento da Filosofia representa o predomínio da razão sobre a natureza, de acordo com Nietzsche.

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Referências CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. HEGEL, G. W. A razão na História. Uma introdução geral à filosofia da história. Introdução Robert S. Hartman. Trad. Beatriz Sidou. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2001. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução, textos adicionais e notas: Edson Bini. São Paulo: EDIPRO — Edições Profissionais, 2003. MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgensttein. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. MATOS, Olgária. História viajante: notações filosóficas. São Paulo: Studio Nobel, 1997. NIETZSCHE, F. W. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. In: Obras incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo. Nova Cultural, 1991 (Coleção Os Pensadores). ______. Para além do Bem e do Mal. Trad. Hermann Pflüger. Lisboa: Guimarães, 1982. ______. A Gaia Ciência. Trad. Paulo Cesar de Souza. São Paulo. Companhia das Letras, 2005. ______. A Genealogia da Moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza. Cia das Letras. São Paulo, 2009. ______. O Anticristo: ensaio de uma Crítica do Cristianismo. Trad. Pietro Nassettil. São Paulo: Martin Claret, 2002. ______. Humano, demasiado humano. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1984. PINHEIRO, Olimpia. A corja símbolo da Filosofia — e a Minerva. A liberdade é pouco, 19 maio 2012. Disponível em: <http://cinenegocioseimoveis.blogspot.com.br/2012/05/ coruja-simbolo-da-filosofia-e-minerva.html>. Acesso em: 18 jun. 2014.


Unidade 3

Construção da política ocidental Fábio Roberto Tavares

Objetivos de aprendizagem: Esta unidade tem por objetivo a compreensão do processo de formação do Estado Moderno, que é o modelo adotado no mundo Ocidental. Assim, você irá conhecer os princípios da Política com a contribuição de alguns pensadores importantes, além dos filósofos tradicionais nessa área. Pretendemos estimular a curiosidade e promover o pensamento crítico para as coisas públicas, para aquilo que é vivido em comum e que rege nossa convivência social, das quais e pelas quais nós nascemos, vivemos e morremos.

Seção 1:

Fundamentos da política ocidental e contrato social Nesta seção, você terá oportunidade de conhecer e analisar como a política vai se desenvolvendo no Ocidente a partir da contribuição de grandes pensadores, como Maquiavel, T. Hobbes, J. Locke e Rousseau, entre outros. Vamos também entender o contrato social, tão importante para a organização política e social de uma sociedade que se quer civilizada.


Seção 2:

Formação do Estado liberal Nesta seção veremos como o Estado Moderno formulado por T. Hobbes e B. Montesquieu foi aprimorado e ganhou estruturas e processos ainda mais complexos. Também vamos estudar a separação das questões religiosas das questões políticas, ou seja, a laicização do Estado e como as experiências de república (romana) e democracia (grega), que haviam sido implantadas na Antiguidade clássica, favoreceram os processos democráticos e eleitorais, marcados pelo aumento da participação popular. Vamos também estudar como o liberalismo político e econômico se desenvolvem dentro do Estado liberal.

Seção 3:

Realismo político e tipos de regimes políticos no Brasil Vamos estudar como se articula o realismo político na organização da sociedade nesse aspecto. Aqui, você irá aprender um pouco dos modelos ou modelo políticos incorporados no Brasil desde a proclamação da República até os dias atuais. Vamos ver a divisão do governo em três poderes, cada um com atribuições específicas, funcionando de forma independente e harmônica: Executivo, Legislativo e Judiciário, ambos atuando para cumprir com os contratos constitucionais, como idealmente, deve ser.


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Introdução ao estudo Nesta unidade, você irá compreender o movimento político inaugurado pelo Estado Moderno. Ao falarmos sobre este assunto, estamos nos remetendo às grandes mudanças ocorridas a partir do século XV com a revolução epistemológica, as grandes revoluções — Revolução Francesa, Industrial — e, principalmente, ao modo de produção que norteou todos os segmentos sociais e reformulou a moral vigente. Por isso, começaremos uma conversa sobre a compreensão de política para os homens da modernidade que, logo de início, romperam com o modelo político norteado pela Igreja durante toda a Idade Média. Na segunda seção, queremos que você inicie um conhecimento sobre os pensadores jus-naturalistas que estão representados por três grandes filósofos: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Por último, apresentaremos uma breve discussão sobre o realismo político, tendo a política como um dos pressupostos que definem a sociedade ocidental, de modo especial na modernidade. Veremos que lá nos gregos antigos, a política já era condição da existência humana, de garantia de organização social, do espaço público, do bem viver. E aí, quando chega a modernidade, a política é reduzida à garantia das satisfações biológicas dos corpos que compõem um povo, uma nação. Muito pouco para a política que se faz urgente para as sociedades ocidentais. Quando chega a contemporaneidade, a política assume novas dimensões que o texto irá esclarecer. Vamos também procurar entender como se desenvolve o modelo político brasileiro e seu reflexo sobre a nossa vida no cotidiano. Suas peculiaridades, os partidos, as formas de governo, algo que faz parte do nosso dia a dia, mas que nunca é demais voltar a estudar essas temáticas. Vamos lá? Bons estudos.

Seção 1

Fundamentos da política ocidental e o contrato social

Para compreender a política, o Estado e suas diversas manifestações, é preciso que tenhamos o conhecimento das suas ideologias, bem como analisar os reflexos que tais pensamentos proporcionaram à sociedade, fazendo-a fruto de concepções autoritárias, capitalistas ou de bem-estar social.


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As ideologias políticas contribuíram para que muitos Estados se desenvolvessem economicamente e, por esse desenvolvimento, acabaram, muitas vezes, esquecendo-se do contexto social, preocupando-se tão somente com a produção de capital; já outras, induziram guerras, revoluções e até mesmo extermínio de grupos sociais em nome de seu idealismo. Também tiveram aquelas que proporcionaram um Estado mais humanitário, visando ao Bem Comum.

1.1 Fundamentando a política e o contrato ocidental Você pode perceber que até a Idade Média, ética e política estavam juntas. Na Antiguidade, o governante tinha que ser justo e, para isso, teria que ter suas ações baseadas no exercício ético sediado pela razão. Para os medievais, é a ética cristã que ira nortear o exercício político.

Para saber mais A palavra polis (muitos) também dá origem à palavra política: os muitos que administram o lugar onde vivem. Hoje chamamos a polis, cidade antiga, grega, de Estado ou país.

O que acontece na modernidade? Um pouco antes, temos uma figura muito conhecida: trata-se do filosofo Maquiavel. Seu nome é bem conhecido; de sua obra, o livro mais conhecido é O príncipe. Foi escrito às pressas com a intenção de recuperar o emprego perdido do autor (de secretário de Estado na Itália) e, principalmente, de fazê-lo deixar o exílio. Mas O príncipe não retrata exatamente o pensamento de Maquiavel; interpretá-lo somente a partir dessa obra e o mesmo que querer entender um livro somente pela capa ou por suas orelhas (as orelhas de um livro são aquelas paginas viradas para dentro dele, apresentando de forma resumida o seu conteúdo). O que Maquiavel fez foi desvincular o poder político do poder da Igreja. Enquanto os teólogos partiam da Bíblia e do Direito Romano para legislar, ele parte da experiência real, do que está acontecendo no tempo presente e precisa de soluções imediatas, mas que mantenham uma organização duradoura. Sua leitura política dos clássicos fizeram-no ter uma noção de humanidade, ou seja, para ele o ser humano conserva algumas características imutáveis: “[...] são ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante os perigos e ávidos por lucro” (MAQUIAVEL, 1982, p. 19). Por isso, não adianta buscar um governante


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virtuoso, porque este não existe. Mas o governante poderá, se for esperto, desenvolver a virtude e alcançar a fortuna que e a manutenção do poder. Maquiavel foi secretário e conselheiro dos governantes de Florença. Nesse período (século XV), a Itália estava totalmente dividida como uma colcha de retalhos e o caos instalado. A França invadia seus territórios sistematicamente e o governo papal estava totalmente sem prestígio, resultado da corrupção instalada nos bastidores da Igreja Romana. Por isso, Maquiavel ofereceu um pensamento novo para substituir as práticas políticas fundamentadas em teorias que não mais atendiam às necessidades de um novo tempo. Seus contemporâneos tentavam resolver as questões políticas buscando nos antigos orientações e deixavam escapar os acontecimentos do momento. Maquiavel rompeu com o modelo passado não admitindo um fundamento político divino. A cidade está dividida por dois desejos: daqueles que querem oprimir e o desejo do povo de não ser oprimido. Se a sociedade está polarizada entre dois desejos antagônicos, não pode ser vista como uma comunidade e, portanto, a finalidade da política não é o Bem Comum e a Justiça. O príncipe precisa ter virtude para tomar e manter o poder, nem que seja pela força, mentira, astucia e violência. Quando o regime político esmaga o povo é ilegítimo. A legitimidade e a ilegitimidade são delimitadas pela liberdade. O que Maquiavel faz é virar de cabeça para baixo e romper com todas as concepções de política, ética e justiça construídas desde a Antiguidade. Para ele, no lugar de virtudes que devem fazer parte do governante para bem governar, deve ser a virtude a característica principal do bom governante. A virtude não tem o mesmo conceito de virtude dos antigos e dos cristãos, mas uma capacidade para gerir com eficiência os negócios públicos. A virtude e a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a fortuna (o poder). Em outras palavras, um príncipe que agir sempre da mesma forma e de acordo com os mesmos princípios em todas as circunstâncias fracassará.

Para saber mais Aprendendo agora sobre isso, você pode ler O príncipe, de Maquiavel, com outros olhos e aplicar alguns ensinamentos para a sua vida profissional. É claro que você não irá sair por aí pisando em todas as pessoas, batendo e coagindo para manter uma situação de poder, ou até mesmo de manutenção do seu emprego, não é?


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O que Maquiavel nos ensina é que devemos saber ler e interpretar o momento. É preciso ser flexível e atualizado para se manter “em pé”. Se você é um professor, precisa compreender a linguagem dos alunos para proporcionar um ensino que os alcance. Se você é uma secretária, precisa estar sempre atualizada e aprender que na atualidade é preciso trabalhar em equipe e não ser “muro”, mas “ponte”. Assim como um bom administrador de empresas precisa também ouvir e interpretar o contexto da sociedade, a linguagem da equipe e conectar tudo (sociedade, equipe, fornecedores e clientes) com a empresa e a diretoria. Para isso, é preciso ter virtude. Mas se você escolheu uma profissão que esteja diretamente ligada às questões sociais ou ambientais, como engenharia ambiental, serviço social e outros, é preciso ter muita virtude e entender o mundo, o sujeito contemporâneo e as políticas sociais, ambientais e da saúde, que são geridas pelo Estado. No atual contexto, fala-se muito em flexibilidade atrelada à tendência pós-moderna. Mas essa ideia já existia com Maquiavel, antes da Modernidade. Para ele, a lógica política dever estar totalmente separada da vida privada do governante. Uma coisa são as virtudes éticas construídas e cultivadas pelo sujeito em sua vida privada, particular. Outra coisa é a lógica da virtude na ação política. Os valores políticos devem ser medidos pela eficácia social. Ele separa o ethos político do ethos moral. O falso moralismo que impera na política não confere eficácia ao governante, mas sim o fracasso. Maquiavel separa a política da religião e, por isso, foi criticado tanto por católicos como por protestantes. Sua obra foi considerada satânica e permaneceu no Index por vários séculos. Depois disso, Maquiavel foi perdoado e sua obra é traduzida e muito lida até hoje.

Para saber mais Neste link, você vai encontrar uma reflexão muito pertinente sobre “Religião e política no pensamento de Maquiavel”, elaborada pelo professor José Luiz Ames, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná: <http://opiniocia.blogspot.com.br/2014/02/religiao-e-politica-no-pensamento-de.html>.

São dilemas políticos que a política tem que dar uma resposta, um norte. Vimos que para os gregos antigos a política era condição da existência humana, da garantia da felicidade, da materialização da cidade como espaço público


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do bem viver. A participação na polis, no confronto entre pluralidades no espaço público, era a condição de ser cidadão. Porém, a modernidade eleva à condição primeira da existência humana a vida em sua dimensão meramente biológica. O que está em jogo na modernidade é o cuidado e o controle dos corpos, da vida e da morte dos indivíduos. A política é reduzida como o meio de se garantir as satisfações biológicas dos corpos que compõem o povo, a nação. A contemporaneidade potencializa esse reducionismo político, condensando-o em torno de estratégias de biopoder na administração dos corpos de indivíduos atomizados pela lógica do consumo. O consumo foi elevado à condição da existência humana. Consumo, logo existo. Consome-se a tudo e a todos, ao mesmo tempo em que, inerente à lógica do consumo, tudo tem que ser necessariamente descartável. E o contrato social? Para melhor compreender a dinâmica do contrato social, vamos aqui recorrer a três grandes pensadores — Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau — que vão desenvolver um pensamento sobre as razões da existência de uma sociedade civil organizada, ou seja, as razões que levaram o homem a se organizar politicamente, temas muito debatidos pelos filósofos antigos. A Filosofia é assim mesmo: para um objeto (no caso a Política) temos vários olhares, ou várias interpretações. Vamos começar com Hobbes. Você deve conhecer uma frase célebre dele: “O homem é o lobo do homem”. Por que será que ele disse e escreveu isso? Vamos aprender! A frase clássica de Hobbes nos remete à ideia de que ele investiga, em primeiro lugar, o homem em estado natural, antes de existir uma sociedade civil organizada. A organização advém de um contrato e, por isso, ele figura entre os filósofos contratualistas. O pensamento desses contratualistas nos remete ao período entre os séculos XVI e XVIII. Da mesma forma que Maquiavel pensava sobre a natureza humana, também Hobbes pensava. Ou seja, o homem não muda em algumas particularidades da natureza. Todos esses filósofos do período moderno foram buscar inspiração nos filósofos clássicos e Hobbes também concluiu que a natureza humana não foi capaz de “melhorar” com o passar dos séculos. Hobbes afirma que os homens são iguais: A natureza dos homens os fez tão iguais, quanto às faculdades do corpo quanto a do espírito [...] não há diferença entre eles [...] quanto à força corporal o mais


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fraco tem força suficiente para matar o mais fraco, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. [...] quanto às faculdades do espírito [...] o que talvez possa tornar inaceitável essa igualdade é simplesmente a concepção vaidosa da própria sabedoria, a qual quase todos os homens supõem possuir em maior ou menor grau. Em maior grau do que o outro (HOBBES, 2008, p. 74).

Segundo o filósofo Renato Janine, o que Hobbes ensina é que “[...] todo homem é opaco aos olhos do outro” (RIBEIRO, 2009). Como não se sabe o que o outro pretende, o melhor para a defesa é o ataque antecipado. A ideia do “homem lobo do homem” não é uma ação animalesca, mas racional e pensada. Dessa forma, instala-se uma guerra generalizada. Por isso, é necessário um Estado forte para controlá-los. Mas porque existe essa disputa eterna? Para Hobbes, há três motivações intrínsecas no ser humano: a competição, a desconfiança e a glória (a vaidade). O estado natural de guerra é porque todos se imaginam poderosos, perseguidos e traídos. Como pôr um fim nesse conflito? O pensamento de Hobbes define o que é a Lei de natureza e, para entendermos, iremos recorrer ao filósofo Janine: Uma lei da natureza consiste em um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa para destruir sua vida ou privá-la dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para preservá-la. Porque embora os que têm tratado desse assunto costumem confundir justiça e lei, o direito e a lei. O Direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas (HOBBES, 2008, p. 60).

Na concepção moderna hobbesiana, Direito e Justiça estão separados. Por isso é preciso um Estado forte para dar um ordenamento à sociedade. Uma organização para a manutenção do próprio ser humano. Para que isso aconteça, Hobbes nos remete à ideia do Leviatã, uma figura marinha da mitologia que “ampara e cuida” dos mais fracos.


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Figura 3.1 Thomas Hobbes

Fonte: Georgios Kollidas/Shutterstock (2014).

A passagem do Estado de Natureza para a Sociedade Civil acontece pelo contrato social. Os homens, por medo, renunciam à liberdade para eleger um soberano absoluto com poderes ou autoridade política de legislar e executar as leis. Portanto, Hobbes parte do conceito do Direito natural (Jus-naturalismo), cujo preceito ensina que todo homem tem direito à vida e ao que é necessário para mantê-la, também (principalmente) a liberdade. Todos são livres, ainda que uns sejam fracos e outros fortes. Um contrato social, conforme o Direito Romano, só tem validade se ambas as partes forem livres e iguais e, por vontade própria, consentem ao que está contratado, pactuado.

Questões para reflexão Vamos dar outra paradinha aqui. Quando Hobbes disse: “[...] que todo homem e opaco diante do outro”, ele estava dizendo que não olhamos com nitidez o outro e nós também não somos vistos com nitidez diante do outro. Sempre um se considera melhor que o outro. Você concorda com essa afirmação?


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Depois de Hobbes, você agora irá conhecer um pouco de J. Locke, considerado o pai do liberalismo clássico. O Liberalismo é a teoria política que legitima o modo de produção capitalista. Funciona mais ou menos assim: imagine uma casa; o telhado é o modo de produção (em nosso caso é o capitalismo), mas para segurar esse telhado é preciso dois fortes pilares, uma teoria política e uma teoria econômica. Sem essas duas teorias, ou pilares, o modo de produção não se sustenta e fracassa. Mas os pilares precisam de uma boa fundação: é o projeto epistemológico e o ethos formado pelo projeto epistemológico. O modelo de conhecimento é que irá direcionar, por meio das ideias (ideologias), o nosso modo de transitar dentro dessa casa, que é a moral. Os nossos costumes foram, aos poucos, mudando para assumir o projeto de vida burguês. Caso contrário, o capitalismo não teria se consolidado. Portanto, a modernidade e o capitalismo nasceram no mesmo berço (a Europa). O apogeu no novo modelo acontece no século XVIII, palco da Revolução Industrial, e considerado o século das luzes. Mas, antes disso, Locke já estava pensando e elaborando a teoria que iria dar sustentação ao modelo burguês de vida, ao modo de produção capitalista. A teoria política e econômica liberal legitima a propriedade privada. Figura 3.2 John Locke

Fonte: Georgios Kollidas/Shutterstock (2014).

Locke também parte do direito natural como direito à vida, à liberdade e aos bens necessários para a manutenção de ambas. Até a Idade Média, cujo modo de produção foi o feudalismo, a teoria política tinha sua fundamentação no projeto divino do poder mantido por hereditariedade uma conotação de


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castigo (Deus castigou o homem, por seu pecado original, ao trabalho pesado para a sua sobrevivência). Mas, agora, a coisa mudou. Como, então, tornar o trabalho o legítimo meio para garantir a propriedade privada como direito natural? Locke responde: Deus é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro que fez uma obra: o mundo. Este lhe pertence. É seu domínio e propriedade. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que nele reinasse e, ao expulsá-lo do paraíso não lhe retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com o suor de seu rosto [...] Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do homem, o direito à propriedade privada como fruto legítimo do trabalho (CHAUI, 2002, p. 401).

