Revista APDA #2 - 3º trimestre 2016

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EDIÇÃO 02 3º TRIMESTRE

2016

apda Associacao Portuguesa

de Distribuicao e Drenagem de Aguas


Edição APDA

Projeto Gráfico OTNovesete Comunicação

Diretor Nelson Geada

Diretora Criativa Sandra Souza

Conselho Editorial Arnaldo Pêgo Domingos Castro Paulo Nico Pedro Béraud Pedro Laginha

ONDE ESTAMOS SITE www.apda.pt SOCIAL facebook.com/apda.pt twitter.com/APDA_PT

Coordenação Ana Antão

ÓRGÃOS SOCIAIS DA APDA ASSEMBLEIA GERAL Presidente: Rui Godinho Secretário: José Gonçalves Secretário: Francisco Marques

EDITORIAL

# FICHA TÉCNICA

CONSELHO DIRETIVO Presidente: Nelson Geada Vice-Presidente: J. Henrique Salgado Zenha Vice-Presidente: António José Correia Vice-Presidente: Isabel Ricardo Vice-Presidente: Jorge Nemésio CONSELHO FISCAL Presidente: Pedro Ventura Secretário: Francisco Oliveira Secretário: Vitor Lemos

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem indicação da respetiva fonte. Revista APDA é uma publicação trimestral. Para mais informações sobre publicidade ou informações gerais, Tel.: (+351) 218 551 359 ou por E-mail: geral@apda.pt APDA - Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas Av. de Berlim, 15 - 1800-031 Lisboa - Portugal • Tel.: (+351) 218 551 359 • Fax: (+351) 218 551 360 • E-mail: geral@apda.pt


# UMA NOVA REVISTA Este segundo número da Revista APDA já se aproxima muito da ideia inicial que presidiu à iniciativa do seu ainda muito recente lançamento. Em termos de apresentação gráfica, sendo certo que há sempre um caminho a percorrer, ombreia - perdoem-nos a imodéstia - com o que melhor se faz na criação digital. Quanto aos conteúdos, é de facto uma revista de luxo, em que cada peça é, por si, um largo espaço de troca de opiniões e de aquisição de conhecimento. O artigo do Senhor Secretário de Estado, Eng.º Carlos Martins, com a objetividade e pragmatismo a que nos vem habituando, clarifica e resume as políticas públicas para o setor dos Serviços de Águas, numa altura em que muito já se tem feito, embora não sejam, naturalmente, suficientemente visíveis os resultados. Nem isso seria expectável quando se pretende negociar e não impor.

sobre o futuro de pessoas exteriores ao setor da água. A toda a equipa que colaborou na feitura deste segundo número da Revista APDA, os meus parabéns. Ao Dr. Sérgio Hora Lopes, coordenador do projeto “Os Próximos 30 Anos: Sobre o Futuro dos Serviços de Águas”, uma menção honrosa pela qualidade do trabalho que tem desenvolvido, bem patente no seminário recentemente realizado. Nelson Geada Presidente do Conselho Diretivo da APDA

O Dr. João Nuno Mendes, atual presidente da AdP SGPS, surpreende pela lucidez e abrangência com que define o papel da holding enquanto instrumento de políticas públicas setoriais do Estado. Conhecedores, como somos, da Águas de Portugal e do setor, cumpre-nos desejar-lhe o maior sucesso profissional e pessoal. Com grande destaque, seguem-se cinco artigos, respetivamente dos Professores José Manuel Félix Ribeiro, José Manuel Sobral, Daniel Bessa, João Ferrão e António Figueiredo, sequentes ao seminário realizado pela Associação em abril deste ano, no âmbito do projeto “Os Próximos 30 Anos: Sobre o Futuro dos Serviços de Águas”. São todos de leitura incontornável, pela estatura intelectual e profissional dos autores, pela oportunidade e, principalmente, porque se trata de visões

Nelson Geada Presidente do Conselho Diretivo da APDA


ÍNDICE

# DESTAQUE # ATUALIDADE # OPINIÃO

carlos martins

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Secretário de Estado do Ambiente JOÃO nuno mendes Presidente da Águas de Portugal

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O MUNDO EM 2050

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Quatro processos globais

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Nações, identidades e estados nacionais em 2050?

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riscos geopolíticos

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Drivers da resiliência das cidades

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UM MUNDO URBANIZADO

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# QUADRO LEGAL # # CURIOSIDADES EVENTOS

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82 LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

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LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA

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DESTAQUE CARLOS MARTINS Secretรกrio de Estado do Ambiente


CARLOS MARTINS Nasceu em Lisboa em 1956. É licenciado em Engenharia Civil e Mestre em Planeamento Regional e Urbano, pela Universidade Técnica de Lisboa. Pósgraduação em Direito da Água e em Direito dos Resíduos, pela Universidade de Lisboa. Doutorando em Administração Pública, pela Universidade de Lisboa. Professor Especialista em Engenharia Sanitária do Instituto Politécnico de Lisboa. Desempenhou funções como Presidente Executivo do Conselho de Administração da Águas do Algarve e como gestor da UNAPD, do grupo Águas de Portugal, SGPS, entre 2012 e 2015. Entre 2009 e 2012 foi Administrador da Empresa Geral de Fomento (EGF), SA, Presidente do Conselho de Administração da Amarsul, SA e Presidente do Conselho de Administração do ACE EGF Dourogás. Foi Presidente da Comissão Executiva da Simtejo, SA, entre 2007 e 2009 e VicePresidente do Instituto dos Resíduos, do Ministério do Ambiente, entre 1998 e 2002. Foi Presidente da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) de 2003 a 2009. Foi Presidente da European Union Nacional Association of Water Suppliers and Waste Water Services (EurEau) em 2005/2006, em Bruxelas.


# DESTAQUE

DESAFIOS PARA O SETOR DA ÁGUA No contexto nacional atual, estamos focados na criação de condições para

motivar os municípios a uma gestão supramunicipal das “baixas” de água e águas residuais.

carlos martins Secretário de Estado do Ambiente

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DESAFIOS PARA O SETOR DA ÁGUA

E

m 2015 ocorreu uma iniciativa legislativa que teve como objetivo a agregação de sistemas multimunicipais, associada à sustentabilidade do grupo Águas de Portugal (AdP). Não se deve ignorar que o grupo Águas de Portugal, estava confrontado com dois problemas significativos, um de natureza estrutural decorria do agravamento

de défice num conjunto significativo de empresas multimunicipais e outro de natureza conjuntural decorrente das dívidas dos clientes municipais.

crítica resultou do facto de se ter feito um conjunto de agregações de empresas multimunicipais contra a vontade expressa dos seus acionistas municipais.

Foi passada a ideia que esse processo de reorganização da Águas de Portugal, constituía uma reforma do setor de água em Portugal. Na verdade estas agregações estão muito longe de dar resposta aos desafios com que se confronta o sector da água, mas a situação mais

Está o atual Governo apostado em procurar um modelo para as concessões multimunicipais que, resolvendo os problemas de sustentabilidade do grupo Águas de Portugal, seja ancorado num processo de diálogo e envolvimento dos municípios, mas que para além dos problemas REVISTA APDA_2016

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# DESTAQUE

da AdP vise atuar onde o setor evidencia maiores fragilidades, neste caso onde haverá maior potencial para captar eficiência e margem para uma melhoria da gestão técnica e económica, que, neste setor, são os sistemas municipais. Encontrar a sustentabilidade do setor passa no essencial por uma mudança de paradigma na gestão dos sistemas municipais, sobretudo nos casos em que os problemas de escala são relevantes.

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No que respeita aos designados sistemas em “alta” estão a decorrer, no âmbito do grupo Águas de Portugal, um conjunto de estudos que fundamentam um trabalho articulado com os municípios, tendentes a uma solução que possa merecer o seu acolhimento e responder aos problemas de sustentabilidade, mesmo que numa primeira fase esse equilíbrio resulte de uma perequação financeira que de forma clara evidencie a solidariedade territorial

regional e com apoio de fundos exteriores ao setor. As situações em estudo dizem respeito a 4 ou 5 casos e poderão conduzir à criação de novas empresas regionais, se possível a partir de 1 de janeiro de 2017. A maior aposta, do Governo, para a sustentabilidade do setor está centrada nos sistemas municipais, desde logo em todos os sistemas municipais de municípios com menos de 20 000


DESAFIOS PARA O SETOR DA ÁGUA

habitantes, cerca de 160 municípios, mas procurando o alinhamento estratégico com municípios de maior dimensão populacional, que possam partilhar a sua capacidade técnica e as suas competências, reforçando o carácter regional dos serviços de águas e permitindo antecipar maior sucesso e mais celeridade à criação de um modelo assente em soluções de escala supramunicipal nos sistemas em “baixa”. A aposta é reforçar a

componente regional, numa escala em torno dos 120 000 habitantes, sempre que possível com intervenção no ciclo integral urbano da água, com água, águas residuais e pluviais e alta e baixa. No contexto nacional atual, estamos focados na criação de condições para motivar os municípios a uma gestão supramunicipal das “baixas” de água e águas residuais. O diálogo que tem sido estabelecido com os municípios permite antecipar

uma forte vontade de se promover o estudo de soluções supramunicipais em mais de 80 municípios, o que permite antecipar a possibilidade de em 2017 e 2018 podermos assistir a uma mudança de paradigma no que se refere à gestão dos sistemas em “baixa”. Na presente data e mesmo cientes de que em 2017 haverá eleições autárquicas, o que pode constituir um fator de contexto para alguns processos de decisão, estamos convictos que

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# DESTAQUE

alguns municípios estão genuinamente empenhados em estar na linha da frente deste processo e em condições de iniciar o ano de 2017 a concretizar um novo modelo gestionário dos seus sistemas municipais e capazes de se lançar em ambiciosos projetos de investimento em infraestruturas para reforçar as suas redes de água e águas residuais, mas sobretudo a modernizar os seus sistemas comerciais, sistemas de telegestão, integrar os seus sistemas de cadastro, a partilhar centros operacionais de piquetes e serviços de

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engenharia na operação e manutenção.

Os sistemas em “alta” com um modelo de gestão de maior flexibilidade, evoluiu rapidamente para padrões de natureza mais empresarial e de uma forma geral atingiu níveis de desempenho de elevada performance. Os municípios urbanos, geralmente com serviços municipalizados ou empresas municipais, de cariz mais especializado, asseguram desempenhos que estão em linha com boas práticas, mas nos serviços municipais encontramos soluções muito heterogéneas, agravadas nos últimos anos pelas restrições impostas à organização e contratação de recursos humanos, onde se podem encontrar grandes fragilidades.

Desde os anos 90 que as exigências de gestão dos sistemas de águas se vem alterando, por um lado a cada vez maior complexidade técnica, por outro lado as exigências da legislação comunitária e nacional, associadas a maiores taxas de cobertura dos serviços. A separação da cadeia de valor em serviços em “alta” e “baixa”, trouxe novos desafios e criou ritmos e desempenhos técnicos muito diferenciados.

As concessões privadas, na generalidade com desempenhos técnicos de boas práticas, ficaram aquém das expetativas geradas nos anos 90 e estão hoje a ser objeto de limitações de mercado, porquanto a forte conflitualidade contratual, tem criado condições pouco favoráveis a novos contratos, mas as suas competências poderão vir a ter um papel relevante em prestações de serviços, num mercado que tenderá a aumentar.


DESAFIOS PARA O SETOR DA ÁGUA

A emergência de soluções de escala supramunicipal permitirá alterar uma situação que vinha a agravar nos últimos tempos, com um reforço da capacidade técnica para lidar com sistemas muito exigentes em termos técnicos e económico-financeiros.

entidades gestoras dos territórios de baixa densidade populacional.

O financiamento do setor, através do POSEUR, será um instrumento importante para consolidar as políticas setoriais e para alinhar os investimentos com os objetivos e metas do PENSAAR2020.

Em grande articulação com a ERSAR estamos a acompanhar os resultados do grupo de missão para as “baixas” e tomaremos as iniciativas legislativas que possam concorrer para ultrapassar alguns problemas que sejam identificados como limitadores a soluções de escala supramunicipal.

O diálogo com o BEI permite antecipar a possibilidade de soluções de escala supramunicipal virem a obter financiamentos em melhores condições, pois a natureza supramunicipal e um modelo de gestão mais especializado aumentam a sustentabilidade das operações. Este processo terá em paralelo um importante programa de capacitação, no qual contamos com o LNEC e as associações do setor: APDA, APESB, APRH, num modelo que permita a participação dos quadros das várias especialidades, nomeadamente os que exercem funções nas

Estamos a avaliar a aplicação da legislação da “fatura detalhada” e tendo por base a ponderação dos resultados obtidos promoveremos as medidas adequadas.

antecipar uma evolução do setor das águas, para um modelo de cariz mais regional, um reforço global da sustentabilidade técnica e económico financeira e um setor com oportunidades de emprego qualificado e especializado. A gestão mais eficiente dos serviços de águas permitirá melhorar os níveis de qualidade de serviço, assegurar os recursos para a manutenção, operação e reabilitação das infraestruturas e praticar tarifas socialmente adequadas.

A revisão do Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Águas e de Drenagem de Águas Residuais que vem sendo preparada pela ERSAR será uma peça importante para a política do setor, merecendo destaque os aspetos que dizem respeito às águas pluviais e o papel dos sistemas de tratamento de águas residuais simplificados. O diálogo com a ANMP, com as várias CIM e órgãos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e com os municípios permitem REVISTA APDA_2016

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ATUALIDADE JoÃO Nuno Mendes Presidente do Conselho de Administração AdP - Águas de Portugal, SGPS, SA


João nuno mendes

Foto: Pedro Nunes

Presidente do Conselho de Administração da AdP - Águas de Portugal, SGPS, SA desde 1 de junho de 2016, é licenciado em Gestão pelo ISEG - Instituto Superior de Gestão. Iniciou a carreira em 1994 na Arthur Andersen como auditor no setor financeiro. Como assessor económico do Gabinete do Primeiro Ministro do XIII Governo Constitucional, entre 1996 e 1999, participou nos estudos de sustentação da posição portuguesa na negociação europeia no âmbito da Agenda 2000. Entre 1997 e 1999 foi Assistente Universitário do Curso de Gestão no ISEG. De 1999 a 2002 desempenhou funções de Secretário de Estado do Planeamento com responsabilidades na negociação com a Comissão Europeia do 3º Quadro Comunitário de Apoio (QCAIII) para Portugal, e no subsequente arranque e implementação do programa ao nível regional, e também na formulação das políticas públicas setoriais de investimento. Foi Administrador para a área financeira no Grupo Amorim desde 2002, tendo transitado em 2007 para a Galp Energia, grupo empresarial onde, até 2012, foi Diretor de Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade, e posteriormente Diretor de Global Business Development com responsabilidades na área de novos projetos e mercados internacionais.

ETAR de Frielas


# ATUALIDADE

DESAFIOS PARA O SETOR DA ÁGUA O Grupo, usando o seu próprio know-how, competências e escala, encontra-se a desenvolver um “Modelo de

Gestão de Ativos, Operação e Investimento” que acreditamos ser

capaz de se posicionar como uma referência internacional...

JOão NUNO MENDES Presidente do Conselho de Administração AdP - Águas de Portugal, SGPS, SA

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DESAFIOS PARA O SETOR DA ÁGUA

ETAR de Alcântara

A

abordagem aos desafios do setor da água é indissociável da reflexão sobre as questões relacionadas com a prestação de serviços de interesse económico geral. Assegurar o futuro destes serviços públicos essenciais passa por garantir condições para a sua continuidade, fiabilidade e universalidade, através de uma gestão eficiente dos recursos, orientada para a qualidade do

serviço ao cliente, de forma ambientalmente equilibrada e com racionalidade económico-financeira. Estas são, aliás, premissas de desafios identificados e partilhados à escala global como, por exemplo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável assumidos como prioridades da agenda de desenvolvimento para 2030 por 193 Estados das mais diversas geografias e estádios de desenvolvimento.

Neste quadro, o Grupo AdP pretende dar um contributo relevante para a resposta aos diversos desafios já identificados nomeadamente no PENSAAR 2020 e ainda aos compromissos assumidos pelo Governo designadamente em matéria de descarbonização e de circularidade da economia portuguesa. O Grupo tem os recursos, as competências, a experiência e o sentido de missão necessários para ter sucesso REVISTA APDA_2016

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# ATUALIDADE na concretização dessa aspiração. Tem, na sua génese, o objetivo de ser o instrumento empresarial do Estado para a concretização de políticas públicas e de objetivos nacionais nos domínios do abastecimento de água e do saneamento de águas residuais e o trabalho concretizado no terreno desde a sua criação, em 1993, está repleto de exemplos de bons resultados da comunhão de objetivos e da conjugação de esforços. Cumpre aqui destacar as parcerias regionais construídas e consolidadas ao longo destas duas décadas, envolvendo hoje mais de 230 municípios, com alavancagem de investimento excecional e com grande

impacto socioeconómico. Os sete mil milhões de euros de investimento materializado em infraestruturas, construídas de raiz ou reabilitadas, permitiram a criação de condições básicas de desenvolvimento regional, a melhoria das condições ambientais e de saúde pública, a promoção do emprego e a criação de importantes competências a nível regional no que respeita à gestão, à capacidade tecnológica e ao desenvolvimento dos recursos humanos, entre outras. Estou certo que esta é uma herança que pode ser aproveitada para estimular a concretização do grande objetivo de melhoria da eficiência produtiva dos sistemas em “baixa”,

preconizado pelo Governo para o setor, estando o Grupo AdP totalmente disponível e tecnicamente empenhado em apoiar os municípios a concretizar os projetos regionais que venham a ser desenhados. Também com espírito de missão, estamos a apoiar e colaborar nos trabalhos sobre as questões tarifárias e o modelo de regulação económica do setor das águas em Portugal, um processo que está a ser desenvolvido pela ERSAR e que se afigura fundamental para a promoção de modelos de gestão sustentável. Representando um património de cerca de 150 ETA, mais de 16 mil quilómetros de rede adutora, mais de 600 estações elevatórias e quase 1 700 reservatórios, ao serviço do abastecimento de água, e quase 1 000 ETAR, cerca de 9,5 mil

quilómetros de rede de drenagem, 1 900 estações elevatórias e 20 emissários submarinos,

ETAR da Guia - Fase Sólida

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ao serviço do saneamento de águas residuais, a gestão dos sistemas infraestruturais do universo do Grupo AdP apresenta-se, em si mesma, como um grande desafio. A adoção, pelas entidades


DESAFIOS PARA O SETOR DA ÁGUA

gestoras, de políticas e práticas adequadas de gestão de ativos para assegurar um bom desempenho, ao mais baixo custo e garantindo a qualidade exigida, o equilíbrio das tarifas e a correta gestão dos riscos operacionais é, aliás, um objetivo partilhado por todas as entidades gestoras ao nível nacional e internacional, quer do setor das águas, quer de outros setores relacionados com infraestruturas. ETAR do Coimbrão - Aproveitamento de biogás

ETA de Alcantarrilha - Fotovoltaicas

Neste domínio, o Grupo, usando o seu próprio know-how, competências e escala, encontra-se a desenvolver um “Modelo de Gestão de Ativos, Operação e Investimento” que acreditamos ser capaz de se posicionar como uma referência internacional e garantir também a excelência na transição de um ciclo fundamentalmente de “Investimento Greenfield” para um ciclo em que o “Modelo de Gestão de Ativos” adquire uma importância decisiva. A nossa capacidade de aceitar e integrar estes novos estímulos implicará a construção de um caminho de inovação e de desenvolvimento de novas soluções que nos capacitem REVISTA APDA_2016

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# ATUALIDADE a responder de forma eficaz a desafios mais abrangentes, como a mitigação das alterações climáticas e o desenvolvimento da economia circular.

