REVISTA
EDIçãO 16 1º TRIMESTRE
2020 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS
A ÁGUA EM PORTUGAL NA PRÓXIMA DÉCADA | ROTEIRO PARA 2030
Edição APDA
Projeto Gráfico OTNovesete Comunicação
Diretor Nelson Geada
Diretora Criativa Sandra Souza
Conselho Editorial Arnaldo Pêgo Paulo Nico Pedro Béraud Pedro Laginha
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Coordenação Ana Antão Colaboração Especial Eduardo Paulino
ÓRGÃOS SOCIAIS DA APDA ASSEMBLEIA GERAL Presidente: Francisco Oliveira Secretário: Francisco Marques Secretário: Gertrudes Rodrigues
EDITORIAL
# FICHA TÉCNICA
CONSELHO DIRETIVO Presidente: Rui Godinho Vice-Presidente: Frederico Fernandes Vice-Presidente: J. Henrique Salgado Zenha Vice-Presidente: Rui Marreiros CONSELHO FISCAL Presidente: Carlos Pinto de Sá Secretário: Jorge Nemésio Secretário: Vitor Lemos
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem indicação da respetiva fonte. Revista APDA é uma publicação trimestral. Para mais informações sobre publicidade ou informações gerais, Tel.: (+351) 218 551 359 ou E-mail: geral@apda.pt APDA - Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas Av. de Berlim, 15 - 1800-031 Lisboa - Portugal • Tel.: (+351) 218 551 359 • E-mail: geral@apda.pt
Este número da nossa revista vem a lume num período difícil para o país e para o mundo. A pandemia que vai cobrindo o planeta teve impacto na vida de todos, e um dia se fará uma análise distanciada que permita prevenirmo-nos mais, para um evento que queremos de exceção, mas que poderá repetir-se, com contornos não necessariamente iguais, mas com os mesmos efeitos práticos na comunidade global que somos.
A todas as entidades gestoras e a todos os profissionais que dedicam as suas vidas à nobre tarefa de garantir, em todas as circunstâncias, o fornecimento de água à comunidade, quero expressar aqui o nosso grande apreço, com a certeza de assim corporizar o pensamento coletivo.
As entidades gestoras de sistemas de abastecimento de água e de tratamento de efluentes têm de ser saudadas, estiveram desde a primeira hora no teatro de luta contra esta pandemia! Para a maioria dos operacionais não pode haver quarentena, pois os recursos humanos são sempre escassos e a água para consumo, sempre necessária, é, pelas razões que se conhecem, indispensável neste contexto. Ainda não houve tempo para que os homens de ciência se debruçassem sobre todas as formas possíveis de propagação de vírus deste tipo, nomeadamente em alguma fase do ciclo urbano da água. É uma preocupação que temos … e com que ficamos até que tempos mais adequados permitam que a comunidade científica se debruce sobre esta questão. A nossa revista é, desta vez, uma compilação das várias mesas redondas do ENEG 2019. O evento valeu por si, e a riqueza dos conteúdos que aqui se espelha mostra um setor vivo e atualizado face ao que se passa no mundo. A todos os que colaboraram no trabalho difícil que é a síntese de diversas abordagens o nosso muito obrigado! Continuaremos a recorrer às competências que o país tem, reconhecidas por todos, nomeadamente nos fora internacionais.
Nelson Geada Diretor da Revista APDA
CONSELHO DIRETIVO
ESPAÇO RUI GODINHO Presidente do Conselho Diretivo da APDA
OS GRANDES DESAFIOS DA DÉCADA 1. A APDA definiu como tema principal do ENEG 2019 - que se realizou em Ílhavo de 19 a 22 de novembro de 2019 - discutir a “Água em Portugal na próxima Década| Roteiro para 2030”. Este ENEG 2019, uma vez mais, confirmou-se como a mais importante e representativa conferência sobre a Gestão da Água em Portugal. Em consequência, há outras conclusões a sublinhar de novo, nomeadamente quanto ao facto de se ter amplamente revelada como acertada e oportuna a nossa proposta/desafio de lançar no Setor e na Sociedade Portuguesa no seu todo, o debate sobre o tema dos principais desafios e estratégias que se colocam ao Setor da Água e do Saneamento nesta Década 20/30 e para além dela, procurando envolver todos os “stakeholders” na procura e construção das melhores e mais resilientes soluções, que garantam a “segurança hídrica” do País e a “sustentabilidade integral” dos serviços de água e saneamento. Entretanto, a partir da posição privilegiada assumida no Conselho Mundial da Água, tenho procurado alargar a abordagem sobre o que há que ter em conta quanto ao futuro no que à Água diz respeito, enquanto elemento estruturante da vida e do desenvolvimento sustentável em contextos cada dia mais complexos e perigosos com que nos defrontamos. Referi-me, no último número da Revista APDA, ao contexto das “Mudanças Globais” em curso nesta nossa era de globalização desregulada e desrespeitadora dos equilíbrios ambientais, económicos, sociais e culturais, chamando a atenção para o determinante papel das “Alterações Climáticas”, que “afetam e determinam em muito as reais disponibilidades de água com que contaremos, a sua variabilidade e escassez, caraterizadas por crescentes e complexas incertezas e ameaças, tanto ao nível global como regional, apesar de ainda não conhecermos com exatidão todos os seus possíveis efeitos”1. De resto, o problema da água vem criando fortes tensões em vastas regiões do Mundo, como a Índia e o Paquistão, já que os dois países compartilham os leitos de seis rios, não se entendendo relativamente à gestão destes recursos hídricos. Acontece o mesmo na Bacia do Nilo, envolvendo Egipto, Etiópia, Eritreia, Sudão e mesmo o Quénia, o que coloca no topo das preocupações em torno das garantias da segurança hídrica os mecanismos da “Gestão Transfronteiriça e Integrada dos Recursos Hídricos” partilhados.
Rui Godinho: “A Água em Portugal na Próxima Década num Contexto de Mudanças Globais”: Revista APDA, Edição 15, 4º Trimestre 2019. 1
# ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO Veja-se, a propósito, o que pensa o Secretário-Geral das Nações Unidas: “A crise climática, nomeadamente a deficiente gestão da água, são dos maiores obstáculos à paz, estabilidade e prosperidade globais”2. Este contexto aparece agravado com a inclusão do gravíssimo processo de crescimento incontrolado das “Megacidades” e “Regiões Metropolitanas”, sem regras de planeamento estratégico ou qualquer esboço de estruturação urbana ou algum sinal de ordenamento, sinalizando também uma brutal “mudança global” em curso, incrementado a pobreza, a insegurança e a proliferação de novas epidemias. Segundo o Banco Mundial, as Cidades, especialmente as “Megacidades”, disporão em 2050 de menos 2/3 da água que dispunham em 2015, ultrapassando a procura largamente as disponibilidades existentes3. Em 2050 o valor dos ativos em risco prevê-se que triplique, atingindo 45 Triliões de US$. Além disso, até 2030, serão necessários 650 Biliões de US$ por ano para assegurar as infraestruturas necessárias para garantir condições globais de segurança hídrica4. O paradigma mudou profundamente, pelo que há necessidade de um “Novo Pensamento Estratégico”, que responda aos enormes desafios que são colocados pelo contexto das profundas “Mudanças Globais” que nos afetam (e ameaçam!): acrescentando às alterações climáticas (e Portugal, incluindo Lisboa, é muito vulnerável aos seus efeitos), e ao desastre em curso nas Megacidades e Regiões Metropolitanas, as “Migrações” sem controlo, como expressão de um profundo problema de “Demografia, Estabelecimentos/Habitação e Direitos Humanos” em diversos Continentes, agravados pela ocorrência mais frequente e devastadora de “eventos extremos”, determinam um novo quadro de “Emergência”, já claramente patente no último trimestre de 2019. 2. Porém, em fevereiro/março deste ano 2020, agravando de forma violenta tudo o que já tipificava uma “situação global de emergência”, um choque sanitário e económico, sem precedentes e sem fronteiras, abateu-se sobre a toda a Humanidade. Refiro-me obviamente à “pandemia”, com incidência planetária, provocada pelo novo Coronavírus, designada COVID-19 pela Organização Mundial de Saúde. Como já todos sabemos, estamos perante um gigantesco novo patamar da “Emergência” antes referida, que introduz brutalmente uma “Urgência Global de Saúde Pública”, sobrepondo-se a todas as “Mudanças Globais” que já nos ameaçavam e afetavam gravemente e, portanto, condicionando-as totalmente.
António Guterres: Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável. Islamabad, Paquistão, fevereiro 2020. Idem 1. 4 UN High-Level Panel on Water, 2018. 2 3
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OS GRANDES DESAFIOS DA DÉCADA
No que respeita à Água, como elemento essencial à vida e fator de promoção da qualidade do nosso bem-estar e desenvolvimento sustentável, as interações não podem ser mais evidentes. No que toca às Entidades Oficiais a todos os níveis, Entidades Gestoras, membros da APDA e de outras organizações do Setor, com quem temos uma forte ligação e cooperação, quero deixar uma mensagem para que todos possamos ser úteis na ajuda ao combate a esta ameaça. Assim, a Saúde Pública, emergindo como uma incontornável “urgência global”, vem neste contexto por à prova a “Resiliência das Sociedades Modernas” perante ameaças de natureza e dimensões nunca vistas no nosso tempo. O Setor da Água em Portugal, como prestador de um “serviço público essencial”, de acordo com a Lei nº 23-96, de 26 de julho, nomeadamente através das Entidades Gestoras, encontra-se perante um novo e muito exigente desafio. Estou seguro que estará à altura de dar a sua indispensável contribuição para garantir a “estabilidade e segurança dos serviços de água e saneamento” a toda a população, organizando-se, no quadro legal de emergência declarada para todo o País, nomeadamente através de “planos de contingência” ou outras soluções também adequadas, para encontrar as melhores e mais rápidas respostas para as dificuldades inerentes a uma situação de exceção. Para finalizar, uma primeira e preliminar reflexão sobre uma situação completamente nova que estamos a viver, muito perigosa e que se espalhou com uma incrível “brutalidade” por todos os países que, na sua maioria, não estavam preparados, apesar das informações que chegavam da China, onde principiou e ganhou forma de “epidemia”, evoluindo depressa para “pandemia”, provocando consequências sanitárias de enorme gravidade: • Urge criar condições para nos prepararmos para crises que afetam gravemente a “condição humana”; • Aplicar os princípios da “precaução” e da “prevenção” (por esta ordem) na definição e aplicação das medidas com implicações estratégicas e políticas, nomeadamente em matérias que atentem gravemente contra o Saúde Pública, a Vida Humana, o Ambiente, a Gestão da Água e os Equilíbrios dos Ecossistemas; • Integrar sempre o conhecimento científico nos processos de decisão política e na gestão e regulação dos processos com impacto nas áreas atrás mencionadas, onde os ativos estratégicos de água e saneamento se incorporam, como a APDA vem defendendo e trabalhando, nas suas Comissões Especializadas, designadamente na Inovação e Desenvolvimento.
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# Destaque
FRANCISCO NUNES CORREIA
# ATUALIDADE
RUI MARREIROS E JORGE PULIDO VALENTE
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Segurança hídrica e alterações climáticas
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A desertificação humana do interior de Portugal e o impacto nos serviços de águas Carlos Martins
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A revisão do PENSAAR 2020 | Nova estratégia para 2030 FRANCISCO SILVESTRE DE OLIVEIRA
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A agregação das entidades gestoras em baixa | O que foi feito? Que futuro? MIGUEL CARRINHO
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A inovação no setor da água | A indústria 4.0 SUSANA FERREIRA
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A gestão das águas pluviais: um novo paradigma? ANDRÉ GOMES DA COSTA
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A internacionalização do setor da água
# QUADRO LEGAL
LEGISLAÇÃO PORTUGUESA
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LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA
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# EVENTOS
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# CURIOSIDADES
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INDICADORES PORTU GAL
DESTAQUE Francisco Nunes Correia Professor Catedrático de Ambiente e Recursos Hídricos Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa
Francisco Nunes Correia Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa, desenvolvendo atividade letiva e de investigação na Área Disciplinar de Ambiente e Recursos Hídricos. Licenciado em Engenharia Civil pelo IST e Doutorado em Hidrologia e Recursos Hídricos pela Colorado State University. Investigador Coordenador pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Desempenhou funções públicas, nomeadamente como Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, como Diretor-Geral dos Recursos Naturais, como Coordenador do Plano Nacional de Política do Ambiente e como Presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Tem desenvolvido intensa atividade de ensino, investigação e consultoria, a nível nacional e internacional, nas áreas do ambiente e dos recursos hídricos, nomeadamente no âmbito de projetos europeus como o EUROflood, o EuroWater e o Water 21, e junto de instituições internacionais como o Banco Mundial, a OCDE e a Comissão Europeia. Autor ou coautor de 10 livros e mais de 130 artigos, capítulos de livros e relatórios técnicos nas áreas de especialidade.
# DESTAQUE
SEGURANÇA HÍDRICA E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS Uma Questão de Grande Relevância Estratégica para Portugal “As alterações climáticas passaram, assim, a ser consideradas
um dos quatro problemas ambientais globais, porventura o mais grave, em conjunto com a destruição das florestas, a perda de biodiversidade e a desertificação.”
Francisco Nunes Correia Professor Catedrático de Ambiente e Recursos Hídricos Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa
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Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
1. INTRODUÇÃO Não é possível abordar o tema das alterações climáticas sem ter em devida conta a sua relevância na gestão dos recursos hídricos. Com efeito, a água, e as suas várias formas de ocorrência no planeta, constituem uma importante componente do clima e um agente determinante desse mesmo clima. Contudo, a água é também um recurso indispensável, de forma
direta ou indireta, para a generalidade das atividades humanas, pelo que as alterações relativas à sua disponibilidade não podem deixar de ter profundas repercussões na vida das sociedades. Desde sempre se sabe, por experiência própria, que os recursos disponíveis variam de ano para ano. Contudo, em situação de “estabilidade” climática, essa variação obedece às leis da probabilidade. Quando
se consideram valores anuais, a precipitação e o escoamento tendem a comportar-se como variáveis aleatórias independentes com parâmetros que podem ser determinados com razoável rigor, tanto maior, naturalmente, quanto maior for a amostra disponível. Ajustada uma lei de probabilidade e estimados os seus parâmetros, é possível inferir qual o valor esperado em cada ano e quais os valores associados a qualquer probabilidade de excedência REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# DESTAQUE (ou não excedência). Sabe-se assim, com considerável rigor, os recursos de que é possível dispor com vários níveis de garantia, isto é, que apenas não são alcançados, por exemplo, em média uma vez em cada 20 anos ou uma vez em cada 100 anos. Como é óbvio, qualquer projeto de recursos hídricos baseia-se neste tipo de abordagem, que pressupõe que o presente e o futuro “reproduzem” o passado no que diz respeito às probabilidades de ocorrência dos valores dos recursos disponíveis. Esta abordagem, contudo, cai pela base se, em vez dessa “estabilidade”, constatarmos alguma forma de “transiente” entre aquilo que o “passado” mais ou menos remoto nos mostra e aquilo que começamos a verificar estar a ocorrer num passado recente e no presente, mostrando mesmo tendência a acentuar-se no futuro de uma forma em grande medida ainda incerta. É esse o problema central da (in)segurança hídrica associada às alterações climáticas.
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2. Conceito de segurança hídrica A segurança hídrica, enquanto principal desígnio da gestão dos recursos hídricos, consiste no assegurar de uma disponibilidade fiável de água, em condições aceitáveis de quantidade, qualidade e de proteção dos ecossistemas hídricos, satisfazendo as necessidades humanas em matéria de saúde, de higiene e resultantes das várias atividades económicas, garantindo também riscos comportáveis relativamente a desastres naturais, nomeadamente cheias e secas. A disponibilidade fiável de água remete diretamente para os importantes conceitos de risco, de resiliência e de vulnerabilidade. O risco tem a ver com a probabilidade de não se dispor do recurso na quantidade e com a qualidade necessárias, seja por razões naturais associadas à aleatoriedade própria das variáveis hidrológicas, seja por razões imputáveis a práticas de gestão. A resiliência tem a ver com a capacidade de fazer face a situações adversas sem entrar em rotura. Por exemplo, em situação de
seca prolongada, durante quanto tempo é possível manter um nível de utilização aceitável com base no armazenamento disponível e em medidas adequadas de gestão. A vulnerabilidade consiste no valor esperado do prejuízo causado por uma situação de rotura, ou seja, a probabilidade dessa rotura ocorrer multiplicada pelos danos que a sua ocorrência ocasiona. Assim, um sistema é mais vulnerável se pode incorrer em situações de prejuízo que, mesmo não sendo muito elevados, ocorrem com considerável frequência ou, no extremo oposto, se tendo uma probabilidade relativamente baixa podem conduzir a prejuízos tão grandes que as consequências são muito negativas. Em qualquer destes casos o valor esperado do prejuízo é elevado e, por isso, o sistema é considerado como tendo uma elevada vulnerabilidade. Quando se dispõe de registos suficientemente longos de dados fiáveis e homogéneos, bem como um conhecimento razoável dos possíveis danos que podem ocorrer, é possível projetar e construir sistemas de recursos hídricos que
Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
garantam níveis aceitáveis de risco e de vulnerabilidade e que tenham um desempenho tão resiliente quanto possível. Infelizmente, isso nem sempre é viável e as alterações climáticas vêm trazer uma incerteza acrescida aos processos de decisão. Com efeito, gerir recursos hídricos implica, obviamente, tomar decisões e importa, por isso, analisar com rigor os possíveis contextos em que as decisões são tomadas.