Dessa forma, Locke reinterpreta a Bíblia em favor do novo projeto econômico. Para os medievais, o trabalho era indigno por ser resultado do pecado original. Mas, olhando assim, com os olhos de Locke, ficou diferente. A burguesia em ascensão ficou definitivamente legitimada perante a nobreza. Mais ainda: o burguês se vê como superior perante a nobreza e perante os pobres. No ideário burguês, Deus fez todos os homens iguais e com direito, pelo trabalho, à propriedade privada. Se os pobres não as têm é porque são culpados por sua condição de pobreza e inferioridade. O papel do Estado é garantir a propriedade privada. Na teoria liberal de Locke, realizada posteriormente pela Independência norte-americana (1776), mais tarde pela Revolução Francesa (1789) e, por fim, com Max Weber, a função do Estado é: Garantir a propriedade privada por meio das leis e pelo uso da violência (exército e polícia); O Estado é o árbitro nos conflitos existentes na sociedade civil (por meio da lei e da força); O Estado tem o dever de garantir a liberdade de consciência e deve exercer censura no caso das manifestações que coloquem em risco o próprio Estado. Outro filósofo marcante dos contratualistas foi Rousseau, também considerado o filósofo romântico. Para ele, o homem nasce bom — tese do bom selvagem inocente — e vive feliz em estado de natureza. Mas a propriedade privada o corrompe. Para ele, essa divisão do que é meu e do que é seu gera o egoísmo e a servidão humana.


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Figura 3.3 Jean-Jacques Rousseau

Fonte: Georgios Kollidas/Dreamstime (2014).

No entanto, essa visão tem como princípio a mesma visão de Hobbes. Ambos entendem que há uma luta entre fortes e fracos e, por isso, há necessidade do Estado para garantir a paz. Se em Hobbes o governante é soberano e absoluto, para Rousseau a soberania é do povo, que representa a vontade geral. Os indivíduos, pelo contrato, criaram-se a si mesmos como povo e é a este que transferem os direitos naturais para que sejam transformados em diretos civis. Assim sendo, o governante não é o soberano, mas o representante da soberania popular (CHAUI, 2002, p. 401).

Grande pensador do Liberalismo no século passado, Jonh Rowls (1921-2002) desenvolve sua teoria do contrato social da forma como descreve Sell (2006, p. 31): Assim, ele imagina que, se determinados homens estivessem em uma ‘posição original’ (outra designação para o estado da natureza), eles deveriam possuir um ‘véu de ignorância’, ou seja, deveriam esquecer qual é a posição que eles ocupam na sociedade (desconhecendo se eram ricos ou pobres, ignorantes ou escolarizados etc.). Nesta situação, imagina Rawls, estes indivíduos escolheriam


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dois grandes princípios para organizar a vida social. Estes ‘princípios de justiça’ são os seguintes: 1) Princípio da liberdade: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais, que sejam compatíveis com um sistema semelhante de liberdade para as outras. 2) Princípio da igualdade: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável; b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.

Então, para finalizar, caro(a) acadêmico(a),de forma resumida, podemos assim entender o contrato social a partir da contribuição de Weffort: configura-se como um pacto estabelecido entre indivíduos de uma sociedade, a fim de: [...] encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo permanecendo assim tão livre quanto antes (WEFFORT, 2002, p. 220).

Esse pacto não tem regras formalmente enunciadas, mas tem seu reconhecimento tácito em todas as comunidades. Em síntese, sua regra geral é: [...] a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, pois, em primeiro lugar, desde que cada um se dê completamente, a condição é iguarecul para todos e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa em torná-la onerosa aos demais (WEFFORT, 2002, p. 220).

Concluindo, o indivíduo abre mão de parte de sua liberdade natural, que não tem espaço em uma sociedade, para, em contrapartida, obter o direito de pertencer ao grupo e por ele ter a garantia de sua liberdade remanescente preservada. Vemos, assim, que a vida em sociedade nos faz refletir sobre a dinâmica das relações sociais, em que as pessoas vivem num determinado território, com diversas culturas e ideologias, submissas a um ente ”abstrato”, munido de poder para controlar, e que são organizadas de acordo com suas políticas. Para tanto, faz-se necessário que haja um poder além do indivíduo para regulamentar e caracterizar determinado grupo. Que poder seria esse, caro acadêmico? Vamos, na próxima seção, avançar um pouco mais sobre essas questões. Até lá.


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Para saber mais Para compreender com maior profundidade o assunto estudado, é importante que você leia o seguinte livro: BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

Atividades de aprendizagem 1. Qual o significado do homem no seu estado natural na teoria de Hobbes? I. Em seu estado natural o homem é egoísta, luxurioso, inclinado a agredir os outros e insaciável. II. O homem é bom por natureza, sempre pronto para apoiar os outros. III. A natureza humana é a melhor possível, composta por vários elementos tradicionais. IV. Em seu estado natural o homem não existe, pois não existe estado natural do homem. Assinale a alternativa CORRETA: (

) As alternativas IV — III estão corretas.

(

) Apenas a alternativa I está correta.

(

) As alternativas I — III estão corretas.

(

) As alternativas I — II — III — IV estão corretas.

2. Quais os princípios básicos do Liberalismo? I. Defesa da propriedade privada e liberdade econômica. II. Igualdade perante a lei. III. Participação mínima do Estado na economia. IV. Desigualdade perante a lei. Assinale a alternativa CORRETA: (

) Todas as afirmativas estão corretas.

(

) Apenas a afirmativa I está correta.


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(

) As afirmativas I — II — III estão corretas.

(

) As afirmativas IV — III estão corretas.

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3. O Bem Comum, de forma bem simples, é a felicidade de todos, é buscar ações que favorecem que a sociedade seja cada vez melhor, visto que os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37 da C.F/88) sejam elementos fundamentais. São aspectos essenciais do bem comum: I. Deve ser compatível com o bem comum das outras sociedades. II. É próprio da sociedade. III. Realização de um planejamento adequado do processo. IV. O bem comum tem composição análoga à do bem da pessoa. Assinale a alternativa CORRETA: (

) As sentenças I, II e IV estão corretas.

(

) As sentenças I e III estão corretas.

(

) As sentenças III e IV estão corretas.

(

) As sentenças II e III estão corretas.


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Seção 2

Formação do Estado liberal

Vamos aqui estudar a formação do Estado e mais especificamente o Estado liberal, aquele Estado que assume características próprias muito específicas no Ocidente e nos quadros do sistema capitalista. Muitos pensadores de diferentes ideologias desenvolveram teorias sobre esse tema. Você pode pesquisá-los com mais tempo, principalmente com o reforço do pensamento de Jonh Locke, com quem vamos começar. Vamos ver o que ele nos apresenta sobre o Estado liberal em relação à vida das pessoas.

2.1 Liberalismo de Estado Podemos escolher, entre tantos para tratar desse assunto, John Locke (apud SELL, 2006, p. 27), que em sua obra Tratado sobre o governo civil vai nos alertar para a seguinte situação em relação ao Estado: O Estado não pode interferir na vida das pessoas, pois tem como finalidade principal conservar a liberdade e a propriedade que já existiam no estado de natureza. Para ele, inclusive, o pacto pode ser rompido pelo indivíduo se o Estado não cumprir suas finalidades. Por isso, Locke defende um Estado Liberal.

Essa análise de “não interferência do Estado sobre as pessoas” também se estende à religião e às crenças. Entretanto, sua defesa em prol dessas ideias se torna um tanto quanto frágil, quando o Estado perde a legitimidade. O estado de natureza é colocado em cheque quando se apresentam as sociedades com sua realidade crua, com suas desigualdades que, muitas vezes, se acentuam ao longo da história. Segundo Redhead (1989, p. 116): Dentro da ordem natural, todos os homens foram criados da mesma forma. Vivendo, porém, vidas individuais, e as sociedades por eles constituídas, mudando e crescendo através dos tempos, formas diversas de desigualdade surgem entre eles. Uma das mais importantes e intratáveis é a desigualdade política, a forma bastante distinta de desigualdade existente entre um governo e seus subjugados.

O estado de natureza, abordado por Locke (apud SELL, 2006), serve, nesse caso, para legitimar a visão de um Estado liberal, excludente e desigual, que apenas muda o poder de quem detém o poder de governo para quem detém o poder econômico.


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Questões para reflexão É possível um Estado liberal sem ser excludente e privilegiar a igualdade para todos seus cidadãos? Maquiavel defendia, segundo Sell (2006, p. 26), que “[...] a tarefa do estudo da política é mostrar a verdade efetiva dos fatos, ou seja, como se dá, concretamente, a conquista e manutenção do poder, que seriam, para ele, os reais objetivos da política”. Na sua obra O príncipe, Maquiavel analisa a constituição do Estado, apresentando, aos príncipes (governantes), uma lógica de que, para preservar o Estado, o governante pode violar todas as regras jurídicas, morais, políticas e econômicas. Maquiavel distinguiu a moral pública da moral particular, criando o conceito “Razão de Estado”, no qual “os fins justificam os meios”. Podemos elencar alguns princípios básicos do liberalismo para entender um Estado liberal: Defesa da propriedade privada; Liberdade econômica (livre mercado); Igualdade perante a lei (estado de direito); Participação mínima do Estado na economia (restrição do governo, limitação). Figura 3.4 Fases do Estado

Estado Liberal Interferência mínima nas atividades econômicas e social. Estado Social Agente normativo e regulador das atividades econômica e social Estado Contemporâneo Distribuição do produto social e direção do processo econômico Fonte: O Poder... (2014).


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O Estado liberal se desenvolve no Ocidente por excelência, mas podemos encontrar nuances também no Oriente. Também podemos identificar o sistema capitalista como campo fértil para um Estado liberal. E o socialismo, na sua antagonia ao capitalismo? Vamos apresentar os principais aspectos, que se contrapõem ao capitalismo e você, acadêmico, pode reportar aos princípios básicos do liberalismo para fazer um paralelo e melhor entender esses aspectos: Socialização dos meios de produção: todas as formas produtivas, como indústrias, passam a pertencer à sociedade e passam a ter o controle do Estado; assim, não há uma concentração de riquezas na parte minoritária da sociedade; Intervenção intensa do Estado na economia: que era planejada e projetada para fins estatais, em que o Estado controlava a economia, determinando preços, salários, entre outras regulamentações, com o fim de controle do mercado em geral; Para que todos pudessem ter os mesmos rendimentos e oportunidades, o Estado não era dividido em classes, buscando-se a igualdade perante todos os indivíduos. O capitalismo, apesar de ser fortemente criticado pelos socialistas, mostrou uma importante capacidade de adaptação a novas situações de ordem econômica e social, por isso o socialismo perdeu força no mundo. Atualmente, poucos países são socialistas, ou parcialmente socialistas, como a China, o Vietnã, a Coreia do Norte e Cuba.

Questões para reflexão Podemos concluir que um Estado liberal só se desenvolve no Ocidente e em nações capitalistas? O entendimento de um Estado Liberal passa pela compreensão do liberalismo político e liberalismo econômico. É evidente que não estamos falando de ideologias distintas, mas trata-se da mesma ideologia política, porém relacionada a problemáticas diferentes. No liberalismo político, a reflexão gira em torno da relação indivíduo e Estado; já o liberalismo econômico procura refletir primordialmente sobre a relação entre mercado e Estado.


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A visão acerca do Estado, de ambas as abordagens, são o fundamento comum entre as mesmas. Sendo assim, devemos entender o liberalismo como uma doutrina política que defende a ideia de “Estado mínimo”, cuja interferência na vida pessoal e econômica dos indivíduos deve ser a menor possível. Quanto menor a interferência do poder político nessas duas esferas, maior será o espaço de liberdade dos indivíduos. Mais uma vez, a grande expressão do liberalismo político é o pensador inglês John Locke (1632-1704), que, através de sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil, apresentava a ideia de que os indivíduos, mediante um contrato social, criam o Estado para proteger suas liberdades fundamentais: a vida, a propriedade e a própria liberdade. Portanto, a existência do Estado é defendida apenas para proteger estes direitos natos e anteriores ao surgimento do próprio Estado. Como lembra Sell (2004), o Estado deve interferir na vida das pessoas apenas para garantir a elas mesmas suas liberdades e para garantir a fruição dessas mesmas liberdades de forma coletiva. Em resumo, o Estado liberal pratica aquela velha máxima do senso comum: “minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro”. É fio condutor do pensamento de Adam Smith. Segue uma imagem de Adam Smith e uma de suas frases emblemáticas. Vai esse desafio, para você acadêmico, traduzir essa frase e entendê-la no contexto do nosso estudo. Figura 3.5 Adam Smith “Labour was the first price, the original purchase — money that was paid for all things. It was not by gold or by silver, but by labour, that all wealth of the world was originally purchased.” Adam Smith

Fonte: Stavros Damos/Dreamstime (2014).

No liberalismo econômico, a principal referência teórica foi o economista e filósofo escocês Adam Smith (1723-1790), que publicou em 1776 o livro intitulado A Riqueza das Nações. Smith acreditava que o Estado não deve interferir na competição de mercado. Segundo ele, quando o mercado atua de acordo com suas próprias regras (natureza), sem qualquer interferência externa, o resultado é o aumento da eficiência econômica, que, por consequência, conduziria a uma


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melhoria das condições de vida dos indivíduos. Nesse caso, a função principal do Estado é a de proteger a propriedade privada dos cidadãos e sua segurança pessoal. A economia, por sua vez, deve ser dirigida pelo princípio do laissez-faire (deixe fazer) e do laissez-passer (deixe passar), ou seja, pela liberdade irrestrita do mercado. Vale ressaltar que, para alguns críticos dessa doutrina, o liberalismo seria a ideologia predominante do mundo globalizado, também conhecido sob a forma de neoliberalismo. Mas isso é uma outra conversa. Para concluir esta seção, vamos então tratar da evolução do Estado liberal sob a ótica dos direitos fundamentais. Thiago Lauria (2009) vai salientar que não se pode definir a evolução do Estado liberal dentro de uma ideia hermética de um conceito histórico, porque cada estado tem sua história, suas características próprias de economia, cultura, sociedade. A evolução do Estado liberal se dá em três fases. A primeira fase tem como marcos a constituição dos Estados Unidos da América e a Revolução Francesa, acontecimentos muito conhecidos no mundo inteiro. A segunda fase relatada pelo autor terá o sufrágio universal masculino como grande marco, abrindo então para votarem cidadãos cultos, estudiosos, que antes não poderiam ser votados em razão de sua renda, tiveram a oportunidade de chegar ao poder. Essa condição vai possibilitar a eles influir e modificar não só as leis como as decisões políticas. A passagem do Estado liberal para o Estado social será a tônica da terceira fase, tendo como marcos, a Constituições Mexicana (1917) e Alemã (1919), após a Primeira Guerra Mundial, mas que ganhou força após o término da Segunda Grande Guerra. Ao dividir-se a evolução do Estado Liberal em fases, não se está afirmando que tais etapas constituem compartimentos estanques, nem que as suas características estiveram presentes com a mesma intensidade em todo o mundo. Ao contrário, a evolução do Estado Liberal constitui um conceito muito mais teórico que histórico. Além disso, cada Estado vivenciará essas fases de maneira diferente, dependendo principalmente do grau de desenvolvimento econômico de cada país, bem como de suas particularidades culturais. Feitas essas considerações, a primeira fase do Estado Liberal tem como marcos a Constituição dos Estados Unidos da América (1787) e a Revolução Francesa (1789). A partir de então, o modelo liberal pregado por uma burguesia emergente e revolucionária foi adotado por vários países e consagrado sem suas respectivas ordens consti-


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tucionais. Esse modelo de Estado Liberal se caracterizava pela previsão constitucional dos direitos individuais, dentre os quais se destacava a proteção à propriedade privada. A realização desses direitos individuais se dava a partir de um não agir do Estado, ou seja, tais direitos seriam como uma garantia do cidadão contra um comportamento positivo do Estado (LAURIA, 2009).

Podemos constatar que tanto a Constituição norte-americana quanto a Revolução Francesa são bons exemplos de modelos precursores de um modelo de Estado liberal quando conclama os direitos individuais. E o Estado pode intervir até onde?

Para saber mais Para ficar mais por dentro dessa temática, leia o seguinte livro: BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2011.

O Estado não deveria intervir no domínio econômico, em uma clara adoção do modelo liberal clássico pregado pela teoria de Adam Smith. Logo, o Estado se omitia perante problemas sociais e econômicos. Inclusive, não existiam direitos sociais e econômicos, nem no texto constitucional, nem na legislação infraconstitucional. É claro que, neste cenário, em que inexistem direitos trabalhistas, previdenciários ou outros direitos sociais, a insatisfação do nascente proletariado era muito grande, assim como era crescente a situação de pobreza e miséria nos grandes centros industriais que se desenvolviam. Logo, em pouco tempo, a criminalidade passou a aumentar, tornando-se um problema social a ameaçar os conservadores que estavam no poder. Diante desse quadro, o papel do Estado era quase que exclusivamente o de exercer o controle policial sobre a massa de proletários descontentes. Como não poderia deixar de ser, foi criada uma ideologia, dentro da ciência (criminologia), para explicar de forma palatável o fenômeno da criminalidade crescente. Essa ideologia consistia em uma crença de que eram duas as razões do crime: a maldade e loucura humanas. Afinal, a sociedade era livre. Portanto, aquele que infringisse as suas normas só poderia ser uma pessoa má ou louca. Observe que essa ideologia consistia em um discurso que tinha por objetivo ocultar a realidade. O verdadeiro mo-


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tivo da criminalidade crescente era pueril: a desigualdade econômica (LAURIA, 2009).

Então, se o Estado não pode intervir na economia, nos direitos individuais, provavelmente, vai apontar para um controle rigoroso sobre aqueles que não se encaixam nesse modelo: pobres, descontentes, analfabetos etc. Outras duas características interessantes dessa primeira fase do Estado Liberal eram o voto censitário e o sistema panóptico. A primeira veio a cair já no segundo estágio do Estado Liberal. A segunda, porém, se mantém viva até hoje. A cidade de Paris, por exemplo, da forma maravilhosa como se conhece hoje, foi construída nessa fase. O antigo centro parisiense, com suas ruelas medievais, onde os pobres viviam e podiam se esconder facilmente das investidas policiais, foi todo reformulado para dar origem a um centro monumental. A população pobre, explorada, sem educação, sem perspectivas e sem assistência, tida, portanto, como a parcela populacional propensa a praticar crimes contra o patrimônio (criminalidade visível), foi deslocada para a periferia da cidade. Lá, esses “criminosos” estariam desconcentrados e passíveis de serem mais facilmente controlados visualmente, de onde surgiu a expressão controle panóptico. Como não poderia deixar de ser, a insatisfação advinda das crescentes desigualdades econômicas gerou uma reação. Surgiram então algumas das principais ideias políticas do século XIX, como o liberalismo autêntico (que percebe que a falta de regulamentação favorece apenas os conservadores) e o socialismo, em suas diversas facetas (socialismo cristão; socialismo utópico; socialismo científico; socialismo democrático; socialismo reformista) (LAURIA, 2009).

Por mais abrangente e complexo que seja, nenhum sistema vai conseguir satisfazer a todos. As desigualdades que daí surgem vão causar, é claro, o surgimento da contestação do modelo vigente. O Estado Liberal, para não ser engolido por esses ideais, vai dar força àquelas características da primeira fase e abrir espaço para novas ideias, como os direitos políticos, o sufrágio universal masculino etc. O sufrágio universal masculino constitui o grande marco dessa segunda fase. A partir de então, cidadãos cultos, estudiosos, que antes não poderiam ser votados em razão de sua renda, tiveram a oportunidade de chegar ao poder. Ao fazerem isso, puderam influir e modificar não só as leis


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como as decisões políticas. Foram esses intelectuais, em sua maioria liberais autênticos (grande parte dos conservadores ricos não tinham um nível cultural elevado), que perceberam que a concentração de riquezas leva à eliminação da livre concorrência e da livre iniciativa, bem como a uma situação de exclusão social insustentável. Perceberam também que a simples ação policial repressiva, característica da primeira fase, não seria suficiente para acalmar a crescente tensão social. Logo, decidiram, gradativamente, incorporar reivindicações e propostas dos trabalhadores e do grupo socialista (LAURIA, 2009).