WONE 10

Laboratório Central da EPAL

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Muitas das respostas que já têm vindo a ser encontradas para os desafios geram novas atividades e conduzem à necessidade de desenvolver diferentes funções e disponibilizar recursos para a sua concretização. Neste caminho, a versatilidade tecnológica e dos processos é uma importante ferramenta, catalisada pela Inovação e a Investigação & Desenvolvimento e também pela cooperação com a comunidade científica e académica. Em toda esta equação representa um valor fundamental o capital humano. Segundo dados da ERSAR, serão cerca de 16 mil pessoas no setor em Portugal, das quais cerca de 3 100 pessoas no Grupo AdP, e este é um património que deve ser valorizado nomeadamente através de uma aposta significativa na formação e na capacitação técnica dos recursos humanos. As competências, o desempenho e também o envolvimento e motivação


DESAFIOS PARA O SETOR DA ÁGUA

de todos estes profissionais desempenharão um papel essencial na superação dos desafios atuais do setor das águas e, estou certo, contribuirão para desenvolver a necessária resiliência para o futuro.

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OPINIÃO


O

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Tendo em linha de conta a ampla diversidade e disponibilidade de fontes informativas atualmente existentes, nem sempre com a profundidade desejável, introduziu-se uma rubrica que pretende abrir a porta a reflexões dos leitores, da inteira responsabilidade dos seus autores, que se venham a considerar úteis, relevantes e oportunas para o setor da água, em especial para as Entidades Gestoras. Saliente-se que este espaço pretende ser um momento de reflexão, com artigos ou notas alargadas que os autores pretendam partilhar, visto considerarem-nos interessantes para as Entidades Gestoras, instituições académicas e restante indústria da água. Desafiam-se desde já todos os leitores para o envio deste tipo de textos, sendo a sua publicação sempre sujeita aos exigentes critérios de seleção da Equipa da Revista APDA.


# OPINIÃO

SEMINÁRIO O MUNDO EM 2050 - Tendências, Riscos e Impacto no Território Sérgio Hora Lopes Coordenador do Conselho Científico da APDA

Economista. Entre 1974 e 2010 foi docente em várias escolas do ensino superior onde lecionou disciplinas de economia, política social, planeamento e gestão do ambiente. Dirigiu a pós-graduação de Gestão das Organizações e Desenvolvimento Sustentável da EGE/ UCP. Trabalha no sector dos serviços de água e do ambiente desde 1982. Foi Diretor-Delegado dos SMAS de Matosinhos, Gestor do POA e Interlocutor Sectorial do Ambiente para o Fundo de Coesão e administrador de várias empresas do grupo AdP, empresa de que é colaborador. Elaborou vários trabalhos sobre planeamento, integração e fundos comunitários, economia do ambiente e da água e publicou mais de uma dezena de artigos em revistas da especialidade e capítulos de livros. É Coordenador do Conselho Científico e membro da CELE da APDA.

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O foco do encontro era o de refletir sobre as incertezas, cruzando interrogações que emanam das “tendências” identificáveis em termos sociais, económicos, ambientais, políticos e tecnológicos, com foco

na dimensão territorial e na sustentabilidade dos recursos.


o mundo em 2050

Projeto:

Os próximos

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o número 1 da REVISTA APDA foi apresentado o projeto de investigação “Os Próximos 30 Anos: Sobre o Futuro dos Serviços de Águas” que a APDA está a desenvolver. Como se referiu no artigo então publicado, o projeto irá finalizar com a apresentação de cenários sobre os serviços de águas no horizonte 2050. Com este exercício prospetivo pretende-se, essencialmente, que os diversos atores chave do setor (decisores públicos, entidades gestoras, empresas) possuam maior informação sobre as direções em que possivelmente evoluirá o setor.

anos

Mas para se compreender o setor e a forma como poderá evoluir, é necessário integrar como objeto de análise o meio envolvente, de modo a compreender como ele e o setor interagem. Assim, num trabalho de prospetiva sobre os serviços de águas, é necessário, antes mesmo de pensar os serviços de águas, pensar o mundo (e Portugal). Assim, com esse objetivo realizou-se, com o apoio da Águas do Ribatejo, e da Ordem dos Engenheiros - Região Sul, em 27 de abril de 2016, um seminário sobre o tema: O Mundo em 2050 Tendências, Riscos e Impacto no Território. O foco do encontro era o de refletir sobre as incertezas,

cruzando interrogações que emanam das “tendências” identificáveis em termos sociais, económicos, ambientais, políticos e tecnológicos, com foco na dimensão territorial e na sustentabilidade dos recursos. Para ajudar na compreensão dessas tendências, riscos e impactos futuros, foram convidados um conjunto alargado de personalidades com uma reflexão reconhecida em várias áreas do conhecimento: prospetiva, economia, geografia, história, sociologia e ordenamento do território. A abertura da sessão contou com a presença do Senhor Secretário de Estado do REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO PROGRAMA 10h00 Painel I - Riscos geopolíticos e a configuração dos territórios Moderador: Jaime Melo Baptista (LNEC) Oradores: José Manuel Félix Ribeiro José Manuel Sobral Daniel Bessa André Magrinho 14h00 Painel II - Drivers da resiliência das cidades Moderador: Alexandra Ferreira Carvalho (SG Ministério do Ambiente) Oradores: João Ferrão António Figueiredo Teresa Marat-Mendes 16h00 Painel III - Pessoas, território e sustentabilidade Moderador: José Henrique Salgado Zenha (APDA) Oradores: Susana Fonseca Isabel Salavisa João Guerra Sofia Santos

Ambiente, Engenheiro Carlos Martins, acompanhado pelo Presidente do Conselho do Conselho Diretivo da APDA, Engenheiro Nelson Geada, pelo Engenheiro Arnaldo Pêgo, em representação da Ordem dos Engenheiros, e pelo Coordenador do Projeto. Para uma melhor compreensão dos objetivos do seminário foi proposta aos oradores, pela equipa do projeto, a resposta a algumas questões em cuja abordagem num enquadramento prospetivo residia grande interesse, não obstante o reconhecimento de antemão que seriam de resposta difícil, senão inalcançável.

QUESTÕES • Como a evolução das migrações e o fenómeno de terrorismo podem influenciar a evolução demográfica e a configuração do território? • Evoluiremos para um mundo mais cooperativo ou para uma “guerra” de blocos? • Será que movimentos nacionalistas e as pressões socioeconómicas conduzem à fragmentação da integração europeia? • Que papel terá a tecnologia no futuro do capitalismo? • Que novos modos de organização da produção e consumo são exequíveis e compatíveis com a sustentabilidade? Economia circular, da partilha? • Que formas e funções das cidades para dinamizar a economia? • Haverá novos padrões de ocupação do território? E que novos fatores de atratividade? • Quais os efeitos da evolução da economia global na distribuição dos rendimentos? • Como poderão evoluir as instituições e os modelos de governância e liderança? • Evoluiremos para novos valores e comportamentos? Que futuro para a ética? • Como evoluirá a valorização social dos recursos?

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o mundo em 2050

Dada a excelência das várias comunicações foram solicitadas aos vários autores que permitissem que as mesmas fossem publicadas na Revista APDA. São assim apresentados neste número, após revisão pelos próprios, intervenções apresentadas pelos Professores José Manuel Félix Ribeiro, José Manuel Sobral, Daniel Bessa, João Ferrão e António Figueiredo, esperando que no próximo número da revista possam ser publicados os restantes. Embora não tendo sido pensadas para publicação, como os leitores poderão aferir da coloquialidade dos textos, a profundidade das reflexões e, em muitos casos, o seu carácter inovador merecem uma maior divulgação que com esta publicação se julga que se atingirá.

A APDA e o projeto “Os Próximos 30 Anos: Sobre o Futuro dos Serviços de Águas” estão profundamente agradecidos aos autores que permitiram o sucesso do evento que agora é ampliado.

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# OPINIÃO

QUATRO PROCESSOS GLOBAIS QUE nos PODEM LEVAR ATÉ 2050

José Félix Ribeiro

Nesta intervenção procurámos salientar quatro grandes processos - alguns estando já a ocorrer, que irão contribuir para definir o percurso até 2050: a) A Globalização - Mudando de Fase; b) A Geoeconomia - Mudando de Direção;

Economista. Doutorado em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi Sub-Diretor Geral do Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais do Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território. É autor de uma vasta obra sobre Economia Internacional, Economia Portuguesa e Prospectiva, tendo publicado recentemente os livros “Portugal - A Economia de Uma Nação Rebelde” e “EUA Versus China - Confronto ou Coexistência”.

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mundial

A Geopolítica e Estratégia

- Mudando de Mapa; d) Atividades,

Tecnologias e Crescimento - Mudando de soluções.


quatro processos GLOBais

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esta intervenção procurámos salientar quatro grandes processos - alguns estando já a ocorrer, que irão contribuir para definir o percurso até 2050: • A Globalização - Mudando de Fase; • A Geoeconomia mundial Mudando de Direção; • A Geopolítica e Estratégia Mudando de Mapa; • Atividades, Tecnologias e Crescimento - Mudando de soluções.

1. A GLOBALIZAÇÃO MUDANDO DE FASE Antes da crise financeira internacional de 2008 três reciclagens de excedentes correntes dominavam a economia mundial constituindo uma sólida estrutura da Globalização: • As economias excedentárias da Ásia Pacífico - com destaque para China e Japão reciclavam parte maioritária dos seus excedentes correntes na economia dos EUA sob a forma de aquisição de ativos financeiros nomeadamente títulos do

Tesouro e obrigações das duas agências tuteladas pelo Estado que titularizavam o crédito hipotecário nos EUA; • As economias energéticas do Golfo Pérsico, nomeadamente as que mantinham relações estreitas com os EUA a nível geopolítico, reciclavam os seus excedentes correntes - quando os preços do petróleo permitiam a sua rápida acumulação - nos mercados de capitais dos EUA adquirindo ativos; • Uma terceira reciclagem, de âmbito europeu, consistia na canalização de excedentes correntes da Alemanha para as economias deficitárias da Zona Euro (incluindo a França), onde os bancos alemães não se deparavam com risco de câmbio. Ora a crise internacional, originada nos EUA e depois propagada à zona euro, sob a forma de crise das dividas soberanas, está a por em causa essa estrutura de relações financeiras que caracterizaram a Globalização: já que China e Alemanha parecem claramente interessadas em reduzir a importância das reciclagens de excedentes correntes para a economia dos EUA, no primeiro caso, REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO e para a Europa do Sul, no terceiro caso. Enquanto que no segundo caso as fortes tensões entre EUA e Arábia Saudita em torno do reposicionamento dos EUA como exportador potencial e não como grande importador de petróleo e gás natural - em consequência da “revolução do shale gas” - está a desorganizar o “ecossistema do petróleo” que acompanhou a consolidação da Globalização. A mudança em curso no relacionamento entre economias chave está a precipitar uma Mudança de Fase na Globalização, em que: • Os EUA não têm “mais espaço” para o crescimento das importações vindas da China e da Ásia Pacífico no seu conjunto, ao mesmo tempo que estão a reduzir drasticamente as suas importações de petróleo do Golfo Pérsico; • A China não tem interesse em aumentar os seus excedentes correntes para os aplicar em ativos financeiros dos EUA, preferindo utilizá-los para realizar uma vaga maciça de compras de ativos físico e empresariais no exterior, quer nas economias

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produtoras de matérias primas, quer nas economias desenvolvidas; • A Alemanha não parece disposta a reduzir os seus excedentes correntes nem a continuar a investi-los nas economias da Europa do Sul, endividadas e com fraco potencial de crescimento, forçando ajustamentos severos nestas economias a dois níveis simultâneos - redução dos défices externos e dos défices orçamentais; • A China e a Alemanha (e outros EM da Zona Euro) partilham um interesse comum a médio e longo prazo - pôr fim à

hegemomia do dólar como moeda internacional. Como é ilustrado no Gráfico a Zona Euro substituiu a China como principal pólo de excedentes correntes mundiais. O que levanta uma grande interrogação sobre estabilidade futura da Globalização, dado que esse excedente se não financiar o consumo ou o investimento de economias com potencial decrescimento, acabará por exercer um efeito depressivo na economia global. Ora não é claro o que a Alemanha (principal gerador de excedentes na Zona Euro) vai querer fazer com esses excedentes: [ver gráfico abaixo]

Excedentes e dÉfices correntes EUA, China, Zona Euro (1990-2014) 600 400

Corrent Accounts, bn USD

Euroarea

China

200 0 -200 -400 US

-600 -800 -1000 90

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Source: Deustch Bank; IMF

FONTE. George Saravelos “Euroglut: a New Phase of Global Imbalances Deustsche Bank Marfets Research 6 October 2014


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• Reduzi-lo para financiar um esforço de investimento conjunto na defesa europeia?; • Utilizá-lo para dar maior consistência futura à Zona Euro reforçando seletivamente a coesão entre Estados Membros depois destes terem aceite as condições da Alemanha quanto aos défices?; • Reciclar esses excedentes para os EUA, reforçando uma parceria transatlântica; • Reciclar parte desses excedentes para consolidar uma presença relevante na Eurásia, em parceria com a China?; • Reciclá-las para economias asiáticas marítimas como a Índia?.

2. A GEOECONOMIA MUNDIAL MUDANDO DE DIREÇÃO 2.1. Os EUA e a nova orientação Geoeconómica Oceânica Uma das consequências mais relevantes da crise financeira de 2008 ocorreu na geopolítica e na estratégia, ao ter provocado uma redução nas despesas militares dos EUA e ao impor uma nova Estratégia Militar em 2012 com três componentes geográficas:

• Reforço no Pacífico e no Índico para gerir a ascensão e a competição da(s) e entre a(s) Ásia(s); manutenção de uma presença no Golfo Pérsico, e retirada gradual da Europa do Norte e do Centro. Por sua vez a nova orientação Geoeconómica dos EUA está estreitamente associada a esta: • Na Ásia os EUA procuram manter uma relação comercial e de investimento com aliados tradicionais no Pacífico - Japão, Austrália e Nova Zelândia - e com Estados de média dimensão económica, mas que por uma razão ou por outra receiam uma hegemonia regional da China - ex: Vietnam, Malásia e Filipinas; • Na Europa a retirada militar gradual dos EUA da Europa levanta a questão de saber como a Alemanha encarará no futuro a segurança europeia. Os EUA ao avançarem para uma Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) com a União Europeia procuram manter a relação transatlântica mas agora na Geoeconomia; • Com a “revolução do Shale Gas e Tight Oil” os EUA não só reduzem drasticamente as suas importações

energéticas - de fora da América do Norte - como podem garantir a segurança de abastecimento energético dos membros destas Parcerias, face a eventuais atuações hostis de outros fornecedores - OPEP e Rússia. 2.2. A China - Mudando de modelo de crescimento e de orientação geoeconómica Depois de uma 1ª fase em que o crescimento assentou no setor exportador e no impacto positivo da descoletivização da agricultura no rendimento das populações rurais, e de uma 2ª fase em que o crescimento assentou numa segunda vaga de investimento no setor exportador, mas com transformação do mix setorial da oferta ao exterior e num papel chave do mercado interno por via do investimento na infraestruturação do território e na urbanização em grande escala (acompanhando uma redução da parte do consumo das famílias no PIB), a China está a entrar numa 3ª fase com um novo modelo de crescimento - paralela a uma redução no ritmo de crescimento - que assenta em três pilares: • Aumento do consumo das famílias, com as classes REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO médias convidadas a aproveitar oportunidades de enriquecimento através do “capitalismo popular” assente na participação no mercado de capitais; • Papel crescente dos serviços no crescimento da economia e na geração de emprego e do investimento em I&D para ascender nas cadeias de valor da indústria e dos serviços mais internacionalizados; • Forte investimento no exterior, incluindo em infraestruturas - mantendo forte procura para setores internos - nomeadamente os setores da construção de obras públicas e de fabrico de equipamentos para redes de transporte. Se as relações comerciais, de investimento e financeiras centradas no Pacífico foram fundamentais nas duas primeiras fases de crescimento da China, o duplo projeto da Nova Rota da Seda e do corredor Marítimo traduzem uma dupla orientação: • Expansão para o interior da Eurásia, em busca de energia e matérias primas e como forma de implantar corredores de transporte direto para a Europa por via terrestre - através de novas infraestruturas ferroviárias e da modernização de

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infraestruturas já existentes; • Estreitamento paralelo de relações económicas e militares com as periferias marítimas da Eurásia nomeadamente com Estados da ASEAN e com o Bangladesh, Ceilão e Paquistão por razões que se prendem com a sua competição com a Índia e os EUA. [ver mapa abaixo]

3. A GEOPOLÍTICA E A ESTRATÉGIA MUDANDO DE MAPA O “Mapa” geopolítico e estratégico vai experimentar uma substancial mudança face ao imediato período pós guerra fria, resultante: a) Da estruturação de um triângulo central de poder

A CHINA A NOVA ROTA DA SEDA E O CORREDOR MARÍTIMO

A China vai co-financiar a construção destas infraestruturas através do recém criado Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, em que conta como acionistas a Rússia, a Índia, a Alemanha, a Coreia do Sul, entre outros Estados.

mundial composto pelos EUA (gerindo uma parceria com Japão e multiplicando acordos com a Rússia), pela China e pela Índia: - Os três competindo pelo domínio das tecnologias, sistemas de armas e sistemas de informação,


quatro processos GLOBais

comando e controlo que assegurem a superioridade na utilização dos quatro Fluídos Estratégicos - Oceanos, Espaço Aéreo, Espaço Exterior e Ciberespaço; - Os três competindo por recursos (Água, Energia, Alimentos e Minérios), mercados e tecnologias - e com a China e os EUA envolvidos numa competição pela formatação dos sistemas comercial, monetário e financeiro mundial; - Os três competindo por aliados - que lhes permitam reforçar o seu potencial estratégico e geoeconómico. b) De um período de grande turbulência política no mundo muçulmano, nomeadamente nas regiões de grande concentração de reservas de petróleo e gás natural do Golfo Pérsico e do Cáucaso e Ásia Central. c) De uma multiplicação de crises em Estados de África resultantes da combinação dos impactos das alterações climáticas (com as questões da

água em destaque) com a disfuncionalidade de Estados, divididos por questões étnico-religiosas originando uma sucessão de vagas de migrações para a Europa. [ver figura abaixo]

hídricos: • A Índia e a China deparam-se com grandes problemas de escassez física de água embora com intensidades diferentes em termos regionais; • Os Estados das bacias

GEOPOLíTICA & ESTRATÉGIA - DOIS TRIÂNGULOS CHAVE BNO HORIZONTE 2050

EUA

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ARÁBIA SAUDITA

IRÃO

ÍNDIA

3.1. Recursos hídricos nos triângulos geopolíticos centrais A observação do Mapa permite concluir que em qualquer dos dois triângulos que referimos se vão acentuar os impactos de níveis de escassez – física ou económica de recursos

RÚSSIA

CHINA

energéticas do Golfo Pérsico e do Mar Cáspio deparam-se com problemas de escassez física efetiva e potencial de recursos hídricos.