3. Contextos de decisão no domínio dos recursos hídricos A Teoria da Decisão, que registou um grande desenvolvimento na segunda metade do século XX, considera fundamentalmente três contextos de decisão: i) determinística, ii) em situação de risco e iii) em situação de incerteza. A decisão determinística ocorre quando é possível conhecer com rigor o
resultado de cada opção. Assim, se existirem n decisões possíveis (d1, d2,..., dn) a que correspondem resultados bem conhecidos (r1, r2,..., rn), a melhor decisão é, naturalmente, aquela que maximiza o resultado: Se Max (r1, r2,..., rn) = ri então a melhor decisão é di A natureza intrinsecamente aleatória dos processos hidrológicos determina que esta abordagem tenha um interesse prático muito limitado. Contudo ela é REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# DESTAQUE importante por balizar conceptualmente os possíveis contextos de decisão e poderá, em alguns casos concretos, admitir-se que a aleatoriedade dos processos em causa não é suficientemente significativa para que não se possa optar, pelo menos em primeira aproximação, por uma abordagem determinística. Na decisão em contexto de risco admite-se que a cada possível decisão di (i = 1, 2, ..., n) corresponde um conjunto de m resultados possíveis rij (j = 1, 2, ..., m) com probabilidades de ocorrência pij (j = 1, 2, ..., m). Neste caso, considera-se que a melhor decisão é a que maximiza o valor esperado (VE) dos resultados associados às n decisões possíveis. Com efeito, para cada decisão possível di, o seu valor esperado é dado por:
Finalmente, na decisão em situação de incerteza conhecem-se os possíveis resultados rij associados a cada decisão di, mas não é possível determinar as probabilidades com que esses resultados ocorrem. Com efeito, admite-se que todos podem ocorrer, mas não existe informação ou conhecimento suficiente para atribuir a cada resultado uma probabilidade de ocorrência pij. Trata-se, portanto, apenas de “cenários” plausíveis.
Ou seja, a melhor decisão di é aquela a que corresponde o Max (rij), para i = 1, 2, ..., n e j = 1, 2, ..., m. Esta atitude é designada também por MaxMax e tem implícita a ideia de que se o “otimismo” em que a decisão se baseou (“... tudo vai correr pelo melhor”) for frustrado e o resultado da nossa decisão não for o melhor de entre os plausíveis, qualquer outro resultado que possa ocorrer não é o ótimo mas, ainda assim, é aceitável.
Neste caso, a Teoria da Decisão diz-nos que se podem adotar basicamente duas atitudes. Uma atitude “otimista” ou uma atitude “pessimista”. A atitude “otimista” parte do princípio que tudo vai correr pelo melhor e que, portanto, de entre todas as decisões, deve-se escolher aquela que maximiza o resultado possível:
Um outra atitude possível, e diametralmente oposta, é uma atitude “pessimista” que parte do princípio que tudo pode correr pelo pior. Nesse caso, faz sentido optar pela decisão cujo pior resultado é o “menos mau” ou seja, a decisão que, olhando para os piores resultados possíveis associados às várias decisões, escolhe aquela que maximiza esse pior resultado (o menos mau).
Torna-se então necessário determinar o maior (melhor) destes valores esperados para saber qual é a melhor decisão:
Se para a decisão d1, Max (r11, r12, ..., r1m) = r1j, para a decisão d2, Max (r21, r22, ..., r2m) = r2j, ..., e para a decisão dn, Max (rn1, rn2, ..., rnm) = rnj, então a melhor decisão di é aquela a que corresponde o máximo dos máximos:
Se Max [VE(d1), VE(d2), ..., VE(dn)] = VE(di) então a melhor decisão é di
Max (r1j, r2j, ..., rnj) = Max [Max (rij), para j = 1, 2, ..., m] para i = 1, 2, ..., n
VE(di) =∑ rij . pij (j = 1, 2, ..., m)
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Assim se para a decisão d1, o Min (r11, r12, ..., r1m) = r1j, para a decisão d2, Min (r21, r22, ..., r2m) = r2j, ..., e para a decisão dn, Min (rn1, rn2, ..., rnm) = rnj, então a melhor decisão dj é aquela a que corresponde o máximo dos mínimos (o menos mau):
Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
Max (r1j, r2j, ..., rnj) = Max [Min (rij), para j = 1, 2, ..., m] para i = 1, 2, ..., n Esta abordagem, eminentemente defensiva e avessa ao risco, dado que busca o menos mau dos piores valores que podem resultar de cada decisão, é designada na Teoria da Decisão por MaxMin. É ainda possível decidir com base numa ponderação entre o melhor e o pior resultado que pode advir de cada decisão, mas o interesse desse critério é reduzido de um ponto de vista conceptual. O seu interesse prático consiste, sobretudo, em permitir ter uma medida do grau de “robustez” com que uma decisão “otimista” ou “pessimista” é adotada. Esta abordagem consiste em, para cada decisão, multiplicar o melhor resultado que dela pode advir por α e o pior resultado por (1-α), com 0 ≤ α ≤ 1, e escolher a decisão a que corresponde o maior valor desta ponderação. Tudo se passa como se α representasse o “grau de otimismo” do decisor dado que quando α = 1 esta abordagem corresponde à atitude “otimista” acima descrita e quando α = 0 está-se perante
a atitude “pessimista”. O interesse desta abordagem consiste em grande medida numa espécie de “análise de sensibilidade” porque, fazendo variar o valor de α entre 0 e 1, é possível analisar com que “grau de otimismo” é que as decisões são tomadas. Neste quadro conceptual, torna-se evidente que as alterações climáticas obrigam a deslocar os processos de decisão de um contexto probabilístico, em que se admite que são suficientemente bem conhecidas as probabilidades com que podem ocorrer as disponibilidades hídricas, para um contexto de incerteza em que pouco mais podemos fazer do que cenarizações, devendo as decisões ser tomadas com base numa atitude essencialmente defensiva, isto é, procurando sempre as decisões a que corresponde o “menos mau” dos resultados (MaxMin) ou que, pelo menos, não conduzam a resultados não aceitáveis ou mesmo catastróficos.
4. Alterações Climáticas e Incidência nos Recursos Hídricos no mundo e em Portugal As organizações internacionais, especialmente sob a égide das Nações Unidas, têm dedicado grande atenção à temática das alterações climáticas e, no âmbito desta vasta temática, à questão crucial da sua incidência na disponibilidade dos recursos hídricos. Nesta, como noutras matérias, a Conferência do Rio em 1992 (Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento) constitui um verdadeiro “virar de página”. Com efeito, em Maio de 1992, no âmbito da preparação desta conferência, frequentemente designada por “Cimeira da Terra”, foi aprovada a Convenção-Quadro sobre as Alterações Climáticas, aberta para subscrição, por parte de todas as nações do mundo, durante a realização da referida conferência em junho do mesmo ano. As alterações climáticas passaram, assim, a ser consideradas um dos quatro problemas ambientais globais, porventura o mais grave, em conjunto com a destruição das florestas, a REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# DESTAQUE perda de biodiversidade e a desertificação. A Figura 1 apresenta a alteração no mundo da precipitação média anual, em mm/dia, no período 2070-2100, relativamente à média no período 1960-1990, segundo a melhor estimativa feita no quadro das Nações Unidas. A Figura 2 mostra a alteração percentual do escoamento médio anual no período 2090-2099 relativamente à média no período 1990-1999.
Figura 1 - Alteração da precipitação média anual em mm/dia estimada para o período 2070-2100 relativamente à média anual observada no período 1960-1990
É notório que a bacia do Mediterrâneo e toda a Península Ibérica vão sofrer alterações significativas e, apesar da escala não permitir grande definição espacial, é também notório que Portugal, deverá sofrer mudanças climáticas diferenciadas, apesar do seu território ser relativamente pequeno. A Figura 3 mostra a alteração percentual da precipitação anual média do território continental do nosso País. A diminuição dos valores desta variável hidrológica é mais pronunciada a sul, especialmente no Alentejo, onde se situa em valores entre -10 e -20%, podendo
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Figura 2 - Alteração em percentagem do escoamento médio anual estimado para o período 2090-2099 relativamente à média anual observada no período 1990-1999
alcançar pontualmente valores até -30%. No resto do País a redução da precipitação anual média situa-se entre 0 e 10%, podendo alcançar em algumas
áreas restritas valores até -20% e em áreas ainda mais restritas valores entre 0 e +15%.
Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
Alteração da Precipitação (%) -30% a -20% -20% a -10% -10% a 0% 0% a +15%
0
50
100 km
Figura 3 - Alteração percentual da precipitação anual média em Portugal continental em resultado das alterações climáticas
Resulta claramente destas figuras que é previsível um aumento da precipitação e do escoamento no norte da Europa e uma diminuição no sul do continente. Como é óbvio, esta situação criará desafios significativos em países onde as disponibilidades per capita já são menores. Dada que a utilização da água é transversal à generalidade das atividades económicas, são previsíveis desafios e constrangimentos nos domínios do abastecimento fiável para fins domésticos, industriais e para irrigação, bem como para a qualidade dos ecossistemas.
Impõe-se, portanto, a adoção de políticas que permitam aumentar a resiliência e diminuir a vulnerabilidade, nomeadamente através de estratégias que conduzam a um aumento da eficiência hídrica e que permitam também fazer face de forma mais eficaz a situações extremas tais como cheias e secas. Deve ser sublinhado, também, o aumento do potencial de conflitualidade em bacias transfronteiriças, área particularmente sensível para Portugal, como é do conhecimento geral.
5. Documentos estratégicos e programáticos mais relevantes com incidência nos recursos hídricos 5.1. Introdução e antecedentes A problemática das alterações climáticas e, em particular, da sua incidência na gestão dos recursos hídricos, tem vindo a ser abordada em Portugal no âmbito de várias iniciativas no domínio das políticas públicas, pelo menos desde 1995 com a aprovação do Plano Nacional da Política de Ambiente, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/95, de 21 de abril. Neste documento, de características pioneiras no nosso País, elaborado no seguimento da Conferência do Rio e da aprovação da Convenção Quadro sobre Alterações Climáticas, estabelece-se como Área de Atuação, no capítulo 3.6 dedicado à qualidade do ar e clima, a “Implementação em Portugal das obrigações resultantes da Convenção sobre as Alterações Climáticas e de outras Convenções e Acordos internacionais REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# DESTAQUE relevantes para o clima”. Neste âmbito, apontam-se como principais medidas a necessidade de promover a “Análise da variabilidade do clima”, a “Análise dos impactos Socioeconómicos das variações climáticas” e a “Vigilância do clima em Portugal e avaliação das causas e dos efeitos das alterações climáticas”. Especificamente em relação aos recursos hídricos, preconiza-se, no capítulo 3.2, a necessidade de fazer uma “Avaliação das possíveis consequências de uma mudança climática e da elevação do nível médio das águas do mar, formulando estratégias para fazer face a estas eventualidades”. Decorreram, entretanto, 25 anos! Mais recentemente, entre outras iniciativas, destacam-se como especialmente relevantes: a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, ENAAC 2020, aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros nº 24/2010, de 1 de abril; o Quadro Estratégico para a Política Climática, o Programa Nacional para as Alterações Climáticas e uma revisão da ENAAC 2020, aprovados pela Resolução do Conselho
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de Ministros nº 56/2015, de 30 de julho; e, sobretudo, o recente Programa de Ação para Adaptação às Alterações Climáticas, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 130/2019, de 2 de agosto, merecendo este último especial atenção pela sua atualidade e pertinência. 5.2. Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC 2020) A ENAAC 2020, aprovada em 2010, estabelece 3 objetivos fundamentais, identifica nove setores prioritários de especial vulnerabilidade e preconiza medidas de política em cinco áreas temáticas que são consideradas de particular relevância, de forma transversal relativamente a todos os setores prioritários. A organização do documento é apresentada de forma esquemática na Figura 4. A gestão dos recursos hídricos constitui uma das áreas temáticas consideradas na ENAAC 2020. O documento reconhece que as alterações climáticas deverão ter impactos significativos e diretos na distribuição temporal e espacial da disponibilidade
dos recursos, na qualidade da água e no risco de ocorrência de cheias e secas. A estes impactos diretos acrescem efeitos indiretos “resultantes de transformações das atividades económicas e sociais que podem agravar as pressões sobre o meio hídrico, designadamente através de um aumento da procura de água ou de um aumento da quantidade de poluentes afluentes às massas de água”. O documento determina ainda que os ciclos de planeamento associados aos Planos de Gestão de Região Hidrográfica, aos Planos de Gestão de Inundações e aos Planos de Gestão de Secas, devem ser revistos periodicamente de forma a permitir “a aplicação de uma estratégia de adaptação, de uma forma faseada e suportada por um contínuo aprofundamento do conhecimento sobre o fenómeno das alterações climáticas”.
Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
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Investigação e Inovação
Áreas Temáticas Agricultura Biodiversidade Economia Energia Florestas Saúde Segurança - Pessoas e Bens Transportes e Comunicações Zonas Costeiras
Objetivos ENAAC 2020: • Melhorar o nível de conhecimento sobre as alterações climáticas • Implementar medidas de adaptação • Promover a integração da adaptação em políticas setoriais
Figura 4 - Áreas temáticas, setores prioritários e objetivos da ENAAC 2020
5.3. Quadro Estratégico para a Política Climática (QEPiC), Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC) e revisão da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC) A Resolução do Conselho de Ministros nº 56/2015, de 30 de julho, aprovou de uma assentada o Quadro Estratégico para a Política Climática (Anexo I da RCM), o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (Anexo II da RCM) e uma versão revista da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (Anexo III da RCM), que se apresentam, sumariamente, a seguir:
a) O Quadro Estratégico para a Política Climática (QEPiC) é de âmbito bastante geral, procurando estabelecer a articulação entre vários documentos de política pública relevantes para a temática climática com ênfase na descarbonização da economia, no envolvimento da sociedade e na integração dos objetivos climáticos nos domínios setoriais. Neste contexto, identifica as seguintes componente do Quadro Estratégico: 1. Políticas nacionais de mitigação das alterações climáticas; 2. Políticas nacionais de adaptação;
3. Dimensão internacional em matéria de alterações climáticas; 4. Reporte e monitorização da implementação da política climática e das ações desenvolvidas; 5. Financiamento da transição para uma economia competitiva, resiliente e de baixo carbono; 6. Estrutura de governação. Todas estas componentes são, naturalmente, relevantes para os recursos hídricos mas essa relevância não é abordada de uma forma explícita ou especializada. b) O Programa Nacional para as Alterações Climáticas REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# DESTAQUE (PNAC) dirige-se fundamentalmente aos setores da Administração Pública, bem como às administrações regional e local, procurando que estes vários níveis de administração integrem nas suas atividades e iniciativas procedimentos e medidas que contribuam
para uma trajetória de baixo carbono. O PNAC está muito centrado na redução das emissões de carbono e aborda de uma forma algo ligeira e um pouco “amalgamada” a temática das águas residuais, com ênfase nos serviços de água (Quadro 1), e a temática da poluição
causada pela pecuária no âmbito das medidas para o setor da agricultura (Quadro 2). Estas abordagens não podem deixar de transmitir a ideia de que, relativamente ao tema geral dos recursos hídricos, muito parece ter ficado esquecido ou subestimado.