Vejamos o grande destaque, antes de entendermos como vai se desenrolar a terceira fase do Estado liberal. Tivemos o sufrágio universal masculino, que vai propiciar uma maior participação nas decisões políticas, econômicas, e, por conseguinte, com resultados nas questões sociais. Entendida essa realidade, vamos para a terceira fase: Pode ser considerada como uma espécie de ponte entre o Estado Liberal e o Estado Social, que nasceu a partir das Constituições Mexicana (1917) e Alemã (1919), após a Primeira Guerra Mundial, mas que ganhou força após o término da Segunda Grande Guerra. Nessa terceira fase, o Estado Liberal conserva algumas de suas características essenciais, como a limitação do poder estatal e a garantia dos direitos individuais. Os direitos políticos, concebidos na segunda fase, continuam consagrados, nos termos do sufrágio universal masculino. Todavia, essa fase é marcada por profundas mudanças.[...] Em pouco tempo, os direitos sociais deixaram de se restringir apenas ao plano dos direitos trabalhistas. Brotavam na Europa as primeiras leis previdenciárias. O Sherman Act, de 1890, pode ser considerado como o grande marco do nascimento dos direitos econômicos. Os liberais autênticos, que com o fim do voto censitário subiram ao poder, perceberam que os princípios básicos do liberalismo (livre concorrência e livre iniciativa) estavam morrendo diante da inércia estatal em realizar um controle sobre o domínio econômico. Daí o advento da Lei Sherman, o primeiro de muitos diplomas legais que visava o combate à concentração econômica através da intervenção do Estado na economia, como forma de defender os moribundos princípios do liberalismo. Contudo, deve ser ressaltado que, nessa terceira fase, apesar do avanço representado pelo surgimento dos direitos sociais e econômicos, tais direitos permaneceram no plano infraconstitucional. As Constituições permaneceram como textos quase que inteira-


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mente políticos, sem que houvesse menção à possibilidade de intervenção na economia ou uma preocupação para com as questões de caráter social (LAURIA, 2009).

Para concluir, podemos perceber que a terceira fase do Estado Liberal, mesmo com os avanços em várias áreas, deixou a desejar quando permaneceu fortemente focado na questão política, deixando praticamente o campo econômico e social de lado. É claro que essa realidade vai mudar, de modo especial a partir da substituição desse modelo de Estado liberal pelo Estado social. Até que enfim.

Atividades de aprendizagem 1. Qual o significado da expressão “a competição do mercado é que regula o apetite do lucro”? Assinale a alternativa CORRETA. I. Com o surgimento de novos produtos, haverá a competição que regulará o preço de modo natural. II. Enquanto houver procura, os preços permanecem estáveis. III. Na medida em que as empresas crescem e se expandem, abrem novas filiais, haverá a regulação do mercado. IV. Em uma competição, sempre haverá um perdedor e um vencedor. ( ) Todas as afirmativas são corretas. ( ) Apenas a afirmativa III está correta. (

) Apenas as afirmativas I e II estão corretas.

(

) Apenas a afirmativa I está correta.

2. Qual o significado da “lei da oferta e da procura”? Leia as afirmações abaixo: I. Com o surgimento de novos produtos, haverá a competição que regulará o preço de modo natural. II. Enquanto houver procura, os preços permanecem estáveis. Satisfeito o mercado de consumo, eles começam a cair. III. Na medida em que as empresas crescem e se expandem, abrem novas filiais, haverá a regulação do mercado.


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IV. Em uma competição, sempre haverá um perdedor e um vencedor. Assinale a alternativa CORRETA: (

) Apenas as afirmativas I — II — III estão corretas.

(

) Apenas as afirmativas IV — III estão corretas.

( ) Apenas a afirmativa II está correta. (

) Apenas a afirmativa IV.


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Seção 3

Realismo político e tipos de regimes políticos no Brasil

Nesta seção, vamos identificar a importância de pensadores como Maquiavel e Max Weber para a compreensão do realismo político. Veremos como a política ajuda a definir a modernidade. Vamos estudar também os tipos de regimes políticos, inclusive no Brasil. Queremos também ver nessa seção as formas de governo e como podem ser classificadas.

Para saber mais No Dicionário da Academia Francesa, define-se “política (substantivo)” como o “conhecimento de tudo que se relaciona com a arte de governar um Estado e dirigir as relações com os outros Estados” (Fonte: PETERSEN, Ana; CORSETTI, Eduardo; PEDROSO, Elisabeth Maria Kieling. Ciência política: textos introdutórios. 4. ed. Rio Grande do Sul: EDIPUCRS, 1998, p. 12).

Aqui, você irá aprender um pouco do modelo ou modelos políticos incorporados no Brasil desde a proclamação da República até os dias atuais.

3.1 A política real Falar de realismo político sem mencionar Maquiavel e Max Weber seria um sacrilégio, algo imperdoável para nossos estudos nesta seção. A política também é um dos pressupostos definidores da modernidade. A modernidade estabelece a política como um mal necessário. Separa a ética da política (Maquiavel) na medida em que deixa claro que é inerente à ação política um certo grau de imoralidade, em que está pressuposta a vontade de domínio e poder sobre os outros. Porém, a política é condição e garantia da vida em sociedade. A concepção de política se altera significativamente em relação ao mundo antigo e medieval, estabelecendo a política como um mal necessário. Outro conceito central na modernidade é o de história que se apresenta como processo que teve início com o homem, o que lhe permite avaliar seu progresso, seus avanços ao longo de seu caminhar sobre a face da mãe-terra. Para os gregos antigos, a política era condição da existência humana, da garantia da felicidade, da materialização da cidade como espaço público do


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bem viver. A participação na polis, no confronto entre pluralidades no espaço público, era a condição de ser cidadão. Porém, a modernidade eleva à condição primeira da existência humana a vida em sua dimensão meramente biológica. O que está em jogo na modernidade é o cuidado e o controle dos corpos, da vida e da morte dos indivíduos. A política é reduzida como o meio de se garantir as satisfações biológicas dos corpos que compõem o povo, a nação. A contemporaneidade potencializa este reducionismo político, condensando-o em torno de estratégias de biopoder na administração dos corpos de indivíduos atomizados pela lógica do consumo. O consumo foi elevado à condição da existência humana. Consumo, logo existo. Consome-se a tudo e a todos, ao mesmo tempo em que, inerente à lógica do consumo, tudo tem que ser necessariamente descartável. Tomás de Aquino retomou os conceitos de Aristóteles e procurou aplicá-los à teologia cristã e à sociedade da época. Defendeu a ideia de um regime político misto, com os três sistemas de governo: a monarquia, a aristocracia e a democracia, como anteriormente defendido por Aristóteles. Os elementos que tornam possível a caracterização do Regime Político são quatro. Ressalta-se que o conceito de Regime Político não encontra consenso entre os cientistas políticos. Alguns dizem ser Regime Político sinônimo de Regime Constitucional, outros fazem algumas diferenciações. Contudo, a verdade é que os quatro elementos que permitem caracterizar qual é o tipo de regime político em um Estado são também os elementos estruturantes do conceito de Regime Político, quais sejam: 1. A questão da autoridade dos governantes e a obediência pelos governados: esta relação é necessária estar envolta pela legitimidade, ou seja, os governados reconhecerem como legítimos os atos dos governantes; 2. Qual é o procedimento pelo qual se escolhe os governantes: fundamentalmente, se é através de sufrágio ou se os governantes tomam a posse por outros meios; 3. Como é a estrutura dos governos: se a estrutura dos governos permite outros tipos de representações de classe, como sindicatos, associações estudantis etc. nas deliberações dos assuntos relacionados com os temas de interesses destas organizações; 4. Quais são as limitações impostas aos governantes: quesito bastante importante para verificar qual é o regime político adotado por um Estado,


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se é o das limitações ao governo, considerando que quanto mais autoritário o regime político, menos limitações têm os governantes, sendo que a forma recíproca também é verdadeira. Dois são os tipos de regime democráticos e também duas são as classificações de regime ditatorial. Trata-se da democracia formal e substancial e da ditadura conservadora ou revolucionária. Considerando que a democracia é estruturada sobre dois princípios fundamentais, o da soberania popular, “[...] segundo o qual o povo é a única fonte de poder, que se exprime pela regra de que todo o poder emana do povo” (SILVA, 1992, p. 120), e o princípio da participação do povo na política, de forma direta ou indireta, tem-se a classificação da democracia em: Democracia formal: quando o ordenamento jurídico de um Estado, muito embora preveja o princípio democrático de tal forma que só são legítimos os preceitos extraídos da soberania popular, não efetiva citado princípio, deixando, pois, o povo à margem da política; Democracia substancial: quando efetivamente são aplicados os princípios democráticos. Em contrapartida, o regime autoritário ditatorial tem a classificação de acordo com os fins objetivados pelo regime: Ditadura conservadora: é aquela em que o autoritarismo dos governantes objetiva manter o regime existente; Ditadura Revolucionária: é aquela em que se objetiva desconstruir o regime aplicado em um Estado e instaurar outro tipo de regime. E onde entra a cidadania em toda essa discussão? Um conceito fundamental para discutir regimes e partidos políticos é o de cidadania. A ideia de cidadania está intimamente vinculada à ideia de nacionalidade. Cumpre esclarecer algumas questões pontuais sobre nacionalidade. Um indivíduo está ligado a um Estado em função de três critérios. Em primeiro lugar, a pessoa está vinculada a um Estado porque nasceu no território deste Estado. Nascendo em território de um país, tal pessoa terá a possibilidade de ter a nacionalidade do mesmo. Um segundo critério de nacionalidade é o ligado à paternidade e/ou maternidade, ou seja, mesmo nascendo em território pertencente a outro Estado, que não àquele da nacionalidade do pai ou mãe da pessoa, terá, aquele, a possibilidade de ter a nacionalidade de seus pais. E, por fim, existe também o critério misto.


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Em alguns Estados, a nacionalidade pode ser obtida ou porque a pessoa nasceu no solo de citado Estado, ou se nasceu em solo estrangeiro, sendo filho de pai ou mãe de uma nacionalidade outra que não a do lugar do nascimento, podendo tornar-se nacional do país de origem do pai ou mãe. Ao primeiro tipo de nacionalidade chama-se jus solis e à segunda chama-se jus sanguinis. Observa-se, entretanto, que a adoção de um ou outro tipo de critério para se obter a nacionalização de uma pessoa varia de Estado para Estado. No Brasil, é utilizado o critério misto, ou seja, nascendo em solo brasileiro ou sendo filho de pai ou mãe brasileiro, poderá a pessoa ter a nacionalidade brasileira. Cabe ainda fazer a distinção entre a nacionalidade nata e a naturalizada. Nacionalidade nata é daquela pessoa que tenha adquirido sua nacionalidade de acordo com os critérios acima expostos. A naturalização é o caso da pessoa que não está amparada pelos critérios do jus solis ou do jus sanguinis, mas que, por inúmeros motivos, deseja ter a nacionalidade de um determinado Estado. A cidadania está intimamente vinculada à ideia de nacionalidade, porque muitos dos direitos políticos dos países só podem ser exercidos caso a pessoa tenha a nacionalidade do país onde resida. É o caso, por exemplo, da possibilidade de candidatura à Presidência da República, a qual só é permitida a brasileiros natos, aos cargos de presidente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que também só podem ser exercidos por brasileiros natos, dentre muitos outros exemplos brasileiros e também de outros países. Nesse sentido, a cidadania é a possibilidade de exercício dos direitos políticos de votar e ser votado, conforme escreve Bastos (2002, p. 81): A cidadania consiste na manifestação das prerrogativas políticas que um indivíduo tem dentro de um Estado democrático. Em outras palavras, a cidadania é um estatuto jurídico, que contém os direitos e as obrigações da pessoa em relação ao Estado. Já a palavra ‘cidadão’ é voltada a designar o indivíduo na posse dos seus direitos políticos.

Por fim, cumpre ressaltar que nem toda pessoa que tem a nacionalidade tem a qualidade de cidadão, pois os direitos políticos de um cidadão podem ser restringidos por decisão judicial, como foi o caso do ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello, que teve seus direitos políticos cassados pelo período de oito anos. Guimarães, de forma incisiva e consistente, nos traz uma reflexão sobre a questão do tema central desta unidade: o realismo político a partir do pen-


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samento de Maquiavel. Já estudamos, em algumas seções, o pensamento e o próprio Maquiavel, então não é de todo novidade o que veremos neste texto quando ele transparece fortemente um derrotismo, uma descrença tanto no ser humano, quanto nas instituições. O realismo político expressado por Maquiavel e posteriormente pelo pensador alemão Max Weber, vai impactar a noção de uma política idealizada que possa produzir o bem somente pelos caminhos do bem. [...]Maquiavel é, sem dúvidas, um dos grandes mestres do realismo político. Certamente que não fundou esta tradição. Bem antes dele o historiador Grego Tucídides expôs este pensamento quando relata na História da Guerra do Peloponeso, as origens, motivações e dinâmicas da conflituosa relação entre Esparta e Atenas. Assim como, há registros acerca das posições antagônicas entre idealistas e realistas, desde a Atenas clássica, nos debates entre Sócrates e os sofistas Trasímaco e Cállicles, expostos por Platão em seus diálogos Górgias e na República. Porém, é a partir de Maquiavel, com “la verità effettuale della cose” que o realismo ganha maior dimensão (2010, p. 39).

Entendido como se caracteriza o realismo político, vamos agora estudar os partidos políticos. Para compreender de maneira mais profunda a questão dos partidos políticos, é salutar que se fale das suas principais características: características organizacionais, características relativas aos filiados dos partidos, características relativas às doutrinas dos partidos políticos. Também é salutar que se considere as classificações dos partidos políticos, para que você, acadêmico(a), tenha uma visão bastante aprofundada sobre o tema.

Questões para reflexão O Brasil, atualmente, tem mais de 30 partidos políticos com diferentes ideologias e pensamento. Você acha que esse número de partidos contribui ou prejudica o discernimento na escolha nas eleições? A primeira consideração importante acerca dos partidos políticos trata-se do ambiente em que é possível a existência desses partidos. Os partidos políticos são organizações que têm possibilidade de existência plena apenas nos Estados em que vigora a democracia.


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Nesse sentido, não é possível pensar a existência do pluripartidarismo em um regime ditatorial ou absolutista, por exemplo. Levando em consideração essa premissa inicial, os partidos políticos, que não são outra coisa senão organizações sociais coletivas que têm existência em regimes democráticos, possuem características comuns, seja um partido político brasileiro, francês ou americano. Para verificar quais são essas características fundamentais presentes em todos os partidos políticos, alguns estudiosos, a exemplo de Ostrogorsky, Michels e Duerger, dedicaram grande parte de suas pesquisas, concluindo que são quatro os elementos caracterizadores dos partidos políticos: 1. Partidos políticos são organizações coletivas: Os cientistas políticos ressaltam o caráter do grande número de indivíduos associados por um mesmo interesse político, para, só assim, formar um partido, ou seja, não se faz um partido político de um ou poucos indivíduos. 2. Os indivíduos que compõem os partidos são orientados por uma doutrina comum: Para um indivíduo se filiar a este ou àquele partido, será preponderante a orientação política do partido ser a mesma do indivíduo que quer se filiar, de tal forma que uma pessoa que tenha ideais socialistas não se filiaria a um partido liberal. 3. Essa doutrina é qualificada politicamente: Evidentemente, a doutrina que orienta um partido é politicamente qualificada. Trata-se, pois, de um elemento presente em todos os partidos políticos. 4. O objetivo que move a ação dos partidos políticos é alcançar o poder: Todos os partidos visam conquistar o poder, seja elegendo os representantes dos principais cargos da República (presidente, senadores etc.) ou recebendo indicações para cargos que não têm tanto status político (secretários municipais, assessores de vereadores etc.). Nesse sentido, escreve Bonavides (2011, p. 429): O partido político, a nosso ver, é uma organização de pessoas que, inspiradas por ideias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele se conservar para realização dos fins propugnados. [...] deduz-se sumariamente que vários


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dados entram de maneira indispensável na composição dos ordenamentos partidários: a) um grupo social; b) um princípio de organização; c) um acervo de ideias e princípios, que inspiram a ação do partido; d) um interesse básico em vista: a tomada do poder; e) e um sentimento de conservação desse mesmo poder ou de domínio do aparelho governativo, quando este lhes chega às mãos.

Além de encontrar os elementos caracterizadores presentes em todos os partidos políticos, dando-lhes, pois, características próprias, os estudiosos trataram também de diferenciar um tipo de partido do outro, classificando-os. Quando recorremos aos textos de Ciência Política, várias são as classificações encontradas acerca dos partidos políticos. Vejamos as principais. David Hume distinguia entre partidos pessoais e partidos reais, sendo que o vínculo que unia as pessoas no primeiro era basicamente a amizade, enquanto o vínculo que unia as pessoas em torno do segundo tipo de partido eram os interesses reais. Rohmer apresentou quatro tipos de partidos políticos: os partidos radicais, liberais, conservadores e absolutista. Max Weber classifica os partidos políticos em apenas dois, os partidos políticos patronais e os ideológicos. As pessoas que compunham os partidos políticos patronais eram vinculadas à ideia da possibilidade de obter vantagens com o exercício do poder, enquanto as pessoas ligadas aos partidos políticos do tipo ideológico tinham como objetivo a realização de ideias políticas. A classificação mais utilizada na Ciência Política é a classificação feita por Duverger (1962), que classifica os partidos de massa e partidos de opinião. Os partidos de massa são aqueles que filiam um grande contingente de pessoas e têm seus gastos financiados, em boa parte, por seus filiados. Ao contrário, os partidos de quadros são aqueles compostos por figuras importantíssimas do cenário político tradicional, os quais, muitas vezes, financiam os próprios partidos. E o que devemos entender dos sistemas partidários e dos sistemas eleitorais? Bom, existem três tipos de sistemas partidários. O sistema de partido único, os sistemas bipartidários e os sistemas multipartidários ou pluripartidários. A opção por um Estado de um ou outro sistema está intimamente ligada ao modo de exercício do poder no Estado, de tal forma que a opção por um ou outro sistema, consequentemente, leva a uma maior ou menor aproximação de práticas democráticas ou totalitárias.


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Questões para reflexão Vimos que o Brasil tem um número elevado de partidos se comparado com outros países democráticos. Qual sua opinião a respeito de países com número reduzido de partidos? O sistema de partido único é alvo de todo o tipo de críticas nos textos de Ciência Política, de tal forma que, em todos os textos pesquisados, nenhum dos renomados autores apresenta uma característica positiva desse sistema. Aliás, muitos autores criticam, inclusive, a natureza de partido dessas organizações, tendo em vista que, em última análise, não se trata de uma distribuição do exercício do poder entre organizações (partidos), mas sim da apropriação de todo o poder de um Estado por uma única organização, o partido único. Muitos foram os exemplos de Estados que adotaram o sistema de partido único durante um período de sua história. É o caso, por exemplo, de muitas ditaduras militares de alguns países orientais, que, sob a falsa denominação de comunismo, exercem de forma totalitária o poder. Diferentemente do totalitarismo dos sistemas de partido único, o sistema bipartidário é um modelo em que há grande possibilidade de efetivação dos princípios democráticos, uma vez que é através do sufrágio eleitoral que são escolhidos aqueles que irão representar o povo nos altos cargos do Estado. Muito embora seja classificado este sistema como bipartidário, não pode ser interpretado literalmente o nome desse tipo de sistema, sob pena de cometer um grande equívoco. Não significa necessariamente que no sistema bipartidário existem apenas dois partidos ou até mesmo que o próprio sistema eleitoral permita apenas a existência de dois partidos. Ocorre que, pelo modelo eleitoral utilizado em determinados Estados, existe uma propensão a se destacar: apenas dois grandes partidos dentre todos os outros, de tal forma que os partidos menores não têm significativa expressão, como, aliás, é exemplificado por Bonavides (2011, p. 450), “No caso dos Estados Unidos, a rigidez bipartidária é de tal ordem que nenhum pequeno partido veio jamais a se converter num grande partido e vice-versa: não há notícia de nenhum grande partido que haja passado à condição de pequeno partido”.