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# OPINIÃO TRIÂNGULOS GEOPOLÍTICOS E ESCASSEZ DE RECURSOS HÍDRICOS

4. TECNOLOGIAS, ATIVIDADES E CRESCIMENTO MUDANDO DE SOLUÇÕES

• Phisical water scarcity: More than 75% of river flows are allocated to agriculture, industries or domestics purposes [accounting for recycling of return flows]. This definition of scarcity - relating water availability to water demand - implies that dry areas not necessarily water-scarse, eg Mauritania. • Approaching phisical water scarcity: More than 60% of river flows are allocated. These basins will experience physical water scarcity in the near future. • Economic water sacarcity: Water resources are abundant relative to water use, with less than 25% of water from rivers withdrawn for human purposes, but malnutrition exists. These areas could benefit by development of additional blue and green water, but human and financial capacity are limiting. • Little or no water scarcity: Abundant water resources relative to use. Less than 25% of water from rivers is withdrawn for human purposes.

Apenas como tentativa exploratória não queremos deixar de referir atividades e tecnologias que poderão ser cruciais para o crescimento no Horizonte 2050, por se irem difundir até lá, e em grande escala, em consequência de seis dinâmicas que vão ocorrer nas economias desenvolvidas, e nalgumas economias emergentes mais avançadas: 1) A reorganização completa do funcionamento das sociedades e do relacionamento dos indivíduos e dos objetos em torno da conetividade digital, do ciberespaço e da realidade virtual, permitindo simultaneamente mais eficiência, inovação e mobilização de competências, mas criando muito maior vulnerabilidade a ciber ataques contra redes centralizadas que distribuam bens ou serviços infraestruturais. 2) A reorganização da base de produção e de

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distribuição de bens assente na produção de objetos multifuncionais obtidos por fabricação aditiva e integração robótica. 3) Um papel central dos materiais estruturais e funcionais com base no carbono (fibras de carbono, nanotubos de carbono, grafeno etc.), reorientando a transformação dos hidrocarbonetos para este tipo de materiais e para compostos mais ricos em hidrogénio, utilizáveis na área da energia. 4) A reorganização da base energética das economias e das sociedades contando com a combinação de: • Produção descentralizada de eletricidade, calor e água a partir da transformação - sem queima - do gás natural (células de combustível); • Produção de eletricidade renovável em terra acoplada a novas baterias (ex: flow bateries) ou outras formas de armazenamento de energia; • Produção centralizada de eletricidade com base no “novo nuclear” - ex.;

• Tecnologia dos reatores nucleares compactos - “small nuclear power reactors” - de fabricação modular funcionando a urânio enriquecido (ex: reatores GT-MHR) e arrefecidos a gás ou Tecnologia dos reatores nucleares funcionando a tório e com arrefecimento “molten salt” com geração de eletricidade e calor.

• Primeiro ensaio de soluções de geoengenharia para mitigar efeitos das alterações climáticas, num contexto de regresso ao Espaço, cada vez mais importante em termos estratégicos e económicos.

5) Generalização de soluções elétricas (com e sem condutor) para mobilidade urbana (com baterias) e para longas distâncias (com células de combustível) e Generalização dos drones para finalidades de distribuição e logística e para funções de controlo e segurança. 6) Os recursos hídricos na liderança da “economia circular” nas metrópoles. E pensando no Horizonte 2050 gostaríamos de referir a possibilidade de nesse horizonte se assistir à: • Primeira fase de difusão de soluções de fusão nuclear em dispositivos compactos, resultantes do investimento nas áreas da Defesa e do Espaço; REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO

Nações, identidades e estados nacionais em 2050? Passado, presente e futuro do nacionalismo José Manuel Sobral Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Licenciado em História e doutorado em Antropologia pelo ISCTE. É Investigador Principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. No seu trabalho de investigação tem-se dedicado a várias áreas de estudo em que se destacam as estruturas sociais, a família e o parentesco, a memória social, o nacionalismo, quer no caso português quer em termos comparativos, e os estudos sociais da comida. Foi Presidente da Associação Portuguesa e de Antropologia e é o Diretor da revista Análise Social. Tem publicado dezenas de ensaios em revistas e livros, quer em Portugal quer no estrangeiro.

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Mas a assunção da identidade nacional não é evidentemente incompatível com a de se sentir europeu e isto sucede com outras identificações. Uma parte do nosso

futuro será representada pela assunção de múltiplas identidades, … e essas identidades cosmopolitas não são incompatíveis com o possuir-se uma identidade nacional.


nações, identidades e estados nacionais em 2050?

Comemorações da Diada - Dia Nacional da Catalunha, que coincide com a derrota catalã na Guerra da Sucessão de Espanha (1714) 11/09/2014

N

esta minha opinião lida-se com fenómenos que são inteiramente racionais, mas que muitas pessoas costumam ligar ao irracional, na medida em que se encontram associados a emoções, como as vinculadas a coletivos nacionais.1 É-me impossível falar com rigor do que será a situação das nações, das identidades nacionais e dos estados nacionais em 2050, mas entendo que posso, com

alguma segurança, recuando ao passado histórico e debruçando-me sobre o presente, abordar, com algum grau de probabilidade, a sua dinâmica no futuro próximo. Podemos começar por nos interrogar sobre a sua situação no próprio quadro ibérico. Será que a Espanha, tal como a conhecemos hoje, ainda existirá em 2050? Provavelmente não, mas ninguém sabe como evoluirá a configuração deste Estado. E se em Espanha as questões do nacionalismo se colocam de um modo nítido, dada a existência de

nacionalismos secessionistas, qual será a situação em países como Portugal? Aqui não existem identidades em confronto com a identidade nacional portuguesa, mas esta encontra-se associada a um Estado que tem perdido muito do seu poder soberano para os órgãos de uma entidade supranacional, a União Europeia. E o que ocorrerá com esta última, que se encontra em mudança, sob o impacto de crises profundas - da crise económica iniciada em 2007 à mais recente crise dos refugiados - que tornaram

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Sobre a necessidade de ter em conta a dimensão emocional na análise dos laços de pertença nacional, sem a opor ao racional, ver Montserrat Guibernau, Belonging: Solidarity and Division in Modern Societies, Cambridge, Polity Press, 2013, pp. 144-156. REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO particularmente nítidas as assimetrias de poder entre os diversos países, acentuando perceções de estatuto e tratamento desigual? Nem mesmo podemos prever quais os efeitos para a União Europeia dos resultados do referendo sobre a permanência do Reino Unido no seu seio. Neste texto proponho-me evocar de um modo necessariamente muitíssimo simplificado os seguintes temas, que se encontram imbricados: 1. A situação dos estadosnações, das identidades nacionais e dos nacionalismos no presente; 2. A emergência histórica diferenciada destas realidades; 3. A razão da importância das identidades nacionais; 4. A persistência destes fenómenos e a sua importância no futuro próximo.

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1. A globalização, os estados nações e o nacionalismo no presente Vamos tentar recuar há umas décadas - uns 20 ou 30 anos - à era do otimismo, que foi para a Portugal a dos primeiros anos subsequentes à integração na UE. Era uma época em que o dinheiro fluía, e em que a economia portuguesa crescia.2 Em termos globais, a mobilidade acelerava-se, com as migrações do Sul para o Norte, com as deslocações dos gestores que acompanhavam o crescimento das transnacionais. Os próprios académicos viviam um período de movimentação transnacional sem precedente, tornando-se presença comum nos aeroportos, experiência que não será estranha ao favor com que muitos terão aceite a ideia de se ter entrado num mundo “pós-nacional”. O mundo dos estados-nações seria

uma parte do passado, pois a sua soberania estava a esfarelar-se dado o peso das entidades internacionais em que muitos se haviam integrado, como a UE ou a NATO, e o nacionalismo, a ideia de que a cada coletivo nacional devia corresponder um estado próprio, e de que a nação era uma comunidade preeminente a quem era devida uma lealdade inquestionável, estaria em vias de extinção.3 Parecia-me ser este o discurso dominante, ou pelo menos uma força da maior influência no início dos anos 90. O que era impressionante era o facto do anúncio do fim à vista do nacionalismo ou da soberania nacional coincidir com a irrupção de fortes movimentos nacionais e o surgimento de novos estados, que acompanharam o desmantelamento de complexos multinacionais como a URSS e a

Fernando de Sousa, “Portugal e a União Europeia”, Revista Brasileira de Política Internacional, 43 (2), 2000, pp. Este é, em termos genéricos, o ponto de vista subjacente a uma das obras mais influentes sobre o nacionalismo, a de Eric H.obsbawm, Nations and Nationalism since 1780: Programme, Myth, Reality, Cambridge, Cambridge University Press, 1990. Uma obra dessa época, em que se insistia na superação dos laços nacionais e na erosão do papel do estado-nação, é a de Yasemin N. Soysal, Limits of Citizenship. Migrants and Post-National Membership in Europe, Chicago, University of Chicago Press, 1996. 3

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Jugoslávia. Ou com a afirmação nacionalista que acompanhou a ascensão económica da China a partir da década de oitenta.4 A representação dos estadosnações e do nacionalismo como algo do passado, articula-se a uma narrativa ainda hoje influente. Esta vê a globalização de um modo positivo, numa perspetiva aberta ao internacionalismo, que vê as migrações como a

marca de uma cultura aberta e que falará em múltiplas identidades em vez de uma tratada como preferencial, a ligada ao estado-nação. Ela tenderá a ver com otimismo instituições como a UE, que protegerá pequenos países, e mesmo reconhecendo que houve uma deslocação da produção industrial para a Ásia, defende que a liberalização do comércio beneficia produtores e consumidores.5

Quem olha agora para as muralhas físicas e outros tipos de obstáculos à livre circulação que se estão a erguer entre países que fazem parte da Área de Schengen, vê que vivemos num mundo muito mais difícil do que o da visão antevista de uma Europa sem barreiras, por exemplo. É um facto indubitável que muitas das soberanias nacionais enfraqueceram quer por força do poder das grandes empresas transnacionais, que

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Apesar da importância dessa visão dominante, esta é também uma época marcada por uma ressurgência significativa dos estudos sobre o nacionalismo, em que se inserem perspetivas que a contradizem. Ver Athena S. Leoussi. “Introduction: Nationalism and the owl of Minerva”, Nations and Nationalism, 22 (2), 2016, 205-209. 5 A narrativa que se lhe contraporá, pelo contrário, chama a atenção para os prejuízos sofridos pelas classes trabalhadoras, que sentiriam a pressão da imigração sobre o seu nível salarial e os serviços públicos, a diluição da identidade de comunidades com uma história longa, a diminuição do poder democrático, e veem os políticos como incapazes de satisfazer as suas aspirações. Transcreve-se esta representação por estabelecer uma boa síntese da narrativa sobre o enfraquecimento das nações e do nacionalismo a que nos reportamos e por não concordarmos com todos os termos da análise; ver Gavin Hewitt, 24-05-2016, “Widespread revolt against the political centre”, http:// www.bbc.com/news/world-36357617. REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO têm um volume de capital superior ao do produto muitos dos estados existentes no mundo, quer devido ao facto de se terem inserido em grandes organizações, como é o caso da NATO, da União Europeia, que assumiram competências outrora monopólio do poder de Estado. A situação da soberania nacional de cada Estado, mesmo no contexto europeu, está longe de ser homogénea. Há estados que foram perdendo claramente soberania ao longo não só de décadas, mas de séculos, muito antes de se pensar na construção europeia. Portugal é um desses estados. Nunca foi um poder importante em termos europeus, mas o seu império, que conhece o seu ocaso no universo censurado e que impedia comparações do Estado Novo, obscurecia essa realidade, sustentado algumas ilusões nacionalistas de grandeza. Todavia, na União Europeia, a mais ambiciosa de todas as construções supranacionais, o peso dos estados nacionais está

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longe de ser homogéneo. Como seria de prever, as assimetrias económicas e demográficas acabariam por ter, como sempre, uma tradução no plano político, e o núcleo central da União faria sentir a sua força. O estado alemão, em particular, dispõe hoje de um poder na Europa inteiramente nas antípodas da sua situação desde o fim da segunda Guerra Mundial, quando teve que se confrontar com a sua ocupação, divisão, ruína financeira - de que apenas saiu com o perdão da sua dívida - e um estigma moral horrendo ligado às práticas de extermínio racista do Terceiro Reich. O seu poder impôs-se na conjuntura de crise da dívida que tem vindo a afetar sobremaneira os países da orla sul da zona euro, os vulneráveis, beneficiando, entretanto, do apoio de outro dos grandes estados do núcleo europeu, a França, interessado em beneficiar, por “egoísmo nacional”, de taxas de juro extremamente baixas, enquanto sucedia exatamente o oposto com países como a Grécia, Itália, Espanha

e Portugal.6 O exercício público ostensivo desse poder, acompanhado da formulação de estereótipos coletivos sobre os PIGS, um acrónimo percecionado como insultuoso, levou o recentemente falecido sociólogo Ulrich Beck a apontar para os perigos dessa hegemonia num pequeno livro intitulado “Europa Alemã”.7 A exibição de força e supremacia alimenta o ressentimento dos tratados de modo subalterno e exacerba as tensões nacionais reativando as memórias dos tempos em que a Alemanha quis dominar o continente. Mas não são apenas os estados mais poderosos quem reivindica soberania nacional. O estado polaco, que de qualquer maneira representa um país com perto de quatro dezenas de milhões de habitantes, também o faz, a partir do momento em que o seu governo conservador toma medidas que põem em causa o seu cumprimento de valores constitucionais defendidos na UE ou pondo em xeque decisões da União Europeia

A expressão entre aspas, bem com a apreciação dos efeitos políticos das taxas de juro, são retirados de Thomas Piketty, Chronicles, Londres, Penguin/Viking, 2016, 103-105. 7 Ulrich Beck, A Europa Alemã - De Maquiavel a “Merkievel”. Estratégias de Poder na Crise do Euro, Lisboa, Edições 70, 2014.

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vive nas regiões em que se encontram mais presentes uma situação de guerra civil ou quase.9 Temos a questão da Ucrânia, um enorme país profundamente dividido em termos etno-nacionais, com uma importante minoria russófila a leste. Nenhuma das grandes potências viu enfraquecer o seu nacionalismo oficial.

em matéria de imigração. E o mesmo acontece, entre outros, num país mais pequeno, como a Hungria, também sob o controlo de um governo conservador.8 Também o movimento político de rejeição da política de austeridade, que levou o Syriza ao poder na Grécia assentava numa reivindicação de soberania nacional assente no sufrágio eleitoral democrático; mas esta foi esmagada, de modo implacável. O nacionalismo torna-se visível sobretudo por intermédio das suas manifestações mais espetaculares, que envolvem grandes conflitos. O conflito

entre Israel e os palestinianos, com décadas de história, está para durar, e o seu contributo para o ressentimento sentido nas sociedades muçulmanas face aos poderes dominantes ocidentais não pode ser menosprezado. Entre muitas outras questões nacionais por resolver encontra-se a questão curda, que afeta a União Europeia, a NATO e os países do Médio Oriente. Os Curdos serão entre 25 e 35 milhões. Foi-lhes negada a independência prometida na sequência da primeira Guerra Mundial e são uma minoria importante em vários países, com destaque para o Iraque, a Síria e a Turquia, onde se

Basta centrarmo-nos nos dois protagonistas principais da Guerra Fria, os Estados Unidos e a Rússia - enquanto sucessora da União Soviética - para perceber como o nacionalismo permanece bem vivo. No discurso nacionalista oficial norteamericano continua presente a ideia de a América ser uma nação redentora, a terra da democracia; a conceção messiânica de os americanos serem um “povo eleito” por Deus - um tópico comum a múltiplos nacionalismos, retomado da associação dos Israelitas a Deus na Bíblia deve ser tida em conta para explicar o comportamento político do seu estado. Se

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Ver: “Poland’s changes to court system endanger democracy”, The Guardian, 29-02-2016, https://www.theguardian. com/world/2016/feb/29/polands-changes-to-court-system-risking-democracy; “Poland gets official warning from EU over constitutional changes”, The Guardian, 1-06-2016, https://www.theguardian.com/world/2016/jun/01/ poland-gets-official-warning-from-eu-over-constitutional-court-changes. 9 “Who are the Kurds?”, 14-03-2016, http://www.bbc.com/news/world-middle-east-29702440. REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO eles entram em conflitos que podem ser explicados em função de seus interesses estratégicos, e de uma racionalidade económica estrita - controlo de certas zonas e nomeadamente dos recursos petrolíferos no Médio Oriente - essas atitudes são acompanhadas - e propagandeadas - por discursos em que eles encarnam outras missões, como as da instituição ou salvaguarda da democracia e da liberdade.10 Quanto à Rússia, qualquer um de nós que tenha visto o Alexandre Nevsky ou o Ivan, o Terrível, de Sergei Eisenstein, produzidos no decurso da segunda Guerra Mundial, se lembrará do modo como a história da resistência a invasores do passado foi convocada para resistir aos exércitos hitlerianos. O mesmo orgulho nacionalista é exibido nas comemorações anuais da vitória sobre a Alemanha nazi - a “grande guerra patriótica”.11

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A narrativa nacionalista russa liga o passado medieval e czarista, cristão ortodoxo em que Moscovo surge como a terceira Roma, a depositária do verdadeiro cristianismo - à grandeza soviética, incluindo os feitos que tiveram lugar sob o estalinismo. 12 O nacionalismo, uma experiência fulcral do século XX, transitou para o século XXI. Para termos uma ideia das suas implicações, basta referir que há processos que começam com um simples tiro numa rua de Sarajevo e acabam com 60 milhões de mortos - assim sucedeu, na Grande Guerra de 1914-18, quando um nacionalista, que reivindicava a Bósnia para Sérvia, assassinou o herdeiro do império austro-húngaro. O ressentimento existente na Alemanha face aos resultados humilhantes da primeira Guerra Mundial, da qual ela foi tida como responsável principal, e que se traduziu na perda de território, no

confisco de equipamentos - até locomotivas e navios vieram para Portugal, que se encontrava do lado vencedor - , a que se somaram os efeitos devastadores da crise de 1929, levaram ao poder um movimento que pregava uma ideologia da luta de raças a nível mundial e levou a um conflito com dezenas de milhões de mortos e ao Holocausto. E a memória da Segunda Guerra Mundial está tudo menos esquecida, de Israel, cuja génese como estado-nação é indissociável da destruição das comunidades judias europeias, à Rússia, à China ou à Coreia do Sul, que não esquecem o comportamento do estado nipónico. O nacionalismo assente no trauma e no ressentimento é uma força virtual poderosa, que pode ser reativada em circunstâncias propícias. No presente, as próprias dinâmicas de centralização e unificação, como as

A expressão “última, melhor esperança da terra” é de Abraham Lincoln; citada em Susan-Mary Grant, “A Nation before Nationalism: The Civic and Ethnic Construction of America”, in Gerard Delanty e Krishan Kumar (eds.), The Sage Handbook of Nations and Nationalism, Londres, Sage, 2006, 527-540. 11 O primeiro filme, de 1938, debruça-se sobre os feitos de um príncipe russo do século XIII, que deteve uma invasão da Ordem Teutónica (alemã); o segundo, cuja primeira parte foi estreada em 1944, sobre a vida de um czar centralizador e despótico, que pôs fim às ambições tártaras de controlo da Rússia. 12 Sobre as raízes históricas do nacionalismo russo, ver Hobsbawm, op. cit.; sobre as atitudes nacionalistas atuais na Rússia, Ver Geoffrey Hosking. “Why has nationalism revived in Europe? The symbolic attractions and fiscal capabilities of the nation-state”, Nations and Nationalism, 22 (2), 2016, 210-221.