Quadro 1 - Medidas do PNAC relativas a águas residuais Meta de redução de emissões em 2020|2030, face a 2005: –14 %|–26 % Vetores de atuação 2 - Águas residuais
Medidas
R2.1 Proteção do ambiente e melhoria da Objetivos: melhorar a qualidade das massas qualidade das massas de água: de água e a qualidade dos serviços prestados • Redução da poluição urbana nas massas de água aos utentes; otimizar a gestão eficiente dos recursos - ativos, sistemas, recursos hídricos R2.2 Melhoria da qualidade dos serviços e ambientais; promover a sustentabilidade prestados: económica, social e financeira do sector • Melhoria da qualidade de serviço no saneamento de águas residuais
Documentos considerados PENSAAR 2020
PENSAAR 2020
R2.3 Otimização e gestão eficiente dos recursos: PENSAAR 2020 • Redução das perdas de água • Valorização de recursos e subprodutos • Alocação e uso eficiente dos recursos hídricos
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Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
Quadro 2 - Medidas do PNAC para o setor da agricultura relativas aos efluentes da pecuária Meta de redução de emissões em 2020|2030, face a 2005: –8 %|–11 % Vetores de atuação
Medidas
1 - Efluentes da pecuária Objetivo: reduzir a intensidade carbónica do tratamento de efluentes de pecuária
c) A versão revista da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), é bastante mais explícita em relação à problemática dos recursos hídricos. Assim, no âmbito da áreas temáticas e da sua integração vertical (Figura 4), a Estratégia aborda de forma explícita a necessidade dessa integração na gestão dos recursos hídricos:
Documentos considerados
A1.1 Criação de sistemas de tratamento de efluentes mais eficientes: • Implementação de sistemas de tratamento baseados em digestão anaeróbica com valorização energética do biogás associados a sistemas de tratamento complementares (ex. compostagem) • Implementação de sistemas de tratamento com outras soluções de valorização adequadas à qualidade dos efluentes rececionados mais eficientes e que tenham em conta o fator transporte/distribuição • Promoção da aplicação do Código de Boas Práticas Agrícolas (CBPA) e utilização dos referenciais oficiais para efeitos da utilização de efluentes pecuários como fertilizantes do solo
PDR 2020
A1.2 Reforço da implementação do Regime de Exercício da Atividade Pecuária (REAP), nomeadamente do respetivo sistema de informação
PDR 2020
A.1.3 Monitorização de GEE nos sistemas de monitorização das políticas e medidas com vista à melhoria do desempenho ambiental do setor pecuário, recorrendo a metodologias compatibilizadas com o inventário de emissões e no âmbito do REAP
PDR 2020
“A Área Temática dedicada à integração da Adaptação na Gestão dos Recursos Hídricos deve promover a introdução da componente Adaptação nos instrumentos de política, planeamento e gestão dos recursos hídricos nacionais, a escalas relevantes para uma coerente implementação da ENAAC 2020. O âmbito desta Área Temática deverá também incluir a
capacitação dos diversos agentes setoriais em matéria de adaptação tendo em conta a variabilidade espacial dos riscos e oportunidades associados aos efeitos das alterações climáticas nos recursos hídricos. Sem prejuízo de outras prioridades que sejam acordadas no decorrer dos trabalhos da Estratégia esta área deverá promover a avaliação setorial e a REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# DESTAQUE articulação intersetores dos principais constrangimentos e oportunidades para a adaptação relacionados com a gestão dos recursos hídricos, incluindo as seguintes ações, designadamente: • Incorporar a componente adaptação nos principais instrumentos de política, planeamento e gestão da água; • Promover a divulgação de informação sobre a gestão dos recursos hídricos que oriente os diversos agentes sectoriais na gestão ativa da adaptação às alterações climáticas nas suas atividades, considerando as especificidades das bacias hidrográficas; • Propor e acompanhar a implementação de medidas de adaptação de âmbito da gestão dos recursos hídricos”. 5.4. Programa de Ação para Adaptação às Alterações Climáticas (P3AC) Em 2019 a Resolução de Conselho de Ministros n.º 130/2019, de 2 de agosto, aprovou o Programa de Ação para Adaptação às Alterações Climáticas (P3AC). Trata-se de um documento que, pela sua abrangência e profundidade,
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merece ser lido por quem está interessado nesta temática e na forma como a sua abordagem tem evoluído em Portugal, desde logo porque apresenta uma síntese bastante completa dessa evolução. O Programa retoma a estrutura da ENAAC apresentada na Figura 4 e é bastante detalhado relativamente aos instrumentos e aos meios financeiros para fazer face às alterações climáticas através das necessárias medidas de adaptação. Dada a importância e atualidade deste documento, transcrevem-se a seguir vários excertos que constituem, afinal, uma síntese bastante completa da forma como deve ser encarada a problemática das alterações climáticas no que diz respeito aos recursos hídricos. Numa caracterização geral e sumária dos problemas em Portugal, o documento refere o seguinte: “A redução da precipitação anual, o aumento da sua variabilidade e a consequente alteração do regime de escoamento reduzirá os caudais dos rios, e afetará igualmente a recarga dos aquíferos, podendo, inclusivamente, secar as nascentes de rios importantes na Península Ibérica por
períodos de tempo mais ou menos longos. Estas alterações poderão ser acompanhadas por problemas ao nível da qualidade da água, intensificação de eventos de seca e maior pressão para a desertificação, promovendo a perda de biodiversidade associada à alteração da estrutura e dinâmica dos ecossistemas. Esta redução na precipitação afetará igualmente a recarga dos aquíferos, potenciando a degradação da qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos. É de realçar que estas tendências já se têm verificado nos anos recentes, sendo que neste século ocorreram cinco períodos de seca (2004/05; 2008/09; 2011/12; 2014/15; 2016/17), alguns dos quais comparáveis com o mais grave que ocorreu no século XX, a seca de 1944/45”. Relativamente à ocorrência de fenómenos climáticos extremos, designadamente cheias e secas, é feita também uma caracterização geral nos seguintes termos: “...o território permanecerá vulnerável às inundações, dada a tendência de maior contribuição para a precipitação anual por parte dos dias de chuva intensa.
Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
Em Portugal continental as cheias significativas ocorrem, essencialmente, nas bacias hidrográficas dos grandes e médios rios (Tejo, Douro e Sado), uma vez que outras bacias hidrográficas estão mais regularizadas através de albufeiras com capacidade de laminar ou encaixar os volumes das cheias. Adicionalmente, vários episódios de cheias repentinas têm-se sucedido em zonas urbanas decorrentes de períodos de chuva intensa muito concentrados determinando uma maior exposição de edifícios e infraestruturas, quebra de funções sociais, económicas, potenciais perdas humanas e maior número de pessoas deslocadas/evacuadas. ... A seca poderá também acentuar os períodos de stress hídrico em plantas, particularmente em povoamentos florestais, tendo como consequência o aumento de pragas e doenças secundárias nestes ecossistemas. As condições meteorológicas da época de verão, bem como as condições climáticas do inverno e primavera antecedentes explicam mais de 2/3 da variabilidade interanual
de área ardida em Portugal. Neste contexto, é importante salientar que os cenários de alterações climáticas preveem um aumento significativo das condições meteorológicas propícias a grandes áreas ardidas em toda a Península Ibérica, incluindo todo o território de Portugal”. Finalmente, julga-se que é também pertinente transcrever a síntese feita relativamente aos problemas do litoral, nomeadamente decorrentes da subida do nível do mar e da erosão costeira: “O litoral é particularmente vulnerável à erosão costeira e a galgamentos costeiros com efeitos muito significativos e gravosos. Tal deve-se à subida do nível das águas do mar, à rotação horária da direção média das ondas na costa ocidental e às alterações no regime dos temporais (apesar da incerteza sobre a evolução futura quanto a este último ponto). Estes fatores agravam o galgamento e a inundação costeira, ao permitir que as ondas rebentem mais próximo da costa e transfiram mais energia para o litoral (Relatório do Grupo de Trabalho do Litoral, 2014) em soma ao défice de aporte de sedimentos fluviais disponíveis para a deriva
litoral. Os efeitos da erosão costeira e dos galgamentos são ainda potenciados pelas características da ocupação antropogénica da faixa litoral do território no que agravam, substancialmente, o risco dos custos socioeconómicos dos fenómenos climáticos. Apesar da incerteza, prevê-se que a subida do nível das águas do mar até ao fim do século XXI seja superior em 0,5 m, podendo atingir valores da ordem de 1 m acima do nível de 1990 (Relatório do Grupo de Trabalho do Litoral, 2016). O inverno de 2013/2014 foi particularmente demonstrador do que pode resultar desta tendência por ter contado com um elevado número de temporais no Atlântico Norte, levando à ocorrência de galgamentos costeiros relevantes em toda a costa portuguesa. A subida do nível das águas do mar agrava ainda o risco de contaminação salina dos aquíferos costeiros, dos estuários e dos troços finais dos rios, aspeto com impacto inclusive nalguns sistemas de abastecimento de água”. O Programa em análise estabelece oito Linhas de Ação e define quais os impactos e vulnerabilidades que essas linhas visam superar ou mitigar. O Quadro REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# DESTAQUE Quadro 3 - Linhas de ação mais relevantes do P3AC e impactos e vulnerabilidades a que fazem face
Linhas de Ação
Impactos e Vulnerabilidades I&V 1 I&V 2 I&V 3 I&V 4 I&V 5 I&V 6 I&V 7 I&V 8
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Implementação de boas práticas na gestão da água 7 Redução dos riscos de cheia e de inundações 8 Aumento da resiliência da proteção costeira Impactos e Vulnerabilidades (I&V): I&V 1 - Aumento da frequência e da intensidade de incêndios rurais I&V 2 - Aumento da frequência e da intensidade de ondas de calor I&V 3 - Aumento da frequência e da intensidade de períodos de seca e de escassez de água I&V 4 - Aumento da suscetibilidade à desertificação I&V 5 - Aumento da temperatura máxima I&V 6 - Aumento de frequência e da intensidade de eventos de precipitação extrema I&V 7 - Subida do nível das águas do mar I&V 8 - Aumento de frequência e da intensidade de fenómenos extremos que provocam galgamento e erosão costeiros 3 é uma versão resumida e adaptada do quadro original em que se consideram apenas as três linhas mais relevantes para o tema dos recursos hídricos. Para cada uma das Linhas de Ação consideradas, o P3AC apresenta um quadro bastante exaustivo que constitui uma verdadeira “carta de navegação” relativamente ao que é necessário executar, às metas a alcançar e aos meios para o conseguir. Assim, em cada um desses quadros constam os seguintes
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tópicos: Principais objetivos; Medidas/concretização; Setores abrangidos; Entidades executoras/beneficiários; Impactos e vulnerabilidades associados; Instrumentos de financiamento; Indicadores de realização; Metas. Os Quadros 4, 5 e 6, apresentam todos estes elementos respetivamente para as Linhas de Ação 3, 7 e 8, que, como foi referido, são as Linhas do P3AC mais diretamente relevantes para os recursos hídricos. Resulta claro da análise destes quadro que muitas das
medidas preconizadas teriam plena justificação mesmo que não fosse necessário fazer face às alterações climáticas. Os desafios climáticos, contudo, vêm criar um quadro de incerteza e stress acrescidos que intensificam a necessidade de adotar uma gestão prudencial ou defensiva que consiste, afinal, em procurar “o menos mau dos piores valores que podem resultar de cada decisão”, na linha do que é designado acima como atitude pessimista (ou MaxMin).
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Quadro 4 - Disposições do Programa de Ação para Adaptação às Alterações Climáticas (P3AC) relativamente à implementação de boas práticas na gestão da água (Linha de Ação 3) Linha de Ação #3 - Implementação de boas práticas de gestão de água na agricultura, na aquicultura, na indústria e no setor urbano para prevenção dos impactes decorrentes de fenómenos de seca e de escassez Principais objetivos: • Reduzir o consumo de água nos vários setores • Incrementar a eficiência hídrica nos vários setores • Melhorar a resiliência e produtividade das espécies e variedades • Aumentar a resiliência das infraestruturas de abastecimento de água (agrícola, industrial, turístico, doméstico)
Setores abrangidos (ENAAC 2020): • Agricultura • Economia (indústria, turismo e serviços) • Florestas • Ordenamento do território • Recursos hídricos
Medidas/concretização: • Adoção de boas práticas de gestão de água na agricultura com vista à redução do consumo: - Práticas de regadio promotoras do uso mais eficiente e sustentável do recurso água [instalação de sistemas de rega por aspersão, localizada (micro aspersão, gota-a-gota) e instalação de contadores nas captações] e do recurso energia - Melhoria dos sistemas de monitorização das necessidades efetivas de água das culturas ao longo dos ciclos de crescimento - Remodelação das infraestruturas de rega para diminuição das perdas, otimização da capacidade de armazenamento de água e de rega, reabilitação e modernização das infraestruturas existentes (permitindo reduzir as perdas por evaporação e proporcionando condições mais favoráveis à gestão e implementação de métodos e sistemas de rega mais eficientes) - Utilização de águas pluviais e reutilização de águas residuais tratadas na agricultura - Instalação de espécies e variedades melhor adaptadas às mudanças no clima e aos eventos extremos: . Reconversão de culturas para espécies, variedades e cultivares menos exigentes em água (adequar as culturas e variedades às disponibilidades hídricas, privilegiar a instalação de espécies com elevada produtividade da água e resistentes ao stress hídrico) • Adoção de boas práticas de gestão de água na indústria, com vista à redução do consumo: - Reutilização de águas residuais na indústria - Instalação de sistemas para o aproveitamento das águas pluviais • Remodelação das infraestruturas aquícolas para otimização dos consumos hídricos e diminuição das perdas. • Adoção de boas práticas de gestão de água no setor urbano com vista à redução do consumo: - Reabilitação de sistemas de distribuição de água e instalação de sistemas de monitorização de perdas - Implementação de sistemas diferenciados de abastecimento para efeitos de reforço e diversificação das origens de água - Instalação de novos equipamentos e substituição de antigos equipamentos em infraestruturas e espaços públicos e privados - Sistemas de rega inteligentes, por aspersão, e localizada por micro aspersão ou gota-a-gota em jardins, hortas e outros espaços verdes públicos - Requalificação dos espaços verdes com espécies autóctones e adaptadas às condições edafoclimáticas locais - Utilização de águas pluviais ou residuais tratadas para a limpeza urbana, rega de espaços verdes e para Instalações para produção em aquaponia/hidroponia
Entidades executoras/beneficiárias: • Entidades da Administração Local e suas associações • Entidades da Administração Pública Central e Regional • Entidades do setor empresarial do Estado • Entidades gestoras de baldios, de ZIF, EGF e UGF • Associações de produtores • Agricultores e produtores florestais • Entidades gestoras de sistemas de abastecimento de água • Entidades gestoras de sistemas de drenagem e de tratamento de águas residuais • Indústrias • Entidades hoteleiras e similares • Instituições científicas e académicas
Indicadores de realização: • Área intervencionada (por categoria e por Unidade Administrativa) • Equipamentos instalados • Infraestruturas remodeladas/reabilitadas • N.º explorações/instalações abrangidas • Montantes pagos por ação (€)
Impactos e vulnerabilidades associados: • Aumento da frequência e da intensidade de ondas de calor • Aumento da frequência e da intensidade de períodos de secas e de escassez de água • Aumento da suscetibilidade à desertificação • Aumento da temperatura máxima Instrumentos de financiamento: • Fundo Ambiental • PDR 2020 • PO SEUR
Metas: 2020: realizar mais 124 M€ de investimento público (PDR 2020: 21 M€; PO SEUR: 100 M€; outros fundos: 3 M€) 2030: Os montantes a alocar a esta área serão reforçados em linha com as orientações decorrentes do quadro das prioridades já definidas para o Objetivo Político de Uma Europa mais verde e hipocarbónica, incluindo a adaptação às alterações climáticas; pelo menos 350 M€ no CUA
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# DESTAQUE Quadro 5 - Disposições do Programa de Ação para Adaptação às Alterações Climáticas (P3AC) relativamente à redução dos riscos de cheia e inundações (Linha de Ação 7)
Linha de Ação #7 - Redução ou minimização dos riscos associados a fenómenos de cheias e de inundações Principais objetivos: • Reduzir o risco de cheias ou inundações fluviais e urbanas • Aumentar a resiliência das infraestruturas • Concretizar os Planos de Gestão dos Riscos de Inundações Medidas/concretização: • Criação de áreas de infiltração através de: - Construção e/ou recuperação de bacias de retenção (escavação e dique) - Reconversão de áreas de superfície impermeáveis (e. g. renaturalização de ecossistemas ribeirinhos, instalação de pavimentação drenante) - Execução de valas de retenção paralelas às cotas do terreno nas encostas para reter a precipitação • Proteção das linhas de água e recuperação dos perfis naturais de troços de rio e planícies de inundação: - Operações de limpeza e regularização das linhas de água - Operações de restauro ecológico e de manutenção da vegetação ripícola - Desobstrução de leitos de cheia - Remoção de sedimentos e outro material nos leitos - Recuperação da secção de vazão das passagens hidráulicas e pontões - Remoção de estruturas obsoletas e sem função atual - Reabilitação de açudes existentes, com objetivos de correção torrencial - Construção de pequenas obras de correção torrencial • Construção de infraestruturas de proteção • Manutenção/instalação de estações hidrométricas e atualização de curvas de vazão no contexto da prevenção de riscos de inundação • Implementação de modelação hidrológica e hidráulica como sistema de apoio à decisão na gestão de infraestruturas hidráulicas em situação meteorológicas extremas e alerta de riscos de inundação • Implementação de sistemas de previsão e alerta às populações e entidades responsáveis • Remodelação de redes de drenagem urbana de águas pluviais tendo em vista adequação hidráulica aos caudais em eventos de precipitação intensa particularmente em zonas críticas como pontes, aquedutos e outros estrangulamentos • Identificação e delimitação de áreas de inundação preferencial e criação de condições de escoamento em conformidade nas bacias de drenagem • Implementação de técnicas de drenagem urbana sustentável: - Utilização de pavimentos permeáveis e de rugosidade em acordo com condições de escoamento adequadas - Sistemas de retenção de escoamentos pluviais em locais relevantes - Criação de percursos de escoamento pluvial preferenciais - Delimitação/criação de áreas de infiltração - Construção de poços ou trincheiras de infiltração • Infraestruturas (e. g. transporte, energia, comunicações, saneamento): - Elevação de vias da infraestrutura - Proteções laterais - Intervenções nos sistemas de drenagem - transversal e longitudinal (e incluindo a possibilidade de criação de bacias de retenção) - Intervenções ao nível dos taludes (incluindo revestimento vegetal) - Relocalização da infraestrutura - Intervenções ao nível da estabilidade da infraestrutura (incluindo as obras de arte - e. g. pontes, viadutos etc.)