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O exemplo usual encontrado nos textos de Ciência Política para ilustrar o sistema bipartidário é o dos Estados Unidos da América, no qual se destacam apenas o Partido Democrata e o Partido Republicano. Figura 3.6 Partidos republicano e democrata

Fonte: Gary Hathaway/Shutterstock (2014).

O terceiro sistema partidário é o multipartidário ou pluripartidário, encontrado nos Estados, em que existem três ou mais partidos políticos. A principal característica desse sistema, talvez, seja a maior distribuição de forças políticas dentro de um Estado. Alguns pensadores da Ciência Política argumentam que o modelo pluripartidário é o que melhor representa os princípios democráticos quando comparado com o sistema de partido único e o sistema bipartidário; entretanto, essa posição não é pacífica. Evidentemente que não se quer discutir este ponto específico em comparação ao sistema de partido único, mas, quando comparado com sistema bipartidário, existem controvérsias. Muitas são as características e consequências desse tipo de sistema partidário. Dentre elas, podemos citar as mais importantes, como a possibilidade de coligações entre diversos partidos. Observe que a possibilidade de coligação de diversos partidos é bem ampla, de tal forma que, para uma candidatura na esfera federal, um partido X pode coligar com um partido Y, sendo que, no mesmo pleito, mas em outra esfera política, estadual, por exemplo, o partido Y pode coligar com o partido Z, que na esfera federal é adversário do partido X. Outra consequência desse tipo de sistema é a distribuição heterogênea dos cargos públicos. É o caso, por exemplo, de ter sido eleito um presidente do


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partido X, mas na distribuição dos cargos de ministros, por um acordo político, alguns desses cargos são delegados para pessoas dos partidos Y, Z, M etc. A formação dos tipos de sistemas partidários está intimamente ligada ao modelo de sistema eleitoral. Existem quatro tipos de sistemas eleitorais: 1. O modelo majoritário: no qual é eleito aquele que alcançou a maioria simples dos votos; 2. O modelo proporcional: no qual é calculado o coeficiente eleitoral para a distribuição dos cargos eletivos de acordo com o número de votos obtidos pela legenda (partido); 3. O modelo majoritário: no qual é eleito aquele que alcançou a maioria absoluta dos votos válidos; 4. O modelo misto: que no mesmo sistema eleitoral compatibiliza o sistema proporcional com o sistema majoritário. De maneira geral, não existem regras jurídicas que tornem diretamente um sistema de partidos bipartidário ou pluripartidário. É, pois, uma consequência prática do sistema eleitoral os sistemas de partido. Duverger (1962) tratou desse tema e conclui que: a) O sistema eleitoral majoritário simples (que elege aquele que alcançou a maioria simples dos votos) tende ao bipartidarismo. Conforme escreve Bastos (2002, p. 272), “[...] se em cada circunscrição só sairá vencedor um candidato, parece, com efeito, estar de acordo com a ordem natural das coisas o fato de que as diversas correntes políticas procurem se aglutinar em dois partidos fundamentais”. O sistema proporcional possibilita o surgimento do sistema multipartidário. O sistema majoritário de segundo turno — ocorre quando no primeiro turno nenhum candidato alcançou a maioria absoluta dos votos — tende ao multipartidarismo no primeiro turno e a uma divisão bipartidária em segundo turno, justamente porque apenas os dois candidatos mais votados podem concorrer em segundo turno. A partir de toda essa reflexão sobre regimes e partidos políticos em seus aspectos gerais, como entender os partidos políticos no Brasil? Antes de adentrar propriamente na história dos partidos políticos no Brasil, é preciso ressaltar que existem pouquíssimos trabalhos a respeito. Com exceção de alguns trabalhos produzidos pela sociologia política, de autoria de Oliveira Viana, Afonso Arinos, Themístocles Cavalcanti e Orlando Carvalho, pouco se escreveu sobre a matéria.


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A história dos partidos políticos no Brasil começa na época do Império. Durante o período do Império, existiam dois partidos, os liberais e os conservadores. Bonavides (2011), quando trata da Ciência Política, caracteriza bem a distinção entre esses dois partidos daquela época: Os liberais do Império exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial, o idealismo dos bacharéis, o reformismo progressista das classes sem compromissos, direitos, com a escravidão e o feudo. Os conservadores, pelo contrário, formavam o partido da ordem, o núcleo das elites satisfeitas e reacionárias, a fortaleza dos grupos econômicos mais poderosos da época, os da lavoura e pecuária, compreendendo plantadores de cana-de-açúcar, cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES, 1992, p. 378).

Este é o panorama dos primeiros tempos em que existiu uma história de partidos políticos no Brasil. Com a instauração da República Velha, poucos partidos políticos foram criados e menos ainda tiveram destaque no cenário nacional. A principal característica desta fase da história dos partidos políticos é a dicotomia entre grandes figuras da política brasileira, como é o caso da campanha civilista disputada entre Rui versus Hermes. Também são exemplos dessa fase a reação republicana disputada entre Peçanha e Bernardes e a aliança liberal de Vargas versus Júlio. Após a Revolução de 1930, criaram-se maiores possibilidades para a criação e o desenvolvimento de partidos políticos. A representação proporcional abriu as portas para o crescimento de pequenos partidos, servindo, pois, como auxílio para os que já existiam e como incentivo para os que seriam criados. Em 1937, o Estado brasileiro foi objeto de golpe de Estado, mitigando-se os princípios democráticos e o parco desenvolvimento partidário que até então tinha se firmado. A cena política do país, até 1945, foi dominada por um partido único, sendo que os oposicionistas ao regime não tinham o status de partido, vivendo na clandestinidade. Em 1945, iniciou-se o processo de redemocratização. Reconheceu-se, então, àqueles que se organizaram clandestinamente, o status de partido político. Entretanto, o processo de redemocratização foi novamente interrompido em 1964. O golpe militar que o Estado brasileiro sofreu nessa época instaurou, no começo, o regime do partido único, e, após algum tempo, criaram dois partidos políticos, a Arena e o MDB. Da mesma forma que no primeiro


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golpe, as outras organizações políticas não tinham o status de partido político e quanto mais à esquerda ideologicamente se situavam, mais qualitativamente eram taxados e tratados como criminosos, ocasionando perseguições, tortura, inclusive muitíssimas mortes. A ditadura militar brasileira permitiu que se começasse novamente o processo de redemocratização nos anos 1980. Essa década foi significativamente importante para a história dos partidos políticos no Brasil. Os movimentos sociais eclodiam e a pressão social organizada no chamado “Diretas Já” fez com que novamente a democracia fosse praticada no Brasil. Foi com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que os princípios democráticos e o pluripartidarismo tornaram-se princípios basilares do Estado brasileiro. Desse marco, até hoje, o Brasil, com algum grau de efetividade, aplica os citados princípios, produzindo a história da política brasileira e, também, a história dos partidos políticos no Brasil.

Atividades de aprendizagem 1. A globalização é um assunto muito discutido na atualidade e em todos os âmbitos da sociedade. Leia as afirmações a seguir: I. Sistema social, econômico e político que estabelece relações de interdependência e conexão entre os diversos Estados e continentes. II. Existem diversos relatos históricos que demonstram que a globalização é antiga. III. Da ordem política (soberania), cultural (massificação) e econômica (exploração de mão de obra dos países subdesenvolvidos). IV. A integração do mundo, estimulada pela comunicação internacional e proporcionada pela tecnologia hodierna. Assinale a alternativa CORRETA: (

) As afirmativas IV — III estão corretas.

(

) As afirmativas I — II — III estão corretas.

(

) Apenas a afirmativa I está correta.

(

) Todas as afirmativas estão corretas.


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ÉTICA, POLÍTICA E SOCIEDADE

2. Diante do conteúdo aqui estudado, o que traduz o pensamento político? I. Na expressão das ideias de cada época, sob a ótica dos indivíduos, pensamentos em relação ao coletivo. II. Nem sempre as ideias estavam conectadas à realidade, permanecendo, muitas vezes, no campo hipotético de uma situação ideal, de um Estado ideal. III. Pensamento individual, relacionado ao mundo contemporâneo. IV. As ideias sempre estavam firmes na realidade. Assinale a alternativa CORRETA: (

) Todas as afirmativas estão corretas.

(

) As afirmativas I — III estão corretas.

(

) As afirmativas I — II estão corretas.

(

) AS afirmativas IV — III estão corretas.

Fique ligado! Fizemos grandes reflexões nesta unidade. Começamos analisando como a política se desenvolveu no Ocidente a partir da contribuição de grandes pensadores como Maquiavel, T. Hobbes, J. Locke e Rousseau, entre outros. Refletimos também sobre o contrato social, tão importante para a organização política e social de uma sociedade que se quer civilizada. Também refletimos sobre o realismo político expressado por Maquiavel e, posteriormente, pelo pensador alemão Max Weber e outros pensadores, sobre a noção de uma política idealizada que possa produzir o bem somente pelos caminhos do bem. Vimos que a abordagem dessa relação não oferece respostas fáceis. A partir do “realismo político”, ou seja, a política como a busca de resultados, a ética ganhou nova noção, no sentido de abrir novas perspectivas: a privada e a pública. Estudamos os elementos caracterizadores presentes em todos os partidos políticos, as suas diferenças e proximidades, suas classificações.


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Para concluir o estudo da unidade Os estudos feitos nesta unidade são de grande importância para a compreensão deste caderno de Ética, Política e Sociedade. Espero que você tenha avançado nos seus conhecimentos sobre ética, moral, contrato social, sobre grandes e diferentes pensadores dessa área como Maquiavel, Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Locke etc. Espero que este estudo sirva de estímulo para ir além do que você viu aqui. Existem obras muito interessantes para aprofundar ainda mais os temas aqui tratados. Não esqueça que só depende de você a busca de novos conhecimentos, pois estamos numa modalidade de educação onde cada estudante é responsável pelo seu tempo de estudo. Não espere. Busque cada vez mais, através da leitura, da pesquisa e do estudo adquirir mais conhecimento.

Bons estudos!

Atividades de aprendizagem da unidade 1. Sob o prisma neoliberal, o Estado estará totalmente limitado, enquanto que no Liberalismo, ele ainda teria alguma força de ação, sendo um pouco menos limitado. Contudo, para tudo existem vantagens e desvantagens. Diante desse contexto, assinale a alternativa CORRETA que condiz com as vantagens e desvantagens: I. Os defensores acreditam serem capazes de propiciar o desenvolvimento econômico e social numa ação. II. Proporciona o desenvolvimento tecnológico. III. Os críticos afirmam que ela só beneficia as grandes potências econômicas e as empresas multinacionais. IV. A política neoliberal nos países subdesenvolvidos proporciona os baixos salários, a necessidade e dependência de investimento de capital externo. (

) Todas as afirmativas estão corretas.


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(

) Apenas as afirmativas I — II estão corretas.

(

) Apenas as afirmativas I — II — III estão corretas.

( ) Apenas as afirmativas IV — III estão corretas. 2. Quais os elementos estruturantes do conceito de regime político, conforme estudado em nosso caderno? I. A questão da autoridade dos governantes e a obediência pelos governados. II. Procedimentos pelo qual se escolha os governantes. III. Estrutura de governo. IV. Limitação imposta aos governos. Assinale a alternativa CORRETA: (

) As afirmativas IV — III estão corretas.

(

) As afirmativas I — II — III estão corretas.

(

) Apenas a afirmativa I está correta.

(

) Todas as afirmativas estão corretas.

3. O pensamento político, durante a Idade Média, esteve fortemente ligado à: I. Religião e seu tema central passaram a ser a relação entre a esfera política e a esfera religiosa. II. Economia e seu tema central era a relação com as formas de governo. III. Formas de governar cada cidade. IV. Escravidão, pois os escravos se manifestavam impulsionando o governo. Assinale a alternativa CORRETA: ( ) As alternativas I — II — III — IV estão corretas. (

) As alternativas I — III estão corretas.

( ) Apenas a alternativa I está correta. (

) As alternativas IV — III estão corretas.


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4. Segundo as concepções de política, relacione o autor às suas ideias, utilizando o seguinte código: I. Maquiavel. II. Hobbes. III. Locke. IV. Rousseau. ( ) Segundo sua teoria, o estado de natureza seria um estado de guerra de todos contra todos. Nesse contexto, os homens firmaram um pacto entregando ao Estado todo o poder para que ele conservasse sobre eles a paz social. (

) Apresenta a ideia de que os indivíduos, através de um contrato social, criam o Estado (sociedade civil) para proteger suas liberdades fundamentais que são a vida, a propriedade e a própria liberdade.

(

) A Política é a esfera do poder por excelência, é a atividade constitutiva da existência coletiva: tem prioridade sobre todas as demais esferas

(

) Defende um Estado de poder absoluto (despótico), ao qual o homem em última análise, deve se submeter afim de garantir sua própria condição de sobrevivência já que o estado de natureza não é mais possível no contexto social.

( ) Defende que o estado de natureza, onde não havia desigualdades e a propriedade era de todos, é a forma ideal de Estado, mas que não deu certo com o aparecimento da propriedade privada e das leis. ( ) Reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, justamente por escrever sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser, ou seja, uma análise realista do Estado. ( ) Os direitos naturais inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e à propriedade constituem para esse pensador o cerne do estado civil e ele é considerado, por isso o pai do individualismo liberal. ( ) Defende que todos os homens nascem livres e a liberdade faz parte da natureza do homem.


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Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA (

) A sequência correta é: II — I — III — II — IV — I — III — IV.

(

) A sequência correta é: II — III — I — II — IV — I — III — IV.

(

) A sequência correta é: I — III — II — II — IV — I — III — IV.

(

) A sequência correta é: IV — I — II — IIII — III — IV — II — I.

5. Pelo conceito de identidade, compreende-se que seja algo que imprime caráter do que é idêntico, igual. Em outra compreensão, o significado de identidade afirma que é algo característico do indivíduo, distinguindo-o dos outros indivíduos. Partindo desse pressuposto, analise as sentenças a seguir: I. A individualidade é construída em relação ao ambiente em que o sujeito vive. II. Alguns fatores influenciam na construção da identidade, como: fatores psicológicos, culturais, sociológicos e cognitivos. III. O sujeito se constitui de representações que a própria sociedade possui. IV. A representação social do sujeito é visível, ele a constitui como um código já desenhado e escolhido para ele. Agora, assinale a alternativa CORRETA: ( ) Somente a sentença II está correta. (

) As sentenças I, II e III estão corretas.

(

) As sentenças I e IV estão corretas.

(

) Somente a sentença IV está correta.


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ROSA, Maria da Glória de. A História da Educação através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2002. SELL, Carlos Eduardo. Introdução à sociologia política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis: Vozes, 2006. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. SOUSA, Rainer. Socialismo. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/historiag/ socialismo.htm>. Acesso em: 6 jun. 2009. TEIXEIRA, Pedro. Entenda transição do regime militar à democracia no Brasil. Disponível em: <http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=271065>. Acesso em: 4 ago. 2009. WEBER, Max. Política como vocação. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2002. WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”. 13. ed. São Paulo: Ática, 2002.


Unidade 4

Sociedade e globalização Sergio de Goés Barboza

Objetivos de aprendizagem: Estudaremos, nesta unidade, a relação indivíduo e sociedade, cujo objetivo é clarear alguns dos conceitos fundamentais considerando as três linhas mestras explicativas, ou seja: Sociologia Positivista, Sociologia Compreensiva ou Interpretativa e Sociologia Dialética. Identificar a importância desses estudos para a compreensão da realidade social. Perpassaremos ainda pela explicação da Globalização e sociedade na perspectiva dos clássicos sociológicos Durkheim, Max Weber e Karl Marx.

Seção 1:

Indivíduo e sociedade Nesta seção, trabalharemos com o objeto de estudo da Sociologia no pensamento de Max Weber, em que se constitui na ação social. Sobre esse objeto, o que se pretende são os fatores de compreensão e de interpretação do comportamento humano tendo nessa perspectiva a relação entre os agentes que se relacionam com um sentido subjetivo.

Seção 2:

Os tipos de sociedades e a vida coletiva Nesta seção, iremos estudar o sucessor de Auguste Comte, o também francês e positivista Émile Durkheim, aquele que fez da Sociologia uma ciência verdadeiramente científica, criando o seu próprio método e objeto de pesquisa. Estudaremos também o “materialismo histórico e dialético”, uma vertente da teorização marxista, composto por uma síntese da dialética de Hegel.


Seção 3:

A globalização e a formação cultural das sociedades Nesta unidade, faremos uma análise da globalização a partir da leitura de Ianni (apud ALVES, 2001), que mostra algumas ideias presentes nas obras dos clássicos da teoria sociológica, utilizadas para uma interpretação da globalização. Faremos um paralelo das condições atuais da sociedade contemporânea dentro de um mundo globalizado. Nesse contexto, perpassaremos pelo neoliberalismo e seus antecedentes, fazendo uma distinção entre a teoria de Karl Marx e Adam Smith.


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Introdução ao estudo Nesta unidade, estudaremos os fundamentos da metodologia sociológica moderna nas obras de seus principais autores Weber, Karl Max e Émile Durkheim. Foi a partir da obra realizada por eles, que a sociologia moderna se configurou como um campo de conhecimento com métodos e objetos próprios. Perpassaremos pelas três linhas mestras explicativas, que como filhos do Iluminismo tinham em suas teorias a perspectiva de uma sociedade harmônica e autonomizada. Os elementos que procuraremos entender e que estão presentes em todas as obras desses autores são: em Marx, a alienação; em Weber, o processo de racionalização do mundo moderno, e, em Durkheim, a anomia (que é a ausência de regras). Nesse sentido, veremos a sociedade estudada por este ator em dois momentos históricos. A sociedade de solidariedade mecânica e a sociedade de solidariedade orgânica, onde na primeira é mais forte a consciência coletiva e na segunda, a Divisão Social do Trabalho. A divisão do trabalho para Durkheim leva à solidariedade, isto é, agir homogeneamente a partir dos sentimentos. Enquanto a divisão do trabalho, para Durkheim, gera solidariedade social, já para Marx a ideia é contrária, para ele a divisão do trabalho aparta o homem de seu meio e então gera alienação. Em Weber, veremos a questão da subjetividade, onde a emoção é imprevisível e a razão previsível, portanto, os valores são subjetivos, enquanto que para Durkheim veremos a objetividade do fato social por serem consideradas “coisas”. Sobre a religião, Durkheim e Weber vão buscar a essência do conhecimento, ao contrário de Karl Marx, que diz que a religião tem função social, pois opera no acobertamento das relações sociais. A religião aqui é considerada para ele o ópio do povo. Nesta unidade, mostraremos, ainda, uma análise a partir da leitura de Ianni (apud ALVES, 2001), que mostra algumas ideias presentes nas obras dos clássicos da teoria sociológica, utilizadas para uma interpretação da globalização. Faremos um paralelo das condições atuais da sociedade contemporânea dentro de um mundo globalizado. Finalizando, perpassaremos pelos neoliberais que se inspiraram na evolução do capitalismo em toda sua história, tendo uma continuidade do pensamento liberal retomando a tese de que deve haver menos Estado e mais mercado.