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nações, identidades e estados nacionais em 2050?

ligadas à União Europeia, são geradoras da intensificação nacionalista. O discurso que acompanha a campanha dos que defendem a saída da Grã-Bretanha da UE, defendem uma recuperação da soberania nacional e da democracia, tidas como enfraquecidas, que permita devolver poder ao Reino Unido, dando-lhe capacidade para seguir uma política de emigração restritiva em relação à defendida pelos órgãos da UE e assenta na recusa de um projeto federal, comandado pela Alemanha, o inimigo de 1914-18 e de 1939-45.13

como o basco. A própria União Europeia legitimou o aparecimento de novos estados nacionais, como os saídos da destruição da antiga Jugoslávia.

A perda de poder dos estados multinacionais propicia que nações sem Estado que existem no seu âmbito, isto é, coletivos que se consideram a si próprios como uma nação, reivindiquem um estado próprio. Encontram-se envolvidos nesta via os nacionalismos escocês ou catalão, mas haverá outros que poderão igualmente ser tentados a seguir esta via,

A reflexão sobre o impacto da globalização no desencadear de manifestações de defesa da identidade nacional não é nova. Há perto de vinte anos, Manuel Castells chamou a atenção para o facto de determinados “coletivos culturais” - comunidades de crentes religiosos, identidades locais e o nacionalismo serem reações defensivas ao individualismo e à

instabilidade estrutural - trazida às condições de trabalho e a valores - acarretadas pela globalização. Em seu entender seriam formas defensivas de resistência.14 Uma outra forma em que a globalização está associada ao nacionalismo ocorre no chamado “nacionalismo à distância”. Em que consiste? As últimas décadas foram, como sabemos, marcadas pela migração massiva. Simplesmente outrora, há 100 anos e antes, emigrava-se no vapor e com pouco dinheiro de países como Portugal ou a Itália, por exemplo, para

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Como se afirmava num editorial do influente tablóide The Sun, o periódico com maior tiragem na Grã-Bretanha, publicado depois da conferência e em que se apelava à saída do país da UE: “Se ficarmos, a Grã-Bretanha será engolida em muito poucos anos por este estado federal sempre em expansão dominado pela Alemanha”. The Sun, 13-06-2016, “Sun Says: We urge our readers to beLeave in Britain and vote to quit the EU on June 23”, https://www. thesun.co.uk/news/1277920/we-urge-our-readers-to-believe-in-britain-and-vote-to-leave-the-eu-in-referendumon-june-23/ 14 Manuel Castells, The Information Age: Econmy, Society and Culture, vol. II, The Power of Identity, Oxford, Blackwell, 1997. REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO destinos longínquos como o Brasil ou os EUA. Havia cartas, mas não telefones, as viagens eram caras. Hoje em dia tudo isto mudou. Vivemos na era da EasyJet, da Ryanair, da internet, do telefone, que dão outra vida às relações sociais e económicas, às relações emotivas, entre quem partiu e quem ficou. Esta modalidade de nacionalismo não é uma realidade nova, o incremento da mobilidade e das comunicações permitiu uma articulação muito mais fácil, imediata. Sem diáspora judaica não haveria Estado de Israel, sem diáspora irlandesa não teria existido naquela ilha quase sem árvores e sem montanhas facilitadoras, em princípio, de uma guerra de guerrilha, a luta armada que existiu contra o império britânico, na época da luta pela independência irlandesa a maior entidade política à face da terra. Na Sérvia, alguns dos dirigentes que se distinguiram pelo nacionalismo violento e xenófobo, provinham da diáspora nos EUA; o próprio Slobodan Milosevic chegou

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a trabalhar em Nova Iorque.15 A Arménia ou a Eritreia são exemplos de outras diásporas nacionalistas importantes. O “nacionalismo à distância” mostra como a globalização e a era do digital servem de suporte à nação como rede transnacional.

2. A emergência histórica diferenciada destas realidades Aquilo a chamamos nações, estados-nações ou identidades nacionais são factos históricos, produto de processos sociais, económicos, culturais e políticos. Há estados antigos, reinos que se transformaram ao longo do tempo cultural e emotivamente em nações, isto é que começaram por ser realidades no âmbito político e só posteriormente se transformaram em realidades culturais partilhando a mesma língua, por exemplo, mitos de uma origem étnica ou crenças religiosas comuns - e em dimensões importantes da

experiência de vida coletiva e individual, capazes de levarem ao sacrifício, no caso das guerras, ou, a um nível muito menos extremo, de nos conduzirem a ver e aplaudir uma seleção de “todos nós”, como sucedeu, no decurso do Euro 2016. Portugal, surgido de um reino medieval peninsular, é um desses casos, como o é a Inglaterra, mas não o Reino Unido, por exemplo, que resultou da união dos reinos da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda e da incorporação do País de Gales. Esses processos, que envolveram conflitos profundos, deram lugar a uma história diferenciada. Se existe uma identidade britânica, e a língua da nação hegemónica se transformou no idioma dominante, reconhecem-se - do plano constitucional ao cultural e desportivo outras identidades nacionais diferenciadas. Há hoje sociedades que a maioria considera como estadosnações, que são resultado da agregação de outras formações políticas com

Sobre o “nacionalismo à distância”, ver : Nina Glick-Schiller e Georges E. Fouron, Georges Woke up Laughing: Long-Distance Nationalism and the Search for Home, Durham e Londres, 2001, Duke University Press; Benedict Anderson, The Spectre of Comparisons: Nationalism, Southeast Asia and the World, Londres, Verso Books, 1998. As referências à diáspora sérvia e a Slobodan Milosevic na banca em Nova Iorque encontram-se em Birgit Bock-Luna, The Past in Exile, Berlin, Lit Verlag, 2007, p. 20.

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nações, identidades e estados nacionais em 2050?

uma cultura diferenciada: é o caso da França, que englobou a Bretanha e a Córsega, uma antiga colónia da República de Génova, por exemplo, primeira sociedade europeia onde houve uma República inspirada por ideais nacionalistas no século XVIII, bem como muitas outras regiões culturalmente distintas, desde o país basco no Sudoeste, ao Russilhão, outrora parte da Catalunha, no Sudeste, sem esquecer a Sabóia e Nice, esta última terra natal do patriota italiano Garibaldi, cedidas à França no decurso do processos de unificação italiana. A formação de Estados que reivindicam ser nações, ocorreu desde o século XVIII - com os EUA - prosseguiu no XIX, com as repúblicas latinoamericanas, com a Irlanda e continuou com as lutas anticoloniais subsequentes a 1945. E prosseguiu na Europa com o colapso da URSS e da sua zona de influência. É claro que a antiguidade e a celeridade com que em determinados estados se procedeu à uniformização cultural, nomeadamente a que ocorre através do Estado, explicam a existência

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ou não de mais do que a uma identidade nacional. Em Portugal, nunca existiu uma identidade coletiva a concorrer em importância com a nacional. Mas o mesmo não sucede em países onde o Estado se formou em resultado da agregação de outras entidades político-culturais, como ocorreu no caso do Reino Unido, da Espanha, ou da Bélgica, entre outros, o que explica a manutenção de focos de diversidade e de concorrência com a identidade coletiva oficial promovida pelo Estado.

3. A importância das identidades nacionais É importante fazer a distinção, muito simples e mesmo simplista, entre o nacionalismo como ideologia e o nacionalismo como sentimento. A ideologia nacionalista, que proclama que cada coletivo cultural, definido como uma nação, deve ter um Estado próprio, é algo de recente, diria surgido nos últimos três séculos, tendo sido difundido a partir do topo, das elites, dos doutrinadores, através

do aparelho do estado, dos meios de comunicação etc.. Mas o segundo é muito mais difundido. É o complexo emotivo que liga as pessoas à terra em que nasceram, à sua língua, ao que se identifica como sendo parte da mesma comunidade - e onde se inserem expressões de hostilidade ao outro, que podem ser convertidas em comportamentos de ódio. A xenofobia está presente no nacionalismo que Michael Billig designou como banal, ou seja, o que não irrompe nos momentos excecionais, como os de conflito, mas o de todos os dias em que reproduzimos, mesmo sem ter consciência de o fazer, a divisão entre “nós” e os “outros”.16 Neste último sentido, que é extremamente importante e sem o qual o outro não existiria, o sentimento nacionalista é algo que emerge da perceção de se ser semelhante a uns - e diferente de outros -, de se pertencer a um dado povo, que se distingue por possuir uma “essência” que lhe é própria, determinados traços de personalidade, o chamado “carácter nacional”. Este é uma ilusão, dada a heterogeneidade de todos

Ver Michael Billig, Banal Nationalism, Londres, Sage, 1995. REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO norte-americanos ou outro povo qualquer.

os coletivos nacionais, mas o importante é a crença que ele existe. As identidades nacionais são-nos muito caras, pois são parte da nossa própria identidade pessoal. É como se pertencêssemos a uma superfamília, mau grado as divisões profundas no seio das nações. Nenhum de nós passa a vida a pensar na identidade nacional, a não ser que a tome como objeto de análise. Assumimos sem questionar o sentido de sermos um povo, os portugueses, temos uma terra que é nossa, temos uma língua própria, aquela que manejamos melhor, 17

antepassados que estão nos cemitérios e que a gente se lembra, antepassados míticos, como os Lusitanos. O território que identificamos como Portugal ainda será o local que conhecemos melhor, mesmo que não conheçamos grande parte ou mesmo a maior parte dele. Possuímos uma ideia abstrata do mesmo, adquirida através do aprendizado da geografia e vivemos num espaço inserido nesse território. Tudo o que define a identidade nacional foi-nos lentamente inculcado na esfera privada da família, na escola, na vida pública e foi incorporado por nós. O que se passa com os portugueses passa-se com os

O sentimento de pertença nacional contribui para aquilo a que o sociólogo Anthony Giddens chamou “segurança ontológica”. Esta implica a perceção de que se vive num mundo estável e previsível, onde aquilo que nos rodeia tem uma determinada estabilidade que confere segurança e previsibilidade ao nosso próprio eu.17 Temos uma familiaridade com o ambiente, que se nota, por contraste, quando nos encontramos a procurar comunicar no estrangeiro, num aeroporto alemão a pedir uma informação em inglês, por exemplo. A identificação nacional confere-nos igualmente uma imortalidade simbólica, quer dizer, integra-nos num povo com uma determinada história, que se contrapõe a outros, com outras histórias, diferentes. É por a pertença nacional possuir esse valor afetivo que as pessoas não só morreram pela pátria, mas mataram em seu nome. O tópico vindo da literatura e muito repetido do Pro patria mori foi sucessivamente reatualizado para servir ideais

Anthony Giddens, The Consequences of Modernity, Stanford, Stanford University Press, 1990.

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patrióticos e nacionalistas contemporâneos.18

podem constatar.

Para além disso, possuir uma identidade nacional é o suporte de coisas muito pragmáticas, da existência de redes de ajuda multinacionais, nomeadamente as de carácter económico. As experiências de migração dependem fundamentalmente de dois tipos de rede: a rede da família e dos amigos mais próximos, que é a daqueles que se conhecem face a face e a rede daqueles que são dos nossos. É assim que, estabelecida uma espécie de cabeça-de-ponte nos EUA, no Brasil, na Alemanha, na França vão indo outros da mesma aldeia, da mesma família, da mesma terra, no sentido local, mas também da terra, no sentido de pátria, e levam as suas diversas bandeiras com seus pastéis de nata, levam os seus cafés, levam o bacalhau, etc., como todos os que têm a experiência de frequentar zonas de fixação da emigração portuguesa em locais como Paris, ou, mais recentemente, Londres,

4. Uma recorrência previsível do nacionalismo no futuro próximo Não tenho dúvidas de que as identidades nacionais, os estados-nações e os conflitos de natureza nacionalista terão uma grande importância na nossa história futura. Tanto a questão nacional curda como a questão palestiniana estão em aberto. Talvez o ISIS, ou outras interpretações fundamentalistas do Islão, não dessem origem nos dias de hoje às manifestações

violentas da atualidade, se os gravames das populações muçulmanas, que sentem, por exemplo, que os palestinos são tratados de uma forma profundamente injusta e desigual, em comparação com os israelitas, tivessem sido enfrentados numa época em que o nacionalismo árabe laico era influente. Ora, as potências ocidentais procuraram destruir esse nacionalismo por eles se lhes afigurar contrário aos seus interesses. Isso sucedeu com o derrube em 1953 no Irão do regime de Mossadegh, por ter nacionalizado a produção de petróleo, o

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O seu autor é o poeta latino Horácio e a frase completa é “Dulce et decorum est/Pro patria mori” (É doce e honroso morrer pela pátria). O modo como o tópico foi alvo de reutilizações ao longo dos séculos foi analisado pelo historiador Ernst Kantorowicz num ensaio célebre. Ver E.K. Mourir pour la Patrie, Paris, PUF, 1984 (há tradução portuguesa). REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO ataque ao Egipto de Nasser, em 1956, na sequência da nacionalização do Canal do Suez, a destruição do regime nacionalista laico, indubitavelmente tirânico, de Saddam Hussein no Iraque com pretextos falsos, a do de Khadafi, etc.. A questão curda reapareceu em força com a dissolução dos estados do Iraque e da Síria, onde constituem grupos étnicos importantes e se encontram organizados militarmente. Não se vê fim à vista nos conflitos no Médio oriente e no Norte de África (Líbia), os principais dos quais desencadeados na sua forma atual por intervenções ocidentais. Estas, representadas como iniciativas para implantar a democracia, não só não conduziram a este resultado, como conduziram mesmo à fragmentação e à falência da organização estatal. Esta liquidação de um nacionalismo árabe laico parece ter deixado lugar para o messianismo islâmico, que agora ataca nos países ocidentais.19 Estas manifestações estão,

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por sua vez, a alimentar a reação nacionalista contra as comunidades islâmicas e alimentam as reações de hostilidade e xenofobia face a refugiados e imigrantes na União Europeia, maioritariamente oriundos de países islâmicos. Esse tipo de reação opera pela redução das identificações múltiplas de todos os humanos - de classe, género, educação, religiosas, políticas, sexuais, etc. - a uma única, tida como determinante. Assim, nesta visão, quem venha de um país muçulmano é percecionado e representado como um ser irremediavelmente preso a uma leitura messiânica violenta, ou seja, um terrorista em potência.20 Devemos ter em conta a dimensão “camaleónica” do nacionalismo. Queremos dizer com esta expressão que ele possui faces benignas e democráticas - foi o cimento da resistência ao nazismo - e faces xenófobas e racistas. Perdura, porque retira a sua força de múltiplas matrizes, como a perceção de uma ameaça externa ou de uma

ameaça interna ao núcleo dito nativo. Os nacionalistas ucranianos receiam os russos, que os reprimiram, as populações russófilas do leste da Ucrânia têm medo destes últimos identificados com a memória dos fascistas no período da segunda guerra mundial. O receio face aos imigrantes leva ao crescimento de organizações nativistas e xenófobas, como o UKIP na Grã-Bretanha ou a Frente Nacional em França. A extrema-direita cresce em países que eram tidos como os referentes principais do acolhimento e da tolerância, como os escandinavos.21 A hostilidade ao emigrante estrangeiro, apontado como o responsável por situações que afetam os mais frágeis em cada sociedade nacional, como os salários baixos, a precariedade e o desemprego, cresce um pouco por toda a parte. É recorrente nos Estados Unidos. Veja-se como exemplo as propostas de Donald Trump em que os imigrantes são oferecidos como um “bode expiatório”, propostas cujo bom

Stein Tonnesson, “Will nationalism drive conflict in Asia?”, Nations and Nationalism, 22 (2), 2016, 232. Sobre a redução das identidades múltiplas de uma pessoa a uma única dimensão, com uma referência explícita aos muçulmanos, Amartya Sen, Identity and Violence: The Illusion of Destiny, Londres, Allen Lane, 2006. 21 Ver Gavin Hewitt, art. citado. 20

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nações, identidades e estados nacionais em 2050?

acolhimento em largas franjas do eleitorado, se deve ao facto de muitos americanos sentirem que vivem num ambiente de crise. E sentem-no, porque uma parte da sua base de apoio provém de uma classe trabalhadora angustiada pelo destino de indústrias dos Estados Unidos que desapareceram ou estão em declínio profundo, etc.22 Enfim, a crise na União Europeia alimenta perceções muito difundidas de injustiça. A injustiça de que a Escócia perde mais estando no Reino Unido do que aquilo que beneficia, a injustiça de que a Catalunha perderá mais do que ganha permanecendo no Estado espanhol. E, evidentemente, ao nível individual, a perceção de que os membros da classe trabalhadora estão a perder na Europa pós-crise, o que os está a afastar do voto no centro-esquerda.23 A mão-de-obra emigrante é responsabilizada pela baixa de salários ou pela ausência de

emprego, como já aconteceu no Reino Unido em relação a emigrantes portugueses contratados para trabalhar na construção de uma refinaria de petróleo gigante, ao abrigo da revindicação nacionalista do “Empregos britânicos para trabalhadores britânicos”.24 Neste momento, uma boa parte da indústria siderúrgica britânica, que havia sido adquirida pela família indiana Tata está sob ameaça do aço chinês. Estão 40 000 postos de trabalho em risco, direta e indiretamente, e chegou-se a aventar a hipótese de nacionalizar pelo menos uma parte dessa indústria, o que sempre colocaria problemas face às regras vigentes a este respeito na UE.25 O peso da humilhação está também muito ligado à ascensão do nacionalismo, e neste, como noutros casos, o passado ajuda-nos a entender o presente e a antever o futuro com maior ou menor probabilidade. Já

falámos no que representou para a Alemanha a derrota em 1914-18. Mas podemos refletir nas humilhações sofridas pela Rússia com o fim da URSS e que são retratadas de uma maneira sintética, mas muito interessante num ensaio recente de José Milhazes. Este, que é muito crítico da liderança russa atual, mostra como a Europa não só não terá respeitado compromissos verbais feitos a Gorbatchov aquando da implementação das políticas da Glasnost (transparência) e da Perestroika (reestruturação) - como o de dissolver a OTAN e não a levar até às fronteiras russas, que seria uma contrapartida da dissolução do Pacto de Varsóvia -, como tolerou com benevolência a apropriação massiva de bens públicos e o aparecimento da oligarquia e ilegalidades flagrantes. Entre estas, encontra-se o bombardeamento em 1993 do Soviete Supremo russo

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Em Flint, no Michigan, onde a GM reduziu os empregos na indústria automóvel em perto de 90% em menos de quatro décadas, a imposição de uma política de cortes orçamentais levou a captar água para usos domésticos no rio local fortemente contaminado. Ver http://www.reuters.com/article/us-michigan-water-idUSKCN0Z32E8 (17-062018). 23 T. Piketty, “The Double Hardship of the Working Class”, in Chronicles, op. cit., pp. 156-158. 24 “Strikes apread across Britain as oil refinery protests escalate”, The Guardian, 30-01-2009, https://www.theguardian. com/business/2009/jan/30/oil-refinery-dispute 25 Ver “Tata Steel UK: What are the Options?”, BBC World News, 31-03-2016, http://www.bbc.com/news/ business-35933901 REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO eleito democraticamente, ordenado por Boris Yeltsin, ou a falsificação dos resultados das eleições de 1996, para dar fraudulentamente a vitória àquele. Todos estes fatores, acompanhados da tentativa de retirar protagonismo à Rússia no plano militar, explicam a génese do regime de Putin, com a agressividade externa que tem mostrado, que, se provoca hostilidade e medo - sobretudo nos países fronteiriços e que outrora foram parte URSS - levando a reações nacionalistas antirussas em cadeia, por outro, consolida, pelo apego ao nacionalismo próprio, o apoio que mantém a nível interno, não obstante o declínio da economia russa nos últimos anos.26 Os conflitos nacionalistas podem vir a agravar-se em função das questões da hegemonia no mundo multipolar em que cada vez mais vivemos, como ocorre com o ressentimento russo face à aliança entre a América do Norte e a União Europeia. Mas a China irá cada vez mais afirmar-se e a traduzir o impacto que já tem na economia globalizada

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no plano da política. A sua afirmação em África é conhecida, embora não tanto quanto as suas reivindicações sobre vastas áreas do mar da China, por onde estão habituadas a passar as esquadras norteamericanas. Há múltiplos conflitos em torno do controlo de matérias-primas e de recursos hídricos. A Rússia é uma grande fonte de hidrocarbonetos e de reservas hídricas para aquela área árida da Eurásia que é a zona da rota da seda. E deve ter-se em conta a Índia, uma grande potência emergente em termos económicos, políticos e consequentemente militares. Esta, como é sabido, está em confronto pelo controlo de território nacional com o Paquistão com o qual manteve várias guerras - e também teve já um confronto armado com a China. Os conflitos em torno das matériasprimas e dos recursos hídricos são inerentemente conflitos nacionalistas, pois está em causa a soberania de determinadas nacionalidades sobre esses espaços. Tendo estado no

seminário produzido pela APDA lembrei-me logo das questões relacionadas com as águas do Tigre e do Eufrates, envolvendo a Turquia e o Iraque, ou das questões da gestão do caudal do Nilo, envolvendo os interesses contraditórios da Etiópia e do Egito, por exemplo. Mas, apesar da ênfase que se coloca nas dimensões conflituosas, as mais evidentes, cada vez que se fala em nacionalismo - fala-se logo em líderes extremistas como a Le Pen ou no falecido Pym Fortuyn, em guerras - penso que o maior papel do nacionalismo, das identidades nacionais, é o de ele continuar a ser banal, a conferir sentido à nossa existência no quotidiano. Existe porque continuamos e continuaremos previsivelmente a viver uma vida num mundo dividido entre nós e os outros. Inquéritos como o Internacional Social Survey Programme (ISSP) ou o European Values Study mostram muito claramente que as pessoas identificam-se prioritariamente em termos nacionais - e não

José Milhazes, Rússia e Europa: uma parte do todo, Lisboa, FFMS, 2016; ver igualmente as observações do especialista em história russa Geoffrey Hosking em “Why has nationalism revived in Europe?”, art. cit., pp. 217-218.