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Setores abrangidos (ENAAC 2020): • Agricultura • Economia (indústria, turismo e serviços) • Energia e segurança energética • Florestas • Ordenamento do território • Recursos hídricos • Segurança de pessoas e bens • Transportes e comunicações Entidades executoras/beneficiárias: • Entidades da Administração Local e suas associações • Entidades da Administração Central e Regional • Entidades do setor empresarial do Estado • Agricultores e produtores florestais • Entidades gestoras de sistemas de abastecimento de água • Entidades gestoras de sistemas de drenagem e de tratamento de águas residuais • Entidades gestoras de infraestruturas de transportes • Entidades detentoras de infraestruturas • Empresas de comércio, serviços e indústrias • Empresas de comunicações eletrónicas • Instituições científicas e académicas Impactos e vulnerabilidades associados: • Aumento da frequência e da intensidade de eventos de precipitação extrema Instrumentos de financiamento: • PO SEUR • Fundo Ambiental • PO regionais • PDR 2020 • EEA Grants 2014-2021
Indicadores de realização: • Área intervencionada/área de risco • Linhas de água abrangidas • Infraestruturas intervencionadas • Montantes pagos por ação (€) Metas: 2020: realizar mais 10 M€ de investimento público (PDR 2020: 2 M€; outros fundos: 5 M€; EEA Grants: 3 M€) 2030: Os montantes a alocar a esta área serão reforçados em linha com as orientações decorrentes do quadro das prioridades já definidas para o Objetivo Político de Uma Europa mais verde e hipocarbónica, incluindo a adaptação às alterações climáticas / pelo menos 390 M€ na prevenção cheias e secas
Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
Quadro 6 - Disposições do Programa de Ação para Adaptação às Alterações Climáticas (P3AC) relativamente ao aumento da resiliência da proteção costeira (Linha de Ação 8) Linha de Ação #8 - Aumento da resiliência e proteção costeira em zonas de risco elevado de erosão e de galgamento e inundação Principais objetivos: • Reduzir o risco de cheias ou inundações costeiras • Garantir um litoral mais resiliente a fenómenos de erosão, galgamento e inundação costeira em particular em áreas edificadas e/ou núcleos urbanos • Garantir a reposição sedimentar, incluindo as operações de alimentação artificial de elevada magnitude e a operacionalização dos processos que promovam o restabelecimento natural do trânsito sedimentar a partir das bacias hidrográficas • Manter ou recuperar zonas de transição naturais entre ecossistemas costeiros e terrestres Medidas/concretização: Operações que promovam o restabelecimento natural do trânsito sedimentar a partir das bacias hidrográficas, incluindo, em particular, - Dragagens lagunares para recarga de praias, atendendo à salvaguarda da conservação de espécies e habitats prioritários • Intervenções em sistemas dunares (incluindo renaturalização com espécies autóctones e manutenção e recuperação de dunas secundárias importantes para espécies vulneráveis de anfíbios e répteis vulneráveis) • Intervenções visando a reposição sedimentar nos sistemas litorais • Proteção e reabilitação de sistemas costeiros • Intervenções em arribas • Intervenções em estruturas de defesa costeira (incluindo subida de cotas e enrocamentos) • Operações de alimentação artificial, incluindo as de elevada magnitude (shots) • Recuo planeado com retirada de estruturas ou edificações em zonas de perigosidade elevada (incluindo renaturalização) e reconstrução em zonas de perigosidade inexistente ou diminuta • Operações de aquisição/expropriação de terrenos para mitigação do risco • Intervenções em infraestruturas de transporte e de comunicações localizadas nas zonas costeiras (reforço, relocalização) • Instalação e reforço de sinalética apropriada Indicadores de realização: • Linha de costa intervencionada • Intervenções realizadas • Municípios abrangidos • Montantes pagos por ação (€)
Setores abrangidos (ENAAC 2020): • Biodiversidade • Economia (indústria, turismo e serviços) • Ordenamento do território • Transportes e comunicações • Zonas costeiras e mar Entidades executoras/beneficiárias: • Entidades da Administração Local e suas associações • Entidades da Administração Central e Regional • Administrações Portuárias e outras entidades com competências no espaço marítimo • Entidades gestoras de infraestruturas de transportes e de comunicações • Instituições científicas e académicas Impactos e vulnerabilidades associadas: • Aumento da frequência e da intensidade de eventos de precipitação extrema • Subida do nível das águas do mar • Aumento de frequência e da intensidade de fenómenos extremos que provocam galgamento e erosão costeiros Instrumentos de financiamento: • POSEUR • Fundo Ambiental • PO Regionais
Metas: 2020: realizar mais 47 M€ de investimento público (PO SEUR: 47 M€) 2030: realizar 560 M€ de investimento público na proteção do litoral
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# DESTAQUE 6. Considerações finais e notas conclusivas Sendo amplamente reconhecida a importância das alterações climáticas para a gestão dos recursos hídricos, não surpreende que a generalidade dos documentos estratégicos e programáticos que visam a mitigação e a adaptação deem a devida importância às questões específicas desses recursos, tal como é amplamente demonstrado pelos capítulos anteriores. Simetricamente, não se podem conceber atualmente documentos estratégicos ou programáticos no domínio dos recursos hídricos que não abordem explicitamente a temática das alterações climáticas
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e da sua incidência sobre esses recursos. Os planos de gestão de recursos hídricos elaborados recentemente, quer a nível nacional, quer a nível de região hidrográfica, demonstram também esta realidade. É o que acontece com os oito Planos de Gestão de Região Hidrográfica aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 52/2016, de 20 de setembro, e com o Plano Nacional da Água aprovado pelo Decreto-Lei nº 76/2016, de 9 de novembro. No Plano Nacional apresenta-se como objetivo estratégico “Promover a resiliência e adaptabilidade dos sistemas hídricos, naturais e humanizados, para minimizar as consequências de riscos
associados a alterações climáticas, fenómenos meteorológicos extremos e outros eventos”. Para além das muitas vertentes do Plano que têm subjacente a questão das alterações climáticas, várias das medidas propostas no âmbito do Eixo 7, “Medidas destinadas à redução de riscos”, abordam explicitamente a temática dos recursos hídricos com abundantes referências à Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC) já apresentada em 5.2. No Quadro 7 sumarizam-se as medidas deste Eixo que referem explicitamente as alterações climáticas ou que remetem para a ENAAC.
Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
Quadro 7 - Medidas do Plano Nacional da Água diretamente relacionadas com as alterações climáticas
Eixo 7 - Medidas destinadas à redução de riscos Número Descrição 7.1 Elaboração e implementação dos planos de gestão de risco de inundação, adequação da ocupação de zonas em risco por pessoas e bens, contemplando a execução das ações de proteção previstas nestes planos ou em Planos de Segurança internos de instalações 7.2 Implementação da designada monitorização LTER (long-term ecological research) em vista à deteção precoce de impactos de alterações climáticas (sobre o estado ecológico e os ecossistemas), a nível nacional e pan-Europeu ou, pelo menos, ibérico, focada em sítios pouco intervencionados e vocacionada para a deteção de alterações utilizando espécies, habitats e ecossistemas sentinela mais sensíveis (climatic hotspots) 7.3 Restauro dos habitats danificados, incluindo das zonas ripárias e alagados marginais para repor habitats originais e conferir oportunidades territoriais às espécies e reduzir o stress de procura de habitats de recurso. Restauro de habitats fragmentados, poluídos ou alterados e ações para manter e recuperar a diversidade morfológica e habitacional dos leitos, margens e zonas adjacentes para promover a diversidade natural e a redundância biológica funcional 7.4 Manutenção e restauro dos processos e funções globais dos ecossistemas para assegurar a interação da rede hidrográfica e das zonas húmidas associadas, potenciar a capacidade da bacia hidrográfica em amortecer hidrogramas de cheia e promover a infiltração em zonas de recarga de aquíferos 7.5 Elaborar cartas de vulnerabilidade e de risco de erosão costeira e tipificar normas de salvaguarda da respetiva ocupação a verter em todo os exercícios de programação, planeamento e ordenamento do território, permitindo avaliar equacionar e avaliar as medidas de adaptação a adotar 7.6 Promover a classificação de zonas ameaçadas pelo mar, como zonas adjacentes nos termos do estabelecido na Lei n.º 54/2005 e na decorrência dos estudos a promover na elaboração dos Programas Especiais de Ordenamento do Território (POOC e POE) 7.9 Apresentação pelas Entidades Gestoras de planos de contingência e adaptação às alterações climáticas 7.14 Promoção do desenvolvimento de sistemas de previsão e alerta das cheias, adaptado às características das bacias hidrográficas, e que assegure a recolha, em tempo real, dos dados hidro-meteorológicos 7.15 Desenvolver Sistemas de Alerta precoce para deteção de escassez de água e de seca. Estes poderão estar associados aos vários tipos de seca, como os indicados no Plano de Prevenção e Monitorização e Contingência para Situações de Secas - PPMCSS (2014), para os quais será importante definir níveis críticos REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# DESTAQUE Um país com um clima de características fortemente mediterrânicas, onde as alterações climáticas têm já, e terão ainda mais no futuro, uma relevância significativa, como é referido no ponto 4, não pode deixar de dar a devida atenção a estas questões. Acresce que cerca de 50% dos nossos recursos hídricos superficiais são afluentes de Espanha, país que se debate, já hoje, com sérios problemas de escassez de recursos em vastas áreas do seu território. Neste contexto, é fundamental que se continue a dar uma grande atenção à temática da gestão dos recursos hídricos e que se procure ter, nestas matérias, uma atitude prospetiva e antecipativa relativamente às alterações climáticas. Portugal tem um quadro legislativo e programático bastante desenvolvido e a Convenção Luso-Espanhola para os rios transfronteiriços proporciona uma plataforma de diálogo com grandes virtualidades. O enquadramento na dinâmica europeia, bem como os compromissos e os procedimentos que daí resultam, são também um importante estímulo e, simultaneamente, uma
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“rede de segurança” para a salvaguarda dos nossos interesses estratégicos. Assim, há que trabalhar contínua, persistentemente e de boa fé, para que no mundo, na Europa e na Península Ibérica, as “lutas pela água” no futuro sejam cada vez mais dirimidas com respeito mútuo e equidade, de forma a que não seja dada nenhuma razão ao cartoon que a seguir se apresenta.
Segurança Hídrica e Alterações Climáticas
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ATUALIDADE
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# atualidade
A DESERTIFICAÇÃO HUMANA DO INTERIOR DE PORTUGAL E O IMPACTO NOS SERVIÇOS DE ÁGUAS Rui Marreiros Administrador Executivo na EMAS de Beja, EM Vice-Presidente do Conselho Diretivo da APDA
Mestrado em Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 2005. Licenciatura em Engenharia dos Recursos Hídricos, Universidade de Évora ,1999. Curso Pós-Graduado de Direito da Água, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012. Programa Avançado de Economia e Gestão de Empresas de Serviços de Águas, Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa, dezembro 2008. Pós-graduação em Administração Autárquica e Desenvolvimento Regional, Universidade Moderna, 2002. Administrador Executivo na Empresa Municipal de Água e Saneamento de Beja, EM. Presidente do CEBAL (Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo). Vice-Presidente da APDA (Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas). Membro da Assembleia Geral da EurEau.
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Jorge Pulido Valente Vice-Presidente da CCDR Alentejo. Membro do GAG PENSAAR 2020
Licenciatura em História, Faculdade de Letras de Lisboa. Pós-graduação em Administração Pública e Desenvolvimento Regional na Perspetiva das Comunidades, Universidade de Évora. Arqueólogo no Campo Arqueológico de Mértola. Técnico Superior Assessor Principal Municipal. Vereador na Câmara Municipal de Mértola. Chefe de Divisão e Diretor de Departamento na Câmara Municipal de Beja. Diretor Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Alentejo. Presidente da Câmara Municipal de Mértola. Administrador da EDIA e, simultaneamente, da Gestalqueva. Presidente da Câmara Municipal de Beja e, simultaneamente, do Conselho de Administração da Empresa Municipal de Água e Saneamento - EMAS de Beja e Administrador não executivo da Águas Públicas do Alentejo. Vice-Presidente da CCDR Alentejo. Membro do GAG PENSAAR 2020
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ão sendo um problema específico de apenas uma região, uma vez que é comum a todos os territórios do interior e é já um fenómeno de dimensão nacional e até europeia, o despovoamento e o (duplo) envelhecimento populacional atingiram níveis preocupantes, senão mesmo dramáticos, dado que nalguns concelhos o limiar de rutura já foi ultrapassado, verificando-se
a extinção de núcleos populacionais, das pequenas povoações isoladas, num primeiro momento, e, agora, de aldeias para, em breve, se não houver uma intervenção mais profunda, estrutural, coordenada e convergente das políticas públicas, de vilas.
mas também de desafios e oportunidades, requerendo uma nova geração de políticas públicas nacionais, regionais e locais em todos os sectores, nomeadamente, neste mais específico, objeto de debate no painel com o título acima referenciado.
Este fenómeno coloca-nos um conjunto alargado e diversificado de problemas,
Neste contexto, interessa aqui abordar, por um lado, o papel que as entidades gestoras REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade poderão ter na valorização e dinamização destes territórios e, por outro, a necessidade de ser garantida a toda a população o acesso a serviços de interesse geral, sem penalizações em função da sua localização em territórios de baixa densidade. As entidades gestoras dos serviços urbanos de águas centram a sua atividade principal no objetivo de assegurar continuamente a distribuição de água de qualidade adequada e a drenagem e o tratamento das correspondentes águas residuais, dentro do seu universo de atuação. No entanto, as especificidades e obrigações dos serviços urbanos de água na atualidade evoluíram de tal forma que constituem, por si só, uma importante cadeia de valor, movimentando em todo o seu ciclo grandes volumes financeiros, conduzindo a um elevado número de contratações ao nível dos recursos humanos, para além da dinâmica e estímulo que naturalmente imprimem no mercado local e regional ao nível da contratação dos mais diversos serviços. Complementarmente,
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quando estes recursos não existem, os serviços de águas agilizam a sua “importação” para as regiões onde operam, aumentando assim, o investimento na região, a chegada de mão-de-obra especializada, entre outras vantagens, diretas e indiretas, para os agentes económicos da região. Neste contexto, é bom de ver que, a dimensão preferencialmente crescente das entidades responsáveis pelos serviços urbanos de águas tem, pelo menos, duas vantagens. Se por um lado aumentam, melhoram e reforçam a sua capacidade de intervenção, tornam-se igualmente mais fortes para contribuir como motores de desenvolvimento para a região, quer pelo investimento que potenciam, quer pelos postos de trabalho que geram direta ou indiretamente, ou ainda, não menos importante, pelo acréscimo que proporcionam na qualidade de vida das populações que servem. É hoje evidente a capacidade de transformação que as grandes empresas que se fixam e crescem na região alentejana são capazes de imprimir, ao
que devemos ainda somar o facto de a disponibilidade de água (infraestruturas incluídas), também para a atração e fixação de empresas, ser um fator de descriminação positivo para a região que deve e tem que, impreterivelmente, andar a passo com as demais estratégias de desenvolvimento. Não há crescimento económico nem desenvolvimento do interior caso não haja disponibilidade de água em quantidade e qualidade, desde logo, para as populações (como hoje é um dado adquirido) mas também para a fixação de indústrias que incorporem a água potável no seu processo de laboração (observe-se a fixação de agroindústrias no perímetro de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva) ou para o desenvolvimento do turismo com elevados padrões de qualidade e exigência. Quando se fala em serviços urbanos de água falamos de entidades, Câmaras Municipais, Serviços Municipalizados e Empresas Municipais que se relacionam diretamente com o cliente final e por essa via com todos os residentes e
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operadores económicos da região, literalmente todos. Este fator permitirá que o papel dos serviços urbanos de águas, caso venham a ganhar a dimensão adequada, se tornem, na linha dos exemplos atrás referidos, um ainda maior potencial de crescimento e desenvolvimento com uma cadeia de valor extensa e por isso de enorme potencial valor acrescentado, ou seja, verdadeiros motores e parceiros do desenvolvimento da região. Assim, visando esta estratégia de reformulação e redimensionamento
das infraestruturas de água e saneamento para a capacidade defendida anteriormente, há que observar três pilares orientadores que, até ao momento, por razões de ordem diversas não têm orientado parte das decisões tomadas no setor, especialmente no que diz respeito à gestão direta do recurso: a gestão integrada, territorialmente mais adequada, associada à prestação de cada um dos serviços, de forma a minimizar custos através da maximização de economias de escala; a gestão integrada dos sistemas de abastecimento público de
água e de saneamento de águas residuais urbanas de forma a maximizar economias de gama; a gestão integrada de todo o processo produtivo associado a cada um destes serviços, de forma a maximizar economias de processo através de um maior grau de integração. A este nível serão necessárias melhores decisões ao nível do investimento para que as infraestruturas de água e saneamento, bem como as entidades que as gerem possam estar preparadas para a prestação de um serviço de qualidade, com elevada fiabilidade, destinado REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade a garantir em todos os momentos o fornecimento de água de abastecimento e a recolha de águas residuais. Para este efeito é essencial que se tomem as decisões corretas ao nível do investmento, analisando caso a caso todas as opções disponíveis. A história tem mostrado que muitas vezes grandes investimentos se traduzem em pequenos retornos em matérias, por exemplo, de diminuição de perdas de água ou melhoria da gestão operacional das redes de águas e saneamento. Nesta medida, um dos principais desafios no futuro deverá ser o de decidir melhor, de forma mas informada e consciente sobre os investimentos a realizar, identificando os pontos fracos do ciclo urbano de água em função de cada realidade, intervindo no sentido da sua resolução. Por outro lado, a consolidação das trajetórias de futuro das entidades gestoras de serviços urbanos de águas, na sua maioria Câmaras Municipais que praticam a gestão direta, deverá passar por um modelo agregado que permita que as referidas economias de escala, gama
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e processo geram, para as entidades gestoras e para a região, o verdadeiro valor acrescentado que o seu potencial contem.
condições mais vantajosas face à solidez apresentada por uma entidade consolidada em termos de escala adequada.