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Seção 1

Indivíduo e sociedade

Nesta seção iremos estudar um dos clássicos da Sociologia moderna (Max Weber), e compreender o objeto de estudo dessa ciência, definição e conceito. Vamos entender a existência de uma subjetividade no processo de pesquisa e a forma como o autor identifica o capitalismo como aspecto de um processo mais amplo de racionalização.

1.1 Ação social e seus tipos Max Weber apresenta uma nova visão das bases metodológicas da Sociologia e desenvolve diversos estudos sobre a Sociologia moderna. Adota-se, aqui, a segunda linha mestra explicativa, a Sociologia compreensiva. Enquanto para Émile Durkheim a ênfase da análise recai na sociedade, para o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) a análise deve centrar-se nos atores e em suas ações. Para Weber, a sociedade não é algo exterior e superior aos indivíduos, como para Durkheim. Para ele, a sociedade pode ser compreendida a partir do conjunto das ações individuais reciprocamente referidas. Por isso, ele define como objeto da Sociologia a ação social, que para ele é qualquer ação que o indivíduo pratica orientando-se pela ação de outros (TOMAZI, 2000, p. 19).

Max Weber, sociólogo alemão, nasceu em Erfurt, na Turíngia, em 21 de abril de 1864. Weber é considerado um dos mais importantes pensadores modernos. Fundou a disciplina chamada Sociologia da Religião, fazendo um estudo comparado da História, da Economia e da História das Doutrinas Religiosas. Segundo Giddens (2005, p. 32), “Weber não pode ser simplesmente rotulado como Sociólogo; seus interesses e preocupações se estenderam através de muitas áreas: da Economia, do Direito, da filosofia e da História.”

Questões para reflexão Entretanto, nas palavras do criador da Sociologia, Auguste Comte, cada ciência depende da precedente sem a ela se reduzir; o sociólogo deve conhecer o essencial de todas as disciplinas que precedem a sua. Sua especialização própria se confunde diferentemente do que se passa para os outros sábios — com a totalidade do saber, ou seja, significa dizer que o sociólogo é idêntico ao próprio filósofo “especialista em generalidade”.


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Para Weber, o objetivo da Sociologia é o sentido da ação humana individual que deve ser buscado pelo método da compreensão. As suas teorias exerceram grandes influências sobre as Ciências Sociais a partir da década de 1920. São famosas suas teses a respeito das relações do capitalismo com o protestantismo, pois procurou investigar a influência das doutrinas religiosas no campo econômico e, em particular, na formação do espírito capitalista. Para Weber, a sociedade não é algo exterior e superior aos indivíduos, como para Durkheim. Para ele, a sociedade pode ser compreendida a partir do conjunto das ações individuais reciprocamente referidas.

1.2 Objeto da sociologia Weber define como objeto da Sociologia a ação social. O que é uma ação social? Quando o indivíduo pratica qualquer ação orientando-se pela ação de outros. Ao se estabelecer uma relação significativa, teremos relações sociais. Nem toda ação será social, mas apenas aquelas que impliquem alguma orientação significativa visando outros indivíduos. Weber desemboca uma concepção de ciência social que enfatiza a figura do agente, ou seja, o autor da ação e consequentemente o significados que as ações têm. Isso significa dizer que as ações dos homens carregam propósitos, intenções, e o problema é saber decifrar isso. A Sociologia para ele é feita de ações sociais praticadas por indivíduos, não é de saída uma ciência dos grupos sociais. É, portanto, uma ciência dos indivíduos agindo socialmente. Quando esses indivíduos agem em relação a outros, tem-se uma relação social. Nessa concepção weberiana, percebe-se a grande diferença com o conceito de fato social de Durkheim. Enquanto o fato social diz respeito ao coletivo, a ação social é centrada no agente.

1.2.1 Um exemplo de ação social Imaginemos dois ciclistas que andam na mesma ciclovia em sentido opostos — o simples choque entre eles não é uma ação social. Mas a tentativa de se desviarem um do outro já pode ser considerada uma ação social, uma vez que o ato de desviar-se para um lado já indica para o outro a intenção de evitar o choque, esperando uma ação semelhante como resposta. Estabelece-se, assim, uma relação significativa entre ambos.


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1.3 A definição de ação social de Max Weber Weber afirma que podemos pensar em diferentes tipos de ação social, agrupando-os de acordo com o modo pelos quais os indivíduos orientam suas ações: A ação social, para Max Weber, pode ser dividida em quatro ações fundamentais: ação social racional com relação a fins, ação social racional com relação a valores, ação social afetiva e ação social tradicional. Portanto, na visão de Max Weber, a função do sociólogo é compreender o sentido das ações sociais. Essas ações precisam estar caracterizadas de sentidos significativos, pois, entende-se que ações imitativas ou provenientes de fenômenos naturais nas quais não se conferem um sentido para o “agir” não são ditas ações sociais. O objeto da Sociologia é uma realidade infinita, para analisá-la, é preciso construir tipos ideais. Esses tipos ideais não existem de fato, mas norteiam a referida análise, ou seja, servem como modelos e a partir delas podemos identificar quatro ações fundamentais: Quadro 4.1 Os quatro tipos de ação social Tradicional Efetiva

Aquela determinada por um costume ou um hábito arraigado; Aqueles determinados por afetos ou estados emocionais (sentimentos), em que a conduta é movida por sentimentos, tais como orgulho, vingança, loucura, paixão, inveja, medo etc;

Racional com Determinada pela crença consciente num valor considerado importante, inderelação a pendentemente do êxito desse valor na realidade (ética); não é o fim que orienta valores a ação, mas o valor seja este ético, religioso, político ou estético; Racional com Determinada pelo cálculo racional que estabelece fins e organiza os meios nerelação a fins cessários (resultados). Há a escolha dos melhores meios para se realizar um fim. Fonte: Do autor (2014).

1.4 Conceito de ação social Como vimos anteriormente, a ação social orienta-se pelas ações dos outros. Essas ações podem ser ações passada, presente ou esperada como sendo futura, conforme demonstrados seguir: Suponhamos que um indivíduo queira vingar um acontecimento que ocorreu no passado. (ações passadas); Replicação por ataques presentes (ações presentes); Se precaver diante de ataques futuros — o dinheiro seria outro exemplo de ações futuras, pois significa um bem de troca que aceitamos por entender que outras pessoas também aceitarão numa troca futura (ações futuras).


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O comportamento íntimo é ação social somente quando está orientado pelas ações de outras pessoas. O comportamento religioso não é uma ação social por se tratar de uma contemplação, oração solidária.

1.5 O método de Weber Consequentemente, a concepção de método em Weber também será diferente da concepção de método em Durkheim. Para Max Weber, não é possível a neutralidade total do cientista em relação à sociedade. Isso se explica nas pelas seguintes questões. Primeiro, porque outros cientistas podem apresentar construções teóricas diferentes para explicar as formas de ações sociais que não se aplicam no mesmo modelo de Weber; Segundo, porque essas mesmas formas dependem das escolhas pessoais que devem ser feitas visando aos aspectos da realidade que se quer explicar. O autor defende a existência de uma subjetividade no processo de pesquisa. Para entender as ações sociais, o cientista deve penetrar no universo do indivíduo ou indivíduos pesquisados, analisando todos os seus elementos. Apesar do seu enfoque no indivíduo, a sociologia weberiana procura também regularidades que caracterizem grupos sociais e épocas históricas.

1.6 O espírito capitalista e a ética protestante Max Weber é uma das matrizes do pensamento sociológico, o que é talvez um dos últimos grandes clássicos da sociologia, é a única figura canônica indiscutível na sociologia contemporânea e que deu à Sociologia método estruturados. O ensaio de Weber é certamente um dos mais fecundos exames das relações entre religião e teoria social que tem aparecido nos últimos tempos. É um nome indispensável para pensar a Sociologia. Essa obra é, sem dúvida, uma das mais famosas e polêmicas, da moderna ciência social. Mas, para Weber, o que é capitalismo? Pensava ele na busca do lucro? Não, capitalismo pra ele não é busca de lucro, o lucro para ele talvez fosse buscado em vários outros momentos, mas a análise que ele faz coloca o capitalismo como a racionalização do mundo, é a racionalização da sociedade. Ao contrário de Marx, Weber identifica o capitalismo não como a característica central das sociedades ocidentais modernas, mas como um aspecto de um processo mais amplo de racionalização. Essas tendências, ou seja, a


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burocracia, capitalismo, protestantismo são para ele fenômenos de racionalização. Portanto, o capitalismo é permeado por uma administração complexa, uma administração que faça balanço racionalizando a busca pelo lucro, vendo o que entra, vendo o que sai. A contabilidade tem um valor relevante nessa conclusão de Weber, onde se administra a mão de obra livre utilizando os elementos da ciência moderna.

Para saber mais Weber nunca realmente define “racionalização”, mas como entender? Você pode começar com a seguinte definição preliminar: uma atividade ou empreendimento é “racional”, no sentido de Weber, na medida em que é sistemática e autoconscientemente organizada em torno da busca de um objetivo explícito. Podemos também entender de forma mais simples como a vida “racional”, ou seja, é a vida organizada como um meio para um fim. A antítese “racional”, nesse sentido, provavelmente seria “tradicional”, não “irracional”.

Weber não usa os termos: “racional” e “racionalização” como termos de louvor. A ética protestante e o espírito do capitalismo não implicam que as sociedades ocidentais são melhores do que as outras sociedades, apenas diferentes. Administração racional, mão de obra livre, ciência moderna e contabilidade seriam formas de racionalizar a economia, racionalizar o mundo, racionalizar a busca do lucro. Nesse contexto, seria esse o significado de capitalismo para Weber. Portanto, o capitalismo surge a partir do pensamento capitalista, do espírito capitalista (ética capitalista), ou seja, são as ideias que mudam o mundo ou a realidade se transforma. Há uma ética utilitária no “espírito capitalista” que mercantiliza o tempo e que visa acumulação de dinheiro e, com isso, busca-se mais dinheiro. Nesse sentido, temos a ideia de poupança, sempre investir para buscar mais lucro, isso seria o espírito do capitalismo. No pensamento de Weber, o Calvinismo gera o espírito do capitalismo que, por sua vez, gera o capitalismo. Por quê? Porque os grandes países capitalistas eram predominantemente calvinistas, protestantes. Os grandes países surgem aí no meio do espírito capitalista, portanto tornando-se grandes capitalistas.


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Para saber mais O Calvinismo foi a doutrina protestante criada por João Calvino no século XVI, fruto de suas observações e aprofundamento na doutrina criada por Martinho Lutero. Calvino cria uma nova proposta religiosa em Genebra, na França, e daí vão crescendo os adeptos. Na França, os seguidores são chamados de huguenotes; na Inglaterra, de presbiterianos, entre outras denominações (ARAÚJO, 2014, p. 1).

Para os calvinistas, o nosso destino — se vamos para o céu ou se vamos para o inferno — já está predestinado. Ou seja, tem como principal temática a da predestinação, que, segundo a teologia, o homem foi criado por Deus com um destino traçado: a condenação ou a salvação. Como muitos pensadores calvinistas têm em seu pensamento o sucesso do trabalho e a resistência ao pecado como o caminho para entender como sendo o escolhido para ir ao céu — para Weber essa é a essência do espírito capitalista. Entende-se, nesse contexto, a forma como o calvinista iria agir, ou seja, buscando lucro, investindo para ter sucesso e, consequentemente, descobrir que ele é o escolhido por Deus. Dessa forma, eles não iriam gastar o dinheiro com música, dança, festas em geral e coisas proibidas, mas irão reinvestir. O trabalho será valorizado, o contrário do pensamento católico da época, pois no mundo onde a nobreza era muito forte, o trabalho era visto pelo catolicismo e pela nobreza de forma negativa. A nobreza valorizava o ócio ao passo que esses grupos protestantes negarão o ócio e valorizarão justamente o negócio. Então, com a ética protestante, temos a valorização do trabalho, da poupança, do reinvestimento de não gastar com os luxos; tudo isso geraria essa ética capitalista e o capitalismo.

1.7 O processo de racionalização do mundo moderno Vamos entender a diferença ou a relação entre racionalização e racionalidade. Quando se fala em racionalização, esta conotação é direcionada ao termo “razão”, ou seja, se relaciona contra os desperdícios, seja de tempo, dinheiro, esforço humano etc.


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De onde vem esta teoria? Qual a sua origem? Vem das teorias de René Descartes, relacionando a ideia de raciocínio lógico, sem interferência da parte emocional nas decisões administrativas. Nesse sentido, fala-se em simplificação do processo e do método de trabalho. Na questão da eficiência, sendo o mais utilizado, entende-se como técnica para a eliminação do que é desnecessário. Portanto, a racionalização é a ação de racionalizar, de simplificar, empregar a razão, a lógica etc., enquanto a racionalidade indica uma situação, uma condição situacional. Temos a racionalidade burocrática, a racionalidade tecnológica e a racionalidade administrativa. Compreende-se, portanto, que racionalizar é eliminar tudo aquilo que não agrega valor à organização, assim como aos produtos e serviços. São ações que reduzem os custos e despesas e, consequentemente, aumentam a produtividade.

1.8 A teoria burocrática A racionalidade tem sido reconhecida como talvez o principal tema na obra de Max Weber. A origem desse pensamento em Weber se dá pela existência frágil e parcial das teorias clássicas e das relações humanas, que detinha uma visão extremista e incompleta sobre as organizações. Portanto, Weber via uma necessidade de um modelo racional que envolvesse todas as variáveis da organização, pois, com o crescimento e a complexidade cada vez maior das organizações modernas, passou-se a exigir modelos mais bem definidos, ou seja, a burocracia se baseia na adequação dos meios aos objetivos (fins), para que se obtenha o máximo de eficiência; tem-se aqui a racionalidade. Quando identificados e comparados percebemos que há quatro tipos de racionalidade: prático, teórico, substantivo e formal. Mas somente a “racionalidade substantiva ética” introduz formas metódicas da vida. Todos os quatro tipos se manifestam em uma variedade de processos de racionalização orquestrados em todos os níveis de processo social.

1.9 Racionalidade prática Essa racionalidade designa todas as formas de vida que julga a atividade mundana em relação a interesses puramente pragmáticos e egoístas do indivíduo como prática racional. Manipula ativamente as rotinas da vida diária em favor de um sistema de valor absoluto. A realidade é aceita da forma natural e


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os indivíduos cada vez mais precisam de cálculos mais adequados para lidar com as dificuldades presentes. A manifestação da capacidade do homem para a ação racional meio-fim é o que dá ênfase a esse tipo de racionalidade.

1.10 Racionalidade teórica Esse tipo de racionalidade envolve um domínio consciente da realidade através da construção de conceitos abstratos cada vez mais precisos, em vez de ação. De modo mais geral, todos os processos cognitivos abstratos, em todas as suas formas ativas expansive, denotam racionalidade teórica. De acordo com o pensamento de Weber, são grandes as variedades de pensadores sistemáticos que praticavam esse tipo de racionalidade. No início da história encontramos diversos praticantes desse tipo como feiticeiros e sacerdotes, que em seus rituais procuravam os meios abstratos para domar a natureza e o sobrenatural. Com o aparecimento das religiões, diversos atores racionalizados em valores implícitos nas doutrinas apresentadas internamente demonstravam valores ou visões de mundo com explicações abrangentes para enfatizar definitivamente a questão do sofrimento. Os filósofos em suas explicações em relação à natureza e à sociedade demonstram esquemas conceituais que explicam seu funcionamento. Processos de racionalização teórica também podem ser realizados por juízes que interpretam a visão de mundo incipiente encontrados em constituições políticas ou por aqueles que interpretam as teorias de alguns revolucionários, por exemplo, como as teorias de Marx.

1.11 Racionalidade substantiva Racionalidade substantiva (ou também material é aquela que se move no plano ético, as ações surgem a partir de valores. São através desses critérios que os indivíduos julgam a realidade, ou seja, essa racionalidade se refere a padrões normativos de avaliação da conduta).

1.12 Racionalidade formal Ao contrário das demais racionalidades, a formal se relaciona com as esferas da vida e de uma estrutura de dominação que adquiriu fronteiras específicas e


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precisas apenas com a industrialização; inclui-se neste sentido as esferas econômicas, legais e científicas, bem como a formação burocrática de dominação. Apenas fazendo uma comparação à racionalidade prática que sempre indica uma tendência difusa para calcular e resolver problemas de rotina por meio de gama padrões racionais de ação em referência a autointeresses pragmáticos, a racionalidade formal, em última análise, legitima um cálculo semelhante racional meio-fim por referência de volta para regras universalmente aplicadas, leis ou regulamentos. Processos de racionalização de longo prazo são vistos para serem enraizados em valores, e não em interesses. O domínio dos processos de racionalização práticos, teóricos e formal nas sociedades ocidentais modernas implica consequências imensas para o tipo de pessoa provável que vive nessas sociedades.

1.12.1 Características da burocracia Caráter legal das normas e regulamentos: é uma organização ligada por normas e regulamentos; Caráter formal das comunicações: são registradas por escrito; Divisão racional do trabalho; Impessoalidade: relação em nível de cargos, e não de pessoas; Hierarquia: cada cargo inferior deve estar sob supervisão do cargo automaticamente superior; Rotina: o funcionário deve fazer o que a burocracia manda; não tem autonomia; Meritocracia: a escolha das pessoas é baseada no mérito e na competência técnica; Especialização da Administração: separação entre propriedade e administração; Profissionalização; Previsibilidade: prever as ações através das normas.

1.12.2 Disfunções da burocracia A parte negativa da burocracia está na internalização das regras, ou seja, as normas passam de “meios para fins”, significa dizer que esquecem que a previsibilidade é uma das características mais racionais de qualquer atividade.


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A organização e seus colaboradores se apoiam no excesso de formalismo; nesse sentido, tem-se a necessidade de formalizar e documentar todas as comunicações. Essas atitudes são demonstradas por instituições que constantemente apresentam uma resistência de mudanças. Os funcionários se conhecem pelos cargos que ocupam e não pela pessoa em si. Um dos grandes problemas que ocorrem na burocracia está nas decisões a serem tomadas, que partem do cargo mais alto independente do conhecimento que possui sobre o assunto. Há uma conformidade fora da normalidade às rotinas e dá-se ênfase à exibição de poderes de autoridade. Nesse contexto, por muitas vezes, os colaboradores encontram dificuldades com os clientes, pois o funcionário está voltado para o interior da organização. Em outras palavras, a burocracia não leva em conta a organização informal e nem a variedade humana.

Atividades de aprendizagem 1. Considerando a Sociologia compreensiva, de acordo com Max Weber, qual é a função do sociólogo e quais ações não são consideradas ações sociais? 2. Diferencie racionalização de racionalidade.


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Seção 2

Os tipos de sociedades e a vida coletiva

Nesta seção, iremos trabalhar com a primeira linha mestra explicativa: a Sociologia Positiva, cujo autor, Émile Durkheim, é considerado o pai da Sociologia moderna. Foi com ele que a Sociologia se tornou uma ciência verdadeiramente científica, delimitando, como objeto de estudo dessa ciência “os fatos sociais”. Perpassaremos pelos dois tipos de solidariedade, em que o autor estabeleceu a passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica como motor de transformação de toda e qualquer solidariedade.

2.1 Émile Durkheim Seguindo a linha positivista de Augusto Comte, a preocupação central de Durkheim são os mecanismos que garantem a constituição e a transmissão de valores que assegurem a harmonia da sociedade. Em outras palavras, assim como Comte, Durkheim mantém o problema da ordem social no centro das preocupações É considerado o fundador da sociologia moderna. Foi um dos primeiros a estudar mais profundamente o suicídio, o qual, segundo ele, é praticado na maioria das vezes em virtude da desilusão do indivíduo com relação ao meio social. É com Émile Durkheim (1858-1917) que a sociologia passou a ser considerada uma ciência e como tal se desenvolveu. Uma das maiores contribuições que Durkheim deu à Sociologia foi estabelecer as regras do método sociológico na análise dos fatos sociais e os principais conceitos da nova ciência.

2.2 O objeto de estudo Durkheim lança as bases positivistas da Sociologia e busca construir o seu objeto de estudo, que denominou “fatos sociais”. Esse objeto demonstra que os mecanismos de coerção, de imposição, são fundamentais para a preservação da ordem. Portanto, “fatos sociais” são maneiras de agir, sentir e pensar que podem provocar uma coerção sobre os indivíduos de uma sociedade. Mesmo sendo exteriores, eles são introjetados pelo indivíduo, exercendo um poder de coerção.


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Mediante o conceito de fato social, Durkheim quer compreender os mecanismos pelos quais uma sociedade se organiza e mantém-se coesa. Para Durkheim (apud OLIVEIRA, 2002), o objeto da sociologia são os fatos sociais, os quais devem ser isolados como “coisa”. O sistema sociológico de Durkheim baseia-se em quatro princípios fundamentais: 1. A Sociologia é uma ciência independente das demais Ciências Sociais e da filosofia; 2. A Realidade Social é formada pelos fenômenos coletivos; 3. A Causa de cada Fato Social deve ser procurada entre os fenômenos sociais que o antecedem. Para explicar o fenômeno social, deve-se procurar sua causa. 4. Todos os fatos sociais são exteriores aos indivíduos, formando uma realidade específica. Segundo Durkheim, o ser humano é um animal que só se humaniza pela socialização (OLIVEIRA, 2002, p. 13).

Um exemplo simples nos ajuda a entender o conceito de fato social. Se um professor chegasse à instituição de ensino fora do horário, ou faltasse constantemente, não aplicasse os conteúdos estipulados no plano de ensino, fosse embora antes do término das aulas, certamente ficaria numa situação muito desconfortável: a direção provavelmente o chamaria para conversar sobre suas atitudes, pois na instituição existem normas e regras que são comuns a todos os professores, alunos e funcionários, e não apenas para este ou aquele funcionários. Nesse caso, identificamos a característica de generalidade. As normas e as regras não estão nos indivíduos e sim na coletividade. Quando o professor chegou à instituição, já existiam as tais normas e regras, portanto devendo cumpri-las independente de suas vontades, assim temos a característica de exterioridade; caso isso não ocorra, haverá uma coerção, ou seja, uma punição sobre o indivíduo por não cumprir as determinações decididas pelo grupo, pelo coletivo. Assim, finalmente constatamos a característica de coercitividade. Existe um modo de agir que é comum, que todos seguem dentro de uma instituição. Isso não é estabelecido pelo indivíduo ao se introduzir no grupo. Quando ele entrou, já existia tal norma, e, quando ele sair, a norma provavelmente permanecerá. Quer a pessoa goste ou não, vê-se obrigada a seguir o costume geral. O modo de agir é um fato social. São fatos sociais também o modo de se vestir, a língua, o sistema monetário, a religião, as leis e uma infinidade de outros fenômenos do mesmo tipo. Como podemos perceber no exemplo, as características dos fatos sociais apresentadas são:


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Generalidade: o fato social é comum aos membros de um grupo; Exterioridade: o fato social é externo ao indivíduo, existe independentemente de sua vontade; Coercitividade: os indivíduos se sentem obrigados a seguir o comportamento estabelecido. Dessa forma, compreendemos quando Durkheim vai dizer que é o coletivo que predomina sobre o comportamento do indivíduo. A sociedade está o tempo todo pressionando as nossas condutas, seja no modo de ser, de pensar, de sentir, de se vestir etc. Em virtude dessas características, para Durkheim (1973) os fatos sociais podem ser estudados objetivamente, como “coisas”. Da mesma maneira que Biologia e a Física estudam os fatos da natureza, a Sociologia pode fazer o mesmo com os fatos sociais. Segundo Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2002, p. 69), “[...] os fenômenos sociais têm origem na coletividade não em cada um de seus participantes”.

2.3 Estudar a sociedade como “coisa” O que Durkheim (1973) quer dizer é que o sociólogo deve agir à semelhança de seus colegas que pesquisam a natureza, como biólogos e físicos, por exemplo, cujos objetos de estudo estão fora de suas mentes, tendo, portanto, uma existência independente do pensamento do ser humano e do pesquisador. Sendo o fato social considerado “coisa”, o sociólogo deve afastar-se das prenoções, ou seja, deixar de lado seus preconceitos ideológicos, morais e religiosos e filosóficos. O que significa que a ciência deve ser neutra para que seus resultados não sejam contaminados pela opinião pessoal daquele que está fazendo a investigação. Para Durkheim (1973), os fatos sociais devem falar por si mesmo. Nesse sentido, o autor prega uma objetividade e um distanciamento do fato social; Ao observar um “fato social”, que ele passa a designar como “coisa”, o cientista deve afastar-se de todo e qualquer conhecimento anterior que ele possua do mesmo, tomando-o como uma realidade exterior, sem considerar as suas manifestações individuais, evitando, assim, interferências no resultado da pesquisa a que se propôs. “Seu papel é exprimir a realidade, não julgá-la” (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p. 27, grifos do autor).


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2.4 Fato normal e patológico Durkheim (1973) forneceu uma definição de normal e do patológico aplicada a cada sociedade, em que o normal seria aquilo que é ao mesmo tempo obrigatório para o indivíduo e superior a ele. À medida que os fatos sociais são mecanismos que visam à integração da sociedade, Durkheim (1973) afirma ser ainda necessário distinguir os fatos sociais que cumprem sua função integradora, daqueles que desagregam os grupos sociais, tornando-os mais frágeis. A Sociologia tem por finalidade não só explicar a sociedade, como também encontrar soluções para a vida social. A sociedade, como todo organismo, apresentaria estado NORMAL e PATOLÓGICO, isto é, saudável e doentio. Normal: é aquele fato que não extrapola limites dos acontecimentos mais gerais de uma determinada sociedade e que reflete os valores e as condutas aceitas pela maior parte da população. Patológico: é aquela que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente. Os fatos patológicos, como as doenças, são considerados transitórios e excepcionais, ou seja, os fatos sociais normais são aqueles que mantêm a coesão da sociedade, mas os fatos sociais patológicos desagregaram a sociedade. Quando prevalecer os fatos sociais normais numa sociedade, esta se encontra em estado de integração, ordem e harmonia; é como num corpo humano quando todos os órgãos estão saudáveis, o corpo se apresenta de forma sadia, com vitalidade. Mas, se os fatos patológicos estão em evidência, a sociedade encontra-se em crise, o que Durkheim chama de “anomia”, que é a ausência de regras ou fatos sociais suficientemente fortes para que a sociedade se mantenha integrada. Diante disso, podemos dizer que a educação, o desemprego e o crime são fatos que integram ou desintegram a sociedade? A educação que recebemos na família, a dos meios de comunicação e a da escola é um fato social normal, pois são mecanismos básicos de reprodução de valores sociais. O desemprego é um fato social patológico devido aos problemas que seus efeitos impõem à coesão social. No entanto, temos que tomar cuidado quando emitimos nossa opinião com relação ao senso comum ou com a primeira impressão que temos das situações que ocorrem na sociedade, conforme podemos observar nas regras metodológicas de Durkheim.


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Diante dos nossos sentidos de valores morais, podemos correr o risco do erro no julgamento de uma determinada situação. Um exemplo é o crime, que certamente é uma conduta reprovada. Num primeiro momento, poderíamos, pelo nosso sentido de valores morais, julgar um determinado acontecimento (crime) como um acontecimento desagregador, anormal, porém é uma situação relativa, pode não ser um fato social anormal. Devemos enxergar os fatos no todo e não em suas manifestações individuais. Não se deve restringir à análise do criminoso e da vítima (tais situações são um problema do Direito, da polícia criminalística etc.), mas analisar as consequências sociais do crime como manifestação social. Segundo Durkheim (1973), o crime é um fato social normal, porque reforça os valores coletivos na reprovação à conduta praticada pelo criminoso.

2.5 A sociedade de solidariedade mecânica e a sociedade de solidariedade orgânica Para Durkheim (1973), o trabalho de classificação das sociedades deveria ser efetuado com base em apurada observação e experimentação. Guiado por esse procedimento, o autor estabeleceu a passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica como motor de transformação de toda e qualquer solidariedade. Quadro 4.2 Os dois tipos de solidariedade Solidariedade mecânica

Solidariedade orgânica

Laço de solidariedade

Consciência coletiva

Divisão social do trabalho

Organização Social

Sociedade fragmentada

Sociedade coesa

Sociedades

Pré-capitalistas

Capitalistas

Divisão social do trabalho

Pouca desenvolvida, indivíduos dependentes, maior consciência coletiva

Desenvolvida, indivíduos interdependentes, menor consciência coletiva

Identificação

Família, religião, tradição e costumes

União social, diferenças sociais

Fonte: Do autor (2014).


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2.5.1 Solidariedade mecânica É aquela que predominava nas sociedades pré-capitalistas, onde os indivíduos se identificavam por meio da família, da religião, da tradição e dos costumes, permanecendo independentes, autônomos em relação à Divisão Social do Trabalho. A solidariedade mecânica deriva da aceitação de um conjunto de crenças e de tradição comuns. Nesse caso, o que une as pessoas não é o fato de um depender do trabalho da outra, mas de toda uma gama de sentimentos comuns. Quando a solidariedade mecânica está na base da coesão social, a consciência coletiva envolve completamente a consciência individual, tornando os indivíduos muito próximos pela identificação. Esse tipo de solidariedade era próprio das sociedades nas quais a divisão do trabalho era pouco desenvolvida, como as sociedades tribais, a grega ou a feudal.

2.5.2 Solidariedade orgânica Típicas das sociedades capitalistas, onde pela acelerada divisão social do trabalho os indivíduos se tornam interdependentes. Essas interdependências garantem a união social, em lugar dos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas. Nas sociedades capitalistas, a consciência coletiva se afrouxa. Assim, ao mesmo tempo em que os indivíduos são mutuamente dependentes, cada qual se especializa numa atividade e tende a desenvolver maior autonomia pessoal. Como percebemos, a orgânica, ao contrário da mecânica, pressupõe não a identidade, mas, antes, a diferença entre os indivíduos nas suas crenças e ações. O que prevalece é a interdependência das funções sociais, ou seja, a necessidade que uma pessoa tem da outra, em virtude da divisão do trabalho existente na sociedade (DURKHEIM, 1973). Mas, se a divisão do trabalho produz solidariedade, não é apenas porque ela faz de cada indivíduo um ‘trocador’, como dizem os economistas; é porque ela cria entre os homens todo um sistema de direitos e deveres que os aliam uns aos outros de maneira duradoura. Do mesmo modo que a similitudes sociais dão origem a um direito e a uma moral que as protegem, a divisão do trabalho dá origem a regras que assegurem o concurso pacífico e regular das funções divididas (DURKHEIM, 2004, p. 429).

A consciência coletiva não se baseia na consciência de indivíduos singulares ou de grupos específicos, mas está espalhada por toda a sociedade, revelando o


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“tipo psíquico da sociedade” que se imporia aos indivíduos e perduraria através das gerações. A consciência coletiva é a forma moral vigente na sociedade. Ela aparece como conjunto de regras estabelecidas que atribuam valores e delimitam os atos individuais, define o que, numa sociedade, é considerado “moral”, “reprovável” ou “criminoso”.

2.6 Desafios para o enfrentamento das questões sociais no mundo capitalista A patologia social é visível no interior da sociedade, percebe-se tal fato pelas transferências de responsabilidades que hoje vemos do primeiro setor (empresas públicas) para as empresas privadas e sociedade civil. É notório que o governo não tem vocação para o social, daí o crescimento do terceiro setor na área. É inegável que a maioria dos países capitalistas está mergulhada em uma crise do trabalho social que se manifesta sob a forma de taxas elevadas de desemprego, de aumento virulento do desemprego de longa duração, que em muitos casos se transforma em patologia social e em exclusão social (SINGER, 1999, p. 56).

A sociedade capitalista interfere constantemente e diretamente no cotidiano dos trabalhadores, pois as transformações sociais praticadas por esse sistema levam em consideração a sua própria lógica, ou seja, a concentração de renda que se acentua cada vez mais, deixando à margem a maioria da população. A sociedade posterior à Revolução Industrial esteve e ainda esta numa constante transformação e a excepcionalidade da forma social que se instala na sociedade capitalista revela de forma decisiva o seu caráter patológico. Sabe-se que o fato social é normal quando corresponde às condições de existência da sociedade. Diante de tais circunstâncias, indagamos se a sociedade como está é possível. Atualmente, os profissionais que atuam perante os enfrentamentos das questões sociais têm como desafios também o próprio sistema. Por que o próprio sistema? Porque é preciso destruir a inversão ideológica. Muitos profissionais ligados aos capitalistas são obrigados a proporcionarem um trabalho alheio à sua própria vontade, ou seja, são obrigados a seguirem determinações com base em um discurso sobre o social e um discurso sobre o político, como comenta Marilena Chaui:


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A ideologia, segundo Chaui, torna-se um discurso sobre o social e um discurso sobre o político, pretendendo fazer coincidir as representações sobre o social e o político com aquilo que o social e o político seriam na sua realidade. O Estado será responsável por tentar fazer com que o ponto de vista da classe dominante (que domina o próprio Estado) apareça para todos como universal. O Estado vinculado à ideologia vai proporcionar à sociedade aquilo que ela na realidade, não tem: unidade, identidade e homogeneidade. O Estado tem como função ocultar os conflitos e antagonismo que exprimem a existência das condições próprias de uma sociedade dividida em classes. Segundo Chaui a ideia de que o Estado representa toda a sociedade e de que todos os cidadãos estão representados nele é uma das grandes forças para legitimar a dominação dos dominados (isto é, para fazer com que essa dominação seja aceita como normal, legal, justa) (TOMAZI, 2000, p. 182).

Questões para reflexão Hoje estamos vivendo numa sociedade possível, em que as ações encontram-se dentro dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente? Quais os grandes desafios para os enfrentamentos das questões sociais no mundo capitalista? Podemos fazer uma analogia à história do menino selvagem de Aveyron. Você já pensou como seria sua vida se vivesse de forma individual e isolada, sem contato com outros indivíduos? Como seria seu comportamento depois de viver uma grande parte de sua vida em uma selva, como a história que conhecemos de um menino que foi encontrado numa região da França chamada Aveyron?

Para saber mais Veja O menino selvagem de Aveyron: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/cinema/ dossier/meninoselvagem.pdf>.


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Certamente você iria estranhar e perceber a grande diferença em viver numa sociedade. Seguramente, a sua realização enquanto ser social só seria possível nessa nova sociedade se conseguisse integrar-se a essa nova estrutura. Integrar-se é a grande questão dessa analogia com os fatos de nossa realidade. Aqui observamos que, para viver em sociedade, há necessidade de certo consenso e, ao mesmo tempo, de solidariedade entre seus membros. Da mesma forma que a sociedade vai se desenvolvendo, se tornando mais complexa, paralelamente a solidariedade também vai variando segundo o grau de modernidade. Aquele menino selvagem de Aveyron compara-se, analogicamente, à maioria da população que está à margem da pobreza, vivendo numa situação totalmente inversa da minoria. Os desafios são consequentemente integrar essa população à vida social, à estrutura adequada para proporcionar uma vida cidadã. Trazer esses indivíduos para a “sociedade” e transformá-los em cidadãos de fato não é uma ação fácil, pois é preciso, como no nosso exemplo, adequá-los à nova estrutura. Vemos muito dessa realidade nas favelas quando desativadas e as famílias transferidas para os novos assentamentos. Sem condições às novas estruturas, o novo morador acaba vendendo ou trocando seu imóvel e voltando novamente à realidade antiga, ou fazendo desse novo local uma favela, com as mesmas características. Considere-se, assim, que dar-lhe um imóvel, não é transformá-lo em cidadão e nem proporcioná-lo condições de plena realização enquanto ser social. É possível, nessa analogia, observarmos duas sociedades existentes como aquela referenciada por Karl Marx (1818-1883). A classe dos que dominam e impõem a sua ideologia e as dos trabalhadores. Estes, diante das estratégias do próprio capitalismo, encontram-se, fora do mercado de trabalho, proporcionando, dessa forma, uma questão social preocupante, uma patologia social. Afinal, a falta do trabalho numa proporção considerável desencadeia vários outros problemas sociais. Para o capitalista é necessário um exército de mão de obra de desempregados para conduzir sua acumulação de riquezas, levando em consideração a relação “oferta e procura”. Dessa forma, um menor custo de mão de obra e uma mais-valia mais adequada aos desejos do capitalista. A mídia brasileira está constantemente nos mostrando os escândalos no mundo político. Casos como recursos públicos, desvio de materiais, uso de poder e da máquina administrativa, o que essas mazelas da corrupção configu-


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ram uma sensação de mal-estar no povo brasileiro. Tudo isso nos leva a olhar de forma cética os rumos que a política, no Brasil, tem tomado. Criam-se, dessa forma, um clamor moral e um clima de caça às bruxas que geram instabilidade e um muro de lamentações e barreiras a projetos de políticas públicas. Contudo, apesar dessa sucessão de escândalos no Brasil, existe uma sensação de impotência por parte da sociedade; a corrupção é tolerada e os cidadãos ficam apenas aguardando qual será o próximo escândalo que circulará nos jornais (FILGUEIRAS, 2009, p. 387).

2.7 Marx e a religião Alguém já parou para pensar por que Marx era contra a Religião? Ou se perguntou por que a religião é o ópio do povo? Quando Karl Marx diz que a religião é o ópio do povo, as pessoas geralmente não entendem o que ele queria dizer. Dependendo da doutrina de cada um, torna-se ainda mais difícil a compreensão. Certamente consideram sua opinião como “absurda”, um ateu convicto. Qual fato poderia ter levado Karl Marx a pensar dessa maneira? Esta é a primeira questão a ser refletida. Cada fato exige uma sequência histórica de acontecimentos para então entendermos o todo, o contexto de uma determinada situação. Toda crítica deve ter fundamento e ao mesmo tempo conhecimento de toda essa sequência histórica. O que acontece é que muitas das críticas são realizadas com base à paixão primeira de uma doutrina e, consequentemente, todas as outras passam a não ter fundamentos. Mas, dentro de um contexto científico, toda análise deve ser precisa e contextual e, ao mesmo tempo, autônoma. Devido a imensos problemas sociais e devastadoras desigualdades, Marx faz uma afirmação categórica e esplêndida quando diz “religião é o ópio do povo”. Marx está fazendo uma crítica à religião da época, que reafirmava ou reproduzia a ideologia do sistema que oprimia o povo. A religião da época afirmava que os nobres eram nobres pela vontade soberana de Deus, e os pobres, eram pobres e miseráveis pelo mesmo efeito, mas que, depois eles, os pobres iriam morar no céu. Os ricos eram a classe privilegiada por Deus. Marx diz que o homem é que faz a religião: “A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo” (MACHADO, 2009, p. 50).”


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Religião, de acordo com a sua concepção, seria como uma droga que faz os fiéis esquecerem os problemas e não terem consciência da exploração a que são submetidos. Na época, o ópio era uma droga muito popular. Quando Marx dizia que a religião é o ópio do povo, ele não estava alinhando a religião a todas as drogas que existiam no século XIX, como comenta Rodrigo Machado (2009, p. 50, grifo do autor): O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é um suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo, ele não estava alinhando a religião a todas as drogas que existiam no século XIX e às que ainda haviam de ser inventadas, mas a um tipo específico de entorpecente, o ópio.

O ópio é um narcótico que era contrabandeado da Índia para a China. Para Marx (MACHADO, 2009, p. 50), “[...] a religião era um lenitivo para os explorados, que se apegavam a ela como uma compensação (sofrimento religioso compensa o sofrimento real)”.

2.8 Será que Marx estava alinhando a religião a todas as drogas que existiam no século XIX? “Não!” Karl Marx não estava fazendo essa relação, literalmente, nem às drogas conhecidas naquele momento e nem às que ainda haveriam de ser inventadas. Ele estava, exclusivamente, se referindo a um tipo de entorpecente: o ópio. O que é o ópio? O ópio é um narcótico que a Companhia Britânica das Índias Orientais, naquele século, contrabandeava toneladas da Índia para a China, para contrabalançar o comércio entre o Reino Unido e a China.

2.9 Quais eram os interesses dos britânicos? Os interesses dos britânicos focavam os produtos chineses como, por exemplo, chá, seda, porcelana etc. Em contrapartida, os chineses se interessavam unicamente pelo ópio. Portanto, como observamos, a afirmação de Marx se dá, praticamente, em forma de uma metáfora: “A religião é o ópio do povo” ( MACHADO, 2009, p. 50).


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O que Marx via era a exploração dos mais pobres pelos mais ricos — no caso dos chineses (os mais pobres), e o Reino Unido (o mais rico). Para Marx a Religião era o lenitivo para a exploração, que se apegavam a ela como uma compensação (o sofrimento) religioso compensa o sofrimento real. Numa sociedade sem exploradores não haveria explorados e a religião deixaria de existir, segundo o pensamento marxista (MACHADO, 2009, p. 50).

2.10 O que Karl Marx queria? Percebemos que na obra Uma contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel, a sua famosa frase “A religião é o ópio do povo”, considerando todo um contexto político-religioso da época, fora feita para atingir as religiões dominantes que estavam atreladas à classe dominante. Nesse sentido, a própria religião contribuía a favor da ideologia dominante, contrariando o direito à luta de classe da prática revolucionária. Nesse contexto, os proletariados eram privados de seus direitos e de aspirar uma vida digna. Para Marx, a religião era usada contra o proletariado e a favor da burguesia.

2.11 Ideologia e alienação O que é ideologia? Ideologia é um conjunto de ideias ou pensamentos de uma pessoa ou de um grupo de indivíduos. A ideologia está em todas as ações, sejam elas políticas, econômicas ou sociais. Na expectativa de aumentar a produtividade em curto prazo de tempo, o capitalista tem sua visão na mais-valia, ou seja, na lucratividade. Chegamos ao nível de desenvolvimento em que o homem agora precisa pensar, refletir e indagar. Desse modo, já não basta saber a língua e somar os prejuízos, frutos da exploração da classe dominante. O pensar, o refletir e o indagar é o que vai combater as ideologias dominantes e colocá-las em quarentena. Os homens precisam somar, localizar-se, conhecer sua história, mas, antes de tudo, precisam conhecer o seu presente e conhecer sua existência. É aqui que a ideologia da classe dominante injeta seu veneno. O homem, por não conhecer sua própria existência (seus direitos), torna-se alienado e controlado pelo capitalista.


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Para saber mais Ideologia segundo Karl Marx: Filosofia, Política e Educação: <https://sites.google.com/site/filosofiapopular/ideologia/ideologia-segundo-karl-marx>; <http://www.suapesquisa.com/o_que_e/ideologia.htm>.

Há muito tempo o ser humano não tem noção de si mesmo. Ele é controlado pela ideologia da classe dominante, pela mídia, e pelas múltiplas formas de fetichizações e reificações que poluem e permeiam o mundo do trabalho. Considerando a ideologia, o Estado se preocupa em fazer com que a forma de pensar da classe dominante apareça como certa para todos. Aliás, essa ideologia dos que dominam é superior ao próprio Estado. Portanto, esse sistema de ideias dominantes aparece como universal. Diante disso, o Estado vai proporcionar à sociedade a sensação de unidade, identidade, conformidade e semelhança entre todos. Assim, a sua função seria o de ocultar os conflitos e as contradições de uma sociedade dividida em classe. Essa ideia de representação do Estado em relação à sociedade tem a função de legitimar a dominação da classe dominante sobre os dominados, alienando-os às suas pretensões. Alienação é a condição psicossociologia de perda da identidade individual ou coletiva decorrente de uma situação global de falta de autonomia. Encerra, portanto uma dimensão objetiva — a realidade alienante — e a uma dimensão subjetiva — o sentimento do sujeito privado de algo que lhe é próprio. O conceito de alienação é comum a vários domínios do saber. Em psicologia e psiquiatria, fala-se de alienação para designar o estado mental da pessoa cuja ligação com o mundo circundante está enfraquecida. Em antropologia, a alienação é o estado de um povo forçado a abandonar seus valores culturais para assumir os do colonizador. Em sociologia e comunicação, discute-se a alienação que a publicidade e os meios de comunicação suscitam, dirigindo a vontade das massas, criando necessidades de consumo artificiais e desviando o interesse das pessoas para atividades passivas e não participativas. Em filosofia política, fala-se de alienação para designar a condição do trabalhador que, à semelhança de uma peça de engrenagem, integra a estrutura de uma unidade de produção sem ter nenhum poder de decisão sobre sua própria atividade nem direitos sobre


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o que produz. Transcendendo o âmbito da produção, a alienação se estende às decisões políticas sobre o destino da sociedade, das quais as grandes massas permanecem alijadas, e mesmo ao âmbito das vontades individuais, orientadas pela publicidade e pelos meios de comunicação de massas (ESTUDANTE..., 2014, p. 1).

Diante do que já vimos, podemos entender qual era o pensamento de Marx em sua crítica ao sistema capitalista cuja alienação é resultante de fatores materiais dominantes da sociedade e que sua produção é separada de seus interesses, favorecendo apenas aos interesses do proprietário dos meios de produção. Marx e Engels afirmam, em A Ideologia alemã, que as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe então dominante. Poderíamos deduzir a partir desse pressuposto que, para manter sua dominação, interessa a essa classe fazer com que seus próprios valores sejam aceitos como certos por todas as demais classes sociais (TOMAZI et al., 2000, p. 182).

2.12 O marxismo vulgar ou marxismo sem Marx Percebe-se, na teoria marxista, que o objetivo principal é a transformação da realidade. Como já vimos, é na análise dialética que está a sua principal preocupação, cujo teor principal é a prática social. Quando nos deparamos com um trabalho de pesquisa, temos que levar em consideração quais as metodologias que deverão ser aplicadas, considerem-se as principais tendências possíveis. Portanto, a qualidade do trabalho está na escolha mais adequada do método ou da metodologia, seja na pesquisa ou na intervenção. São as teorias de Marx e Engels que nos ajudam a entender os propósitos e as contradições existentes em todo o processo do sistema capitalista. Marx e Engels buscavam uma sociedade que fosse mais justa, equitativa, livre da escravidão proporcionada pela ganância dos capitalistas. Muitas pessoas confundem a teoria de Marx devido à propagação de ideologias totalmente equivocadas que se diziam marxistas. Diante dessa realidade, o próprio Karl Marx mencionou o fato, dizendo não ser marxista.


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2.13 Karl Marx: “Tudo que sei é que não sou marxista” 2.13.1 Por que Marx diz que não é marxista? Marx estava aqui se referindo aos marxistas franceses do fim dos anos 1970. Muitos deles se serviam da concepção materialista da história como pretexto para não estudar a história. Conforme Granja (2010, p. 1), contra isso, Engels adverte: “Ora, nossa concepção da história é, antes de tudo, uma diretiva para o estudo, e não uma alavanca para construções à maneira dos hegelianos”. Em outra ocasião, Engels esclarece o materialismo histórico do seguinte modo: De acordo com a concepção materialista da história, o fator determinante na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu nunca afirmamos mais do que isso. Se alguém desnaturou essa posição no sentido de que o fator econômico é o único determinante, transformou-a assim em uma frase oca, abstrata, absurda. A situação econômica é a base, mas os diversos elementos da superestrutura, as formas políticas da luta de classes e seus resultados — as constituições estabelecidas uma vez a batalha ganha pela classe vitoriosa etc. —, as formas jurídicas, e mesmo os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos participantes, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, concepções religiosas e seu desenvolvimento ulterior em sistemas dogmáticos, exercem igualmente sua ação sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, as determinam de maneira preponderante na forma.

Para saber mais Como surgiu o termo “marxismo”? O termo “marxista” surgiu de uma briga entre seguidores de Bakunin e Marx. Durante uma discussão, os anarquistas acusaram os rivais, discípulos de Marx, de marxistas — o termo pegou (MOURA, 2008, p. 21).


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2.14 Materialismo histórico e dialético Não é fácil compreender a teoria de Marx. Por que muitas vezes a maioria das pessoas tem dificuldade de compreender Marx? Simplesmente porque fazem dele um manual de doutrina política. E, quando vemos os países socialistas caindo perante o capitalismo, logo pensamos: “Marx realmente está defasado”. Será mesmo? Os países que são socialistas cumpriram na íntegra as ideias de Marx? Na terceira linha mestra explicativa, temos Karl Marx desenvolvendo o materialismo histórico e o método dialético, e erige a sua teoria do capitalismo e da revolução proletária. Para Marx o proletariado tomaria o lugar da classe dominante. Marx e Engels começaram a formular a concepção materialista da história quando escreveram juntos: “A Ideologia Alemã”, em 1845/46; o materialismo é, de acordo com Marx, o “fio condutor” de todos os estudos subsequentes. Os conceitos básicos do materialismo histórico - forças produtivas, relações de produção, modo de produção, meios de produção, infraestrutura, superestrutura, classe social, luta de classes, revolução etc. — constituem uma teoria científica da histórica, vista até então como uma simples narração de fatos históricos. Ele revolucionou a maneira de se interpretar a ação dos homens na história, abrindo, ao conhecimento, uma nova ciência e, aos homens, uma nova visão filosófica do mundo: o Materialismo Dialético (NUNES; BERTELLO, 2003, p. 200).

Quando os primeiros filósofos, os chamados naturalistas, começaram a pesquisar sobre a natureza, ou seja, sobre a existência das coisas tentando descobrir suas origens e seus significados, a compreensão sobre a realidade, a natureza e todas as coisas que as compõem é que existem a partir do átomo. (Demócrito e Leucipo). Nesse sentido, tudo que existe é formado por uma substância material, nesse caso o átomo. Os filósofos dessa teoria são conhecidos como filósofos materialistas. Considerando que a realidade é constituída por essa substância, e de acordo com outro filósofo (Heráclito), o átomo está em movimento, o que significa dizer que a realidade é formada por um movimento contínuo e definitivo, portanto em constante transformação, tendo a ideia de que tudo se modifica diante desse movimento.


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Nesse contexto, entende-se que para Marx que a história não é construída por ideias abstratas, mas pelo homem e a sua produção material. Marilena Chaui nos diz: Materialismo porque somos o que as condições materiais (relações sociais de produção) nos determinam a ser a pensar. Histórico porque a sociedade e a política não surgem de decretos divinos nem nascem da ordem natural, mas dependem da ação concreta dos seres humanos no tempo (CHAUI, 2002, p. 218-9).

Se a história não acontece por acaso, mas sim pelas ações humanas e pelas produções materiais, pode-se entender que esse materialismo é também dialético. Nesse sentido, a história é um processo de transformações sociais que são determinadas por contradições entre os meios de produção e as forças produtivas. Parte daí as lutas de classes, e, para Marx, esse é o motor da história. Por isso, sua teoria denomina-se “Materialismo Histórico e Dialético”. Essa luta de classe é constante devido à busca constante do lucro por parte dos capitalistas que querem ganhar mais explorando o trabalhador. Entre outras coisas, a crise se dá em parte pela relação distante que existe entre o salário pago e o valor do trabalho produzido. Aqui, temos o que Marx chama de mais-valia, como também já mencionado por Adam Smith em relação ao valor do trabalho e da mercadoria: Para Adam Smith, o valor do trabalho agregado ao produto é menor que o valor que a mercadoria poderia ser vendida. David Ricardo afirmava que a questão salarial está ligada às necessidades fisiológicas, isso quer dizer que o valor pago gira em torno das condições mínimas de sobrevivência, ou seja, o ordenado cobre somente o essencial (alimentos, roupas).

No caso de Marx, sobre a mais-valia vemos como se dá a exploração do trabalho pelo capitalista. Este paga ao trabalhador um salário para que trabalhe para ele e, no final da produção, fica com o lucro (mais-valia). Esse tipo de relação entre capitalista e trabalhador leva à exploração do trabalhador pelo capitalista. Por isso, Marx considerava que há um permanente conflito entre essas duas classes — conflito que não é possível resolver dentro da sociedade capitalista. Para o capitalista, a quantidade importa mais que a qualidade.


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2.15 O Estado e a sociedade Como vimos, o marxismo é o conjunto de ideias filosóficas, econômicas, políticas e sociais elaboradas por Karl Marx e Friedrich Engels. Suas teorias são baseadas na concepção materialista e dialética da História, interpretando a vida social conforme a dinâmica da base produtiva das sociedades e das lutas de classes daí consequentes. A luta comunista se resume à emancipação do proletariado por meio da liberação da classe operária, para que os trabalhadores da cidade e do campo, em aliança política, rompam na raiz a propriedade privada empregadora do proletariado, transformando a base produtiva no sentido da socialização dos meios de produção, para a realização do trabalho livremente associado. A questão do Estado coloca Marx e Weber em campos opostos; se de um lado Marx tinha uma visão negativa da política, em que o Estado deveria ser gradativamente extinto e consequentemente pensava em uma emancipação humana universal fora do Estado moderno, e não numa mera emancipação política, do outro, Weber tinha uma perspectiva positiva da política, defendia a constituição de uma burocracia permeada por um eficiente mecanismo de controle democrático. Para Marx, a emancipação política não se dá quando judeus e católicos deixarem suas diferenças de lado, pois, em sua concepção, significaria emancipação humana e não política. O Estado nada mais é do que uma superestrutura do regime capitalista como poder organizado em que há uma relação entre as classes sociais.

Atividades de aprendizagem 1. O sistema sociológico de Durkheim baseia-se em quatro princípios fundamentais, quais são? 2. O que é Ideologia? Explique conforme a teoria de Marx e Engels em Ideologia Alemã.


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Seção 3

A globalização e a formação cultural da sociedade global

Nesta seção, iremos trabalhar sobre a Divisão Internacional do Trabalho tendo, como perspectiva, os papéis cada vez mais especializados no mundo globalizado. Estudaremos ainda a globalização na perspectiva dos clássicos da sociologia, o neoliberalismo e os neoclássicos, perpassando pelas diferenças entre o Liberalismo e o neoliberalismo.

3.1 A Divisão Internacional do Trabalho Quando falamos em Divisão Internacional do Trabalho, estamos nos referindo aos indivíduos que executam papéis cada vez mais especializados. A diferenciação de funções e especialização de tarefas caminha lado a lado com a necessidade de níveis cada vez mais elevados e formas de organização cada vez mais complexas. As organizações políticas, culturais, religiosas e de todos os outros tipos são criadas e dirigidas por especialistas que dedicam suas vidas profissionais à execução das tarefas necessárias em benefício do restante da comunidade, que então passam a depender deles para a satisfação de suas necessidades. Assim, sociedades baseadas na divisão do trabalho exigem níveis mais elevados de capacitação, autonomia e cooperação do que as baseadas na subsistência e na autossuficiência. Esse processo implica a troca de bens e serviços através de fronteiras nacionais, por parte de produtores independentes, mas também veio a envolver uma crescente tendência entre os próprios produtores a se organizarem como companhias globais e a operarem em escala internacional. Todos os de maior parte operam entre fronteiras nacionais, com subsidiária em muitos países. Eles exercem um impacto poderoso sobre os níveis de atividade econômica nos países que os recebem e são em geral capazes de dominar mercados estrangeiros e eliminar a competição no plano doméstico. Está associada a isso uma GLOBALIZAÇÃO de processos e possibilidade tecnológica. Em um mercado mundial cada vez mais unificado, todos os produtores devem adotar a nova tecnologia mais eficiente a fim de sobreviver, enquanto os produtores maiores são capazes de promover seus produtos internacionalmente, levando à homogeneização dos padrões de consumo, bem como de processo de produção (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 222, grifo do autor).


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3.2 A globalização na perspectiva dos clássicos da sociologia Alves (2001), numa análise a partir da leitura de Ianni, procura demonstrar como algumas ideias sociológicas presentes nas obras de Max Weber, Karl Marx e Émile Durkheim podem ser utilizadas para uma interpretação da globalização, conforme segue.

3.2.1 Weber e a globalização Para a sociologia de Weber, o processo de desenvolvimento do capitalismo moderno pode ser apreendido como um processo de racionalização do mundo. Desse modo, pode-se dizer que, para Weber, a globalização, em seu sentido originário, poderia ser considerada uma etapa superior da racionalização do mundo, de um vasto e complexo processo de racionalização e intelectualização, cujo produto e condição é dado pelo próprio desenvolvimento das ciências e da tecnologia. Assim, aos poucos, o consumismo que é um traço característico da era do globalismo, se constitui em outra esfera de dinamização das ações, relações, instituições e organizações sociais, em escala local, nacional, regional e mundial (IANNI, 1996 apud ALVES, 2001, p. 134).

A partir de Weber, o processo de racionalização do mundo pode ser apreendido a partir de seu conceito de racionalidade, que está na base de seu pensamento. O desenvolvimento das instituições sociais, econômicas e culturais nas sociedades modernas foi desencadeado por um processo geral de racionalização. Tudo que é social, em qualquer época e lugar, pode ser analisado em termos de formas e gradações de racionalidade das ações sociais de indivíduos, grupos ou coletividades. Os conceitos típico-ideais de ação social tradicional e ação social afetiva adquirem maior clareza quando em contraponto com os conceitos de ação racional com relação a valores e ação racional com relação a fins. O capitalismo, para Weber (1999), é um vasto e complexo processo social, econômico, político e cultural que implica no desenvolvimento de formas racionais de organização das atividades sociais em geral, compreendendo as políticas, as econômicas, as jurídicas, as religiosas, as educacionais e outras. O verdadeiro sentido da globalização, segundo Weber (1999 apud ALVES, 2001, p. 137):


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O que o capitalismo criou, em definitivo, foi a empresa duradoura e racional, a contabilidade racional, a técnica racional, o direito racional; a tudo isto haveria que acrescentar a ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional em economia.

Vamos apreender, a partir de Weber, seguindo a leitura de Ianni (apud ALVES, 2001, p. 137) sobre a sua concepção de globalização como um sintoma da burocratização do mundo: [...] podemos apreender a globalização como um sintoma da burocratização do mundo, onde tudo está marcado pela calculabilidade, contabilidade, ordenamento jurídico, racionalidade, eficácia, produtividade, lucratividade. Tudo se burocratiza segundo um padrão burocrático, racional e legal - o mercado, a empresa, a cidade, o Estado e o direito, as atividades intelectuais.