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nações, identidades e estados nacionais em 2050?

enquanto europeus, por exemplo.27 Mas a assunção da identidade nacional não é evidentemente incompatível com a de se sentir europeu e isto sucede com outras identificações. Uma parte do nosso futuro será representada pela assunção de múltiplas identidades, identidades cosmopolitas e isso depois também estará ligado às posições sociais de classe, trajetória de vida, biografias de cada um e essas identidades cosmopolitas não são incompatíveis com o possuir-se uma identidade nacional. Na União Europeia, podemos evoluir para um modelo federal, supranacional, e continuar a ser portugueses, espanhóis, catalães, o que seja. O futuro o dirá. O presente é de crise. Não parece, portanto, que seja previsível, apesar do fim de determinadas fronteiras físicas, por exemplo no espaço Schengen, que desapareçam as fronteiras no sentido simbólico através das quais se materializam

identidades. As fronteiras são as das narrativas que conferem sentido aos coletivos, as das bandeiras, dos hinos, das cozinhas, as fronteiras das seleções nacionais, em suma, de tudo o que serve de suporte à identidade nacional. Até como mercadoria nacional o nacionalismo vai continuar a ser vendido no mundo global. Só para dar dois exemplos. Em Portugal, as lojas da Vida Portuguesa apostam decididamente pela “marca” nacional; mas a comercialização do “nacional” em Portugal não é nada em comparação com o que os britânicos fazem, que abrange a da imagem da própria rainha, algo tão visível neste ano em que ela comemora o seu nonagésimo aniversário. Mas o apego ao “nacional” não é apenas algo que tenha relação com o seu valor simbólico. Ele terá a ver com o facto de muitos cidadãos continuarem a confiar mais no seu estado-nação do que

em outras instituições, como as da União Europeia.28 Não sabemos como vai ser o futuro nesta matéria, a história o dirá. Mas a identificação maior ou menor com estas realidades irá variar em cada país e refletirá a conjuntura como ocorre na atualidade, em que a gestão da crise tem levado muitos a questionar a existência da própria União. Entretanto, tem não só de se ter em conta que continua a existir muita identificação com esta última, como o facto de ela possuir uma história muita curta, em comparação com a dos estados e das nações, onde formámos as nossas identidades.

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Dados sobre o ISPP em www.atitudessociais.org; Sobre o European Values Study, Loek Halman, Inge Sieben e Marga van Zundert (eds.), Atlas of European Values: Trends and Traditions at the Turn of the Century, Tilburg University, Brill, 2012, pp. 4-5. 28 Na opinião de Hosking - art. cit. - o estado-nação não só possui ainda um capital de confiança a nível muito superior em termos simbólicos, como também desempenha outras funções vitais, como a de gestor de riscos protegendo os mais pobres - e a de garante do que chama o “pacto fiscal”, isto é, a de que o que as pessoas pagam em termos fiscais, p. ex., lhes garante, pelo menos, alguma proteção contra acidentes, doenças, desemprego ou as implicações da velhice. REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO

RISCOS GEOPOLÍtiCOS E A CONFIGURAÇÃO DOS TERRITÓRIOS

Daniel Bessa

Economista, doutorado em Economia, pelo Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa. Foi Docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e da Escola de Gestão do Porto, onde exerceu funções como Presidente da sua Direção, até 2009. Foi Ministro da Economia do XIII Governo Constitucional entre 25 de outubro de 1995 e 28 de março de 1996. Foi Diretor-Geral da COTEC Portugal até fevereiro de 2016. Atualmente é Administrador e consultor de empresas. Tem publicado artigos científicos e de opinião em numerosas revistas e jornais.

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…não acredito, sinceramente, que Portugal, os 90 000 km2, possa vir a constituir um espaço de grande crescimento …. Muita da atividade que aqui poderá vir a instalar-se

terá que ver com a natureza costeira deste território, só fazendo sentido num mundo de relacionamento multilateral.


RISCOS GEOPOLÍTICOS

C

omeço este artigo por advertir, se tal me é consentido, que não venho a mais do que pensar alto, convosco, consciente da modéstia do meu contributo. Não tenho nem a ambição nem a capacidade de ir muito longe sem, evidentemente, deixar de me sentir estimulado por alguns dos desafios que vi enunciados pelos meus colegas de painel. Gostaria de saudar a natureza do exercício. Li os documentos que me foram enviados e considero que tudo isto está muito bem

pensado. Trata-se de um trabalho sério, o que não me admira muito. Penso que, como portugueses, o nosso ponto fraco não costuma ser esse. Até somos capazes de trabalhar e de pensar; temos, depois, deficits enormes em matéria de tomada de decisão e de capacidade de execução. Olhando para trás, seguramente já houve outros exercícios sobre o setor da água em Portugal e não é por falta de exercícios como este que sentimos algum desconforto com a situação que temos pela frente - que, do meu ponto de vista, tem mais que ver com questões de implementação e de execução do que

propriamente com questões de reflexão, de cenarização e de formulação estratégica. Impressionou-me que, logo à cabeça, tivesse havido uma referência a trabalhos similares levados a cabo noutras geografias, noutras circunscrições; considero isso muito importante. Vi referência a trabalhos realizados pela OCDE, ou pela Austrália, organizações, entidades e espaços onde estou habituado a ver as coisas bem feitas. Trata-se, enfim, de formulações e de propostas que vêm da cabeça e do trabalho de gente bem preparada, onde certamente encontrarão observações muito mais úteis do que todas REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO as que poderei ser capaz de enunciar, nomeadamente em matéria de grandes tendências. O que poderei, então, acrescentar? Confio nas tendências ligadas à ciência e à tecnologia. Penso que para haver regressão nessas tendências o mundo teria de mudar de alto a baixo. Se nos tornarmos um Daesh global, talvez a ciência e a tecnologia se vejam travadas. Mas, mesmo eles, são grandes consumidores de informática e de comunicações. Valorizam, e de que maneira, o conhecimento, que neste momento procuram adquirir um pouco por todo o mundo e que se empenham em transportar, de seguida, para o território que dominam. Apesar de, do ponto vista ideológico, se reivindicarem de uma enorme recusa da ciência, do progresso e do laicismo – não há nada mais laico do que a ciência -, na hora da verdade, e na hora de exercer o poder, mesmo essa gente socorre-se da ciência. Sucede o mesmo com outros inimigos jurados que temos, porque os vamos tendo. Não renegam a ciência; pelo contrário,

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utilizam-na, umas vezes de uma forma, outras vezes de outra. A velha União Soviética, que soçobrou no plano da luta política e ideológica, e no plano da competição económica, não deixou de ser a primeira a chegar ao espaço e coisas desse género, com realizações da maior importância do ponto de vista científico; e até as suas glórias desportivas, que, a seu tempo, tanto admirámos, se considera hoje que assentaram muito mais em ciência do que na altura poderíamos admitir. A ciência está aí, portanto, e há evoluções na frente científica que me parecem inexoráveis, juntando as tecnologias de informação, uma das áreas de maior avanço, com a ciência em geral. A água não é imune a estes desenvolvimentos. Estão em causa a informação e o conhecimento que temos, e que podemos ainda vir a ter sobre a água; e o uso que poderemos vir a dar a toda essa informação, e a todo esse conhecimento, na utilização que haveremos de fazer da água. Uma das áreas em que acredito que a Ciência não vai falhar, porque é um

dos seus desafios maiores, é a do ambiente e da sustentabilidade na utilização dos recursos. Penso que só um futuro que tenho muita dificuldade em conceber negaria, retrocederia em desenvolvimentos como aqueles a que estamos a assistir na internet, na informática, nas tecnologias da informação e da comunicação, ou em áreas como as dos materiais, da energia, dos recursos em geral, no sentido da sua utilização sustentável. Isto para dizer que acredito que, do ponto de vista científico e técnico, a água, como todos os outros recursos, vai ser objeto de um tratamento muito mais rigoroso, muito mais norteado por motivações de eficiência, de conservação e de sustentabilidade; acredito que tudo o que já está à nossa vista hoje, em dia, mais o que se anuncia, não deixará de se impor. Quem está no setor é quem melhor conhece o assunto, atrevendo-me apenas a emitir a opinião de que tudo o que possa ser antecipado em matéria de ciência deve ser tido em conta, porque virá, e virá para se impor, a menos que o mundo venha a conhecer um retrocesso que não quero imaginar.


RISCOS GEOPOLÍTICOS

Sobre outras grandes questões que nos rodeiam, coisas como sociedades mais abertas, ou mais fechadas, mais democráticas, ou mais ditatoriais, serei mais evasivo; tenho muito menos certezas. Mas mesmo nos cenários mais fechados, mais ditatoriais, mais opressivos, menos simpáticos do ponto vista da cultura e dos valores, considero que, mesmo aí, a ciência virá para ser adotada. Da mesma forma que me sinto bastante seguro no que se refere à ciência e à tecnologia, e às suas tendências, sinto grandes incertezas no que se refere ao que qualificaria de componentes mais de enquadramento, mais regulatórias da nossa área de atividade. Nessas frentes, e bastou ouvir as intervenções que me antecederam no seminário da APDA, as incertezas são imensas e tendências que tínhamos como adquiridas poderão vir a sofrer grandes retrocessos. Não sei, por exemplo, o que é que os robots (uma conquista tecnológica que veio para ficar) acabarão por fazer à globalização (uma das tendências que nos habituamos a considerar mais marcantes no nosso passado recente, de natureza

predominantemente políticosocial, diria regulatória). Em tudo isto, vejo predominantemente incerteza. Voltando à água, gostei muito de ver na documentação que li duas ideias centrais. Em primeiro lugar, a ideia de ciclo. Sendo economista, sobretudo um macro economista, achei imensa piada à ideia do ciclo porque, normalmente, o economista não se atreve a chegar tão longe. O autoclismo, como elemento do ciclo da água, é coisa de engenheiros e de gente da área do ambiente; não é coisa de economista. Normalmente, o economista fica-se por uma coisa mais curta, que designa de cadeia

de valor. Uma cadeia de valor é algo que tem um princípio, um meio e um fim. Algo onde há lugar a um conjunto de passos que devem ser considerados, ponderados e geridos (a minha exposição será, de agora em diante, mais sobre gestão do que sobre outra coisa qualquer) de um ponto de vista integrado. O mundo olha hoje mais claramente para as coisas como cadeias de valor; e uma cadeia valor é algo que tem que ser gerido de uma forma integrada. A ideia de ciclo remete-nos para uma cadeia de valor quase fechada, em que não há um princípio, um meio e um fim. No fim, volto ao princípio. Se bem avalio, do ponto de vista do ambiente, e da ciência, REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO

esta ideia do ciclo parece-me inexorável, tendo na água um dos seus principais pontos de aplicação. Como economista, e como gestor, olho para a água, como olho para qualquer outro recurso: algo que tem de ser gerido como uma cadeia de valor. Gerir como uma cadeia de valor (o Senhor Secretário de Estado foi muito claro sobre este tema) coisas como a captação e a distribuição em alta, e a distribuição em baixa - a cadeia de valor da água

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nas suas duas componentes mais à vista. Uma cadeia de valor é algo que só pode ser gerido como unidade e onde, desde o princípio, temos de saber onde e como se acaba. Considero esta a questão central: não posso gerir nenhuma cadeia de valor sem, desde o primeiro momento, saber qual é a sua finalidade, subordinando tudo o que se passa dentro da cadeia de valor ao seu momento culminante. Portugal queixa-se que tem ciência mas não tem

tecnologia. Temos ciência mas falta-lhe aplicação. Não se queixa, mas devia queixar-se, de que gasta dinheiro em ciência e não consegue rentabilizá-la. E nunca conseguirá rentabilizar a ciência sem, desde o momento em que começa a gastar dinheiro em ciência, o fazer com a noção de que a ciência se destina a ser rentabilizada. Se continuarmos a pensar que podemos ter ciência, por um lado, gerida sei lá como, por quem, e porquê, e a pensar que, depois, vamos transferir,


RISCOS GEOPOLÍTICOS

aplicar e valorizar essa ciência, é evidente que não pode dar certo; se estamos perante uma cadeia, esta tem de ser gerida como cadeia, em função da utilização final, desde o momento da conceção. A ideia de ciclo, no caso da água, exponencia esta necessidade de gestão integrada, tornando-a mais exigente, e mais premente. Gostei também muito da ideia do serviço, porque se encontra em linha com outra grande tendência das economias contemporâneas. Estamos cada vez mais longe dos bens, e cada vez mais perto do serviço, onde, portanto, não há bem que não tenha que ser pensado em função dos serviços de que está rodeado. A competitividade de um sistema, a competitividade de um espaço e, por maioria de razão, a competitividade de uma cidade, ou de uma área metropolitana, estão muito ligadas a serviços, ao conjunto de serviços que se mostram capazes de prestar. Não gostaria de ter um sistema que meta água nas canalizações e me diga, de seguida, “arranje-se”, ou “arranjem-se”. Gostaria de ter um sistema integrado, capaz de tornar competitivo

o espaço onde se integra. Gostaria de poder receber a água juntamente com um conjunto de serviços acoplados. Dispor, por exemplo, de um contador inteligente, que comunique, como no caso da eletricidade (algo que me fez sentir confortabilíssimo, a mim, que andava sempre atrapalhado por não ser capaz de fornecer as leituras do contador em tempo útil. Agora já não é necessário, porque o contador conta e presta a informação a quem de direito. Há, depois, um esquema de tarifas, que dependem da hora do consumo, que o contador também regista, e também comunica; a possibilidade de dispor de um aparelho que orienta o consumo para as horas de preço mais baixo, e assim sucessivamente). Estamos confrontados com tendências da economia, e com tendências de fundo. A tendência da cadeia de valor, por maioria de razão no caso da água, a partir do momento em que se nos apresenta como um ciclo. Há cada vez mais áreas de atividade em que, por razões de sustentabilidade, assistimos à redução de consumos, no limite a um

consumo zero (grandes empresas de retalho, por exemplo na área do vestuário, afirmam como meta para muito breve consumir zero de material, porque reciclam tudo). Cadeias de retalho que afirmam que a sua vantagem consiste no facto de estarem a preparar-se para deixarem de consumir material, porque só utilizam materiais reciclados. Tendências de fundo que se imporão, trazidas para a gestão por imperativos de sustentabilidade ambiental, que a inteligência acaba por transformar em argumentos de vantagem competitiva. Só uma regressão civilizacional enorme poderá fazer recuar uma tendência como esta. Há, contudo, espaços de incerteza. A ideia de cadeia de valor aponta hoje, normalmente, para segmentação e fracionamento das operações. Quando se olha para qualquer coisa em termos de cadeia de valor, tem-se ou a integração vertical (e, portanto, uma entidade que gere toda a cadeia de valor, inclusive do ponto de vista operacional), ou a especialização, com consequente segmentação (em que cada um se REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO especializa a fazer e a gerir aquilo em que é mais competente, entregando o resto, e é quase tudo, cada vez mais a terceiros). A necessidade de uma gestão integrada não desaparece; torna-se até mais premente, a partir do momento em que se assiste à segmentação e à fragmentação, do ponto de vista operacional. Sobre matérias deste tipo, como referi, já não tenho tanta certeza, nem tanta confiança. Há, no entanto, uma coisa em que acredito: o mundo avançará tanto mais quanto mais aberto e quanto mais descentralizado for. Trata-se de uma equação, em que se passarmos a introduzir variáveis como angústias, incertezas e riscos, cedo prevalecerá a tendência para verticalizar e para centralizar, perdendo-se eficiência e perdendo-se bem-estar. Preciso de confiar para ter uma sociedade aberta. Preciso de confiar para ter mercado. Não há nada que exija mais confiança do que o mercado e não há nada que assente mais na perda de confiança do que a intervenção centralizada, autoritária. Quando não confio, tenho de fazer tudo do princípio até ao fim. Em

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matérias como esta, não tenho certezas. Considero que é uma das grandes interrogações que pairam sobre o nosso futuro, e sobre o futuro da gestão da água, como sobre quase tudo. Gostaria de me ver evoluir para um mundo cada vez mais aberto, com ganhos crescentes de eficiência; mas, para isso, para poder descentralizar, tenho de confiar. A “coisa”, no caso, a água, constitui uma cadeia de valor, um ciclo, que pode ser gerida por múltiplas entidades, cada uma das quais especializada naquilo que faz melhor; mas, para isso, necessito de um mundo sem grande incerteza, sem grandes angústias, porque, se me deparar com “um mundo um pouco mais cinzento”, repleto de incerteza e de desconfiança, tudo se modificará (não confiando em nada, nem em ninguém, terei de passar a fazer, de novo, tudo sozinho, do princípio até ao fim, com evidentes perdas de eficiência e de bem estar). Uma última nota sobre Portugal. Ouvi no seminário da APDA, entusiasmadíssimo, o José Sobral sobre o tema das nacionalidades. E,

sobre esse tema, passarei a referir convicções muito minhas. Considero que os portugueses, e a nacionalidade portuguesa, são uma coisa muito especial. Por alguma razão tem esta idade, mais de 900 anos, nascida em 1143. Algo muito especial que, pela própria duração, só pode ter por principal característica a adaptabilidade. Tenho trabalhado em cenarização, e em cenarização sobre Portugal, e a minha principal questão consiste em saber se Portugal são estes 90 000 km2 ou se são os 10, 12, 13, 14, 15 milhões de portugueses. Considero que Portugal não são estes 90 000 km2 e considero também que este pedaço de território não tem, infelizmente, grande futuro. Acredito nos 10, 12, 15, 20, não sei quantos milhões de portugueses. Penso que somos um povo que se cumpriu fora do território, e que se cumprirá mais e mais fora do território. Na grande maioria das histórias de sucesso em que se ouve falar de portugueses, estes estão fora, havendo poucas coisas que se tenham passado cá dentro e de que nos orgulhemos. As nossas maiores referências são os que saíram.