Para que isto aconteça e para que todos nós, as nossas regiões e o nosso interior beneficiem desta trajetória de crescimento futuro, serão necessários, no imediato, apoios dos quadros comunitários com o objetivo tri-partido de: permitir dessiminar o conhecimento acumulado das entidades e organizações mais robustas, quer ao nível financeiro quer ao nível do conhecimento técnico e capacidade de atuação, para aquelas que, fruto de dificuldades estruturais ainda permancem num nível de desnvovimento inferior, cuja evolução não atingiu graus de maturidade tão desenvolvidos; conseguir fazer face a problemas estruturais e financeiros decorrentes de decisões erradas do passado; facilitar o acesso a financiamentos provenientes de programas comunitários que ponham como condição a existência de escalas mínimas, do Banco Europeu de Investimentos decorrentes de linhas de apoio dedicadas ao setor ou da banca comercial em
O ganho de dimensão deverá assentar em dois eixos base, a saber: alargamento da sua área de atuação com parcerias, agregações ou outras formas de funcionamento conjunto entre entidades gestoras de serviços urbanos de água da região, com parceiros do setor ou com entidades municipais e regionais cuja atividade tenha objetivos comuns no contexto da gestão das infraestruturas de água e saneamento; aumento do número clientes assente numa estratégia de ganhos de escala no contexto das atividades principais, mas também ao nível da diversificação de serviços a prestar ao nível do controlo da qualidade da água, da gestão de consumos, da operação e manutenção das redes de água e saneamento, entre outras, sempre assentes numa oferta altamente especializada e de conhecimento profundo do setor. No sentido de dar continuidade ao que
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tem vindo a ser feito nas componentes em “alta” dos sistemas, é fundamental um último esforço de investimento comunitário no setor, na componente em “baixa” de modo a consolidar a sustentabilidade técnica, económica e financeira das entidades gestoras de serviços de águas já que a ausência da resolução destes problemas na componente em “baixa” impede que se maximize junto das populações o verdadeiro valor acrescentando pelos investimentos em “alta”. Existem ainda novos paradigmas que fazem acrescer aos desafios do passado, novas exigências e metas que devem ser incorporadas no dia-a-dia nas estratégias de gestão das infraestruturas de água e saneamento e das decisões em termos do desenvolvimento do interior, como sejam os fenómenos das alterações climáticas, que tornam cada vez mais urgente aumentar a resiliência dos sistemas de abastecimento, situação que assume particular relevância em territórios onde as alterações climáticas com o agravamento das situações hidrológicos extremas, em
especial as secas prolongas, aconselham a que a adaptação a estas situações se façam igualmente através de ganhos de escala, face às dimensões que os sistemas assumem atualmente. Também o paradigma da economia circular impõe uma crescente necessidade de promover no setor da água metodologias tendentes para uma economia circular, assumindo que a água e por exemplo, a energia, são indissociáveis, pelo que este recurso deverá, sem dúvida alguma, ser tido em conta. As entidades gestoras deverão tender para se afastar do modelo tradicional, baseado na extração, transformação, consumo e rejeição, típico de modelo de economia linear, incompatível com o desenvolvimento sustentável. A água é um recurso finito, sujeita a uma enorme pressão que poderá ser aliviada pela introdução progressiva da sociedade deste conceito de circularidade. Os serviços de águas e as entidades que os gerem devem ser pioneiros na economia circular dada a sua especial importância resultante de serem transversais a praticamente todos os restantes setores de atividade.
Todos estes compromissos são importantes e o futuro do interior e dos territórios de baixa densidade dependem da sua concretização urgente. Finalmente, há que evidenciar a necessidade de o poder político assumir a sua responsabilidade no que respeita à garantia dos direitos de todas as populações, independentemente do seu local de residência, ao acesso aos serviços de interesse geral, nomeadamente, ao abastecimento de água e tratamento de águas residuais com qualidade, a custos socialmente aceitáveis. Ora, tal só poderá verificar-se, se se tiverem em consideração as especificidades e constrangimentos destes territórios, ajustando e atualizando os atuais critérios de sustentabilidade económico financeira, recorrendo a fórmulas que integrem fatores de justiça e equilíbrio social bem como descriminação positiva, designadamente, no que respeita aos financiamentos do investimento e aos custos de funcionamento e serviço.
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# atualidade
A revisão do PENSAAR 2020 | Nova estratégia para 2030 “A crescente atenção ao controlo
Carlos Martins Presidente do Conselho de Administração da Águas do Alto Minho, SA
de perdas nos sistemas de abastecimento de água e o seu financiamento através do POSEUR 2020 são sinais que permitem antecipar linhas de força para as áreas prioritárias de investimentos no setor.”
Mestre em Planeamento Regional e Urbano e Licenciatura em Engenharia Civil e Diplomado em “Programa Avançado de Economia e Gestão de Empresas de Serviços de Água” (Universidade Católica). Presidente do Conselho de Administração da Águas do Alto Minho, SA Membro da Ordem dos Engenheiros com nível de qualificação sénior e outorga do grau de especialista em engenharia sanitária. Professor Especialista em Engenharia Sanitária pelo Instituto Politécnico de Lisboa e Professor no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa de 1991 a 2019. Secretário de Estado do Ambiente do XXI Governo Constitucional entre 26 de novembro de 2015 e 11 de abril de 2019. Presidente do Conselho de Administração da Águas do Algarve, Gestor da UNAPD do grupo AdP - Águas de Portugal, SGPS de 2012 a julho de 2015 e Presidente do Conselho de Administração da SIMTEJO, SANEST, Águas do Oeste e Águas do Zêzere e Côa. Administrador da AQUASIS e da AdP Serviços Ambientais. Presidente da APDA - Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas de 2003 a 2009. Membro da CNAIA - Comissão Nacional da Associação Internacional da Água. Presidente da EurEau (European Union of National Associations of Water Suppliers and Waste Water Services) em 2004/2005.
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A revisão do PENSAAR 2020
ENEG 2019 Moderador: Carlos Martins, Presidente, Águas do Alto Minho Oradores: Diogo Faria de Oliveira, Presidente, Grupo de Apoio à Gestão do PENSAAR 2020 Eduardo Marques, Presidente, AEPSA Nuno Brôco, Diretor de Engenharia, Águas de Portugal Serviços Ambientais
Em vésperas de se iniciarem os trabalhos preparatórios para a Elaboração do Plano Estratégico dos Serviços da Água, para o período 2020-2030, naturalmente articulado com o Plano Nacional de Investimentos 2030, importa ter uma avaliação e balanço sobre o PENSAAR 2020. Importa realçar o acompanhamento e
monitorização do PENSAAR 2020, através do Grupo de Apoio à Gestão, que de forma sistemática e criteriosa tem promovido um trabalho reconhecido em termos nacionais e internacionais. As políticas públicas apresentam geralmente uma fragilidade muito significativa na sua avaliação e por isso se realça o facto de estarmos REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade perante um caso de boas práticas. O sucesso e evolução das políticas públicas setoriais permitiram uma candidatura com sucesso para sediar em Lisboa o Centro de Excelência das Parcerias da Água e Saneamento das Nações Unidas e posteriormente no seu âmbito o Banco Mundial tem promovido um projeto tendente a criar metodologias de acompanhamento e avaliação de políticas públicas setoriais por si financiadas, muito inspiradas pelo caso português.
O setor apresenta na maioria dos indicadores uma generalizada tendência de melhoria e de aproximação às metas nos indicadores mais estruturantes, mas ainda assim, mantém de forma quase inalterada um conjunto de problemas estruturais. No lado positivo, serão de referir as taxas de cobertura dos serviços de água e a sua qualidade, bem como a taxa de população servida por sistema público com tratamento de águas residuais, que seguramente atingirão as metas traçadas para 2020.
A experiência portuguesa, realizada através do Grupo de Apoio à Gestão, permitiu uma visão com oportunidade temporal, para realinhamentos pontuais dos financiamentos públicos, face a situações que evidenciam maiores problemas estruturais, muito focados por isso na eficácia das políticas setoriais.
No lado mais preocupante a reabilitação de redes de água e de saneamento, onde os indicadores continuam a evidenciar incapacidade de investimento e taxas de renovação muito inferiores às que se julgam adequadas para garantir no futuro um bom desempenho hidráulico.
Será de referir que o regulador setorial, a ERSAR, promove igualmente uma avaliação sistemática do setor, mas baseada em indicadores diferentes e complementares. Neste caso mais orientados para níveis de serviço e eficiência.
A gestão de ativos deverá por isso estar na linha principal de uma estratégia para o setor, com mecanismos que permitam otimizar investimentos, promover a sua criteriosa realização, uma maior atenção à manutenção e uma política
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de sustentabilidade e bom desempenho operacional. A visão resultante da reflexão realizada evidencia um diagnóstico muito consensual. Os principais pontos críticos do setor podem de forma reduzida ser sistematizados, sem ordem de prioridade, da seguinte forma: • Muito reduzido investimento em reabilitação dos sistemas de água e águas residuais; • Elevadas perdas de água, quer em termos comerciais (com perdas de proveitos), quer em termos físicos (gerando problemas ambientais de gestão de recursos hídricos); • Elevadas afluências de águas pluviais e de infiltração aos sistemas de águas residuais urbanas; • Modelos tarifários e tarifas que não asseguram a sustentabilidade económica das entidades gestoras; • Baixa eficiência na reutilização de águas residuais tratadas e na valorização de biosólidos; • Falta de preparação para efeitos de alterações climáticas, em particular a gestão em casos de escassez.
A revisão do PENSAAR 2020
O apuramento de indicadores e a sua comparação com as metas preconizadas no PENSAAR 2020 deixam evidentes desajustes à realidade e ao contexto territorial nacional. A avaliação de indicadores face ao edificado penaliza indicadores para o interior do país e a sua agregação nacional, porquanto existem muitas edificações em aldeias e vilas que não são habitadas nem algum dia virão a ser. Isso dá uma leitura distorcida dos indicadores de adesão ao serviço e em outros indicadores. Muitas metas apontam para 100%, quando tal valor não se julga tecnicamente razoável ou mesmo adequado. As entidades gestoras em Portugal evidenciam níveis de desempenho muito diversos, com algumas ao melhor nível internacional e outras muito abaixo dos padrões considerados adequados. Esse desnível de desempenho tende a agravar-se, com as entidades gestoras de bom desempenho a caminhar para a excelência e as mais frágeis a evidenciar grandes debilidades em áreas básicas, nomeadamente na incorporação de novas tecnologias.
A situação das tarifas evidencia que as entidades gestoras de melhor desempenho apresentam regimes tarifários que permitem a cobertura de custos e as entidades gestoras que evidenciam maiores problemas estão longe de assegurar sustentabilidade económica. O setor enfrenta problemas graves de contratação de recursos humanos qualificados. Por um lado a maioria das entidades gestoras tem limitações legais para a contratação, em número e em matéria salarial, para além de um regime complexo de contratação. Além disso, o setor público, maioritário em número de entidades gestoras, enfrentou um longo período de saídas não compensadas de recursos humanos, não conseguiu fazer transições de passagem de conhecimento nos seus recursos humanos operacionais e assiste hoje a um deficit de recursos técnico-profissionais no mercado de trabalho, num período em que importa investir em novas tecnologias que exigem recursos mais qualificados. O recurso a serviços externos, criando oportunidades para prestadores de serviços
privados, limita nuns casos o reforço de conhecimento em áreas essenciais e em alguns territórios pode induzir maiores custos. Num outro nível de preocupações, de caráter mais metodológico, são de referir os seguintes aspetos: • Importância de repensar os indicadores e as metas; • Assegurar maior envolvimento dos municípios, através da ANMP, no processo de planeamento; • Reforçar linhas de política setorial que reforcem a formação profissional de quadros e técnico-profissionais do setor; • Reforçar a contabilidade de custos das entidades gestoras de gestão direta municipal, onde se torna complexo apurar dados fiáveis sobre o setor. A eficiência energética está hoje no centro das preocupações das entidades gestoras do setor e constitui um contributo relevante para as políticas públicas nacionais, decorrentes do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e do Plano de Ação para a Economia Circular, mas não está evidenciado que sejam temas REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade essenciais em muitas das nossas pequenas entidades gestoras. A legislação recente sobre a reutilização de águas residuais tratadas e o objetivo traçado para a valorização de 10 e 20% de caudais tratados respetivamente em 2025 e 2030 constituem desafios e oportunidades relevantes para o setor. A crescente atenção ao controlo de perdas nos sistemas de abastecimento de água e o seu financiamento através do POSEUR 2020 são sinais que permitem antecipar linhas de força para as áreas prioritárias de investimentos no setor. Também se assiste a um crescendo de oportunidades e de projetos para a eficiência energética, desde a mudança do perfil das frotas, eficiência operacional, produção de energia e orientação crescente para a autossuficiência energética, mas longe de esgotar o seu potencial. O facto de Portugal ter um elevado número de entidades gestoras com menos de 10.000 clientes e utilizadores dos serviços de água e águas residuais cria
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naturais problemas de gestão operacional. Nesse sentido foi evidenciado o processo das agregações dos serviços em “baixa” como fator relevante para ultrapassar muitos dos atuais constrangimentos. Foi considerada como importante uma maior clarificação do papel futuro do setor privado, neste caso dos operadores e concessionários, que constatam uma situação muito inferior às suas expetativas e que entendem ter condições técnicas e financeiras para uma participação mais significativa. O acesso a fundos comunitários para o setor pode induzir os municípios a aderir a sistemas supramunicipais, com ganhos de escala e gama que podem ser fator de mudança e de sustentabilidade. A criação de mecanismos legais reforçados, para assegurar a obrigatoriedade de ligação às redes públicas de abastecimento de água e de águas residuais, é em muitas regiões do país um aspeto a ter presente, dele dependendo a viabilidade dos investimentos e a sustentabilidade da sua gestão.
A internacionalização do setor, mobilizando as competências nacionais, desde projetistas, fornecedores de serviços, operadores e concessionários, fornecedores de equipamentos e consultores especializados, nomeadamente através da PPA e da Lis-Water, pode e deve merecer uma melhor tradução estratégica no próximo Plano Estratégico setorial.
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ÁGUA, ONDE A VIDA SE MULTIPLICA
A VALORIZAR A ÁGUA E A VIDA
APDA - Associação Portuguesa de Gestores de Água Avenida de Berlim, 15 | 1800-031 Lisboa - Portugal Tel.: (+351) 218 551 359 | Fax: (+351) 218 551 360 geral@apda.pt | www.apda.pt
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS
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# atualidade
A AGREGAÇÃO DAS ENTIDADES GESTORAS EM BAIXA | O QUE FOI FEITO? QUE FUTURO? Francisco Silvestre de Oliveira Presidente do Conselho de Administração da Águas do Ribatejo, EIM, SA
Formação em Engenharia da Segurança no Trabalho, pelo Instituto Superior de Línguas e Administração. Quadro do Município de Coruche. Presidente da Câmara Municipal de Coruche desde 2013. Integra o Conselho Executivo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo - CIMLT. Presidente da Direção da RETECORK - Rede Europeia de Território Corticeiros. Integra o Conselho Geral do ISLA em Santarém. Membro efetivo do CRH Tejo e Oeste, em representação da ANMP. Presidente da Assembleia Geral da APDA - Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas. Vogal do Conselho Consultivo da ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos. Presidente do Conselho de Administração da Águas do Ribatejo, EIM, SA.