A burocracia é o meio através do qual se expressa a lei e sob o qual age o Estado racional moderno. Na perspectiva de Weber (1999), a globalização como desenvolvimento tardio do capitalismo moderno não poderia ser considerada nem algo bom, nem algo mal, pois isso implicaria em juízos de valor. É provável que Weber a considerasse apenas como um patamar superior da ocidentalização do mundo, de algo que se realiza ad infinitum, quase como um destino, de alguma coisa que, tal como o progresso científico e tecnológico, na realidade jamais chega, e jamais pode chegar a um fim.

3.2.2 Durkheim e a globalização Na sociedade, o indivíduo é socializado porque depende dos demais. Predomina, aqui, a solidariedade orgânica, ou seja, uma sociedade em que os indivíduos estão unidos em virtude da Divisão Social do Trabalho. De acordo com Alves (2001, p. 147): [...] na ótica de Durkheim poderíamos dizer que a divisão do trabalho, e, por que não dizer, a globalização que ocorre hoje trazendo em seu bojo uma série de resultados sociais perversos, deve seus resultados à rapidez das transformações capitalistas, sendo que, com o tempo, ela ira tender a alcançar uma condição de equilíbrio


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que desvendaria seu verdadeiro sentido e finalidade: ser uma fonte de solidariedade e não apenas, como os economistas muitas vezes salientam, um meio de aumentar o rendimento das forças sociais.

Na ótica de Durkheim (apud ALVES, 2001, p. 148): [...] a globalização poderia ser considerada expressão de um desenvolvimento ampliado do capitalismo moderno, que tenderia a impulsionar a divisão do trabalho social compreendida como sendo a especialização ligada à produtividade do trabalho. Enfatiza a coordenação das tarefas, principalmente sob a solidariedade orgânica, correspondente a nossa época, onde a diferenciação das atividades produtivas ocorre de acordo com os critérios de eficácia e de competência.

A solidariedade orgânica prevalece nas sociedades complexas de tipo capitalistas, é fruto das diferenças sociais e são essas diferenças que unem os indivíduos pela necessidade de troca de serviços. Nesse tipo de solidariedade, a consciência coletiva se afrouxa, dando espaço à consciência individual. A Divisão Social do Trabalho aparece aqui como um novo mecanismo de integração social. A divisão do trabalho é para Durkheim (apud ALVES, 2001, p. 150, grifo do autor): [...] não somente especialização das aptidões e das competências; é também coordenação das tarefas. O que supõe como necessidade da reprodução social de uma maior organização e maior coordenação das trocas. Alguns diriam: uma nova “regulação”, termo utilizado por uma escola de economistas franceses. O mérito de Durkheim foi salientar a importância das normas e valores para a reprodução de organismos sociais complexos, como são as sociedades capitalistas modernas, principalmente. Na era da globalização, onde é maior a integração e intensidade das trocas e da produção. Com certeza, Durkheim seria um crítico da globalização tal como ocorre em nossos dias, na medida em que ela se desenvolve sem uma coordenação global, propiciando, portanto, uma situação de anomia. Mas ele não seria um crítico da globalização em si, na medida em que iria reconhecer nela uma positividade: o desenvolvimento de novas formas de solidariedade, inevitável no atual estágio da divisão do trabalho.


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3.2.3 Karl Marx e a globalização Para Marx, a globalização significa o desenvolvimento ampliado do capitalismo moderno. O capitalismo é um processo civilizatório que “invade todo o globo”, influenciando, destruindo ou recriando outras formas sociais de trabalho e vida, outras formas culturais e civilizatórias. Na perspectiva de Ianni (1996 apud ALVES, 2001, p. 161): [...] a globalização pode ser compreendida como uma nova condição e possibilidade de reprodução do capital surgida principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando começaram a predominar os movimentos e as formas de reprodução do capital em escala internacionais. A princípio, por capital se entende um signo do capitalismo, o emblema dos grupos e classes dominantes em escala nacional, regional e mundial.

3.3 Algumas características do capital I.

Deve tender a destruir toda barreira espacial oposta ao comércio;

II. Tende a anular o espaço por meio do tempo; III. Tende simultaneamente a estender o mercado e a uma maior anulação do espaço, através do tempo. Na perspectiva marxista, Globalização significa o domínio do capital em geral, enfim, o domínio das empresas, conglomerados e corporações transnacionais; As instituições técnico-estruturas transnacionais, cultura global, shopping center global predominam e interferem nas culturas regionais e nacionais; A globalização é contraditória como o próprio capital, emancipa e escraviza o homem. Marx caracteriza o sistema produtivo do capital globalizante da seguinte forma: “Lendo Weber (1999), diremos isso e outras coisas, quando vemos a globalização que surge do processo de racionalização, da burocratização universal, do desencantamento do mundo” (ALVES, 2001, p. 174).


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Questões para reflexão Conhecemos as perspectivas dos clássicos da sociologia sobre globalização e capitalismo. Agora, faça uma breve reflexão sobre as seguintes questões: Você acha que o capitalismo um dia vai cair, como pensava Karl Marx? Em sua opinião, podemos considerar a globalização uma nova Revolução Industrial? A globalização é algo bom ou ruim? Comente sobre a globalização e aponte os fatores positivos e negativos; Estando as fronteiras mais aberta e alta tecnologia, também podem tornar as coisas mais fáceis para as redes criminosas e terroristas?

3.4 Diálogo entre Adam Smith e Karl Marx Entre o século XVIII e XIX, a Europa experimentava muitas transformações: o sistema capitalista avançava rapidamente e uma nova ordem social se estabelecia neste contexto. Nessa época, estavam lado a lado duas grandes correntes de pensamento: o liberalismo e o socialismo. Enquanto o liberalismo buscou consolidar as relações do capitalismo, o socialismo nasceu como uma resposta aos seus desiquilíbrios, principalmente o crescimento da pobreza e o desemprego, e propôs outra forma de organizar a sociedade. Muitos filósofos e economistas como Friedrich Engels, John Locke, John Stuart Mill, Georg Hegel e outros alimentaram as ideias liberais e socialistas ao longo dos anos. Adam Smith e Karl Marx foram seus principais expoentes. Adam Smith nasceu na Escócia, em 1723, filho único de um fiscal da alfandega. Ainda novo, aos 16 anos, estudava Filosofia na universidade, mais tarde tornou-se professor de Lógica e Filosofia. As ideias de Adam Smith atacavam as políticas econômicas do sistema feudal e consequentemente dos reis e senhores feudais que ainda existiam em algumas regiões da Europa; logo os burgueses se identificaram com suas teorias, que foram de grande importância para o desenvolvimento do capitalismo no século XIX e XX. Karl Marx nasceu em 1818, na Alemanha. Filho de um advogado da classe média, chegou a estudar Direito, mas logo se voltou para a Filosofia; suas


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teorias são uma crítica radical ao capitalismo e foram além dos livros e das universidades. Ativista do movimento operário, Marx também propôs mudanças concretas na sociedade, como o fim da propriedade privada e das classes. Sua principal obra, O Capital, tornou-se referência mundial e influenciou movimento políticos de esquerda ao longo das décadas seguintes. Adam Smith e Karl Marx não foram contemporâneos. Marx nasceu quase três décadas após a morte de Smith. Mas se esses grandes pensadores pudessem viajar no tempo e se encontrassem, certamente teríamos grandes debates sobre essas duas influentes teorias. Para Marx, enquanto nossa sociedade estiver dividida em classe, as relações econômicas não podem ser consideradas igualitárias, tampouco livres. As classes dominantes sempre vão oprimir os mais pobres, por isso precisa eliminar as classes. Nesse sentido, Smith certamente seria contrário ao pensamento de Marx, pois, para ele, o produtor deste vinho, por exemplo, procurou produzir um produto com muitos predicados, muitas qualidades, em que a sua intenção é sair ganhando diante de um cenário de livre concorrência, a sua intenção é vender mais. Certamente, comparando-se aos pequenos produtores ou àqueles que não têm condições de investimento, o grande, com maiores condições, sairá ganhando, pois este vinho de qualidade terá grande aceitação e vai render e vender muito mais. Nesse sentido, para Smith, trabalhando pelos seus interesses individuais, o proprietário faz com que os outros produtores também procurem melhorar a qualidade de seus vinhos e, assim, todos empregam mais trabalhadores especializados e melhoram a produtividade. Inclusive podem diminuir o preço, se for o caso. É nesse contexto que Smith diz que o mercado se autorregulamenta. Ou seja, é o que impulsiona a economia e melhora a vida dos cidadãos, estas são as razões que levaram os demais produtores a melhorar o seu vinho, também impulsionando toda a sociedade. Marx já não concorda com a ideia de Smith. Ao ler a obra de Smith, para Marx uma resposta se faz necessária. O produtor desse mesmo vinho de qualidade, sendo proprietário de muitos recursos, um membro da burguesia, certamente e é um grande produtor, compra as melhores terras contratos profissionais de mais destaque na arte do vinho. Enfim, tem as melhores condições para expor seus produtos. E a pergunta é: o que vai acontecer com os médios e pequenos produtores? Para Marx, eles irão à falência, para esses produtores a situação será difícil, quase impossível de sobreviver; para os trabalhadores será pior ainda, porque eles estarão sem emprego, na miséria. Ou seja, como pensava Marx, não haverá igualdade nas trocas enquanto existir classes.


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Percebe-se que no pensamento de Smith, se não houvesse livre concorrência e se todos os produtores contassem com os mesmos recursos e condições iguais não haveria, no caso esse vinho de qualidade. A livre-concorrência é boa para todos sem interferência do Estado. A tendência é que o mercado encontre um equilíbrio natural com a máxima produtividade, preço justo e melhor qualidade, como se uma mão invisível acomodasse a economia e os problemas da sociedade. Para Marx, a mão invisível no mercado, na prática, rouba os mais pobres, o que significa dizer que nada adianta aumentar a produtividade se quem ganha é um só, se quem fica com os lucros é só o dono do capital. Se de um lado temos os proprietários que estão acumulando mais capital e renda, de outro se vê o aumento da pobreza e da miséria. Conclui-se, portanto, que no pensamento de Marx a liberdade é também igualdade econômica. Smith certamente diria a Marx: ousa em falar em liberdade se não reconhece o direito dos cidadãos de terem propriedades, se vai contra a liberdade individual prevista e garantida pelas leis. E certamente Marx retrucaria: “O que são as leis senão uma reunião de palavras cunhadas pela classe dominante em defesa da própria classe dominante? Liberdade é igualdade econômica, é satisfazer as necessidades de toda sociedade; a propriedade privada está na raiz da desigualdade porque uns têm tanto e outros nada e esses que têm tanto ainda podem explorar o trabalho daqueles que não têm nada. O capitalismo não existe sem a exploração do trabalho”. Portanto, para Marx, o resultado da autorregulação do mercado pregado por Smith seria mais sofrimento nas classes menos favorecidas. Enquanto que para Smith, dentro de uma característica utópica, os benefícios da revolução industrial iriam superar essa situação difícil que se abate sobre toda a sociedade, as classes desfavorecidas terão bom futuro com as descobertas recentes.

Para saber mais Muitos historiadores afirmam que este processo teve início nos séculos XV e XVI com as Grandes Navegações e Descobertas Marítimas. Nesse contexto histórico, o homem europeu entrou em contato com povos de outros continentes, estabelecendo relações comerciais e culturais. Porém, a globalização efetivou-se no final do século XX, logo após a queda do socialismo no leste europeu e na União Soviética. O neoliberalismo, que ganhou força na década de 1970, impulsionou o processo de globalização econômica (SUA PESQUISA.COM, 2014, p. 01).


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Atividades de aprendizagem 1. Descreva algumas das características do Neoliberalismo. 2. Quais as diferenças se pode destacar entre o Liberalismo e o Neoliberalismo?

Fique ligado! Enquanto para Émile Durkheim a ênfase da análise recai na sociedade, para o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) a análise deve centrar-se nos atores e em suas ações. Para Weber, o objetivo da Sociologia é o sentido da ação humana individual que deve ser buscado pelo método da compreensão. Weber define como objeto da Sociologia a ação social. O que é uma ação social? Quando o indivíduo pratica qualquer ação orientando-se pela ação de outros. Para Max Weber, o processo de desenvolvimento do capitalismo moderno pode ser apreendido como um processo de racionalização do mundo. O capitalismo é um vasto e complexo processo social, econômico, político e cultural que implica no desenvolvimento de formas racionais de organizações. Durkheim é considerado o fundador da sociologia moderna, ele lança as bases positivistas da Sociologia e busca construir o seu objeto de estudo que denominou “fatos sociais”. Este objeto demonstra que os mecanismos de coerção, de imposição, são fundamentais para a preservação da ordem. Portanto, “fatos sociais” são maneiras de agir, sentir e pensar que podem provocar uma coerção sobre os indivíduos de uma sociedade. A globalização é a burocratização do mundo, onde tudo está marcado pela calculabilidade, contabilidade, ordenamento jurídico, racionalidade, eficácia, produtividade, lucratividade. A globalização como desenvolvi-


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mento tardio do capitalismo moderno, não poderia ser considerada nem algo bom, nem algo mal, pois isso implica em juízos de valor. Já para Émile Durkheim, a globalização poderia ser considerada expressão de um desenvolvimento ampliado do capitalismo moderno, que tenderia a impulsionar a divisão do trabalho social compreendida como sendo a especialização ligada à produtividade do trabalho. Na era da globalização, é maior a integração e intensidade das trocas e da produção. Durkheim seria um crítico da globalização tal como ocorre em nossos dias na medida em que ela se desenvolve sem uma coordenação global, propiciando, portanto, uma situação de anomia. Porém, não seria crítico da globalização em si, na medida em que iria reconhecer nela uma positividade. Globalização, para Marx, assim como para Durkheim, significa “o desenvolvimento ampliado do capitalismo moderno”. É um processo civilizatório que “invade todo o globo” influenciando, destruindo ou recriando outras formas sociais de trabalho e vida, outras formas culturais e civilizatórias. A globalização é contraditória como o próprio capital, emancipa e escraviza o homem. Significa o domínio do capital em geral, o domínio das empresas, conglomerados e corporações transnacionais. Estudamos também nesta unidade o Neoliberalismo, que de forma geral é um conjunto de ideias políticas e econômicas que defende a não participação do Estado na economia. O livre-comércio, segundo seus representantes, garante o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país. Por outro lado, os críticos dizem que essa forma de economia beneficia somente as grandes potências econômicas e as empresas multinacionais. Os países pobres ou em desenvolvimento sofrem com a política neoliberal. O capitalismo é marcado pelo aumento da pobreza, desigualdade social, violência, criminalidade e conflitos sociais. Os direitos trabalhistas são corroídos e o trabalhador perde o poder de pressão; consequentemente, as empresas ficam mais livres para utilizar trabalho infantil e outras estratégias que geram mais desemprego.


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Para concluir o estudo da unidade Um dos estudos que foi dado ênfase nesta unidade foi com relação à globalização na perspectiva dos clássicos da Sociologia. Como eles analisariam e quais seriam as reflexões sobre essa questão que, segundo vários autores, concordam que globalização não é um processo singular, mas um conjunto complexo de processos. Uma das indagações é com referência à realidade atual do capitalismo, cuja pergunta é: o capitalismo está dando certo? Sabemos que a globalização é um sistema ampliado do capitalismo, considerado por alguns como uma nova Revolução Industrial. Hoje, as questões relacionadas à globalização são sinônimos de discordâncias, e os questionamentos são direcionados, em grande parte, se seus efeitos são bons ou ruins. Se por um lado há os que acreditam no desenvolvimento de alguns países, por outro, uma significativa oposição demonstra que a globalização tem causado o aumento da desigualdade e a degradação do meio ambiente. Os grandes problemas hoje enfrentados pelos governos são resultantes de desequilíbrios econômicos entre países, governos autoritários e falta de

Atividades de aprendizagem da unidade 1. Weber apresenta uma nova visão das bases metodológicas da Sociologia e desenvolve diversos estudos sobre a sociologia moderna. Sobre o autor, analise as afirmativas a seguir: I. Enquanto para Émile Durkheim a ênfase da análise recai na sociedade, para o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) a análise deve centrar-se nos atores e em suas ações; II. Para Weber, a sociedade não é algo exterior e superior aos indivíduos, como para Durkheim; III. Para ele, a sociedade pode ser compreendida a partir do conjunto das ações individuais reciprocamente referidas;


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IV. Por isso, Weber define como objeto da Sociologia a ação social, que para ele é qualquer ação que o indivíduo pratica orientando-se pela ação de outros. Assinale a alternativa CORRETA: a) A afirmativa I está correta e II incorreta. b) A afirmativa II está correta e III incorreta. c) A afirmativa III está correta e IV incorreta. d) As afirmativas I e III estão incorretas. e) As afirmativas I, II, III e IV estão corretas. 2. Sobre MAX WEBER, analise as afirmativas a seguir tendo como relação a sociedade e o indivíduo. I. Para Weber, a sociedade não é algo exterior e superior aos indivíduos, como para Durkheim. II. Para o autor, a sociedade pode ser compreendida a partir do conjunto das ações individuais reciprocamente referidas; III. Em seu pensamento, é a sociedade que pressiona o indivíduo, temos aqui uma das características dos fatos sociais, ou seja, a característica de exterioridade. IV. Em Weber vemos a objetividade no método de pesquisa; nesse sentido, o pesquisador deve se manter neutro em relação ao objeto pesquisado. Assinale a alternativa CORRETA: a) A afirmativa I está correta e II incorreta. b) A afirmativa II está incorreta e III correta. c) Apenas as afirmativas I e II estão corretas. d) A afirmativa III está correta e IV incorreta. e) As afirmativas I, II, III e IV estão corretas. 3. De acordo com a teoria de Émile Durkheim, analise as afirmativas a seguir:


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I. A preocupação central de Durkheim são os mecanismos que garantem a constituição e a transmissão de valores que assegurem a harmonia da sociedade; II. Durkheim mantém o problema da ordem social no centro das preocupações; III. É considerado o fundador da sociologia moderna. IV. Foi um dos primeiros a estudar mais profundamente o suicídio, o qual, segundo ele, é praticado na maioria das vezes em virtude da desilusão do indivíduo com relação ao meio social. Assinale a alternativa CORRETA: a) A afirmativa I está correta e II incorreta. b) A afirmativa II está correta e III incorreta. c) A afirmativa III está correta e IV incorreta. d) As afirmativas I e III estão incorretas. e) As afirmativas I, II, III e IV estão corretas. 4. Por que para Marx “a religião é o ópio do povo”? a) A religião é o ópio do povo porque não é o homem que faz a religião; b) Marx está fazendo uma crítica à religião da época, que reafirmava ou reproduzia a ideologia do sistema que oprimia o povo; c) Religião de acordo com a sua concepção seria como uma alternativa para se livrar das drogas; d) As drogas ajudam a formar uma consciência crítica, o que os fazem a perceber a exploração em que são submetidos. e) Na época de Marx o ópio era uma droga pouco popular, e que influenciava apenas a classe proletária. 5. De acordo com Marx, sobre o materialismo, é certo afirmar que: I. A história não é construída por ideias abstratas, mas pelo homem e a sua produção material;


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II. O materialismo é produto das ideias psicológicas e abstratas; III. Os homens não são frutos das relações sociais de produção; IV. Materialismo histórico compreende a forma de pensar do homem moderno. Assinale a alternativa CORRETA: a) A afirmativa I está incorreta e II correta. b) A afirmativa II está correta e III incorreta. c) Apenas a afirmativa I está correta. d) As afirmativas II e IV estão corretas. e) As afirmativas I, II, III e IV estão corretas.


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