RISCOS GEOPOLÍTICOS

Portugal é um grande Cabo Verde. Gosto muito de ir a Cabo Verde porque, sempre que chego a Cabo Verde, só me falam dos cabo-verdianos que estão no exterior. Trata-se de uma espécie de Irlanda, com a nossa língua. Penso que somos um grande Cabo Verde e acredito que Portugal se cumprirá à boa maneira caboverdiana, sobretudo no exterior. Este destino aponta para um futuro relativamente fraco, no que se refere aos 90 000 km2, que tenderão a esvaziarse. Há cenários que apontam para 6 milhões de pessoas, em 2050. É dramático. Cada vez menos, os portugueses residentes continuarão a concentrar-se, do ponto de vista do sistema territorial, não havendo lugar para nenhum outro tipo de povoamento que não seja urbano. Tenho muita dificuldade em ver estes 90 000 km2 como um espaço de grande indústria. Portugal será um espaço de serviços, e um espaço de agricultura muito disseminada, de que decorrerão desafios interessantíssimos para a questão da água e da sua distribuição. Não sei se cabe aqui a discussão destes desafios, mas tenho muita dificuldade em conceber

os nossos 90 000 km2 como um espaço de grande aglomeração, seja de pessoas, seja de atividades. Portugal é um espaço que tende a esvaziar-se, e a ter um crescimento muito reduzido – acarretando questões de grande envergadura, a principal das quais é a necessidade que temos de muitos robôs para pagarem o passivo, sobretudo o passivo ligado às pensões, o maior de todos os problemas que subsistirão neste cenário de muito baixo crescimento. Em suma: não acredito, sinceramente, que Portugal, os 90 000 km2, possa vir a constituir um espaço de grande crescimento, seja do ponto de vista económico, seja do ponto de vista demográfico; bem pelo contrário. Evidentemente que o nosso futuro será sempre melhor num mundo mais aberto, e mais descentralizado. Os nossos maiores ativos estão na relação, sobretudo no mar, onde nos cumprimos; e teremos tudo a ganhar no aprofundamento da relação com espaços como a América do Norte, a América do Sul, ou a África, num mundo aberto e multilateral onde essas atividades de relação

façam sentido. Acredito que, como população residente, faremos mais sentido, e teremos mais futuro, desta forma, num mundo como este, do que numa Europa mais fechada onde, evidentemente, se acentuarão a nossa natureza periférica, e o esvaziamento. Muita da atividade que aqui poderá vir a instalar-se terá que ver com a natureza costeira deste território, só fazendo sentido num mundo de relacionamento multilateral. Enviaram-me, dias atrás, por brincadeira, um mapa da Europa, vista por chineses. Estavam lá os 90 000 km2 e tinha, sobre estes, uma observação: “não participou na segunda guerra mundial”. Tinha também, um pouco mais a leste, sobre os 504 000 km2 do país vizinho, uma interrogação: “porque é que não tomam aquele bocado?”. Era a “interrogação chinesa” sobre a Península Ibérica. Acredito que, pese embora a sua sabedoria milenar, os chineses não terão sempre razão; e que, pese embora o seu esvaziamento, os 90 000 km2 cá continuarão, com os portugueses, independentes, cumprindo-se cada vez mais no exterior.

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# OPINIÃO

DRIVERS DA RESILIÊNCIA DAS CIDADES... E MAIS ALÉM

João Ferrão Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Doutorado pela Universidade de Lisboa em Geografia Humana. É Investigador Coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Coordenador do Grupo de Investigação “Ambiente, Território e Sociedade” e do Conselho dos Observatórios do ICS-UL. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades (20052009). Desenvolveu atividades de consultoria na área da geografia económica e social e do desenvolvimento regional e urbano. Publicou dezenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras e diversos livros sobre temas relacionados com geografia, ordenamento do território e políticas de desenvolvimento local e regional.

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...a terceira pergunta-chave refere-se aos caminhos de adaptação mais adequados. Diversos autores têm vindo a sugerir a existência de três tipos de estratégias de adaptação: por resiliência (centrada

nos instrumentos), por transição (focalizada nos processos) e por transformação (baseada na alteração de valores e de finalidades).


DRIVERS DA RESILIÊNCIA DAS CIDADES

N

o âmbito de exercícios estratégicos de prospetiva urbana é essencial entender os motores determinantes (fatores e agentes) que poderão ajudar a construir cidades mais resilientes. Mas os drivers da resiliência não podem ser nem exclusivamente deduzidos a partir de realidades já hoje detetáveis nem considerados num vácuo em termos de visões sobre futuros desejados. O título “Drivers da resiliência

das cidades…e mais além” visa sublinhar esta ideia de partida, crítica de uma perspetiva meramente instrumental dos motores determinantes de mudança (bons motores, logo boa mudança) e, pelo contrário, amiga de uma imaginação processual, criativa e finalista, ainda que não iluminadamente normativa, sobre as mudanças desejadas e os caminhos de adaptação adequados. Com esse objetivo, proponho um roteiro analítico baseado em seis pontos:

1. Compreender as raízes do futuro visíveis no presente: os riscos globais e as suas interdependências; 2. Reconstruir mapas cognitivos: novos contextos, novas abordagens; 3. Cidades resilientes: vantagens e limitações das abordagens “pronto-avestir”; 4. Diversidade e complexidade: colocar as perguntas-chave de modo a identificar respostas diferenciadas; 5. Para começar: desenvolver soluções urbanas a partir de princípios emergentes; 6. Para concretizar: institucionalizar exercícios colaborativos de cenarização estratégica urbana.

1. Compreender as raízes do futuro visíveis no presente: os riscos globais e as suas interdependências O relatório do World Economic Forum de 2016 apresenta as perceções de um conjunto diversificado de inquiridos com elevadas responsabilidades decisórias sobre os riscos globais, a REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO importância desses riscos e as suas interdependências. O estudo realizado considerou cinco tipos de riscos (Figura 1): económicos (a azul), ambientais (a verde), geopolíticos (a laranja), sociais (a vermelho) e tecnológicos (a roxo). Nesta figura, a dimensão dos losangos é proporcional à importância globalmente atribuída pelos inquiridos a cada um dos riscos: por exemplo, a instabilidade social e os riscos relacionados com as alterações climáticas ou com a crise da água têm losangos com a dimensão máxima, sendo, portanto, considerados muito relevantes. As linhas, por sua vez, permitem perceber as interações existentes entre os vários riscos, proporcionando uma análise sistémica desses riscos, isto é, a intensidade e diversidade com que cada um interage com os restantes. A oval a vermelho que adicionei à figura original visa salientar o risco mais explicitamente associado às cidades, que no referido Relatório surge com a designação “falhas do planeamento urbano”. A localização relativa do risco “falhas do planeamento urbano” permite-nos

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FIGURA 1. Mapa de interconexões entre riscos globais, 2016 Natu ural ca ura ata tastro ophes

Bio odiv diversity ity lo oss and ecosyste stem colla apse

Food crisses Spre ead of in nfe ectio ous disseases

Exxtre eme weather events

Man-m made enviro onmenta al cata astro ophes

Water crisses

Failu ure o off climateclim mate--change mitig mit tigatio tion and adaptattio ion Failu ure e of crittic cal in nfr fra astru uctu ure

Failu ure e of urb ban pla annin ng

Profound socia cial in nstabililitty Energ gy pric ce shock

LargeL arge--scale al in nvolu oluntary mig migratio tion

State c collapse olla llapse o orr cris risis si

Crittical inffo orm matio on in nfr fra astru uctu ure e bre eakdown

Unmanageable e in nfla atio on

Adve ers rse consequences of technolo ogic cal advances

Failu ure e of nattio ional govern nance

In nterstate co onflic lict

Fisscal crisses Weapo ons of mass destru uctio on

Asset bubble

Unemplo ployment or underemplo ployment

Cybera att ttacks Terro orisst a att ttta acks

Da ata ta fr fra aud or th heft

Illlic citt tra ade

Defla atio on

Failu ure e of fin nancia al mechanissm or in nstitu utio on

Fonte: http://www3.weforum.org/docs/GRR/WEF_GRR16.pdf

perceber o tipo de relações estabelecidas, pelas pessoas que foram consultadas, com outros riscos. Numa leitura global, merecem destaque as interações com os seguintes riscos: crise da água, crise alimentar, insuficiente mitigação e adaptação às alterações climáticas, instabilidade social, problemas de segurança

associados a migrações involuntárias de larga escala e doenças infeciosas. Estes são os riscos, na opinião dos inquiridos, que se relacionam de forma mais direta com os problemas decorrentes da ausência de planeamento urbano. Este resultado é relevante sobretudo pelo facto de sabermos que estamos perante a opinião de


DRIVERS DA RESILIÊNCIA DAS CIDADES

pessoas (empresários, peritos, etc.) com real capacidade de definir agendas globais. O Relatório identifica ainda os cinco riscos considerados como sendo os mais preocupantes nos próximos 10 anos, tendo simultaneamente em conta a sua possibilidade de ocorrer (componente “plausibilidade”) e a intensidade potencial dos seus efeitos (componente “impacto”). A crise da água surge em primeiro lugar (Figura 2), seguindo-se dois riscos de natureza ambiental (insuficiente mitigação e adaptação às alterações climáticas e ocorrência de fenómenos climáticos extremos) e dois de caráter social (crise alimentar e instabilidade social). A ausência de soluções adequadas de planeamento urbano não integra esta lista, mas, como vimos anteriormente, tem interações relevantes com os cinco riscos referidos. Ou seja, o efeito conjugado dos fatores considerados como sendo os mais preocupantes para a próxima década não deixará de ter uma incidência particularmente gravosa nas cidades menos resilientes por ausência de soluções de planeamento urbano eficazes e eficientes.

Figura 2. Os 5 riscos globais percecionados como mais preocupantes para os próximos 10 anos

Fonte: http://www3.weforum.org/docs/GRR/WEF_GRR16.pdf

A leitura sequencial dos relatórios do World Economic Forum produzidos para anos anteriores permite perceber que as perceções de risco por parte dos inquiridos revelam, por vezes, oscilações súbitas importantes em função de acontecimentos ou debates que ganharam relevo mundial no ano em causa. Por outro lado, o facto de os inquiridos serem agentes relevantes, globais e bem informados não garante que as suas perceções constituam premonições rigorosas de tendências futuras. Mas o exercício de identificação de riscos globais, das suas interdependências e, por essa via, do seu potencial sistémico não deixa de constituir uma aproximação significativa ao que poderemos designar por raízes do futuro visíveis no presente, não na sua

totalidade, como é evidente, mas incluindo, por certo, algumas das suas facetas mais significativas.

2. Reconstruir mapas cognitivos: novos contextos, novas abordagens Na secção anterior identificaram-se alguns indícios do futuro já hoje visíveis ou pressentidos. No que se refere especificamente às cidades, esses indícios permitem salientar um articulado de cinco aspetos: i) Assistimos a uma multiplicação de riscos de natureza global e sistémica; ii) A exposição das cidades aos processos globais, mesmo as de menor dimensão, é crescente; iii) As vulnerabilidades associadas à concentração REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO urbana são também crescentes, dado que as cidades concentram um número cada vez maior de pessoas, de funções e, em geral, de fatores críticos do ponto de vista da inovação, da criatividade e da mudança; iv) As respostas públicas nacionais evidenciam uma progressiva incapacidade de fazer face a este novo contexto complexo, interativo e global; v) A volatilidade do capitalismo financeiro hoje prevalecente tende a aumentar exponencialmente os riscos globais e sistémicos, a exposição a esses riscos e, consequentemente, a vulnerabilidade das cidades e de grande parte das pessoas, comunidades, empresas e instituições que lhes dão vida e significado. Este diagnóstico simples salienta uma ideia-chave: contextos cada vez mais complexos exigem novas abordagens baseadas numa tripla transição: em vez de prever há que gerir a incerteza; em vez de planear há que construir cenários prospetivos; em vez de programar há que escolher caminhos de adaptação em função de cenários considerados

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simultaneamente desejáveis e possíveis. A época em que se previa, planeava e programava, ou melhor, em que se planeava em função de previsões e em que se concretizava o planeado a partir de uma programação rígida, já não existe, se é que alguma vez existiu como prática efetiva significativa para além da narrativa racionalista moderna recomendada nos manuais. A questão que se coloca é, portanto, a seguinte: como gerir a incerteza, construir cenários prospetivos e escolher caminhos de adaptação que nos possam aproximar de cenários definidos como desejáveis e possíveis? Por outras palavras, como construir agendas do futuro com futuro? Estas questões estabelecem uma ponte direta com o conceito de cidades resilientes.

utilizam independentemente do seu conteúdo original e a sua utilização banalizou-se. A expressão “cidades resilientes” faz hoje parte do mainstream de qualquer narrativa sobre um mundo em que a urbanização ganhou uma amplitude planetária. Não há, naturalmente, quem seja contra as cidades resilientes. Mas, sobretudo, não existem decisores políticos, técnicos da administração ou gestores de empresas inovadoras ou de organizações nãogovernamentais ambiental ou socialmente comprometidas que não defendam a necessidade de tornarmos as nossas cidades mais resilientes.

3. Cidades resilientes: vantagens e limitações das abordagens "pronto-a-vestir"

Este consenso,compreensível e meritório, gera, no entanto, um efeito potencialmente perverso: a produção, sobretudo por organismos internacionais, embora quase sempre com base em estudos académicos, de abordagens “pronto-a-vestir”, isto é, que se pretendem universais, de aplicabilidade generalizada, independentemente do país, região ou cidade em causa.

A resiliência é uma palavra que, como muitas outras, se tornou mágica. Todos a

Por exemplo, o esquema elaborado pela ARUP para a Rockfeller Foundation (Figura


DRIVERS DA RESILIÊNCIA DAS CIDADES

3), não só dá corpo à rede “100 Cidades Resilientes” apoiada por esta fundação, como foi adotado na cimeira Habitat III (Quito, 2016) como um referencial a ser aplicado às cidades dos vários países do mundo. A definição de quatro grandes domínios (saúde e bemestar; economia e sociedade; infraestruturas e ambiente; liderança e estratégia) e a identificação, para cada um desses domínios, dos fatores determinantes ou motores (drivers) de mudança estão formuladas de modo suficientemente genérico para permitir que o referencial produzido seja adequável a qualquer cidade. Esta abordagem de âmbito genérico tem vantagens, porque suscita entendimentos em torno de referenciais comuns, de um mesmo léxico, de objetivos partilhados. No entanto, as abordagens “pronto-a-vestir”, se interpretadas acriticamente e, sobretudo, se replicadas mecanicamente, não nos permitem construir futuros suficientemente sensíveis à diversidade de contextos político-institucionais, socioeconómicos e culturais que caracteriza, bem mais do que muitas vezes

Figura 3. City resilience framework, ARUP, Fundação Rockfeller

LEADERSHIP & STRATEGY Effective leadership empowered stakeholders, and integrated planning.

Fonte: http://www.100resilientcities.org/resilience#/-_/

pensamos, essas realidades complexas que designamos globalmente por cidades. Daí que, sem ignorar o papel potencialmente positivo das abordagens “prontoa-vestir” sobre cidades resilientes, convenha clarificar para nós próprios, antes de recorrermos acriticamente a essas abordagens, quais

as perguntas a colocar de modo a identificar respostas diferenciadas em função dos contextos, dos agentes e das aspirações presentes em cada cidade.

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# OPINIÃO 4. Diversidade e complexidade: colocar as perguntaschave de modo a identificar respostas diferenciadas Como evitar os efeitos perversos de abordagens genericamente interessantes mas territorialmente cegas? Quais as perguntas-chave que devemos colocar, para que possamos encontrar respostas adequadas à diversidade territorial existente, às particularidades de cada cidade, no contexto de tendências, riscos e interdependências de âmbito global? Como referimos anteriormente, a construção de cidades resilientes obriga a que perguntemos a partir de cada cidade: como gerir a incerteza, construir cenários prospetivos e escolher caminhos de adaptação que nos possam aproximar de cenários vistos como desejáveis e possíveis? A primeira pergunta-chave é, pois, como gerir a incerteza. Quais os riscos a levar em consideração? As perceções sobre a importância dos riscos globais e das suas

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interações sistematizadas no Relatório do Economic World Forum desenham um mapa cognitivo genérico. Esse mapa será necessariamente distinto se for construído a partir de diagnósticos urbanos locais. Mas, como vimos, todas as cidades estão crescentemente expostas a riscos globais. O ponto de partida terá, por isso, de ser um diagnóstico estratégico baseado na construção de matrizes de vulnerabilidade locais face a riscos globais. A tabela seguinte visa sistematizar essa relação, graduando, por um lado, os vários riscos globais em termos de

gravidade e tendo em conta, pelo outro, a incidência potencial (plausibilidade e impacto) desses riscos ao nível local. Uma leitura estratégica do cruzamento de ambos os aspetos conduz à identificação da natureza e do grau de prioridade dos problemas com que cada cidade se defronta. Se a esse exercício adicionarmos a avaliação das interações entre os vários tipos de risco relevantes para a cidade em análise, poderemos construir mapas cognitivos por cidade que constituem uma excelente referência para a elaboração de cenários prospetivos urbanos.

Quadro 1. Matriz urbana "riscos globais vs. vulnerabilidades locais"

Gradação de riscos graves (referencial genérico)

Incidência potencial de riscos globais ao nível local (plausibilidade x impacto)

+++ Podem colocar em perigo vidas humanas (direta ou indiretamente) Podem reduzir fortemente bem-estar humano (direta ou indiretamente) Já estão a reduzir bem-estar humano (direta ou indiretamente)

Nota: castanho = risco local potencialmente muito elevado; vermelho = risco local potencialmente elevado; laranja = risco local potencialmente relevante; amarelo = risco local potencialmente moderado; verde = risco local potencialmente irrelevante. Fonte: Elaboração própria

++

+

O


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A segunda pergunta-chave relaciona-se, justamente, com o domínio da cenarização prospetiva. Como definir futuros desejados? Efetuado o diagnóstico estratégico nos moldes anteriormente referidos, é agora necessário identificar os elementos determinantes para a construção de cenários urbanos prospetivos. O esquema da Figura 4 ilustra um exercício desse tipo desenvolvido no âmbito do projeto europeu FLAGSHIP. Não nos interessa, neste contexto, analisar em pormenor os princípios subjacentes e os ingredientes fundamentais do esquema proposto, mas apenas salientar que existem hoje múltiplas metodologias que têm como objetivo construir cenários alternativos, desigualmente desejáveis e exequíveis, que importa sistematizar para que se possa escolher o caminho a percorrer em função das opções consideradas como sendo as mais adequadas. Trata-se, pois, de um exercício de reflexividade pragmática, que nos permite identificar caminhos de mudança em função de visões de futuro previamente identificadas, mas também dos diagnósticos estratégicos sobre a realidade existente e

Figura 4. Cenarização prospetiva: modelo concetual do Projeto FLAGSHIP Cenários macroeconómicos BENS & SERVIÇOS

Bem-estar & PIB Cenários sociais e demográfico s PESSOAS • Evolução • Saúde, envelhecimento • Emprego e rendimento • Migrações • Inclusão e coesão Competências capacidades

• Produção, consumo e comércio • Poupança e investimento • Emprego e rendimento • Sistema financeiro Cenários de governança global e territorial CIDADES/ REGIÕES URBANAS FUNCIONAIS Políticas públicas Cenários de inovação e investigação TECNOLOGIA

Externalidades

Cenários de energia e alterações climáticas AMBIENTE • Energia • Recursos naturais (água,solo... ) • Ecosistemas, biodiversidade • Alterações climáticas Uso eficiente dos recursos

• C&T • Capital humano • TIC • Ecossistemas de inovação

Fonte: http://flagship-project.eu/ (adaptado)

os indícios de futuro já hoje visíveis ou pressentidos em cada cidade. Finalmente, a terceira pergunta-chave refere-se aos caminhos de adaptação mais adequados. Diversos autores têm vindo a sugerir a existência de três tipos de estratégias de adaptação: por resiliência (centrada nos instrumentos), por transição (focalizada nos processos) e por transformação (baseada na alteração de valores e de finalidades). Estas estratégias têm tempos de concretização

distintos, pelo que devem ser vistas de forma articulada e complementar, e não como alternativas que se excluem reciprocamente. Assuntos urgentes exigem respostas imediatas. Transformações profundas necessitam de tempo. E as próprias alterações introduzidas desencadeiam efeitos de natureza distinta, uns diretos mas outros indiretos e induzidos, uns rápidos mas outros diferidos no tempo. Combinar estratégias com distintas temporalidades é, portanto, essencial. REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO Os drivers da resiliência das cidades são, em geral, associados fundamentalmente à adoção de novos instrumentos ou à requalificação dos já existentes: melhor regulamentação, inovação tecnológica, reformas institucionais, incentivos económicos e fiscais à mudança, etc.. Melhores instrumentos estimulam, por certo, a obtenção de melhores resultados no sentido desejado. Mas podemos dizer que as estratégias de adaptação por resiliência, isto é, baseadas numa visão instrumental, permitem alterar meios e dar resposta imediata a problemas urgentes, mas constituem a base de um edifício bem mais complexo. A adaptação por transição vai além dos instrumentos, focalizando a atuação nos processos: diálogo, aprendizagem, concertação, mediação, codecisão, cocriação, etc.. Os processos de governança adaptativa ocupam, neste contexto, uma posição central: a mobilização e o envolvimento de atores, públicos e privados, ONG e cidadãos criam visões partilhadas antes inexistentes, suscitam novas atitudes e

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novos comportamentos por vezes inesperados. A qualidade dos processos, não constituindo uma garantia por si só, é, no entanto, uma condição importante para que sejam obtidos bons resultados em termos de transição no sentido desejado. Finalmente, a adaptação por transformação, a mais profunda e difícil, tem o seu foco na mudança de valores e de finalidades. Os valores alteram-se lentamente e a redefinição das finalidades das sociedades e das economias é complexa e exige tempo. É sobretudo neste plano que o exercício de cenarização estratégica ganha relevo como produtor de horizontes estratégicos, permitindo construir coletivamente novos quadros de referência socioecológicos, económicos e político-institucionais. Este tipo de estratégia de adaptação ocupa, por isso, a posição oposta à adaptação por resiliência, centrada nos instrumentos. Os três tipos de estratégias de adaptação são necessários e imprescindíveis. Quedarmo-nos pelas estratégias de adaptação por resiliência, centradas na melhoria e

revisão de instrumentos, permite não só respostas imediatas mas também criar condições institucionais, técnicas e regulamentares favoráveis à mudança. As estratégias de adaptação por transição abrem a porta ao envolvimento dos diferentes stakeholders que importa mobilizar e colocar em interação visando a cocriação de novas soluções. Finalmente, as estratégias de adaptação por transformação vão para além dos meios, visando a alteração das próprias finalidades. É neste domínio que a cenarização estratégica ganha todo o seu sentido: será em função de futuros desejados e possíveis que se torna possível construir os caminhos de adaptação necessários.

5. Para começar: desenvolver soluções urbanas a partir de princípios emergentes Para construir futuros diferentes, desconhecidos, deve começar-se, desde já, a retirar partido da aplicação de princípios emergentes, que ocupam hoje um papel relevante no seio de agendas inovadoras. Relembremos, a mero título de exemplo, alguns princípios que importa


DRIVERS DA RESILIÊNCIA DAS CIDADES

ativar e concretizar a favor de mudanças que promovam a construção de cidades mais resilientes através da superação da conceção moderna de cidade ainda hoje prevalecente: • Cidade sócio ecológica: da ocultação da hidrologia à articulação dos sistemas azul (linhas de água), verde (corredores ecológicos) e cinzento (vias de mobilidade suave); • Metabolismo urbano: da visão linear da economia à economia circular; • Ecossistemas de inovação: da conceção linear de inovação à visão sistémica e territorializada (interações universidades, unidades de I&D, empresas, instituições públicas, etc.); • Big data e Internet das Coisas (IoT): da decisão fragmentada à gestão integrada em tempo real; • Economia da partilha: da partilha como necessidade à partilha como opção potenciada por plataformas colaborativas; • Urbanismo tático: da exclusividade do planeamento urbano como desígnio público às ações urbanas demonstrativas de base comunitária. Se é verdade que a construção de cenários

prospetivos urbanos é essencial para se desenhar caminhos de adaptação em direção a futuros desejados e possíveis, não é menos certo que a ativação dos princípios referidos, mesmo que parcial e não articulada, criará novas sementes favoráveis a essa mudança. É um começo potencialmente promissor. Mas importa conferir-lhe um sentido e um significado mais duradouros.

6. Para concretizar: institucionalizar exercícios colaborativos de cenarização estratégica urbana A construção de futuros urbanos não pode resultar apenas de uma miríade de opções e decisões tomadas casuisticamente, sem qualquer referência mobilizadora e federadora. É, por isso, imprescindível institucionalizar práticas de construção colaborativa de agendas urbanas transformadoras. São muitos os exemplos, provenientes dos mais diversos países de todos os continentes, de institucionalização de exercícios colaborativos de cenarização estratégica urbana. Universidades,

fundações, think-tanks, autoridades urbanas e outras instituições têm vindo a criar, isoladamente ou em parceria, estruturas e dispositivos que permitem institucionalizar essas práticas, debatendo objetivos e metodologias, monitorizando e comparando resultados, avaliando progressos e impactos. A construção de futuros urbanos baseados numa visão exigente de cidades resilientes não pode ser deixada ao acaso ou à vontade e imaginação de cada um, nem ser fruto de projetos iluminados de natureza políticoideológica ou técnicocientífica. Produzir colaborativamente agendas urbanas transformadoras, umas temáticas e outras mais sistémicas, é a única forma de construir cidades em que a resiliência surge como uma condição fundamental para que se evolua de forma positiva num mundo crescentemente global e sistémico, complexo e incerto.

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# OPINIÃO

UM MUNDO URBANIZADO, FRATURADO, DESIGUAL E COM RISCOS DE ESTAGNAÇÃO SECULAR A ideia, algo peregrina, de que a

António Figueiredo Presidente do Conselho de Administração da QP

Economista pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde foi Professor Auxiliar até 2009. Presidente do Conselho de Administração da Quaternaire Portugal. Consultor nos domínios do desenvolvimento e planeamento regional, avaliação de políticas públicas, planeamento estratégico, emprego e formação e cooperação inter-regional e transfronteiriça. Possui grande número de trabalhos publicados na área do desenvolvimento regional, do planeamento estratégico e das políticas de inovação.

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tecnologia revoluciona imediatamente organização e produtividade é uma falácia.


UM MUNDO URBANIZADO

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onsidero que a minha intervenção está na transição entre a sessão da manhã e esta sessão centrada no tema das Cidades. Organizei uma reflexão que tem como título “Um mundo urbanizado, fraturado, desigual e com riscos de estagnação secular”. Não é propriamente uma visão idílica do futuro que vos trago, mas antes centrada nas transformações possíveis de uma realidade complexa para uma economia pequena como a portuguesa. Vou centrar-me essencialmente em 5 pontos,

provavelmente discutindo apenas os 4 primeiros pois a última questão é sempre uma questão muito dolorosa, que se prende com a discussão sobre se Portugal vai empobrecer ou não (e já explico o interesse de saber se Portugal vai empobrecer ou não). Assim, abordarei os seguintes assuntos: 1. Reconhecimento da dificuldade metodológica de estabelecer pontes entre aquilo que nós chamamos a prospetiva das macrotendências e a prospetiva da água; trata-se de um casamento difícil de realizar, sobretudo para uma economia pequena e periférica;

2. Tratamento de uma macrotendência mundial que parece incontornável, mas que temos de interpretar de uma certa forma inteligente, que é a irreversibilidade da urbanização; 3. Colocar no centro da reflexão as interrogações da encruzilhada em que a globalização se encontra, com efeitos severos nas macrotendências globais; 4. Ter em conta a desigualdade da distribuição de rendimento e da riqueza como um traço atual das sociedades avançadas e que limita ou pode limitar bastante as de condições de acesso ao recurso água, sobretudo se trabalharmos com preços reais; e, finalmente, 5. O empobrecimento ou não de Portugal, que pode influenciar bastante as questões de procura social dita solvente de alguns bens públicos, que podem não ser bens públicos na sua perfeição.

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# OPINIÃO 1. A abordagem: da prospetiva das macrotendências à prospetiva da água Não vou aborrecer a audiência com a vastíssima literatura que podemos encontrar sobre as megatendências mundiais, onde há, de facto, algumas regularidades, algumas das quais já foram aqui referidas. A primeira é a disrupção a nível digital, que não sabemos ainda se valerá por si só um novo ciclo longo. A segunda questão muito importante é o paradoxo de nós termos ascensão das classes médias a nível mundial, sobretudo nas economias emergentes (que inspira esperança na democratização dessas sociedades) e uma queda acentuada das classes médias nas economias avançadas. Esta questão impõe uma discussão crítica em Portugal. Refiro a ascensão das classes médias nos países emergentes porque aí está a palavra de esperança que temos em relação a uma possível democratização desse tipo de sociedade, mas como estamos a ver nas duas

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últimas semanas no Brasil, a situação é mais complexa e a consolidação dessas classes médias pode não estar assegurada. Depois temos um conjunto de outras regularidades que aparecem muito nestas megatendências, que são a pressão exercida nos recursos, a reinvenção da saúde, a irreversibilidade da urbanização, as mudanças sociais que vão ser impulsionadas pelo tipo de demografia que se vive nas cidades mais avançadas, a nova geografia do conhecimento e, se quiserem, dos talentos, a fragmentação mundial, os riscos de inclusão da UE e muitas outras regularidades. Nesta questão, há uma dificuldade intrínseca que gostaria de aqui invocar atendendo à nossa pequena dimensão e perifericidade, e que consiste no uso da velha metáfora sob a forma de grande interrogação: “é preferível ser-se cauda de leão ou cabeça de rato”. Ainda por cima, somos cauda de um leão que está em desagregação, algo decrépito como é este leão europeu. Juntam-se duas dificuldades muito importantes que nestes

exercícios de prospetiva exigem de facto uma solução adequada. Em primeiro lugar, a projeção das mega e das macrotendências relativamente a Portugal, uma vez que são mega tendências muito forjadas em termos de referenciais, que não são diretamente aplicáveis a Portugal. Portanto, muitas vezes há uma certa frustração ao aplicar estes exercícios de prospetiva porque quando os contextualizamos na situação portuguesa é muito difícil aplicá-los. Depois, articular esta prospetiva das macrotendências e a prospetiva da água também não é fácil e obriga, de facto, a alguma seletividade. Vou começar por uma das macrotendências que me parece incontornável e que é a mudança estrutural do desenvolvimento que a urbanização representa.

2. A irreversibilidade da urbanização e a heterogeneidade dos modos como se manifesta pelo mundo Apesar de ser uma evidência incontornável, ela tem o seu grau de indeterminação. E porquê? Porque a


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urbanização, enquanto fenómeno, é incontornável, mas não se manifesta de um modo determinístico em função do nível de desenvolvimento. Nós temos uma paleta enorme de situações possíveis de materialização do processo de urbanização e isso tem implicações metodológicas muito sérias no desenho da prospetiva da água e de aplicação dessas prospetivas a outros contextos. No caso português, dois outros fatores relevantes condicionam esta mudança incontrolável que a urbanização representa. A primeira prende-se com as indeterminações que se colocam à evolução do rendimento per capita em Portugal (ver gráfico 1). Depois, a massa demográfica disponível exige ponderação: a urbanização pode ser um instrumento importante de soluções, mas quando tenho uma massa demográfica disponível reduzida para ser exercitada no terreno, e Portugal está perigosamente a caminhar para um cenário em que nem sequer para o processo associado à concentração urbana tem massa urbana disponível, o potencial da concentração urbana esbate-se consideravelmente.

Trabalhei dados do World Development Indicators - Banco Mundial e encontrei, como aliás seria de prever, uma relação muito interessante. Para o período 1960-2014, encontrei para Portugal uma correlação perfeita entre a progressão do logaritmo natural do produto per capita e a urbanização, definida aqui como percentagem de população a viver em habitat urbano. Gráfico 1

Esta mudança estrutural é irreversível é incontornável, mas não se manifesta de modo determinístico, mas antes de forma diferenciada e desigual em função dos padrões de desenvolvimento e dos níveis de desenvolvimento de cada um dos países. Sobretudo em Portugal há essas duas interrogações. A primeira é relativa à progressão que vamos ter do produto per capita à paridade do poder de compra. Não é por acaso se observada a evolução do produto per capita à paridade do poder de compra apresentada no gráfico 2.

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# OPINIÃO Gráfico 2

A elipse revela uma interrogação, isto é, a velocidade a que a progressão do produto per capita estava a evoluir em termos de paridade do poder de compra apresenta um cenário de interrupção. Este é um problema muito sério, na medida em que a integração europeia sempre foi um alimentador de expectativas, de esperança, de modernização e de melhoria dos níveis de bem-estar. O indicador sintético do PIB per capita à paridade revela, neste momento, uma interrogação que tem as suas fortíssimas limitações. Isto é importante do ponto vista territorial que interessa de facto à reflexão que a APDA está aqui a fazer.

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E porquê? Porque a ausência de massa demográfica limita bastante o papel que a urbanização poderia assumir, poderia já ter assumido em algumas décadas anteriores, quando o potencial era um bocadinho mais elevado, associado à dinamização de áreas mais interiores e de mais baixa densidade E aqui temos que confrontar estes dois modelos de jogar com a urbanização, inspirados por um economista que se chama Paul Romer: “Built it and they will come versus Let them come and they will build it”. Ensaiámos e de que maneira o primeiro modelo, “build it and they will come”. O problema é que nós

construímos mas eles não vieram, essa é que é a grande questão. E há quem o diga, o próprio Paul Romer avança com isto “então deixemo-los vir e eles irão construir”. Isto tem o aspeto de algumas mensagens bíblicas, há um certo tom bíblico, mas é interessante a ideia. O problema é que, neste momento, a sociedade portuguesa não tem potencial para explorar, sequer, o segundo modelo, porque seria necessária uma dose de atratividade de migrações internacionais muito forte para o tornar possível, atrair primeiro e jogar com a iniciativa dos que nós atraímos e nós sabemos que a atratividade nacional, em matéria de migrações, não é famosa. A nossa tendência, como se dizia hoje de manhã é de out, não é de in. Portanto, não estou tão otimista como o Daniel Bessa está do ponto vista da diáspora, porque nós somos um dos raros países de emigração que não constitui tribos à escala internacional. Isso reduz, da minha perspetiva, o optimismo que o Daniel Bessa hoje de manhã apresentava em relação à diáspora. A nossa diáspora é muito fragmentada, não


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tem o sentido de tribo que tem, por exemplo, a dos sul coreanos, dos indianos, dos paquistaneses, etc..

3. As interrogações e a encruzilhada da globalização O terceiro tópico é a questão da globalização. Estamos numa encruzilhada e julgo que isto não foi hoje de manhã suficientemente discutido. No que se refere aos acontecimentos de 2007 e 2008, ainda não acordámos devidamente relativamente ao impacto que tiveram. Esses acontecimentos interromperam, de forma muito dramática, três décadas de re-globalização acentuada, em que dominava uma ideologia económica perfeitamente marcada, o consenso de Washington, onde existia liberalização e desregulação financeira e onde a geografia do crescimento se disseminou extraordinariamente. No entanto, já nesse período houve economistas, um esteve aqui em Lisboa num congresso relativamente recente, que questionaram a possibilidade da globalização continuar a intensificar-se segundo o mesmo modelo.

Dani Rodrik falou do trilema da globalização, ou seja, na incapacidade que a globalização estava a ter em responder a três coisas em simultâneo: aprofundar a integração económica, respeitar a democracia e as suas conquistas sociais e preservar o estado-nação. A ideia de RodriK é que uma destas três dimensões cairá. Ou a integração económica não é aprofundada como seria de esperar ou falha a democracia ou em muitos casos se pretende ultrapassar o estado-nação e ele resiste porque, há que convir, os instrumentos de política pública são essencialmente ainda definidos à escala nacional. Os encontros do G20, do G8, ou de outro qualquer bloco económico são votos pios. Não há instrumentos efetivos de governança que saiam desses eventos. Há, de facto, indícios de que o trilema está, de facto, a funcionar e isto condiciona a macroperspetiva das grandes tendências mundiais. Em primeiro lugar, há quem refira e muito inteligentemente, que as economias avançadas não estão a saber gerir politicamente os choques da globalização. A globalização foi vendida

como um projeto win-win e não é de facto um projeto win-win. A globalização gera sistematicamente um conjunto de perdedores e esses perdedores têm que ser geridos do ponto de vista político. As democracias avançadas não acomodam os choques de perdedores da globalização. A instabilidade associada não se resolve com encontros do tipo DAVOS organizados segundo um discurso win-win da globalização. Há riscos sérios a este nível. Há gente importante, gente bastante importante, muito influente inclusivamente nos meios financeiros internacionais, que começa a falar da necessidade de reconstruir a globalização, de reconstruir a integração económica mundial numa perspetiva muito mais ascendente, sobretudo a fim de integrar os sindicatos de forma muito mais sistemática e as questões ambientais. Trouxe para o debate duas referências recentíssimas, a primeira desta semana (27/04/2016 de Wolfgang Münchau), a segunda de há um mês (Lawrence Summers), que mostram que esta ideia está a atravessar a opinião pública internacional. Essas duas ideias são muito REVISTA APDA_2016

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# OPINIÃO centrais, na minha perspetiva: As democracias avançadas não estão a saber gerir os choques dos perdedores e o comércio global precisa de ser reequacionado (Figura 1). O gráfico 3 é muito interessante e sintetiza a grande indeterminação em que a globalização se encontra. Até 2007, a integração económica mundial evoluiu com regularidade e intensidade impressionantes. Sobreveio depois uma recuperação agónica em que o comércio mundial relativamente ao PIB mundial não está a atingir os valores anteriores. O exercício da McKinsey (gráfico 3) inclui os movimentos financeiros.

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FIGURA 1

Gráfico 3 O PRIMEIRO SINAL


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No gráfico 4 apresenta-se o mesmo mas apenas com o movimento comercial, observando-se que o andamento da curva é muito semelhante.

Gráfico 4

Há de facto uma interrogação, tanto mais que, embora relevante, o crescimento dos serviços em termos do produto mundial não é ainda suficiente para compensar aquela interrogação que se está a viver ali (gráfico 5). Os movimentos de capital, designadamente de investimento estrangeiro, estão também nos últimos anos a cair abruptamente (gráfico 6). Portanto, temos aqui uma grande interrogação que é a de saber se a disrupção digital, que está a acontecer, vai ser capaz de compensar a relativa asfixia de integração económica aprofundada e sucessiva que a globalização está a dar mostras de não ser capaz de realizar nesta fase.

Gráfico 5

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# OPINIÃO Apresenta-se de seguida uma figura (2) muito interessante elaborada pela McKinsey que representa o crescimento de facto do digital e dos fluxos de dados como elemento que pode vir a gerar valor e como que compensar as dificuldades de avanço da integração económica mundial. A McKinsey fala de valores relativamente importantes, de quase um terço, relativamente ao valor recente que foi acrescentado às cadeias de valor globais. Porém, não sabemos ainda se esta revolução digital vai iniciar um novo ciclo longo de crescimento económico. Estamos na situação das gerações que estão no meio de dois ciclos longos, que sofrem, obviamente. Não sabemos ainda antecipar os contornos do que vem a seguir porque a inovação, por mais que se queira admitir o contrário, é um fenómeno indeterminado. Os economistas conseguem explicar hoje razoavelmente bem, a posteriori, a inovação, mas não a conseguem antecipar ainda bem. Erros de economistas, nos últimos tempos, temos que baste. Chamo a atenção para a revolução digital, porque

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Gráfico 6

FIGURA 2

a confirmar-se esta macro tendência, o posicionamento de Portugal altera-se, obviamente, porque o posicionamento de um país na economia digital não é o mesmo em relação ao ciclo longo anterior. Aqui, a questão da qualificação, a questão da regulação

entre qualificação e salário é muito mais importante do que apenas a taxa salarial. Isto é importante do ponto vista da perspetiva do país. Portanto, estaremos perante um fenómeno, e isto é a primeira vez que se diz, de encurtamento das cadeias de valor globais. Ou seja,


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as cadeias de valor globais estarão neste momento a encurtar-se porque o digital está a introduzir-lhes uma dimensão diferente. Reparem, hoje em dia nos EUA fala-se imenso de reshoring, ou seja, o contrário rigorosamente do off-shoring, uma tentativa de recuperar alguma energia perdida com o outsourcing precipitado em que algumas indústrias americanas acabaram por incorrer e, sobretudo, nunca esquecendo, e isto é coisa que custa a admitir, que o mundo vive hoje uma crise de procura global. Por muito que não se queira aceitar, a economia global, neste momento, vive um problema de procura e nós não temos hoje um conjunto de pensadores à altura do que o mundo teve nos anos 30 para equacionar os problemas de insuficiência de procura global que a economia mundial vivia e que foi, por exemplo, responsável por uma grande batalha diplomática em que uma personalidade se destacou, e é importante referi-lo porque fez 70 anos que morreu, que é a perspetiva de Keynes.

4. A desigualdade da distribuição do rendimento e da riqueza e as condições de acesso ao recurso água Não vou ter tempo bastante para acomodar a questão da desigualdade. Ela é importante do ponto vista da procura solvente e sobretudo da procura solvente do recurso água e da rendibilização de infraestruturas nesta matéria, que se não tiverem uma procura social solvente levam a que os investimentos corram riscos de uma grande ineficácia. Não é por acaso que um volume de muitas páginas foi êxito de vendas da

Amazon, um livro académico, “O Capital no Século XXI” do Thomas Piketty, um livro sobre a desigualdade. Algo de surpreendente e que causou imenso ciúme a muitos economistas que nunca tiveram esta possibilidade de serem número um de vendas na distribuição mundial. Vou destacar um gráfico (7) que atravessou largamente a blogosfera económica nos últimos tempos (um ou dois anos), que é o gráfico relativo à economia americana em que se observa a abertura do desvio entre a produtividade e a remuneração horária e que é um fenómeno novo em agudização.

Gráfico 7

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# OPINIÃO Se o mesmo for visto através da relação entre a produtividade e a evolução do rendimento mediano a curva tem exactamente a mesma abertura (gráfico 8).

Gráfico 8

Só para estimular a reflexão, quando projetamos esta macrotendência em Portugal vemos algo de contrário (gráfico 9). Temos o período de 2010-2012 em que, orgulhosamente sós, a variação das remunerações excedeu largamente a variação da produtividade, o que não deixa de ser estranho. Aliás, não é por acaso que a economia portuguesa na década de 2000, que é uma década de crescimento económico anémico, teve um crescimento fortemente redistributivo, que levou a que o nível de desigualdade da economia portuguesa, sempre mantendo-se mais alto do que na União Europeia, descesse acentuadamente. Mas este contraciclo é preocupante porque de facto não é possível aguentar durante muito tempo uma economia portuguesa em que as remunerações reais crescem a uma taxa superior à da

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Gráfico 9


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produtividade. Não é possível. Não temos capacidade de aguentar esse movimento redistributivo. A questão da desigualdade é de facto um tema importante de macrotendência porque condiciona fortemente as condições da procura social a determinados recursos e pode afetar significativamente a procura de alguns recursos, entre os quais o recurso água. O mundo hoje vive e ficaria com essa reflexão, num debate interessante, que não coincide bem com o debate de hoje de manhã, em que o pessimismo de nível tecnológico existe, é real e é atuante. Ou seja, há sobretudo indícios na economia americana de que a revolução digital ou indústria 4.0, como foi hoje referida, não está a gerar os ambientes de crescimento e de produtividade que o anterior tipo de paradigma tecnológico esteve a gerar durante largo tempo. Sabemos que há um lag muito grande do ponto vista temporal entre a revolução tecnológica, a organização, a produtividade e o investimento empresarial. A ideia, algo peregrina, de que a tecnologia revoluciona imediatamente organização e

produtividade é uma falácia. Nunca foi assim na história da tecnologia, na história do crescimento económico. Há sempre um lag apreciável porque há sempre mediação organizacional, há sempre mediação empresarial. A ciência é de facto uma fonte importante, mas a ciência não é a fonte permanente de toda a inovação. Quer dizer, a inovação necessita de mediações organizacionais e por isso o crescimento da produtividade não reage imediatamente. Por isso hoje em dia o otimismo, dito tecnológico, que atravessava o mundo, está em causa. Aliás, por exemplo, a obra mais importante publicada este ano nos Estados Unidos sobre a história do crescimento a nível tecnológico é uma obra muito pessimista relativamente ao impacto que esta quarta revolução industrial irá provocar ao nível da produtividade. Portanto, se de facto esse tal novo ciclo longo do crescimento económico não aparecer com alguma brevidade vamos ter um mundo urbanizado, muito fraturado, desigual e com riscos de estagnação secular. A única coisa que podemos dizer é que no passado houve ciclos longos

induzidos por inovações de nível tecnológico disruptivo. O que não podemos dizer é que o próximo ciclo longo de crescimento vai ser necessariamente determinado por uma nova inovação a nível disruptivo. Este salto exige uma rede de suporte sem buracos e nós não temos essa rede.

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QUADRO LEGAL


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Destina-se a presente rubrica a apresentar, de forma sintética e resumida, a principal legislação nacional e internacional mais recentemente publicada, relevante para o setor da água e/ou de interesse para as Entidades Gestoras, acompanhada de breves comentários, que se consideram importantes, para a sua compreensão e para uma melhor noção das consequências da sua aplicação.


# QUADRO LEGAL

LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

Apresentamos uma lista dos diplomas legais que consideramos mais relevantes para as entidades gestoras e respetivos trabalhadores intervenientes no setor das águas, publicados nos últimos três meses.

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LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

Lei n.º 8/2016, de 1 de abril Procede à décima alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, restabelecendo os feriados nacionais de Corpo de Deus, de 5 de outubro, de 1 de novembro e de 1 de dezembro. Portaria n.º 65/2016, de 1 de abril Define a atualização anual das pensões e de outras prestações sociais atribuídas pelo sistema de segurança social, do regime de proteção social convergente atribuídas pela CGA e por incapacidade permanente para o trabalho e por morte decorrentes de doença profissional, para o ano de 2016. Portaria n.º 67/2016, de 1 de abril Define a idade normal de acesso à pensão de velhice do regime geral da segurança social em 2017 e o fator de sustentabilidade para 2016 e revoga a Portaria n.º 277/2014, de 26 de dezembro.

Lei n.º 11/2016, de 4 de abril Aprova a reposição dos complementos de pensão no sector público empresarial. Portaria n.º 6/2016, de 5 de abril Aprova o modelo do cartão de identificação dos dirigentes e trabalhadores dos serviços e organismos sob a direção ou superintendência e tutela do Ministro Ambiente. Decreto-Lei n.º 18/2016, de 13 de abril Estabelece as normas de execução orçamental do Orçamento do Estado para 2016.

Portaria n.º 161/2016, de 9 de junho Atualiza os montantes do abono de família para crianças e jovens e do abono de família pré-natal, correspondentes aos 2.º e 3.º escalões e respetivas majorações. Portaria n.º 162/2016, de 9 de junho Procede à atualização das pensões de acidentes de trabalho, para o ano de 2016.

Decreto Regulamentar Regional n.º 13/2016/M, de 22 de abril Aprova a orgânica da Direção Regional do Ordenamento do Território e Ambiente.

Decreto Legislativo Regional n.º 10/2016/A, de 16 de junho Estabelece as normas e os critérios para a delimitação dos perímetros de proteção de captações de águas superficiais e subterrâneas destinadas ao abastecimento público para consumo humano na Região Autónoma dos Açores.

Resolução da Assembleia da República n.º 102/2016, de 7 de junho Recomenda ao Governo que legisle no sentido de permitir que a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., possa partilhar com o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) atribuições no âmbito dos crimes ambientais.

Lei n.º 18/2016, de 20 de junho Estabelece as 35 horas como período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, procedendo à segunda alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho. REVISTA APDA_2016

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# QUADRO LEGAL Portaria n.º 173/2016, de 21 de junho Estabelece os termos e condições para a atribuição de potência de injeção de energia elétrica em determinado ponto da RESP aplicáveis no âmbito da modalidade especial do regime de remuneração da produção em cogeração titulado por licença. Decreto-Lei n.º 30/2016, de 24 de junho Procede à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 79/2013, de 11 de junho, que estabelece regras relativas à restrição da utilização de determinadas substâncias perigosas em equipamentos elétricos e eletrónicos (EEE) com o objetivo de contribuir para a proteção da saúde humana e do ambiente, incluindo a valorização e a eliminação, ecologicamente corretas, de resíduos de EEE, e transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva Delegada (UE) 2015/573, da Comissão, de 30 de janeiro de 2015, a Diretiva Delegada (UE) 201/574, da Comissão, de 30 de janeiro de 2015, e a Diretiva Delegada (UE) 2015/863, da Comissão, de 31de março de 2015.

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Decreto-Lei n.º 34/2016, de 28 de junho Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 208/2008, de 28 de outubro, que estabelece o regime de proteção das águas subterrâneas contra a poluição e deterioração, transpondo a Diretiva 2014/80/UE, da Comissão, de 20 de junho de 2014, que altera o anexo II da Diretiva 2006/118/CE, do Parlamento e do Conselho, relativa à proteção das águas subterrâneas contra a poluição e a deterioração. Decreto-Lei n.º 35-A/2016, de 30 de junho Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 18/2016, de 13 de abril, que estabelece as normas de execução do Orçamento do Estado para 2016, em especial no que se refere à clarificação das situações de execução aplicáveis aos quadros de pessoal do setor empresarial do Estado e ao âmbito de aplicação do controle dos gastos operacionais das empresas públicas.

Decreto-Lei n.º 35-C/2016, de 30 de junho Procede à nona alteração ao Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 213/2012, de 25 de setembro, flexibilizando o pagamento de dívidas à segurança social.


LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

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# QUADRO LEGAL

LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA

Apresenta-se também uma lista da principal legislação comunitária que aborda questões relacionadas com o setor das águas.

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LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA

Diretiva 91/271/CEE, do Conselho, de 21 de maio Relativa ao tratamento de águas residuais urbanas, alterada pela Diretiva 98/15/ CE da Comissão de 27 de fevereiro.

Diretiva 93/38/CEE, do Conselho, de 14 de junho Relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das comunicações.

Diretiva 98/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro Altera a Diretiva 93/38/CEE, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das comunicações.

Diretiva 98/15/CE, da Comissão, de 27 de fevereiro Altera a Diretiva 91/271/ CEE no que respeita a determinados requisitos estabelecidos no seu Anexo I.

Diretiva 98/83/CE, do Conselho de, 3 de novembro Relativa à qualidade da água destinada ao consumo humano.

Diretiva 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro Estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água.

Diretiva n.º 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril Relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais.

Diretiva 2009/90/CE, da Comissão, de 31 de julho Estabelece, nos termos da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, especificações técnicas para a análise e monitorização químicas do estado da água.

Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro Relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE.

Diretiva 2008/32/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março Altera a Diretiva 2000/60/CE que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água, no que diz respeito às competências de execução atribuídas à Comissão.

*Não foi publicado nada de relevante no 2º trimestre de 2016. REVISTA APDA_2016

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EVENTOS


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Nesta rubrica pretende-se dar conta dos principais eventos que irão ocorrer no setor da água, a nível nacional e internacional. Primeiramente são apresentados os eventos organizados pela APDA, ou aqueles em que participa, seguindo-se todos os restantes com relevância para o setor da água cuja realização se prevê para um futuro próximo.


# EVENTOS Eventos APDA Encontro “A Satisfação do Cliente como Estímulo ao Aumento da Eficiência” Local: Peniche Dia: 12 de outubro de 2016 Seminário “Saneamento em Pequenos Agregados Populacionais. Soluções Individuais de Tratamento” Local: Oeiras Dia: 26 de outubro de 2016

eventos

Colóquio “Água e Saneamento em Portugal O Mercado e os Preços” Local: Palmela Dia: 24 de novembro de 2016

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Para mais informações www.apda.pt

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Eventos nacionais 17.º ENASB – Encontro de Engenharia Sanitária e Ambiental APESB Local: Guimarães Dia: 14 a 16 de setembro de 2016 4th IWA International Symposium on Water and Wastewater Technologies in Ancient Civilizations IWA/ Universidade de Coimbra/Associação para o Desenvolvimento da Engenharia Civil Local: Coimbra Dia: 17 a 19 de setembro de 2016

Eventos nacionais


EVENTOS: APDA, NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Eventos INTERnacionais Watertech, Watetech, Cleantech (WWC) / Tecnologia do setor da Água, Resíduos e Limpeza Messe Frankfurt Local: Nova Déli | Índia Dia: 26 de agosto de 2016

European Waste Water Management Conference / Conferência Europeia sobre Águas Residuais AquaEnviro (Outros) Local: Manchester Town Hall | Reino Unido Dia: 11 a 12 de outubro de 2016

Stockholm World Water Week “Water and Sustainable Growth” / Semana Mundial da Água de Estocolmo Stockholm International Water Institute Local: Estocolmo | Suécia Dia: 28 de agosto a 2 de setembro de 2016

Aquatech Mexico 2016 World Trade Center Local: Cidade do México Dia: 26 a 28 de outubro de 2016

The Water Expo Miami - 5th Edition / Exposição da Água Miami - 5ª Edição Local: MACC Convention Centre Data: 31 de agosto a 1 de setembro de 2016 IWE – Istanbul Water Expo / Conferência e Exposição Tecnológica de Tratamento de Água e Águas Residuais IWE Local: Instabul Expo Centre Hall 11 Yelsilkoy | Turquia Data: 1 a 3 de setembro de 2016 World Water Congress 2016 / Congresso & Exposição Mundial da Água 2016 IWA Local: Brisbane e Queensland | Austrália Data: 9 a 14 de outubro de 2016 AMTE 2016 - Asia Membrane Technology Expo TechnoBiz Communications Co., Ltd. Local: Banguecoque | Tailândia Data: 14 a 16 de setembro de 2016

14th International Computing and Control for the Water Industry /14ª Edição de conferências Internacionais de computação e controlo da indústria do setor da água IWC - International Water Conferences Local: Amesterdão | Holanda Dia: 7 a 9 de novembro de 2016 XIV International Trade Fair AQUA UKRAINE 2016 International Exhibition Center Local: Kiev | Ucrânia Dia: 8 a 10 de novembro de 2016 Water Expo China Messe Frankfurt e Chinese Hydraulic Engineering Society Local: Beijing | China Dia: 15 a 17 de novembro de 2016 International Integrated Water Cycle Show / Salão internacional do Ciclo Integrado da Água Aqualia e Suez Local: Barcelona, Recinto da Gran Via | Espanha Dia: 15 a 17 de novembro de 2016

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CURIOSIDADES

100%

Por não terem acesso à estrutura de saneamento básico, mulheres e crianças na África Subsariana perdem até seis

horas do dia caminhando

longas distâncias para encher baldes de água. Em apenas um dia, a soma dessas viagens cobriria a distância de ida e volta à Lua. fonte : http://ciclovivo.com.br/noticia/17-curiosidades-sobre-a-agua-quevoce-talvez-nao-saiba/

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REVISTA APDA_2016


A água é a única substância que pode ser naturalmente encontrada nos estados:

Gasoso

Líquido

Sólido

Fonte:http://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/curiosidades-sobre-a-agua.html)

De acordo com a ONU, existem

783 milhões de pessoas no

mundo que vivem sem água potável. Em 2025 esse número pode chegar a

1 800 milhões.

Fonte : http://ciclovivo.com.br/noticia/17-curiosidades-sobre-a-aguaque-voce-talvez-nao-saiba/

Na América Latina são

36 milhões de pessoas sem acesso à

água de boa qualidade. Fonte : http://ciclovivo.com.br/noticia/17-curiosidades-sobre-a-aguaque-voce-talvez-nao-saiba/ Morrem 4

milhões

de crianças em todo mundo por ano, vitimadas pela falta de água limpa e saneamento adequado. Fonte: http://vivoverde.com. br/diadaagua-26-curiosidadessobre-a-agua/

2% da água do planeta está nos glaciares e

icebergs. Fonte:http://www. sitedecuriosidades.com/ curiosidade/curiosidadessobre-a-agua.html

fonte: https://reciclavelxdescartavel.wordpress.com/2011/01/09/curiosidades-sobre-a-agua/ REVISTA APDA_2016

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apda Associacao Portuguesa

de Distribuicao e Drenagem de Aguas


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