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“Todos manifestaram uma profunda convicção de que esta nova geração de agregações poderá trazer um novo fôlego ao setor, e servir de exemplo
para que outros possam replicá-lo.”
A AGREGAÇÃO DAS ENTIDADES GESTORAS EM BAIXA
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uito se tem discutido, ao longo dos anos, se a agregação das Entidades Gestoras (EG) em baixa pode resolver muitos dos problemas “crónicos” do setor. Questões como a falta de escala, a insuficiente recuperação de custos, a pouca capacidade de investimento, o défice de recursos humanos, entre
outras, têm contribuído para que, atualmente, exista ainda um elevado número de EG que apresenta dificuldades no exercício da sua atividade. Pese embora a notável evolução que o setor registou ao longo dos últimos 25 anos, a verdade é que subsistem situações às quais urge dar uma resposta adequada.
Ainda que não exista uma “solução milagrosa” para estes problemas, poder-se-á afirmar que a agregação de EG contribuirá para a resolução, não de todos, mas de alguns dos problemas do setor. Esta é, pelo menos, a convicção dos participantes na Mesa Redonda subordinada ao tema “A AGREGAÇÃO DAS ENTIDADES GESTORAS EM REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade BAIXA | O QUE FOI FEITO? QUE FUTURO?” que se realizou no segundo dia do ENEG 2019. Se fosse possível sintetizar numa única frase a principal conclusão desta Mesa Redonda essa frase seria, provavelmente, “a união faz a força”. Isto porque, ainda que com perspetivas diferentes, todos os intervenientes neste painel convergiram na ideia de que as agregações podem, efetivamente, ser uma mais valiapara o setor e, consequentemente, para o País. Luis Matias, Presidente da Câmara Municipal de Penela e da Comissão Instaladora, Empresa Intermunicipal de Ambiente do Pinhal Interior Norte (APIN) apresentou, de forma muito clara, a visão de que apenas em conjunto os Municípios que constituíram a APIN poderiam aspirar a dar um salto qualitativo nos serviços de abastecimento de água e saneamento prestados aos cidadãos que habitam naqueles territórios. No caso desta agregação, constituída exclusivamente por Municípios, são 11 os fundadores: Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pera,
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Figueiró dos Vinhos, Góis, Lousã, Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Penacova, Penela e Vila Nova de Poiares. Nestes 11 Municípios, que ocupam uma área aproximada de 1.900 km2, vivem cerca de 88.500 pessoas, o que se traduz numa densidade populacional muito baixa (46,6 hab./km2). O processo que culminou nesta agregação foi, segundo Luis Matias, muito rápido (sensivelmente 1 ano), uma vez que, segundo ele, os autarcas sentiram que esta seria uma oportunidade única para dar um passo em frente e construir uma solução de futuro. Outra das recentes agregações foi a que resultou na criação da Águas do Alto Minho. O sistema de águas da região do Alto Minho surgiu com a celebração do Contrato de Parceria Pública entre o Estado Português e os Municípios de Arcos de Valdevez, Caminha, Paredes de Coura, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira. Cobre uma área de 1.585 km2, na qual vivem cerca de 204.000 pessoas (o que resulta numa densidade populacional de 128,7 hab./km2).
Neste caso, e segundo Vítor Lemos, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo e Presidente dos Serviços Municipalizados de Saneamento Básico de Viana do Castelo, o processo que viria a resultar na agregação foi longo e difícil. Ao longo de vários anos, os Municípios estudaram diversas alternativas e o processo teve alguns avanços e recuos. De acordo com o autarca, a parceria com o Estado Português, através da Águas de Portugal (AdP), viria a revelar-se decisiva para o desfecho do processo. A experiência em Portugal deste tipo de sistema agregado, na baixa, não é muito alargada. Na verdade, e até há bem pouco tempo, os dedos de uma mão eram suficientes para elencar as empresas responsáveis pela gestão de sistemas agregados em baixa: Águas do Planalto, Águas do Noroeste, Águas do Ribatejo e Águas da Região de Aveiro. Estas experiências, assentes em diversos modelos (concessão intermunicipal, no caso do Planalto, parceria Estado-Municípios no caso do Noroeste e da AdRA, e empresa intermunicipal no caso da Águas do Ribatejo),
A AGREGAÇÃO DAS ENTIDADES GESTORAS EM BAIXA
mostram que as agregações podem ter “geometria variável” em função da realidade de cada região. Sobre estes temas tem-se debruçado Sérgio Hora Lopes, Assessor do Conselho de Administração, Águas do Douro e Paiva e membro da Comissão Especializada de Legislação e Economia (CELE) da APDA que, à data do ENEG, estava a elaborar um estudo exatamente sobre as agregações em baixa. E algumas das questões por ele suscitadas eram muito relevantes, nomeadamente no que se refere às assimetrias “inter” e “intra” agregações, ou às eventuais vantagens de ter na agregação um Município “âncora”. Em relação ao primeiro aspeto, é possível constatar, até mesmo pelos dados anteriormente referidos a propósito da APIN e da Águas do Alto Minho, que existem grandes diferenças entre as agregações: no caso da APIN, uma EG só com Municípios (11) com uma baixa densidade populacional (46,6 hab./km2), no caso do Alto Minho uma Parceria entre Estado e Municípios (7), com uma densidade populacional
quase 3 vezes superior à da APIN (128,7 hab./km2). Dentro das próprias agregações existem assimetrias assinaláveis entre a dimensão dos Municípios abrangidos. No entanto, e tal como refere Sérgio Hora Lopes, ainda que nalgumas das agregações “…possamos estar longe da “dimensão ótima”, a verdade é que estamos bem melhor do que estávamos antes.”. A existência de uma “âncora”, ou seja, um Município com maior dimensão e densidade que os restantes que ajude a “alavancar” o sistema, e que traga também mais know-how e capacidade técnica, é habitualmente considerado uma vantagem num processo de agregação. Contudo, importa ter presente que uma agregação é um processo complexo e que exige, por parte de todos os intervenientes, um espírito de compromisso e entreajuda, que não pode ser “engolido” por uma ou outra posição mais “dominante”, sob pena de inquinar todo o processo.
são muito recentes, pelo que não é possível, ainda, avaliar os respetivos resultados. Ainda assim, e tendo como referência o desempenho das agregações com mais tempo de vida, as perspetivas são animadoras. E, sobre este ponto, os intervenientes na Mesa Redonda mostraram também um grau de convergência assinalável. Todos manifestaram uma profunda convicção de que esta nova geração de agregações poderá trazer um novo fôlego ao setor, e servir de exemplo para que outros possam replicá-lo. Num processo de agregação a maior dificuldade será, porventura, a capacidade dos intervenientes se unirem em torno de um objetivo comum: o de garantir o melhor serviço possível, com um custo aceitável, para as populações que servem. Parece simples. E é simples. Mas não é fácil. Requer esforço, persistência, visão, coragem e solidariedade. Por um bem maior. Para o bem de todos!
Várias agregações, como é o caso da APIN, da Águas do Alto Minho, da Tejo Ambiente ou da Águas do Interior - Norte REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade
A INOVAÇÃO NO SETOR DA ÁGUA | A INDÚSTRIA 4.0 Miguel Gomes Carrinho Diretor Administrativo e Financeiro da AR - Águas do Ribatejo, EIM, SA; Coordenador da Comissão Especializada de Inovação da APDA
Miguel Carrinho tem 42 anos e é natural da Chamusca, vila ribatejana do Distrito de Santarém. Licenciado em Organização e Gestão de Empresas pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, iniciou a sua atividade profissional na Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo. Desde 2009 na Águas do Ribatejo, onde exerce as funções de Diretor Administrativo e Financeiro, é também, desde 2015, Presidente da Comissão de Acompanhamento da Concessão do Município de Azambuja e Coordenador da Comissão Especializada de Inovação da APDA.
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“...a inovação pressupõe a criação de valor, nomeadamente através da introdução no mercado de novos (ou significativamente melhorados) produtos e serviços.”
A INOVAÇÃO NO SETOR DA ÁGUA | A INDÚSTRIA 4.0
S
erá que o setor da água português é inovador? Poderá a blockchain ter um papel importante no futuro do setor? E a nível europeu, qual é o “estado da arte”, em matéria de Inovação? Estes foram alguns dos pontos de partida da mesa redonda subordinada ao Tema “A Inovação no Setor da Água | Indústria 4.0”,
que decorreu no dia 21 de novembro de 2019, no âmbito do ENEG 2019. Segundo Pedro Perdigão, Administrador da Indaqua, esta empresa tem vindo a fazer um caminho muito sustentado, apostando na inovação como forma de melhorar a eficiência e criar valor. A Indaqua tem hoje enraizada uma cultura
de inovação e melhoria contínua, traduzida em diversas soluções e serviços que, para além de ser utilizados nas empresas do grupo, estão também disponíveis para outras entidades. A criação de valor é, também, uma das “pedras de toque” da Water Europe. Esta associação, recentemente REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade “rebatizada” (foi, durante muitos anos, WssTP), centra a sua atividade na promoção de projetos e iniciativas dos seus membros que tragam para o mercado novos produtos e serviços. De acordo com Tomas Michel, Presidente da Water Europe, a “Investigação e desenvolvimento custam dinheiro, a inovação deve gerar dinheiro para compensar os custos de I&D”. Este foi, aliás, um dos aspetos que se poderão salientar do debate entre os intervenientes: o de que a inovação pressupõe a criação de valor, nomeadamente através da introdução no mercado de novos (ou significativamente melhorados) produtos e serviços. Um dos temas que foi igualmente abordado neste mesa redonda foi o da blockchain. Luis Engrossa, Vice-Presidente da Assembleia Geral da Aliança Portuguesa de Blockchain, procurou explicar, de forma simples, o conceito da blockchain. “Blockchain é uma maneira notavelmente transparente e descentralizada de registar listas de transações. A forma como as transações baseadas em blockchain criam registos públicos
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rápidos, baratos e seguros, que podem ser usados para muitas tarefas de cariz financeiro e não-financeiro, como o voto eletrónico ou provar a existência de um documento num dado momento.”, pode ler-se na página internet da Aliança Portuguesa de Blockchain. Um dos exemplos mais conhecidos da utilização desta tecnologia está associado às criptomoedas, como é o caso da bitcoin. Quando a questão se centrou no setor da água em Portugal, mais concretamente se este é, ou não, inovador, as várias posições não foram totalmente conclusivas. “Um setor em que a política continua a ter demasiado peso, em detrimento de fatores técnicos e de sustentabilidade”, referiu Tomas Michel,“apenas com uma verdadeira internacionalização do setor será possível às empresas portuguesas serem inovadoras e competitivas a nível global”, afirmou Pedro Perdigão, “um peso muito grande dos fatores tradicionais e pouca flexibilidade por parte das entidades”, considerou Luis Engrossa. Pese embora estas sejam questões que tornam o
setor algo “conservador”, os intervenientes convergiram relativamente ao potencial de inovação existente no setor. Importa, pois, criar condições para que esse potencial possa ser aproveitado. Foram debatidas algumas medidas para aproveitar o potencial inovador do setor. Entre elas, uma iniciativa da Comissão de Especializada de Inovação (CEI) da APDA, apresentada no ENEG, o programa H2Open Innovation. Este programa visa criar um “ecossistema” de inovação “aberta”, envolvendo Entidades Gestoras, Universidades e Centros de Investigação, Start-ups, outros agentes do setor e entidades financiadoras, para que estas possam desenvolver conjuntamente iniciativas e projetos inovadores, criando valor acrescentado. O lançamento do Programa estava previsto para o final do primeiro trimestre de 2020 mas, em face das atuais circunstâncias, a respetiva calendarização terá de ser ajustada. Uma outra iniciativa debatida foi a dos “Water Oriented Living Labs”. Este conceito, apresentado por Tomas Michel, que tem registado
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um forte crescimento a nível Europeu, passa pela criação de “laboratórios vivos”, envolvendo diversos atores ligados ao setor e não só, procurando testar, em ambiente real, diversos tipos de soluções, permitindo o seu desenvolvimento, teste e validação. Estes “laboratórios” têm ainda como premissa a existência de sistemas de governança partilhados entre os diversos atores, para que todos estejam comprometidos com as soluções. Um outro aspeto considerado fundamental, para que a inovação no setor possa
estar ainda mais presente, passa, em grande medida, por melhorar a perceção que a sociedade tem relativamente ao valor da Água, enquanto recurso que é absolutamente essencial para a nossa vida. Todos concordaram que, infelizmente, a sociedade não valoriza adequadamente a Água o que “afunila”, não raras vezes, a discussão para a questão das tarifas em detrimento de outras, porventura muito mais relevantes. Urge, assim, encontrar novas formas de consciencializar a sociedade da importância da Água, não apenas enquanto
recurso, mas também enquanto atividade que requer, por parte dos diversos operadores, um empenho, investimento e resiliência enormes para que seja possível aquilo que todos dão por adquirido: que quando abrimos uma torneira, sairá água com qualidade, e que quando descarregamos o autoclismo, essa água será encaminhada para um destino final adequado. Sem que a sociedade, como um todo, valorize a Água e os serviços de Água, estaremos sempre mais longe de nos podermos focar no essencial, e ficaremos presos ao acessório. REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade
A “centralidade” do cliente, isto é, a importância cada vez maior de ir de encontro às expectativas dos clientes, proporcionando-lhes serviços e funcionalidades adaptados a uma “sociedade digital”, foi outro dos temas abordados. Tendemos, quase sempre, a perspetivar a evolução do setor e dos serviços prestados aos clientes com base na premissa de que esses serviços se manterão inalterados. No entanto, sendo certo que o fornecimento de água ou a recolha e tratamento
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de águas residuais, enquanto tal, não deverão ser muito diferentes, a forma como os serviços de água se relacionam com os seus clientes terá, necessariamente, de mudar. A sociedade, no que se refere à “transição digital”, evolui hoje a um ritmo alucinante, pelo que é imperativo que as Entidades Gestoras acompanhem essa “transição” e se “aproximem” dos seus clientes, através da disponibilização de novas ferramentas e / ou funcionalidades, que permitam uma maior interação, caminhado em direção a uma
crescente “customização” do serviço prestado. O debate passou também pela “ameaça” dos gigantes tecnológicos globais, e pela forma como estes “controlam”, praticamente, todos os passos da nossa vida. No entanto, teremos de viver com isso e deveremos capitalizar o facto de nenhuma dessas empresas conhecer o setor da água tão bem como as entidades que nele operam. A inovação não implica, necessariamente, novas tecnologias. Fazer as coisas de forma diferente,
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simplificando, aumentando a eficiência, criando valor, é também inovar. E, para que isso possa acontecer, é essencial que as pessoas pensem “fora da caixa”. Para isso, é importante provocá-las, fazê-las pensar em coisas que, habitualmente, não pensariam. Foi isso que se procurou fazer, não só nesta mesa redonda, mas em todo o ENEG. E esse foi, sem dúvida, o melhor contributo que poderíamos ter dado para fazer do setor da Água um setor ainda mais inovador!
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# atualidade
A Gestão dAS águas pluviais: um novo paradigma? Susana Ferreira Responsável da Área de Desenvolvimento de Negócio da Aquapor Serviços, SA; Membro da Comissão Especializada de Legislação e Economia da APDA
Mestre em Engenharia do Ambiente - Ramo Engenharia Sanitária - e pós-graduada em Gestão e Avaliação de Projetos pela Católica Lisbon SBE. Membro da Comissão Especializada de Legislação e Economia da APDA. Atualmente é responsável pela área de Desenvolvimento de Negócio da AQUAPOR, SA, tendo desenvolvido o seu percurso profissional de mais de 20 anos na gestão e montagem de projetos de investimento de parcerias público-privadas no setor da água, e no posterior acompanhamento das diferentes fases dos contratos de concessão.
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“A gestão
integral do ciclo urbano da água ... traz evidentes benefícios ambientais e económicos para as gerações futuras. Porém, o investimento e o financiamento ... exigem uma reflexão cautelosa sobre os respetivos modelos e atribuição de responsabilidades.”
A GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS
A
gestão dos sistemas de águas pluviais tem desde sempre vindo a suscitar abordagens diferenciadas por parte das entidades gestoras dos serviços de abastecimento público de água e de saneamento de águas residuais urbanas, sendo ou não estas simultaneamente titulares dos serviços. Em Portugal tem-se assistido a diversas práticas na gestão das águas
pluviais que variam desde a incorporação dessa gestão nos serviços municipais até à clara dissociação dessa gestão dos restantes serviços em modelos de gestão concessionada ou delegada. As sinergias operacionais resultantes da exploração integrada de ambos os sistemas de drenagem - pluvial e de águas residuais urbanas - são evidentes, o que tem levado
várias entidades gestoras a realizar a manutenção dos sistemas pluviais, sem que para isso sejam ressarcidas desses custos pelo município ou sem que tenha ocorrido uma efetiva transferência da gestão desses serviços para a entidade gestora. Importa esclarecer que o conceito de águas residuais urbanas consiste na mistura de águas residuais domésticas com águas pluviais - ou seja, as REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade águas residuais unitárias - onde não se incluem as águas pluviais não misturadas ou separativas. Igualmente se verifica uma diferença conceptual entre os sistemas de drenagem de saneamento de águas residuais e os de recolha e rejeição de águas pluviais, ambos servidos por redes distintas. Muitos não concordam com a incorporação destes serviços nas tarifas a praticar aos utilizadores finais dos serviços de abastecimento e de saneamento, considerando que a gestão das águas pluviais é uma atividade de responsabilidade municipal, relacionada com políticas de gestão do território e com a forma como são geridas as áreas impermeabilizadas. Defendem que os encargos decorrentes da gestão das águas pluviais devem estar claramente identificados, devendo ser cobertos pelo orçamento municipal, tal como se verifica com outras atividades de competência municipal. Para os consumidores é importante que se esclareça se na fatura que mensalmente pagam pelos serviços de abastecimento,
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de saneamento e de resíduos sólidos estão também a ser pagos os serviços de gestão das águas pluviais. A questão passa por perceber se é efetivamente prestado “um serviço de gestão de águas pluviais” a estes consumidores ou se esta gestão assume caraterísticas de um “bem público”. O regulador defende que existe uma “apropriação individual do serviço” de água pluvial pelos utilizadores, podendo estes retirar deste serviço uma utilização individualizada, subentendendo-se assim que poderão ser serviços pagos. Mas, se estes serviços forem pagos, o que se entende por tarifário justo em gestão de águas pluviais? Como poderão ser repercutidos nos consumidores estes encargos quando não podemos falar, de forma inequívoca, da prestação de “um serviço”? Devem os investimentos realizados por um município em redes tendencialmente separativas de drenagem de águas pluviais ser dissociados de um pagamento de um serviço público? A realidade ao nível municipal é complexa e a resposta sobre quem deve pagar
a fatura - consumidores ou contribuintes - não é consensual. As diferentes perspetivas relativas à gestão destes sistemas ficaram, aliás, bem patentes no debate ocorrido no último ENEG, quando a realidade de quem gere e integra essa gestão como componente indissociável do ciclo urbano da água da cidade do Porto - assegurando a rejeição das águas pluviais no mar e monitorizando a qualidade dessas águas balneares - se cruzou com a defesa dos direitos dos utilizadores dos serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais urbanas e a visão de quem defende que os impostos municipais cobrados visam exatamente a cobertura destes custos de gestão. Deverá esta discussão centrar-se em quem paga a gestão das águas pluviais ou deveremos abrir o conceito, abordando-o na ótica da gestão integral do ciclo urbano da água? Essencialmente importa perceber que a problemática associada à gestão das águas pluviais pelos municípios ou entidades gestoras se coloca principalmente nas
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áreas urbanas, cuja resiliência a fenómenos extremos de pluviosidade se tem vindo a revelar cada vez menor. Ora, em termos territoriais não estamos perante grandes áreas geográficas - a ERSAR classifica apenas 23 municípios com a tipologia de área predominantemente urbana, correspondendo a 2,5% do território de Portugal Continental - mas, quando nos confrontamos com a população residente nestes municípios, esta representa uns expressivos 40% (PORDATA, 2018). Estamos, assim, perante problemas de gestão dos sistemas pluviais essencialmente centralizados em zonas urbanas, mas que afetam uma parte significativa da população, quer enquanto habitantes das cidades, quer enquanto consumidores e/ou contribuintes que, de alguma forma, pagam a gestão destes serviços.
de parte do IMI. Contudo, a prática registada pelas entidades gestoras, muitas destas representadas por serviços municipais ou municipalizados, veio confundir este “conceito” de separação, uma vez que a operação e manutenção diárias dos sistemas de drenagem de águas pluviais é muitas vezes realizada por equipas operacionais responsáveis pela exploração dos sistemas de saneamento, sem a imputação dos custos reais com esses serviços ao município. Com a recorrência desta prática, entendeu o regulador, na sua última proposta de Regulamento Tarifário, propor que cada município decidisse sobre a incorporação da gestão das águas pluviais na atividade das entidades gestoras. Esta aplicação discricionária introduz uma
disparidade de encargos a serem suportados pelos consumidores, uma vez que a gestão numa zona urbana fortemente impermeabilizada, com poucas linhas de águas e zonas de infiltração naturais - é completamente diferente de uma zona rural, cuja gestão é bastante mais simples e com encargos consideravelmente mais baixos. Acresce que, uma vez que as águas pluviais não misturadas não podem ser classificadas como águas residuais urbanas, o regulador, de acordo com os seus estatutos, não tem competência para atuar sobre esta matéria. Entende-se assim que, nos casos em que as entidades gestoras assumam a gestão das águas pluviais em territórios em que esta apresente uma maior complexidade, poderão
Ao longo dos últimos anos foi genericamente assumido por todos que a gestão das águas pluviais seria um problema das autarquias, as quais disporiam do respetivo orçamento municipal para fazer face a esta gestão, muito frequentemente através da consignação REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade existir riscos de sobrecarga orçamental sobre essas entidades gestoras, pondo em causa o cumprimento dos objetivos previstos no PENSAAR 2020 de recuperação sustentável dos gastos; por outro lado, se a repercussão destes custos for realizada de forma direta nos consumidores, poderemos colocar em causa o nível de acessibilidade económica aos serviços públicos essenciais de abastecimento e/ou de saneamento de águas residuais urbanas. Como se articulam então as diferentes realidades de municípios que realizaram uma forte aposta em investimentos em soluções separativas, devido à natureza do seu território ou ao tipo de ocupação, relativamente a outros que mantêm soluções de natureza unitária? Devem os consumidores de zonas em que este investimento é necessariamente superior ser penalizados? Deverá adotar-se uma visão holística na gestão do ciclo urbano da água e reequacionar-se a forma como é realizada atualmente a gestão das águas pluviais. Independentemente da classificação que se faça
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da atividade de gestão das águas pluviais - bem público versus serviço prestado aos consumidores - a gestão dos sistemas de drenagem de águas pluviais de forma integrada com os outros sistemas de drenagem é uma mais valia para as entidades gestoras e para as populações. Quando estamos a gerir águas pluviais, estamos a gerir de forma mais efetiva e eficiente as afluências indevidas e infiltrações nos sistemas de drenagem de saneamento de águas residuais urbanas, reduzindo custos de exploração e aumentando a resiliência dos ativos devido ao desvio de caudais em excesso e, desse modo, podemos reduzir o tarifário dos consumidores. Podemos igualmente diminuir consumos de água potável usando a água da chuva armazenada para regas de jardins, lavagem de ruas e outros usos menos nobres, estando dessa forma a reduzir consumos, ineficiências hídricas e, consequentemente, a pegada ecológica da nossa atividade enquanto entidades gestoras, utilizando o recurso água de modo mais sustentável e promovendo o controlo
de cheias. Estas soluções deverão ser adaptadas ao tipo de ocupação do território, sendo complementares aos sistemas de abastecimento convencionais. A fatura do consumidor poderá passar de uma simples fatura de pagamento de serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais urbanas para uma fatura ambiental que englobe a proteção dos recursos, o seu uso eficiente e a mitigação do impacto da atividade das entidades gestoras pela adoção de uma filosofia environmentally friendly. Partilhando esta visão, o Governo português anunciou que 2020 seria o ano da emergência ambiental, ressalvando, entre vários aspetos, o uso eficiente da água como objetivo estratégico que deverá ser prosseguido pelo país na próxima década. Urge mudar o paradigma da gestão do ciclo urbano da água e passar a englobar as águas pluviais como parte da solução para a obtenção de uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos. Operacionalmente essa gestão deverá ser atribuída às entidades gestoras, possuidoras do know-how específico; conceptualmente,
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essas entidades deverão participar na elaboração de planos de drenagem que visem a minimização e gestão dos caudais pluviais e de infiltrações que indevidamente afluem aos sistemas de saneamento de águas residuais, identificando investimentos e ações mitigadoras a realizar pelas entidades municipais competentes. As alterações climáticas e as catástrofes naturais que lhes estão associadas são mais uma peça para este complicado puzzle. Se, por um lado, os sistemas têm de ser mais resilientes e menos vulneráveis a episódios de escassez de água, devendo por isso ser adotadas soluções de aproveitamento de águas pluviais para usos urbanos, por outro lado os acontecimentos cada vez mais recorrentes de inundações e catástrofes naturais associadas à ocorrência de episódios de chuva torrencial poderão constituir um forte problema para as entidades gestoras e autarquias. Os investimentos na gestão de pluviais são um desafio que as cidades terão de enfrentar a curto prazo, mas será justo os consumidores pagarem estes investimentos que não são mais do que a
regularização de um território municipal fruto muitas vezes de más opções na política de ordenamento territorial e da forma como as cidades ocuparam as zonas naturais de linhas de água, muitas destas encanadas e sem resiliência a um ambiente cada vez mais em mudança? A abordagem a novos problemas e a identificação de formas de atuação não deve ser uma responsabilidade atribuída a uma entidade gestora, mas sim a quem tem responsabilidades de gerir estrategicamente todo o território de um município. Julga-se que o modelo de financiamento desta gestão poderá ser repartido entre consumidores e Município. Para as entidades gestoras deverão ser criados incentivos à reutilização das águas pluviais como uma forma de reduzir o tarifário dos consumidores e os seus custos operacionais, mas já no que respeita ao planeamento e execução de investimentos em novas soluções de drenagem das águas pluviais, estes deverão ser entregues às entidades municipais territorialmente competentes. No entanto, para se proceder a estas alterações é necessário
mudar a legislação. A lei em vigor não permite que a gestão destes serviços seja coberta pelo tarifário praticado aos consumidores de serviços de abastecimento e de saneamento de águas residuais urbanas, designadamente num modelo de gestão concessionada. Também a ERSAR não detém atribuições sobre a gestão das águas pluviais. Para darmos resposta a este problema a gestão das águas pluviais teria de passar a ser uma atividade regulada, incluída, até determinada medida, no tarifário dos consumidores. O “serviço de drenagem das águas pluviais” teria de ter as suas fronteiras bem definidas e os investimentos necessários à gestão do território serem suportados pelos municípios. A gestão integral do ciclo urbano da água, englobando as águas pluviais, promoverá uma utilização mais sustentável dos recursos hídricos e traz evidentes benefícios ambientais e económicos para as gerações futuras. Porém, o investimento e o financiamento das redes de águas pluviais exigem uma reflexão cautelosa sobre os respetivos modelos e atribuição de responsabilidades.
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# atualidade
A INTERNACIONALIZAÇÃO DO SETOR DA ÁGUA “Talvez seja o momento de André Gomes da Costa Diretor da SVEP
exportarmos o nosso conhecimento sobre a gestão da água numa altura em que
o nosso mercado doméstico amadureceu e poucas oportunidades de dimensão oferece a empresas com potencial de escala.“ Economista. Empresário no setor de Vigilância Eletrónica e Água & Saneamento, com experiência em consultoria, banca, telecomunicações e retalho. Economia (FEUNL). Programa Executivo, General Management Program (Harvard Business School). SVEP, Sócio e Diretor. Consultor no Setor de Água e Saneamento (A&S). Centro Excelência Internacional UNECE, PPP A&S, Membro Executivo. LeYa Brasil, CFO. Dedic (Portugal Telecom), CFO. TV Cabo Macau (Portugal Telecom), CFO. Portugal Telecom Investimentos Internacionais, Project Manager. Citigroup, Relationship Manager. Roland Berger, Consultor. Jerónimo Martins SGPS, Analista Financeiro.
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A INTERNACIONALIZAÇÃO DO SETOR DA ÁGUA
O
tema da internacionalização do setor da Água & Saneamento tem assumido uma importânca crescente nos últimos anos, em resultado dos movimentos de abordagem de mercados externos que se observaram por parte de empresas da indústria, em função da afirmação internacional que Portugal tem conseguido no setor e ainda no contexto do próprio desígnio de internacionalização incluído no plano estratégico PENSAAR 2020.
De facto, se o modelo de crescimento português deve estar ancorado numa forte dinâmica exportadora, pelos motivos e racionais conhecidos, o stock de conhecimento acumulado ao longo das duas últimas décadas no setor permitem estruturar uma proposta de valor diferenciadora em mercados que enfrentam agora desafios semelhantes aos que Portugal enfrentou no passado. Por muito claro que este argumento lógico
possa parecer, todavia, os desafios às iniciativas de internacionalização de agentes desta indústria são vários e conhecidos das nossas instituções do setor: • A Água & Saneamento constitui um dos setores mais politizados, em função da água ser considerada um dos bens públicos mais essenciais à sociedade e de, consequentemente, ser objeto de política pública; sendo certo que a água, como recurso valioso que é, deve ser objecto de uma REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade sólida política pública, já a sua politização pode, em alguns contextos, ter efeitos menos desejáveis como tolerância a práticas tarifárias que não asseguram recuperação de custos, rejeição da possibilidade de geração de lucros que remunerem adequadamente os capitais investidos na cadeia de valor do setor, resistência a movimentos de consolidação que podem acelerar a profissionalização e ganhos de eficiência no setor, aversão à atuação de privados no setor e restrições à livre concorrência nos mais diversos estágios da cadeia de valor; • A Água & Saneamento é um setor comoditizado, expressão que designa uma atividade em que a diferenciação é limitada e onde a experiência de consumo do cliente não pode ser muito alargada ou sofisticada, para além daquilo que são os atributos fundamentais do produto consumido; setores comoditizados evidenciam margens comparativamente mais baixas do que outros setores de maior diferenciação, para a mesma intensidade
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de capital alocado à atividade - no caso da Água, geralmente ligada à manutenção e expansão de capacidade infraestrutural de captação, distribuição e tratamento. A título exemplificativo, outras utilities progrediram no sentido da diferenciação como as telecomunicações, onde a telefonia centrada na comunicação fixa por voz evoluiu, ao longo das últimas décadas, para comunicação móvel, comunicação global de dados (internet), oferta de conteúdos multimedia e se prepara para entrar em IoT com o protocolo 5G. Os serviços postais procuram sofisticar a sua atuação como parte integrante da logística associada ao comércio electrónico, bem como na prestação de serviços financeiros alavancados na conveniência da sua capilaridade geográfica. Em todos eles, a diferenciação assegura a revitalização da relação com o cliente e o retorno dos investimentos realizados para essa sofisticação; • A Água & Saneamento é talvez dos setores que, não obstante à sua importância na sustentabilidade da
sociedade humana, mais dificuldades encontra em explicar, no contexto de negócio em que se desenvolve, o seu valor, em todas as atividades que o compõem; • A Água & Saneamento não é, por regra, um setor dado a movimentos de consolidação geradores de escala, o que em parte reflete a politização já referida, mas resulta sobretudo do carácter local do seu recurso fundamental. Se é verdade que existem bons exemplos de operadores com escala a nível mundial, eles constituem excepção mais do que regra e espelham uma consolidação horizontal em atividades específicas da cadeia de valor mais do que um presença mais integrada (vertical) com expressão global, pelo que o setor evidencia, essencial e comparativamente, um grau reduzido de concentração; acresce ainda que o tipo de atividade em que a internacionalização se materializa não é a suportada por receitas recorrentes - como por exemplo a operação/ exploração comercial de uma rede de distribuição
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de água - mas muito por atividades associadas a transações de equipamento e ativos infraestruturais e a projetos, onde a geração de receitas requer um prévio, constante e eficaz esforço de originação de negócio, fator que torna mais arriscados movimentos de consolidação inorgânica (M&A) ou mesmo criação de estruturas locais, com quadros expatriados veículos do know-how e da cultura de gestão da atividade internacionalizada; de qualquer das formas, escala é importante para acomodar os riscos da internacionalização e para suportar uma estrutura de capital humano que consiga gerar a diferenciação pretendida nos mercados externos; • A Água & Saneamento é dos setores em que o volume de investimentos em projetos com estruturas diversificadas de financiamento (‘blended finance’) é menor, segundo a OCDE, quando comparado com indústrias de infraestruturação básica de que é exemplo a energia, o que é revelador da percepção de risco que ainda existe, não obstante a mitigação que estes
modelos de financiamento pretendem trazer. Em termos sumários, e por outras palavras, um setor comoditizado e com pouca mobilidade de talento humano, em que as exigências de capital tendem a não ser despisciendas, sujeito a uma incerteza de negócio ligada ao contexto politizado em que se enquadra, avesso a crescimento inorgânico e gerador de riscos que não são facilmente mitigáveis por modelos de ‘blended finance’, nem acomodáveis por empresas de escala que rareiam, tende a ser visto como pouco atrativo para internacionalização. No caso do setor de Água & Saneamento em Portugal, parte desta argumentação é aplicável, se pensarmos que: • Existe ainda necessidade de pedagogia em torno do valor da água e das diferentes atividades da cadeia de atividades que asseguram o funcionamento do ciclo urbano da água; • Ainda que tal pedagogia seja eficazmente comunicada e assimilada, o desafio de comoditização do setor mantém-se;
• Não obstante alguma consolidação observada no setor, uma boa parte dela permanece dispersa, com reduzida dimensão e desafios de profissionalização; • À excepção de alguns bons exemplos, a generalidade das empresas ligadas ao setor tem pouca escala para tomar riscos decorrentes das oportunidades de internacionalização, optando por projetos de mão-de-obra (know-how) intensiva em vez de alocação mais significativa de capital, sendo particularmente focados em projetos de consultoria ou ‘performance-based contracts’, em temas específicos e com duração mais limitada; • Uma boa parte dos mercados naturais e mais explorados, no âmbito da internacionalização portuguesa do setor, é lusófona e emergente, colocando riscos economico-financeiros, decorrentes da sua instabilidade institucional e macroeconómica; • Talvez pelo acima exposto, e sempre exceptuando bons exemplos, é com alguma dificuldade que empresas portuguesas ligadas ao REVISTA APDA_ APDA _ 2020
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# atualidade setor conseguem manter estruturas de talento humano expatriado em mercados internacionais, numa base permanente. Em todo o caso, são igualmente reconhecidos alguns fatores de competitidade intrínseca do tecido empresarial do setor português de Água & Saneamento, os quais poderão alicerçar uma estratégia diferenciadora de internacionalização: • Portugal empreendeu, desde 1993, reformas importantes que contemplaram um redesenho institucional do setor, com clarificação dos papeis dos diferentes stakeholders, a criação de um reputado regulador, o desenvolvimento de modelos de gestão alternativos - como sistemas multi-municipais e concessões privadas - a definição de regimes tarifários - para abastecimento e saneamento - assente no princípio de recuperação de custos e o planeamento de capacidade infraestrutural do setor; • O setor consituiu um bom exemplo de ‘blended finance’, tendo captado, entre 1993 e 2015, um financiamento global de €13.2 bn, compreendendo
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fundos europeus (€6.4 bn), financiamentos do BEI (€1.9 bn), emissões obrigacionistas (€0.6 bn), PPPs (€1.0 bn), entre outras fontes incluindo capitais próprios de empresas do setor e banca comercial; • O setor de Água & Saneamento português, não obstante à sua reduzida dimensão à escala global, contou com o capital e conhecimento de empresas de referência oriundas de oito países, Reino Unido, França, Alemanha, Israel, Espanha, China, Japão e Bélgica, com reflexo nas práticas de gestão operacional da indústria em Portugal; • Portugal tem uma relevante experiência em PPP no setor, tendo atingido um número próximo de 37 concessões/ JO (Joint Ownership ou participações de capital conjuntas, pública e privada) cobrindo 48 municípios e servindo o equivalente a 29% da população, no âmbito do abastecimento e saneamento de água. Deste modo, e muito embora o setor português de Água & Saneamento partilhe das dificuldades que a indústria em si denota a nível
global, no seu processo de internacionalização, existe um stock de experiência e conhecimento que pode ser exportado para mercados, em que os desafios de legislação, regulação, insitucionalização, capacitação, planeamento e infraestruturação do setor sejam semelhantes ao que o nosso país enfrentou nas últimas décadas. E sendo certo que muitas vozes defendem que a internacionalização do setor de Água & Saneamento deve ser um desígnio estratégico do país, a par de outros setores em que são já reconhecidas competências distintivas nos mercados externos, outros defendem que tal estratégia deve apenas ser considerada depois de superados todos os desafios do setor ainda evidentes a nível doméstico. Ciente da importância dos desafios e das oportunidades da internacionalização do setor de Água & Saneamento português, a APDA promoveu, no âmbito da edição de 2019 do ENEG - Encontro Nacional das Entidades Gestoras de Água e Saneamento -, uma discussão sobre o tema, reunindo, para o efeito, gestores de empresas do setor já internacionalizadas,
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bem como representantes de instituições dos mercados internacionais já explorados por empresas portuguesas. Moderada pelo Eng.º Rui Marreiros (APDA), a mesa redonda contou com a presença do Dr. Paulo Oliveira (Grupo Aquapor), Dr. Jorge Sousa (Grupo Visabeira) e do Eng.º Ilídio Kossa (FIPAG, Moçambique), e incluiu na sua agenda tópicos especificamente ligados: i) às competências diferenciadoras que as empresas portuguesas do setor podem oferecer no exterior, ii) ao âmbito de atividades e projetos em que há potencial e procura nos
mercados externos, iii) aos fatores de atractividade dos mercados externos tidos em consideração na estratégia das empresas do setor, iv) aos fatores (impulsionadores) de dinamização da internacionalização do setor, v) aos contributos que empresas estrangeiras aportam ao setor de Água & Saneamento nos países em que empresas portuguesas do setor têm tido presença, vi) às orientações que uma política pública do governo português poderia conter para promover a internacionalização do setor, vii) à tipologia, intensidade de
capital e risco da estratégia de internacionalização do setor e viii) às iniciativas de diplomacia económica ou cooperação institucional que podem suportar o setor de Água & Saneamento no seu esforço de internacionalização. Este debate teve, entre outros benefícios, o mérito de consolidar algumas ideias em torno do tema da internacionalização do setor, no âmbito das quais merecem referência as seguintes reflexões: • Ainda que diversas e bem-sucedidas iniciativas de
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# atualidade abordagem de mercados externos tenham sido já empreendidas por empresas portuguesas ligadas à Água & Saneamento, o desenvolvimento de uma política pública estruturada em torno do desígnio estratégico de internacionalização do setor - que possa contemplar diplomacia económica, incentivos fiscais e programas de financiamento, entre outras medidas - poderá ampliar e robustecer este movimento; • Para o próprio desígnio estratégico de internacionalização, é importante que no mercado doméstico destas empresas não se coloquem entraves à livre concorrência ou à iniciativa privada, mesmo que em parceria com as entidades públicas ligadas ao setor, que possam debilitar a sua base original de negócio, limitar a progressão de know-how ou dificultar a retenção de talento, que papel tão crítico assumem nas oportunidades fora do país; • As empresas portuguesas são competitivas na exportação do seu know-how, através de projetos, em média, com média-baixa intensidade de capital, dado o
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aceitável grau de risco que comportam, pelo que a política de incentivos à internacionalização poderia justamente passar por ajudar a mitigar riscos associados a projetos de maior envergadura e risco, permitindo por esta via um perfil mais estável de receitas que sustentasse estruturas empresariais e de talento humano permanentes em mercados-chave para o setor; • Ainda a respeito da exportação de know-how, vale relembrar que Portugal se orgulha de ter uma das melhores plataformas de capacitação, que para além de servir os desígnios de profissionalização do setor em solo português, está igualmente habilitada a ser uma atividade exportável, no âmbito da internacionalização da indústria; • Em todo o caso e a título complementar, o desenvolvimento de competências na área de criação, produção ou construção de ativos tangíveis de longo prazo (equipamentos, componentes, estruturas), comummente alcunhado de ‘hardware oriented’ (por
contraposição a projetos de pura exportação de conhecimento ou ‘entregas’ intangíveis), poderia criar empresas-âncora, a reboque das quais outros negócios da cadeia de valor pudessem associar-se, no contexto de oportunidades de maior dimensão ou escopos de projetos mais amplos - e assim sendo, de maior valor acrescentado; esta tipologia de negócios é aquela em que o crescimento inorgânico é mais viável e aquela em que, ponderados os devidos riscos, se pode crescer com mais velocidade; • Na definição de mercados estratégicos, a abordagem a mercados lusófonos emergentes continua a fazer sentido, atendendo ao potencial de legislação, regulação, institucionalização, capacitação, planeamento e infraestruturação do setor (já referido), temas em que o setor português pode valer-se da sua experiência, sendo certo que estes mercados estão mais facilmente ao alcance da nossa diplomacia económica; • De qualquer forma, e sem prejuízo desta orientação estratégica, a proximidade de instituições multilaterais vocacionadas para
A INTERNACIONALIZAÇÃO DO SETOR DA ÁGUA
apoiar o setor da Água & Saneamento de regiões em vias de desenvolvimento pode abrir portas de outros mercados; a ligação do setor a estas instituições é já sólida, - particularmente ao BEI, que teve um papel de relevo no financiamento do nosso setor - a e nossa diplomacia económica poderá ampliá-la mais ainda. A necessidade aguça o engenho’ e Portugal tem
historicamente adquirido competências em atividades que em algum momento foram necessárias para superar desafios e que soube internacionalizar com sucesso. Desde a construção de rodovias, aos sistemas de pagamentos integrados ou às telecomunicações encontramos bons exemplos. Curiosamente a água sempre esteve associada à internacionalização do país. No século XV, os portugueses
lançaram-se às águas do Atlântico e do Índico quando a geopolítica peninsular poucas perspetivas oferecia. Talvez seja o momento de exportarmos o nosso conhecimento sobre a gestão da água numa altura em que o nosso mercado doméstico amadureceu e poucas oportunidades de dimensão oferece a empresas com potencial de escala.
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QUADRO LEGAL
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LEGISLAÇÃO PORTUGUESA
Lei n.º 123/2019, de 18 de outubro Terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro, que estabelece o regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios.
Decreto-Lei n.º 160/2019, de 24 de outubro Procede à escolha das entidades gestoras e aprova as condições e os termos especiais dos contratos de concessão de atribuição da gestão de infraestruturas hidráulicas.
Decreto-Lei n.º 167/2019, de 21 de novembro Atualiza, para 635 euros, o valor da remuneração mínima mensal garantida a partir de 1 de janeiro de 2020.
Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio.
Decreto-Lei n.º 173/2019, de 13 de dezembro Adapta o regime de formação profissional da Administração Pública à Administração Local.
Resolução do Conselho de Ministros n.º 200/2019, de 27 de dezembro Procede à delegação de competências, nos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela área do respetivo setor de atividade, no que respeita à designação dos membros dos órgãos de administração e dos órgãos diretivos das entidades do setor público empresarial e do setor público administrativo.
Decreto Legislativo Regional n.º 30/2019/A, de 28 de novembro Aprova o Programa para as Alterações Climáticas (PRAC).
Decreto-Lei n.º 170/2019, de 4 de dezembro Procede à décima alteração ao Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo REVISTA APDA_2020
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LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA
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LEGISLAÇÃO comunitária
Regulamento de Execução (UE) 2019/1780, da Comissão, de 23 de setembro Estabelece os formulários-tipo para a publicação de anúncios no âmbito dos processos de adjudicação de contratos públicos e revoga o Regulamento de Execução (EU) 2015/1986 («eForms») (JO, L272, de 2019/10/25).
Regulamento (UE) 2019/1784, da Comissão, de 1 de outubro Estabelece os requisitos de conceção ecológica aplicáveis ao equipamento de soldadura nos termos da Diretiva 2009/125/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho (JO, L272, de 2019/10/25).
Regulamento Delegado (UE) 2019/1828, da Comissão, de 30 de outubro Altera a Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, no respeitante aos limiares para os contratos públicos de fornecimento, os contratos públicos de serviços e contratos de empreitada de obras públicas, bem como para concursos de conceção, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2020 (JO, L279, de 2019/10/31).
Regulamento Delegado (UE) 2019/1829, da Comissão, de 30 de outubro Altera a Diretiva 2014/25/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, no respeitante aos limiares para os contratos de fornecimento, os contratos de serviços e os contratos de empreitada, bem como os concursos de conceção, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2020 (JO, L279, de 2019/10/31).
Regulamento Delegado (UE) 2019/1830, da Comissão, de 30 de outubro Altera a Diretiva 2009/81/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, no respeitante aos limiares para os contratos de fornecimento, os contratos de serviços e os contratos de empreitada, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2020 (JO, L279, de 2019/10/31).
Diretiva (UE) 2019/1831, da Comissão, de 24 de outubro Estabelece uma quinta lista de valores-limite de exposição profissional indicativos, nos termos da Diretiva 98/24/ CE, do Conselho, e que altera a Diretiva 2000/39/CE, da Comissão, no âmbito da proteção contra a exposição a agentes químicos no
trabalho, cujas alterações devem ser introduzidas pelos Estados-Membros até 20 de maio de 2021 (JO, L279, de 2019/10/31).
Diretiva (UE) 2019/1832, da Comissão, de 24 de outubro Altera os anexos I (Riscos relacionados com as partes do corpo a proteger através de EPI), II (Lista não exaustiva dos tipos de equipamento de proteção individual com base nos riscos contra os quais oferecem proteção), e III (Lista não exaustiva das atividades e setores de atividade para os quais podem ser necessários Equipamentos de Proteção Individual) da Diretiva 89/656/CEE, do Conselho, no que se refere a adaptações estritamente técnicas, no âmbito da segurança e saúde no trabalho, cujas alterações devem ser introduzidas pelos Estados-Membros até 20 de novembro de 2021 (JO, L279, de 2019/10/31).
Diretiva (UE) 2019/1833, da Comissão, de 24 de outubro Altera os anexos I (Lista indicativa e atividades profissionais), III (Classificação Comunitária), V (Recomendações relativas às medidas e aos níveis de confinamento) REVISTA APDA_2020
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# QUADRO LEGAL
LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA
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LEGISLAÇÃO comunitária
e VI (Confinamento para processos industriais) da Diretiva 2000/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, no âmbito da proteção dos trabalhadores contra a exposição a agentes biológicos no trabalho e no que respeita a adaptações de carácter exclusivamente técnico, cujas alterações devem ser introduzidas pelos Estados-Membros até 20 de novembro de 2021 (JO, L279, de 2019/10/31).
Regulamento (UE) 2019/2089, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro Altera o Regulamento (UE) 2016/1011 no que diz respeito aos índices de referência da União Europeia para a transição climática, aos índices de referência da União Europeia alinhados com o Acordo de Paris e à divulgação das informações relacionadas com a sustentabilidade relativamente aos índices de referência (JO, L317, de 2019/12/09).
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EVENTOS
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# EVENTOS Eventos APDA Seminário “Os Novos Desafios do Saneamento” APDA | Comissão Especializada de Águas Residuais Local: Auditório da Ordem dos Engenheiros Lisboa Data: a definir
eventos
Encontro “Gestão de Ativos e os Desafios da Nova Década” APDA | Comissão Especializada de Gestão de Ativos Local: Auditório Infante D. Henrique - Leça da Palmeira Data: a definir
Para mais informações www.apda.pt
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PURA 2020 - Encontro de Comunicação Ambiental APDA | Comissão Especializada de Comunicação e Educação Ambiental Local: Auditório Municipal Augusto Cabrita Barreiro Data: a definir Encontro “Perdas de Água em Portugal Impacto na Sustentabilidade Ambiental” APDA | Comissão Especializada de Sistemas de Distribuição de Água Local: BejaParque Hotel - Beja Data: a definir * Todos estes eventos estavam pré-agendados para o 1º semestre de 2020. No entanto, face à pandemia de COVID-19, foram adiados para data a definir.
APDA, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Eventos nacionais
Eventos INTERnacionais
Portugal Smart Cities Summit AIP Local: FIL - Lisboa Data: 22-24 setembro 2020
IWA Conference Water in Industry 2020 IWA Local: Nanjing, China Data: 24-28 agosto 2020
Planetiers World Gathering 2020 PWG - Planetiers World Gathering Local: Altice Arena - Lisboa Data: 21-23 outubro 2020
Global Water Summit 2020 Global Water Intelligence | Global Water Leaders Group | LUOW - Leading Utilities of the World Local: Madrid, Espanha Data: 30 agosto-1 setembro 2020
Conferência dos Oceanos 2020 ONU Local: Lisboa Data: a definir
IWRA’s XVII World Water Congress International Water Resources Association Local: Daegu, Coreia Data: 21-25 setembro 2020
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INDICA DO IND DOR R ES PORTUG PORTU GAL 4,5 milhões 17,3% Pessoas em risco de pobreza (INE, 2017)
População com 18 ou mais anos com excesso de peso (INE, 2014)
Ta de
75%
CURIOSIDADES
Utilização da internet (INE, 2018)
15,7% Proporção de reclusos preventivos existentes nos estabelecimentos prisionais comuns (INE, 2017)
7% Áreas marinhas nacionais protegidas (INE, 2017)
Antecipação adaptação resiliência aos impactos atuais e futuros das alterações climáticas (INE, 2018)
89,1 kg/hab
Geração de resíduos perigosos por habitante (INE, 2017)
4,0 por mil
axa de mortalidade e crianças menores de 5 anos (INE, 2018)
s
98,7% Água controlada e de boa qualidade (água segura) (INE, 2017)
28,1% Contributo da energia proveniente de fontes renováveis no consumo bruto de energia (INE, 2017)
20,3%
2,4% 9 µg/m3 e 18 µg/m3 Concentração média anual das partículas poluentes PM2,5 e PM10 (INE, 2017)
Taxa média de crescimento da média do rendimento para a população em geral (INE, 2013-2017)
Taxa de desemprego da população com 15 a 24 anos (INE, 2018)
1,33% Despesa em I&D em % do PIB (INE, 2010-2017)
Fonte: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=377366012&PUBLICACOESmodo=2
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS