Revista APDA #20 - 1º trimestre 2021

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REVISTA

EDIçãO 20 1º TRIMESTRE

2021 ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS

GESTÃO DE ÁGUAS PLUVIAIS


Edição APDA

Projeto Gráfico OTNovesete Comunicação

Diretor Sérgio Hora Lopes

Diretora Criativa Sandra Souza

Conselho Editorial Paulo Nico Pedro Béraud Pedro Laginha

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Coordenação Ana Antão Colaboração Especial Eduardo Paulino

ÓRGÃOS SOCIAIS DA APDA ASSEMBLEIA GERAL Presidente: Francisco Oliveira Secretário: Francisco Marques Secretário: Gertrudes Rodrigues

EDITORIAL

# FICHA TÉCNICA

CONSELHO DIRETIVO Presidente: Rui Godinho Vice-Presidente: Frederico Fernandes Vice-Presidente: J. Henrique Salgado Zenha Vice-Presidente: Rui Marreiros CONSELHO FISCAL Presidente: Carlos Pinto de Sá Secretário: Jorge Nemésio Secretário: Vitor Lemos

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem indicação da respetiva fonte. Revista APDA é uma publicação trimestral. Para mais informações sobre publicidade ou informações gerais, Tel.: (+351) 218 551 359 ou E-mail: geral@apda.pt APDA - Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas Av. de Berlim, 15 - 1800-031 Lisboa - Portugal • Tel.: (+351) 218 551 359 • E-mail: geral@apda.pt


As águas pluviais1, ou talvez mais corretamente, as consequências da ocorrência de fenómenos meteorológicos pluviais extremos, constituem um dos assuntos que tem merecido, nos últimos anos, uma crescente atenção da sociedade e os media têm divulgado quase quotidianamente ocorrências graves, numa ou noutra geografia. E não é para menos. A perceção pública é a de que fenómenos como inundações e desabamentos de terras devido a chuvas intensas e linhas de água que transbordam dos seus leitos, com vultuosos prejuízos humanos e materiais, são cada vez mais “o pão nosso de cada dia”. A mudança e crise climática, a impermeabilização do solo, a construção em leitos de cheia, são, entre outros, fatores que explicam este agravamento da quantidade de ocorrências “excecionais” e de calamidades. A necessidade de algo fazer para as minimizar é prioritária. Mas as questões das pluviais não se restringem aos aspetos quantitativos. A qualidade da água pluvial urbana é igualmente um problema, pois a “limpeza” que ela propicia nas infraestruturas rodoviárias das cidades é um foco de poluição que não pode ser desprezado. (Lembro-me que há cerca de três décadas, numa visita aos operadores dos serviços de águas de Bordéus e Lyon, uma questão controvertida era se o dimensionamento das ETAR devia, ou não, ter em conta as águas pluviais que se escoavam para os rios e ribeiros, depois de limpar os arruamentos dos hidrocarbonetos e de outros materiais poluentes.) Um dos aspetos que também tem trazido as águas pluviais para o centro da reflexão dos serviços de água prende-se com o novo

paradigma da gestão assente nos princípios da economia circular. Ora, não há nada mais “circular” do que o ciclo da água. Uma nova perspetiva de olhar para a água urbana como um todo (abastecimento, residuais e pluviais) parece ser hoje o “estado da arte”. Temos, portanto, um problema grave a resolver e é necessário adotar medidas e, independentemente do paradigma como se abordam as águas pluviais, o combate às alterações climáticas passa pelo planeamento urbano, por investimentos vultuosos e pela gestão cuidada das infraestruturas. Ora, para que todas estas medidas possam ser postas em prática são necessários meios financeiros consideráveis e estáveis. Como financiar a atividade: através dos impostos, de tarifas ou de um misto? Afinal, estamos perante um bem público, um bem comum, um bem privado, ou um bem “eclético” que pode assumir vários dos tipos de bem atrás referidos e para o qual poderemos por isso encontrar formas de financiamento “eclético”? A resposta parece ser positiva e, conforme a corrente económica perfilhada, nos países e nas cidades, encontramos uma diversidade no modelo de recuperação de custos. Por exemplo, nos EUA, no Reino Unido, na Alemanha, e em diversos outros países, o financiamento é misto, imposto e tarifa. Igualmente em Portugal são várias as visões e as práticas. Sendo um tema que nos últimos anos tem vindo a ganhar importância no nosso país, dada a sua complexidade, e estando para ser aprovado o novo plano estratégico para o setor, é natural que tenha estado a gerar um debate muito vivo e que novos atores

A expressão inglesa que traduz as águas pluviais é “storm water”, águas de tempestade ou águas tempestuosas, na sua tradução literal. Apetece dizer que a expressão inglesa se adequa melhor à situação que vivemos do que a portuguesa… 1


# EDITORIAL sejam envolvidos. Chamo a atenção para os reguladores que poderão ver as suas competências alteradas. A regulação, seja ela ambiental, de serviço ou económica, encontra-se assim perante desafios diferentes daqueles com que estava confrontada, nomeadamente se as entidades gestoras dos serviços de água passarem a ter responsabilidades de gestão das águas pluviais, sendo por isso evidente que uma nova atividade entrará no âmbito da regulação da ERSAR. No conjunto de artigos que publicamos neste número da Revista APDA tentamos cobrir os vários aspetos da problemática das águas pluviais: ambientais e mudança climática, análise económica, financiamento e recuperação dos custos, apresentação de experiências levadas a cabo por municípios em grandes urbes do país garantindo formas de atuação autárquica diversa (serviços municipais, serviços municipalizados e empresas municipais) e regulação. Os autores são igualmente variados, refletindo vários pontos de vista, de conhecimento e perspetiva. Temos assim autores provenientes na investigação universitária, a Prof.ª Rita Martins da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e o Prof.º Rodrigo Proença de Oliveira do Instituto Superior Técnico, responsáveis e técnicos das entidades gestoras, Dr.ª Lídia Lopes dos SMAS de Sintra, Dr. Miguel Lemos da Águas de Gaia e o Eng.º José Silva Ferreira da Câmara Municipal de

Sérgio Hora Lopes Diretor da Revista APDA

Lisboa, vários técnicos membros da Comissão Especializada de Águas Residuais (CEAR) da APDA, e da ERSAR a Dr.ª Alexandra Cunha, a Eng.ª Margarida Monte e o Eng.º Miguel Nunes. Quisemos, com esta variedade de temas tratados e de perspetivas de análise, ajudar a compreender melhor os desafios que irá constituir para o nosso setor a gestão das águas pluviais, num contexto ambiental e de paradigma de gestão em mudança e incerteza. Acima de tudo, realçar às Entidades Gestoras a importância que as águas pluviais terão num futuro próximo, assim como as consequências que a sua gestão terá na qualidade dos serviços prestados.


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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS


FREDERICO FERNANDES

Presidente

Vice-Presidente

J. HENRIQUE SALGADO ZENHA

RUI MARREIROS

Vice-Presidente

Vice-Presidente

CONSELHO DIRETIVO

ESPAÇO RUI GODINHO


Águas pluviais e a futura conformação e governança do setor do abastecimento de água e saneamento de águas residuais As questões estruturais e de enquadramento, relativas ao futuro modelo da “gestão das águas pluviais”, surgem neste momento pelo facto de estar a ser considerada a hipótese da sua integração no âmbito das responsabilidades das atuais Entidades Gestoras de Águas Residuais, saindo assim das atribuições e competências dos Municípios, como atualmente acontece. Esta possibilidade consta do Programa de Trabalhos do “PENSAARP 2030 - Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais”, em elaboração, desde junho de 2020, por um Grupo Trabalho constituído sob a tutela da Secretaria de Estado do Ambiente do Ministério do Ambiente e da Ação Climática. A APDA, através do seu documento “Contributo para o Futuro Enquadramento1” daquele “Plano Estratégico” já se pronunciou, uma primeira vez, sobre aquele tema. Entretanto, em 18 de fevereiro de 2021, a APDA suscitou junto dos Responsáveis pela conformação e governança do setor dos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais, através de uma “Exposição”, um conjunto de preocupações com a sua presente evolução, nomeadamente quanto às “Dificuldades do Setor, os Novos Encargos e a Definição de Prioridades”, na expetativa de que os problemas atuais na prestação dos serviços e a presença de novos riscos possam vir a ser minorados. Aí ficou expressa a nossa posição sobre as - distintas - questões da atribuição da gestão e da responsabilidade pelos gastos da recolha e rejeição de águas pluviais, assinalando-se que esta abordagem não se deverá fazer de forma isolada ou autónoma, mas sim com prudência e de forma integrada e articulada com as restantes áreas em análise, por forma a não pôr em causa a procura do necessário equilíbrio transversal do setor, tal como colocamos com destaque, naquela “Exposição”, que a seguir apresentamos, na íntegra.

As dificuldades do setor, os novos encargos e a definição de prioridades A APDA vem suscitar junto dos Altos Responsáveis pela conformação e governança do setor dos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais um conjunto de preocupações com a presente evolução deste setor, na expetativa de que as dificuldades atuais de prestação dos serviços e a presença de novos riscos possam vir a ser minorados. Efetivamente, o setor defronta-se com problemas estruturais que sobreviveram ao grande salto qualitativo ocorrido na última década do século XX e na primeira deste século.

1 Contributo da APDA para o Enquadramento do PENSSARP 2030, Lisboa, 31 de julho de 2020. Consultar também www.apda.pt

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# ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO O dualismo do setor Entre esses problemas, sobressai a permanência de uma percentagem largamente maioritária de entidades gestoras com menos de 10.000 clientes, também na maior parte dos casos coincidente com a prestação em gestão direta sem especialização de serviços. Não sendo a maior parte da população portuguesa abrangida por essas entidades gestoras de menor dimensão, as mesmas cobrem, porém, grande parte do território nacional. Os indicadores relativos a muitas entidades gestoras continuam, por isso, distantes do benefício concreto das reformas e da grande evolução acima referida, com especial incidência no marcante volume de água não faturada, no deficiente conhecimento das infraestruturas e na ausência de recuperação de gastos, neste caso com as correspondentes repercussões na qualidade dos serviços. Os outros problemas estruturais Para além desses casos especificamente relacionados com a dimensão dos sistemas, há um conjunto de dificuldades estruturais que são transversais a todo o setor, já que as perdas de água são, em média, ainda muito elevadas, o tratamento e a gestão de lamas, especialmente das provenientes de ETAR, não tem soluções sustentadas e só pode contar com serviços externos em limitadíssima concorrência. Também o ritmo de reabilitação e renovação das infraestruturas em geral está claramente muito abaixo do desejável, não permitindo compensar o envelhecimento das redes ou, até, as carências progressivas de sistemas de grande dimensão, sobretudo após o reequilíbrio dos sistemas multimunicipais, que consumiu verbas antes alocadas à reabilitação. Acresce ainda às necessidades de reabilitação e renovação o esforço remanescente de cobertura de saneamento, com os inerentes custos de inovação para soluções práticas de pequenos sistemas de saneamento e soluções baseadas na natureza, bem como o investimento e os gastos de operação. Não se perca de vista também que a cobertura de abastecimento de água não é total, especialmente se se considerar a fiabilidade de vários sistemas em período de seca. O setor sofreu ainda tensões decorrentes da crise da década passada, com redução de financiamento disponível e de investimento e está sujeito a vetores que agravam as suas circunstâncias, como a emergência climática (quer pelos seus efeitos nas disponibilidades hídricas, quer pelo esforço que imporá aos serviços na racionalização da sua prestação), a necessária revisão da dimensão energética, para obter maior eficiência, e a pressão regulamentar europeia, sobretudo perante a instabilidade de algumas soluções nacionais, como o acima mencionado tratamento de lamas. Apesar da sua maturidade técnica e da resposta de recursos humanos face à pandemia, o setor sofrerá também as consequências económicas desta, tanto no plano direto do desequilíbrio contratual decorrente da impossibilidade de interrupção de fornecimento (que, obviamente,

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não se põe em causa, mas tem consequências), como no plano, indireto, das repercussões dos inevitáveis efeitos socioeconómicos. O recurso, aqui, aos meios de financiamento previstos para o capítulo Ciclo Urbano da Água do PNI - Plano Nacional de Investimentos 2021-2030, revela-se indispensável, seguindo, aliás, as recomendações do Parecer do Conselho Superior de Obras Públicas. A necessária consolidação transversal do setor e os instrumentos para o efeito É perante este quadro, ainda frágil, do setor, que a APDA vem solicitar a atenção do Governo, do Regulador e também dos outros intervenientes mais relevantes do setor para um conjunto de prioridades. Antes de mais e pelas razões acima referidas, o setor precisa de uma consolidação transversal, dirigida à superação dos seus desequilíbrios internos, que lhe permita criar generalizadamente resiliência e escapar às fragilidades parciais ainda muito presentes. Para obter consistência, é necessário criar condições para a recuperação de gastos, progressivamente, mas sem tergiversações. Esta recuperação de gastos é fundamental para a modernização do setor, a constância da qualidade de serviço e a garantia da sua sustentabilidade. Mas é também condição de justiça social, pois a subsidiação escondida dos serviços representa, na prática, a redução da tarifa adequada para todos e implica, portanto, o consequente financiamento dos mais ricos pelos mais pobres. Não menos importante, a recuperação de gastos é uma regra sempre constante da lei portuguesa, desde a Lei das Finanças Locais à legislação específica do setor. Para sua prossecução, a APDA nem considera como objetivo mais imediato, até por razões conjunturais, a sua efetiva verificação, mas apenas a transparência das contas, distintas e rigorosas para cada atividade e com evidência da subsidiação, quando exista. É este um primeiro passo para que todos, desde as entidades gestoras aos utilizadores, se apercebam da realidade económica subjacente aos serviços prestados e fiquem claras as necessidades dos serviços e os meios disponíveis; ou para se tornar evidente a ausência desses meios. Para atingir esse desiderato, porém, a APDA tem vindo a sustentar que os instrumentos mais relevantes são a exigência de transparência analítica da contabilidade, com base na legislação existente e nos poderes regulatórios que, a esse nível, não foram prejudicados pelo Artigo 428.º da Lei n.º 75-B/2020, na medida em que o Regulador ainda dispõe da atribuição de «…fiscalizar e sancionar o incumprimento das normas legais aplicáveis…» (Artigo 5.º, n.º 3, dos Estatutos da ERSAR). Continua a manter a APDA que o recurso a um regulamento tarifário complexo e dificilmente adaptável ao tecido da maioria das entidades gestoras - que é frágil em termos de capacidade humana e técnica - não é o meio adequado para tão importante desiderato: a sua aplicação contraria a simplicidade necessária para uma leitura escorreita do setor e pode, até, ter efeitos perversos, ao implicar uma abordagem técnico-financeira que tapa a essência das questões da REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO recuperação de gastos. Por outro lado, com um regulamento tarifário inadequado, as disparidades internas do setor poderão ser agravadas, dadas as recentes limitações aos poderes regulatórios em matéria tarifária resultantes da lei orçamental. A disparidade setorial Um outro plano essencial é o que respeita à sobrecarga tarifária. Convém não deixar de prestar atenção a um desequilíbrio notório em Portugal, que corresponde a um nível de esforço dos consumidores de água e dos utilizadores de águas residuais muito mais intenso do que é exigido a atividades paralelas. É o caso da manifesta facilidade de acesso e baixo custo fiscal com que vão tendo lugar captações particulares de água subterrânea. E é também o caso da enorme disparidade entre o desenvolvimento do subsetor de águas residuais urbanas, com custos repercutidos nos consumidores de água, e o grau de exigência às atividades pecuária e industrial. Ambas as situações (captações e terceiros poluidores), além de gerarem grande diferença de gastos entre grupos sociais distintos, são também veículo de significativas perturbações ambientais em aquíferos e meios recetores, tornando o esforço de entidades gestoras e consumidores improfícuo e impondo contenção, pelo menos ao crescimento de tal esforço. Por isso, é importante que haja uma cuidadosa reflexão sobre as adequadas medidas de política pública, bem como sobre as consequências económicas de novas componentes de carga tarifária. A questão das águas pluviais A APDA não tem uma objeção de princípio, em termos técnicos e de gestão, à atribuição das águas pluviais às entidades gestoras de águas residuais, reconhecendo-se os benefícios ambientais que podem decorrer de uma gestão integrada, como resulta de várias experiências em todo o País. Mas, independentemente das questões de natureza jurídica à luz da diretiva europeia aplicável à gestão de águas residuais, a generalização da sua assunção pelos consumidores de água traz, em termos de investimentos e gastos, dois problemas muito sérios. De facto, poder-se-á abrir a porta à generalização de uma grande sobrecarga orçamental para as entidades gestoras de serviços de águas residuais, pondo até em causa os objetivos de recuperação sustentável dos gastos; e haverá a inerente repercussão nos consumidores de um quarto serviço a seu cargo, se se considerarem os resíduos sólidos pagos na fatura da água. Por outo lado, a generalização desse encargo para os consumidores de água, incluindo o respeitante às águas pluviais separativas, permitiria que os municípios viessem a afetar meios financeiros, então livres, a outros fins, à custa dos consumidores.

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O enquadramento da reutilização Quanto à reutilização de águas residuais, a APDA considera-a certamente uma prioridade, como complemento das políticas de combate à escassez de água, agravada pelas alterações climáticas, não devendo a necessidade de reutilização e o reforço do seu uso eficiente serem aferidos apenas em termos passivos, mas antes envolverem uma crescente habituação dos consumidores/ utilizadores, através de ações concertadas de sensibilização. No entanto, convém não perder de vista que os objetivos relativos à reutilização devem ser estruturados de forma que as suas previsíveis executoras, as entidades gestoras de águas residuais, não venham a ser oneradas com sobrecustos sem contrapartidas económicas adequadas. Devem, por isso, evitar-se medidas de caráter genérico, independentes da aferição das necessidades locais e dos utilizadores efetivos; e é necessário ter em conta o equilíbrio financeiro da exploração e a existência ou viabilidade de redes de distribuição reais. Também aqui se considera que os consumidores de água não podem ser os destinatários principais ou subsidiários do esforço económico correspondente, a não ser na medida em que sejam efetivos utilizadores. Decerto que, também neste âmbito, os montantes inscritos no acima referido PNI - Plano Nacional de Infraestruturas (Ciclo Urbano da Água), deverão ser cobertos, em condições financeiras que não onerem os utilizadores, recorrendo-se, para o efeito, aos meios de financiamento sem custos (subsídios) disponíveis no “Plano de Recuperação e Resiliência 2021-2026”, agora tornado público (€ 16 643 milhões). A variação fiscal O regime tarifário é agravado, num outro plano, pela disparidade do regime fiscal entre as várias entidades gestoras, o que é um fator de crónica desigualdade para as próprias, em matéria de aplicabilidade de IRC e de IVA, e inerentemente para os consumidores. Efetivamente, as entidades gestoras de natureza empresarial estão sujeitas ao pagamento de IRC, enquanto as demais entidades que operam em modelo de gestão direta não estão; por outro lado, a incidência de IRC é agravada pela especificidade do regime das IFRS para as concessionárias, municipais ou multimunicipais. Também no IVA há diferentes regimes e instabilidade de interpretações, havendo várias situações em que uma rua separa um consumidor a quem é cobrado IVA de outro a quem não é, por ser distinta a natureza jurídica da entidade que o serve. Esta disparidade conduz a casos preocupantes: por exemplo, enquanto o Regulador sempre sustentou, e a própria Autoridade Tributária também, que as empresas municipais deveriam cobrar IVA pela prestação do serviço de saneamento, a Autoridade Tributária entende agora que esse serviço, quando prestado por empresas municipais, se encontra fora do âmbito de incidência do REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO imposto. As consequências são gravosas: por um lado, os serviços “em alta” cobram IVA a essas empresas, pelo que estas deixam de poder repercuti-lo nos seus consumidores; por outro lado, a cobrança aos consumidores fez parte dos seus estudos de viabilidade que sustentam a respetiva gestão e a ausência de cobrança corresponde a um emagrecimento pelo valor do IVA pago e não cobrado, sem vantagem para os consumidores, porque haverá, naturalmente, repercussão tarifária. Neste caso, uma das consequências é a geração de riscos económicos muito sérios para as empresas municipais mais antigas que, de acordo com orientações - antes uniformes recebidas, cobraram IVA ao longo dos anos. Outra consequência é diminuir ou anular o equilíbrio de empresas municipais resultantes do esforço de agregação, exatamente quando estas estão a iniciar a sua operação e a procurar afirmar-se. Na essência da questão, convergem duas situações estranhas. Por um lado, tem havido variação da interpretação da Autoridade Tributária, com sérios riscos de graves repercussões para as entidades gestoras em causa. Por outro, a Autoridade Tributária, ao entender que não deve ser cobrado IVA, não está, agora, a tirar consequências do facto de que, havendo personalidade jurídica autónoma das empresas municipais, há também a delegação dos serviços de saneamento a uma entidade terceira, juridicamente distinta do município que delega os serviços, ou seja, uma atribuição a terceiros, tal como acontece nas concessões. O que é ainda reforçado pelo facto de as empresas municipais serem pessoas coletivas de direito privado. Reconhece-se a dificuldade de harmonização, tendo em conta a natureza jurídica dos municípios com gestão direta: mas já não é aceitável e compreensível a extensão automática do mesmo regime de IVA em casos em que os serviços são atribuídos a empresas com personalidade jurídica própria. Os encargos recentes A dimensão tarifária vai-se defrontando ainda com novos encargos, inerentes a disposições legais com repercussão económica. É o caso, entre outros, da criação de um subsídio de penosidade que abrange, obviamente, número significativo de colaboradores das entidades gestoras e implica mais um esforço económico para todas estas. A sobrecarga tarifária Portanto, as entidades gestoras estão sujeitas a tensões económicas crescentes, que resultam: do esforço díspar que lhes é exigido em relação a outros intervenientes na captação de água e de rejeição de águas residuais; dos vários vetores de dificuldades estruturais que impõem ainda grandes investimentos e gastos de exploração complementares; do agravamento conjuntural

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atual, emergente da pandemia e de novos encargos; e, em múltiplos casos, de falta de dimensão e estrutura adequadas à resposta dos serviços. A disparidade de regimes agrava a situação. As prioridades centrais: o equilíbrio transversal do setor Considera, por isso, a APDA que a primeira prioridade do desenvolvimento do setor deve ser a tendencial harmonização deste, especialmente através da disponibilização de meios e da criação de incentivos para a obtenção do equilíbrio económico das entidades gestoras ou, pelo menos, da transparência das suas contas que permita a racionalização dos serviços. E que esse macro-objetivo implica, pela positiva, a concentração de esforços em meios simples e eficazes de cumprimento da lei, em atuação concertada de Governo e Regulador, a remoção de obstáculos inerentes a regimes diferenciados, a omissão de qualquer espécie de intervenção legislativa ou regulamentar que incremente tal diferenciação, a fluência para o setor de fundos dirigidos à superação de carências estruturais e o apoio ao setor na contenção das dificuldades pontuais descritas, como a digestão do subsídio de penosidade ou de agravamentos fiscais. Mas o mesmo macro-objetivo impõe, por acréscimo, várias consequências, sendo a primeira delas a sua prioridade também no tempo: só depois de a quase totalidade das entidades gestoras estar sustentada e racionalizada e só depois de ultrapassadas as consequências económicas da pandemia, faz sentido analisar com o setor novas exigências de fôlego, como grandes saltos na generalização automática das dimensões pluvial e de reutilização, na medida em que estas recaiam sobre os consumidores de água, ou a sujeição das entidades gestoras a exigências de qualidade de serviço que as exponham a gravosos níveis sancionatórios ou indemnizatórios, de resto desfasados com os de outros serviços públicos essenciais. As prioridades centrais: corrigir os défices estruturais A outra prioridade central é a de estabilizar todo o setor quanto aos mencionados défices estruturais: diminuição das perdas de água e dos consumos ilícitos, solução segura para o tratamento e gestão sustentável de lamas, eficiência hídrica e energética e ampliação e fiabilidade da cobertura dos serviços prestados. O mais importante não é a enumeração destes necessários esforços, dada a sua evidência. O mais importante é a reflexão sobre a magnitude económica desses esforços, com duas decorrências: a necessária concentração na procura e alocação de meios financeiros, considerando-se, em particular, a possibilidade de afetação de fundos europeus, como, por exemplo, os atrás mencionados; por outro lado, a prevalência da sustentação económica destes grandes objetivos em relação aos restantes, tanto no plano temporal e na contenção de outras exigências com sobrecargas económicas às entidades gestoras, como na prevalência da atribuição de fundos.

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# ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO Os apoios imediatos É também essencial obter dos intervenientes no setor a colaboração para fazer frente, designadamente no plano tarifário, aos novos encargos já presentes, como o subsídio de penosidade e as variações de critérios fiscais acima mencionados. A gradação e a progressividade dos restantes objetivos A ausência de resiliência do setor, pelas razões mencionadas, e o seu agravamento conjuntural decorrente da pandemia impõem também, com muita nitidez, a exclusão ou gradação dos restantes objetivos a prosseguir, designadamente no âmbito do PENSAARP 2030, de modo a que o setor possa crescer harmoniosamente e não seja sujeito a demasiadas tensões confluentes nas entidades gestoras e, indiretamente, nos consumidores. Ou seja: considera-se que é preciso fazer uma seleção cuidadosa dos objetivos, com prioridades claras e adiamento para uma segunda fase dos secundários, depois de obtida a resiliência do setor. Antes de novos reptos ou, sempre que adequado, em convergência com os serviços da água e saneamento, estes carecem de um segundo salto qualitativo, que complete o anterior. Só assim estarão em condições estruturais para, no seu conjunto, enfrentarem tais desafios e pouparem os consumidores a outros agravamentos tarifários, para além dos que decorrerem das necessidades essenciais do fortalecimento do setor. Também por isso, se alguns outros objetivos vierem a ser considerados, deve determinar-se que a sua prossecução pode ter início em fase mais avançada da década, bem como devem fixar-se metas progressivas e moderadas. Lisboa, 18 de fevereiro de 2021

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# ATUALIDADE

Comissão Especializada de Águas Residuais

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Gestão de águas pluviais em meio urbano - Perspetiva das Entidades Gestoras

Rodrigo Proença de Oliveira

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Impactos das alterações climáticas na gestão das águas pluviais

Rita Martins

38

Argumentos económicos sobre a provisão e financiamento de serviços de águas pluviais

Lídia Lopes

44

A gestão das águas pluviais em Sintra

Miguel Lemos

52

A experiência da gestão das águas pluviais no município de Vila Nova de Gaia

José Silva Ferreira

58

PGDL (2016-2030) - Plano Geral de Drenagem de Lisboa

66

ERSAR Gestão de águas pluviais: uma nova abordagem

#

QUADRO LEGAL

#

EVENTOS

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# INFOGRAFIA

82

LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

74

LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA

76



ATUALIDADE


E


# atualidade

Gestão de águas pluviais em meio urbano - Perspetiva das Entidades Gestoras “É fundamental para as Entidades Gestoras Pedro Béraud Coordenador da CEAR, colaborador da AdP Internacional

Pedro Fernandes Membro da CEAR, colaborador da Contimetra

Cristina Martinho Membro da CEAR, consultora

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assegurarem os meios económicos e financeiros que permitam suportar os encargos decorrentes da gestão de águas pluviais.”

Sónia Pinto Vice-Coordenadora da CEAR, colaboradora da Águas de Santarém

Manuela Sobral Membro da CEAR, colaboradora da Câmara Municipal do Barreiro


Gestão de águas pluviais em meio urbano - Perspetiva das Entidades Gestoras

1. Introdução Do ponto de vista das Entidades Gestoras, a gestão das águas pluviais em meio urbano tem sido um desafio contínuo, mas que se tem vindo a agravar devido ao crescimento das zonas urbanas e a uma maior imprevisibilidade das condições atmosféricas. A alteração da paisagem, com impermeabilização do solo

ou alteração da topografia, causa perturbações no curso natural da água. A redução da capacidade de infiltração e retenção de água, associada ao rápido encaminhamento das águas pelas redes de drenagem instaladas para o efeito, supera, com frequência, a capacidade dos equipamentos instalados e das próprias linhas de água. A impermeabilização dos solos conduz, também, à acumulação de poluentes

no solo, que são arrastados na ocorrência das primeiras chuvas. Nos sistemas de drenagem concebidos como unitários, os problemas inerentes ao aumento de picos de caudal tornam-se ainda mais relevantes, porque para evitar inundações ocorre o aumento da capacidade das infraestruturas (dimensionadas para tempo húmido), com todas as dificuldades técnicas e custos

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# atualidade associados, ou a descarga diretamente na linha de água. A evolução destes sistemas para separativos carece de grande investimento e, geralmente, resulta apenas na separação parcial das origens da água, pela dificuldade de alteração das construções instaladas. Só recentemente em Portugal se iniciou um movimento, já existente em alguns países da Europa, no sentido de reaproveitar a água pluvial nos próprios edifícios, que são devidamente preparados para esse efeito. Por outro lado, as autarquias e as próprias Entidades Gestoras têm vindo a introduzir medidas no sentido de evitar o aumento das áreas impermeabilizadas em meio urbano, ou pelo menos nas novas áreas urbanizadas, introduzindo, sempre que possível, áreas verdes que permitam a infiltração das águas pluviais no solo, reduzindo a sua afluência aos meios de recolha e/ou tratamento.

2. Modelo de gestão de águas pluviais em meio urbano Do ponto de vista de otimização

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de meios das Entidades Gestoras, a gestão das águas pluviais urbanas, tendencialmente, será gerida conjuntamente com as águas residuais. No entanto, a conceção e manutenção destes sistemas está interligada com domínios fora do controlo destas entidades, nomeadamente a gestão urbanística e a definição do modelo financeiro. Atualmente, a responsabilidade pela gestão das águas pluviais é dos municípios, podendo delegar a sua exploração nas entidades gestoras através de contrato específico. A gestão das águas pluviais depende diretamente da tipologia da rede existente. Se o sistema for separativo poderá, eventualmente, ser lógico a gestão por diferentes Entidades Gestoras dos Sistemas de Saneamento, ainda que seja pouco provável que não ocorra uma economia de escala (decorrente da gestão conjunta com as águas residuais). Contudo, para os casos de sistemas de recolha mistos ou unitários - que são a maioria dos casos em Portugal - é óbvia a prevalência das vantagens da gestão conjunta com as águas residuais.

O Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, permite às Entidades Gestoras a gestão conjunta, ainda que não clarifique a forma de recuperação de custos, aspeto crucial para a sobrevivência das entidades responsáveis pela sua gestão. As tarifas que podem ser praticadas dependem da aprovação da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR).

3. Gestão sustentável de águas pluviais em meio urbano Os fenómenos de inundações nas cidades são cada vez mais frequentes, devendo-se, não só às alterações climáticas, mas também ao aumento da urbanização, às vezes em áreas não previstas e para as quais os coletores pluviais e unitários existentes não estavam dimensionados. Com o aumento da impermeabilização do território, nomeadamente nos meios urbanos, houve uma alteração significativa no ciclo hidrológico natural, sendo que os caudais de ponta são mais elevados com tempos de concentração menores, ocorrendo o aumento do


Gestão de águas pluviais em meio urbano - Perspetiva das Entidades Gestoras

escoamento superficial, o que conduz à diminuição da infiltração no solo e da recarga dos aquíferos. Para mitigação dos efeitos adversos verificados, as ações a desenvolver nos meios urbanos devem passar pela adoção de boas práticas de ordenamento do território, nomeadamente no tecido urbano e na implementação de soluções sustentáveis para a gestão das águas pluviais, diferentes das convencionais (canalização direta das águas pluviais). Os municípios devem incorporar nos projetos urbanísticos e de arranjos exteriores que promoverem, soluções arquitetónicas e de engenharia que diminuam a impermeabilização do território e promovam o controlo na origem dos caudais pluviais, estabelecendo a aplicação destas soluções sustentáveis nas zonas urbanas. Estas soluções designam-se por Sistemas Urbanos de Drenagem Sustentáveis ou SUDS, terminologia adaptada do Inglês (Reino Unido), Sustainable Urban Drainage Systems, e são soluções de drenagem alternativas e complementares aos sistemas de drenagem de águas pluviais tradicionais em meio urbano.

Estes sistemas sustentáveis têm vários benefícios em termos da renaturalização do ciclo urbano da água, permitindo o controlo na origem, a retenção e infiltração do escoamento pluvial nas zonas verdes, o atraso dos picos de chuvada, o armazenamento e o tratamento de poluentes. Para além disso, promovem um melhor ambiente e com isso melhores condições de vida e de saúde das pessoas que usufruam de espaços que incluam este tipo de sistemas. Para que os benefícios decorrentes da aplicação destas soluções sejam maximizados, os projetos devem, desde o seu início, ser colaborativos, sendo que a equipa de planeamento deve ser interdisciplinar, incluindo urbanistas e engenheiros hidráulicos. Os benefícios dos SUDS são: ° Proteção do aumento do risco de inundações nas cidades devido ao desenvolvimento urbano, tornando as cidades mais resilientes às alterações climáticas e mais sustentáveis; ° Diminuição das afluências indevidas e das descargas indevidas, devido à

diminuição de caudais pluviais nas redes de coletores unitários e, consecutivamente, a montante de descarregadores de tempestade, das estações elevatórias e das estações de tratamento de águas residuais; ° Proteção das águas superficiais da poluição das cidades, melhorando a sua qualidade devido à retenção e absorção de poluentes e, com isso, melhorando as águas dos meios hídricos onde descarregam; ° Aumento da recarga de aquíferos e da evapotranspiração; ° Criação de locais aprazíveis para o usufruto dos cidadãos e melhoria da qualidade de vida das cidades, devido à melhoria da qualidade do ar e aumento de biodiversidade; ° Redução de custos com sistemas de drenagem tradicionais, devido à diminuição da necessidade de construção de coletores pluviais; ° Utilização de água pluvial como recurso. Os sistemas de drenagem sustentáveis, tais como REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade as coberturas verdes, os sistemas de biorretenção, por exemplo os “jardins de chuva”, as valas de infiltração, as trincheiras de infiltração, as bacias de retenção, os poços absorventes e os pavimentos permeáveis, ao serem bem incorporados nos meios urbanos podem, quando bem dimensionados, executados e mantidos, ter resultados parecidos, em termos de retenção e infiltração, dos que são obtidos na natureza, evitando inundações e a poluição dos meios hídricos a jusante e melhorando significativamente a eficiência dos sistemas de drenagem de águas residuais e pluviais já existentes.

ainda em vigor, que está direcionado para a utilização de sistemas tradicionais de drenagem. Ao momento, por falta de legislação/normas é muito complicado implementar soluções deste tipo, pois é necessário existir uma grande vontade de todos os intervenientes para que as soluções resultem funcionais. Figura 2 - Recolha de pluviais no interior da rotunda

Os sistemas de aproveitamento de águas pluviais em edifícios têm vindo a ser adotados em vários países, como uma forma de retenção de caudal na origem e/ou servindo também como fonte de reutilização e poupança de água potável fornecida pela rede pública.

Figura 3 - Exemplo do uso de pavimentos permeáveis

Figura 1 - Renaturalização do ciclo urbano da água - Vala da Urbanização de Sete Portais

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Sistema prediais de águas pluviais

O desafio para a implementação destes sistemas em Portugal será o de estabelecimento de normas técnicas para sua a execução e da atualização do antigo Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto,

A instalação de um sistema predial de aproveitamento de águas pluviais (SAAP) permite aproveitar a água da chuva para abastecimentos que não coloquem em causa a saúde pública, esta água não poderá ser utilizada para consumo humano. A água da chuva poderá ser usada para a rega de zonas verdes, lavagem de espaços comuns e redes de incêndio, mas teremos de ter


Gestão de águas pluviais em meio urbano - Perspetiva das Entidades Gestoras

em atenção a temperatura da água armazenada e o potencial desenvolvimento de Legionella, para que, aquando da sua utilização, se deva minimizar a produção de aerossóis. Por outro lado, estes sistemas reduzem a afluência de caudais à rede pública de drenagem de águas residuais - sistemas unitários - e/ou águas pluviais sistemas separativos. As coberturas verdes são também um elemento importante na transformação das cidades atuais em ambientes urbanos mais sustentáveis. Esta tecnologia, que traz um agradável efeito paisagístico,

vem-se espalhando por vários países variando de acordo com o clima, cultura e política de incentivo. A proteção da impermeabilização e o efeito térmico, por filtrar os raios solares, também interfere no campo ambiental e financeiro, pois poupam energia usada em aparelhos de ar condicionado. Outra característica das coberturas verdes é a sua capacidade de equilibrar o ecossistema atraindo pássaros e insetos muitas vezes já desaparecidos de certas regiões. Sem dúvida a gestão de águas, o controlo de cheias através da diminuição do volume de água que aflui às redes de

drenagem de águas pluviais, a recolha e reaproveitamento dessas águas, e a melhoria da qualidade do ar, são os benefícios que mais se destacam com a utilização de coberturas verdes. A nova mentalidade em se construir com sustentabilidade, reforça o valor e importância deste tipo de coberturas. A promoção de criação de zonas de vegetação em redor das propriedades, com o intuito de reduzir o escoamento de águas pluviais, torna-se uma primeira medida a considerar pela sua simplicidade de implementação e eficácia na redução de afluência de água aos sistemas.

Figura 4 - Exemplo de sistema de cobertura verde

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# atualidade 4. Impactes expectáveis das alterações climáticas, gestão operacional Atualmente, é já impossível negar o impacte das alterações climáticas na gestão das águas pluviais em Portugal. Para além da perceção decorrente dos frequentes relatos na comunicação social, de inundações em aglomerados populacionais cada vez mais frequentes e de maior amplitude, os registos pluviométricos evidenciam um agravamento da situação. Efetivamente, a intensidade e a frequência de fenómenos extremos causados pela pressão atmosférica, nomeadamente os relacionados com a pluviosidade, tem vindo a criar dificuldades acrescidas às Entidades Gestoras na gestão de águas pluviais. Mais importante que as anomalias em relação ao valor médio anual, existente desde 1931, o importante a realçar será a concentração da pluviosidade, em menores períodos e com significativo aumento de intensidade, com as consequentes inerentes

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repercussões na gestão de águas pluviais. A alteração do regime pluviométrico em Portugal está gradualmente a verificar-se, pelo que é uma realidade para as quais as Entidades Gestoras têm que estar preparadas e apetrechadas, com os meios técnicos, económicos e financeiros adequados e adaptados à sua realidade específica.

5. Considerações finais A gestão de águas pluviais tem vindo a ser um desafio para o qual as Entidades Gestoras se têm vindo a preparar, mas em que as alterações climáticas tendem a dificultar, face à concentração dos períodos de acentuada precipitação, bem como o aumento das áreas impermeabilizadas em meio urbano. Todos os dados existentes até à data indiciam que as alterações climáticas em Portugal se estão a manifestar através de alterações dos regimes de pluviosidade, entre outros efeitos, com períodos de grande pluviosidade e períodos de seca. A concentração dos períodos de intensa

pluviosidade irá agravar a necessidade de implementar uma correta e holística gestão das águas pluviais, por parte das Entidades Gestoras. É fundamental para as Entidades Gestoras assegurarem os meios económicos e financeiros que permitam suportar os encargos decorrentes da gestão de águas pluviais. Tendencialmente, deverão existir economias de escala na gestão conjunta de águas residuais e pluviais, ainda que as soluções técnicas de tratamento sejam frequentemente diferentes. As soluções de controlo na origem apresentam-se como a solução mais sustentável a longo prazo. Representam, em geral, um menor investimento inicial mantendo o encaminhamento das águas mais próximo do seu curso natural que as soluções tradicionais. Com a redução do percurso da água, evita-se também a sua contaminação e promove-se a recarga das massas de água subterrâneas. Estas soluções de controlo na origem, que se podem utilizar para tentar implementar um planeamento urbano sustentável, implicam a


Gestão de águas pluviais em meio urbano - Perspetiva das Entidades Gestoras

utilização, por vezes, de grandes áreas urbanas ou áreas que interfiram com a organização da cidade. Quer isto dizer que o urbanismo, o planeamento urbano e o desenho urbano têm um papel fundamental na implementação destas medidas, podendo integrar diversas soluções que potenciem o armazenamento ou detenção do escoamento de águas pluviais.

Bibliografia Dickie, S., Mckay, G., Ions, L., Shaffer, P. (2010), “Planning for SuDs - Making it happen”, CIRIA C687, London. Lourenço, Rossana (2014), “Sistemas Urbanos de Drenagem Sustentáveis”, Tese de Mestrado, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Coimbra. Os novos desafios do Saneamento. “Gestão de Águas pluviais”; “Hidrologia e alterações climáticas”. Publicações APDA 2020.

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# atualidade

Impactos das alterações climáticas na gestão das águas pluviais

Rodrigo Proença de Oliveira CERIS, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa

Docente na área científica de Hidráulica, Ambiente e Recursos Hídricos no Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa), investigador no CERIS (Civil Engineering Research and Innovation for Sustainability) e consultor na Bluefocus. É ainda secretário do Conselho de Região Hidrográfica do Tejo e Oeste e membro do Comité Científico da Agência Portuguesa do Ambiente para a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas. Foi membro dos corpos dirigentes da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos durante oito anos, incluindo seu presidente durante o biénio de 2014-2016.

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“Parafraseando Eça, sob o manto diáfano da incerteza, há tendências cruas e verdadeiras que não podemos deixar de enfrentar.”


Impactos das alterações climáticas na gestão das águas pluviais

Introdução A sustentabilidade dos sistemas de drenagem de água pluvial urbanos está ameaçada por um conjunto de pressões sociais, económicas e ambientais que desafiam os gestores destes sistemas. Entre estas, destacam-se as dinâmicas urbanas que modificam as solicitações de drenagem a um ritmo não compatível com a eventual reconfiguração dos sistemas,

e os custos de manutenção e de substituição de extensas antigas redes de infraestruturas, o que associado às dificuldades de financiamento, ameaça a sua sustentabilidade financeira. E, em menor grau, crescentes requisitos ambientais no meio recetor podem vir a exigir o tratamento das águas pluviais. Entre os desafios futuros, as alterações climáticas são de particular preocupação. O aumento da temperatura, as mudanças esperadas nos

padrões de precipitação e o aumento do nível médio do mar alteram as solicitações e as condições de funcionamento dos atuais sistemas e obrigam a revisitar o seu desenho ou dimensionamento. A adaptação às alterações climáticas não é uma tarefa fácil, em face da incerteza associada aos cenários futuros e aos custos das soluções. Sendo a indecisão e a inação uma opção pior, os gestores dos sistemas de REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade drenagem de água pluvial devem assumir este desafio, aproveitando a oportunidade para revisitar o desenho dos sistemas sob sua responsabilidade e a forma como são geridos.

Impactos das alterações climáticas nos sistemas de drenagem pluvial A emissão de gases com efeito de estufa e o consequente aumento da sua concentração na atmosfera têm conduzido a um aumento da temperatura do ar, a uma alteração dos padrões de precipitação e a um aumento do nível médio do mar. Entre as várias alterações climáticas que são esperadas, as duas últimas são aquelas que mais impacto têm nos sistemas de drenagem de água pluvial. A melhor forma de quantificar os possíveis cenários futuro de alteração climática é através da modelação matemática do sistema terrestre e do seu clima, atividade que é desenvolvida em poucos centros de investigação no mundo. Os resultados destes modelos são compilados e comparados regularmente pela comunidade

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científica, em projetos designados Coupled Model Intercomparison Project (CMIP) que suportam as recomendações do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) apresentadas nos seus Assessment Reports (AR). O último exercício de intercalibração concluído é o CMIP5, a partir do qual foi produzido o AR5 de 2013-2014. Está em fase de conclusão o CMIP6 que servirá de base ao AR6, cujos vários relatórios começam a ser divulgados, estando a publicação do último, o Relatório Síntese, prevista para maio de 2022. Os modelos climáticos abrangidos pelos CMIP são modelos de escala global que simulam a evolução do clima para o período 1970-2100, com uma grelha de cálculo com células espaçadas cerca de 300 ou 400 km. Cada corrida considera uma dada trajetória de emissão de gases com efeito de estufa, designadas por RCP2.6, RCP4.7, RCP6.0 e RCP8.5, sendo que a primeira corresponde ao cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura global da atmosfera abaixo

de 2 ºC, e preferencialmente abaixo de 1.5 ºC. A resolução espacial dos resultados da modelação climática pode ser aumentada para um determinado continente através de exercícios de downscalling. O projeto CORDEX (Coordinated Regional Climate Downscaling Experiment), coordenado pelo World Climate Research Program (WCRP), promoveu vários exercícios de downscaling para várias regiões do mundo. O subprojecto dedicado à Europa, designado por EURO-CORDEX, fornece um conjunto de projeções regionais do clima, resultantes de 39 modelos regionais que adotam resoluções de 50 km (0,44º) e de 12,5 km (0,11º). Os modelos climáticos apresentam uma clara tendência de aumento da temperatura e do nível médio do mar, em resultado do degelo das calotes polares e glaciares e, ainda, da expansão térmica dos oceanos. No que respeita à precipitação, o aumento da temperatura conduz a um aceleramento do ciclo hidrológico e a um aumento da precipitação nas regiões


Impactos das alterações climáticas na gestão das águas pluviais

de latitude mais elevada e a um decréscimo noutras regiões, mas a tendência não é clara em muitos territórios. Em Portugal, antevê-se uma descida da precipitação anual média, sobretudo no sul do Pais, tendência que, aliás, já é visível nos registos meteorológicos a partir de 2000. No norte do País os resultados dos modelos não são totalmente coincidentes, existindo alguns que sugerem um ligeiro aumento da precipitação anual média. Adicionalmente, os modelos climáticos projetam um aumento da variabilidade da precipitação, com períodos secos mais frequentes e longos, e um aumento da sazonalidade, com uma

concentração da precipitação no inverno. Estas tendências serão acompanhadas com um aumento da frequência e magnitude dos valores extremos da precipitação. A Figura 1, retirada do AR5, apresenta a variação da precipitação extrema em 5 dias para dois cenários de aumento da temperatura média global: 1.5 ºC e 2 ºC. Portugal situa-se numa região onde a tendência deste parâmetro não é clara. Myhre et al. (2019) afirmam que a quantidade de água precipitada durante eventos extremos duplica por cada grau de aumento da temperatura média global, e que este aumento resulta, sobretudo, de um aumento da

frequência dos eventos e, em menor grau, do aumento da sua magnitude. No entanto, os mesmos autores afirmam que as projeções dos modelos climáticos sugerem um agravamento dos valores de precipitação extrema (percentil 99%) da ordem dos 20% por aumento de grau e de 40% dos valores muito extremos (percentil 99.9%). Os registos históricos da Europa sugerem agravamentos maiores. Nos EUA a revisão das curvas IDF tendo em conta os resultados do CMIP5 conduziram a um agravamento de 20% dos valores extremos de precipitação. Os cenários de variação da média da precipitação diária máxima anual para vários

Figura 1 - Variação da precipitação extrema em 5 dias para dois cenários de aumento da temperatura média global: 1.5 ºC e 2 ºC. (Fonte: AR5: IPCC, 2013) REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade locais do País, determinados a partir dos resultados do projeto EURO-CORDEX apontam no mesmo sentido. A Figura 2 apresenta a variação da média e do desvio padrão da precipitação diária máxima anual estimada para o final do século em 17 locais de Portugal Continental, de acordo com 9 modelos climáticos regionais, assinalando-se

a vermelho a mediana das estimativas de cada modelo. É patente a grande variabilidade das estimativas dos vários modelos, entre si e para os diferentes locais, mas o sinal prevalecente é de um aumento de ambas as estatísticas da ordem dos 10% a 20%, o que conduzirá um aumento dos valores das precipitações extremas dessa ordem de grandeza.

A frequência dos dias com precipitação diária acima de 50 mm ou de 80 mm (Figura 3) também apresenta uma variabilidade muito significativa, com uma tendência de subida da ordem dos 50%. A concretização do aumento da frequência e magnitude dos valores extremos da intensidade de precipitação

Figura 2 - Variação da média e do desvio padrão da precipitação diária máxima anual estimada para o final do século em 17 locais de Portugal Continental, de acordo com 9 modelos climáticos regionais do projeto EURO-CORDEX, assinalando-se a vermelho a mediana das estimativas de cada modelo

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Impactos das alterações climáticas na gestão das águas pluviais

Figura 3 - Variação do número de dias por ano com precipitação diária superior a 50 mm e a 80 mm no final do século em 17 locais de Portugal Continental, de acordo com 9 modelos climáticos regionais do projeto EURO-CORDEX, assinalando-se a vermelho a mediana das estimativas de cada modelo

conduzirá a um incremento dos valores de caudal pluvial gerado nas bacias servidas. O aumento da frequência, sem incremento expressivo da magnitude, aumenta o número de vezes em que as redes poderão funcionar no seu limite que podem dar origem a pequenas inundações. O aumento da magnitude conduz a situações em que capacidade de escoamento dos sistemas de drenagem poderá ser ultrapassada.

Nos sistemas que descarregam para cursos de água, a ocorrência de cheias fluviais em simultâneo com as cheias urbanas dificultará a descarga dos volumes drenados e colocará em causa a segurança das próprias infraestruturas dos sistemas, quando localizadas em zonas de risco de inundação fluvial. Nos sistemas de drenagem de zonas costeiras, situados a cotas baixas e

que descarregam os seus efluentes para o mar, o aumento do nível médio do mar conduzirá a uma redução da capacidade de escoamento dos troços finais dos seus emissores e proporcionará condições para inundações costeiras (Oliveira et al., 2015). O AR5 estima um aumento do nível médio do mar entre 20 cm e 90 cm até ao final do século, sendo bastante REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade

Estes cenários sugerem a necessidade de repensar as redes de drenagem urbana de águas pluviais para assegurar que os caudais gerados podem ser escoados em segurança. As soluções a adotar podem incluir o controlo de afluências à rede, o desvio dos volumes escoados para novos coletores, o aumento da capacidade de escoamento dos coletores existentes ou a atenuação dos caudais de ponta através da retenção das águas pluviais em reservatórios. As soluções a implementar

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Global mean sea level rise 1.0

Mean over 2061-2100

0.8

0.6

RCP8.5

(m) 0.0 2000

2020

2040

2060 Year

2080

RCP6.0

0.2

RCP4.5

0.4

RCP2.6

provável que o aumento seja superior a 40 ou 50 cm, uma vez que não parece ser possível alcançar a trajetória de emissões RCP2.6 (Figura 4). Alguns estudos sugerem, no entanto, valores de aumento do nível médio do mar bastante superiores, da ordem dos 2 m até ao final do século (Kopp et al., 2017; Baker et al., 2017; Le Bars, 2017; Wong, 2017). Kulp e Strauss (2019) produziram um modelo digital de terreno das zonas costeiras à escala global que permite visualizar mapas de áreas inundadas de acordo com estes cenários (https://coastal. climatecentral.org/).

2100

Figura 4 - Aumento do nível medio do mar para as trajetórias de emissão RCP2.6 (azul) e RCP 8.5 (vermelho) (Fonte: AR5: IPCC, 2013)

devem ter em conta que o nível hidrométrico do meio recetor, seja um rio ou o mar, será também afetado pelas alterações climáticas. Adicionalmente, a tendência de aumento da variabilidade da precipitação e de aumento da frequência e duração de períodos secos poderá limitar a eficácia da autolimpeza dos coletores pluviais. Nos sistemas unitários, o aumento da temperatura do ar e o incremento da atividade biológica nos coletores poderá conduzir a problemas de septicidade, à libertação

de maus odores, à criação de atmosferas tóxicas no interior das infraestruturas e a um risco acrescido de corrosão. Ainda nos sistemas unitários, o risco de aumento da frequência e magnitude de descargas, em tempo de chuva, de excedentes não tratados, terá consequências negativas para a qualidade da água do meio recetor (Oliveira et al., 2015). Esta possível contaminação por excedentes pluviais não tratados ocorrerá em simultâneo com um potencial decréscimo da capacidade


Impactos das alterações climáticas na gestão das águas pluviais

de diluição do meio recetor, em resultado da redução escoamento e da possível diminuição da sua qualidade da água. Em zonas sensíveis poderá ser necessário adotar soluções que assegurem a redução da quantidade de carga poluente dos efluentes, de modo a manter o cumprimento dos objetivos de qualidade da água do meio recetor. No limite, esta contaminação do meio ambiente poderá também abranger o solo e as águas subterrâneas se o incremento dos volumes afluentes à rede de drenagem acarretar um aumento do risco de exfiltração. Acrescem a estes impactos diretos, vários impactos indiretos nomeadamente através da alteração das pressões sociais, económicas e ambientais condicionadas pelas alterações climáticas e que, possivelmente, decorrerão em simultâneo com outras transformações relacionadas com escassez de recursos. Dinâmicas demográficas e reconfigurações do tecido urbano são algumas das condicionantes que podem ser alteradas pelas alterações climáticas. A escassez de água aumentará a pressão

para implementar esquemas de reutilização das águas pluviais e a escassez de alguns recursos poderá aumentar os custos de manutenção e operação dos sistemas de drenagem de águas pluviais.

Comentários finais O futuro é necessariamente incerto e as alterações climáticas vêm adicionar uma nova fonte de incerteza, aquelas que já condicionam o planeamento das atividades humanas. Tradicionalmente, a gestão da incerteza tem vindo a ser assegurada com metodologias de gestão do risco que ponderam várias possíveis situações futuras para identificar as intervenções que proporcionam maiores benefícios, reduzem a vulnerabilidade dos sistemas e aumentam a sua resiliência. A complexidade do sistema climático, envolvendo processos não lineares, intrincados mecanismos de retroação e pontos de mudança súbita, desafiam estas metodologias, dada a dificuldade de quantificar a incerteza ou mesmo de conhecer a fonte de incerteza. A solução é, por

isso, valorizar na análise de risco as soluções que oferecem maior flexibilidade e que permitem enfrentar a multiplicidade de cenários que podem vir a ocorrer. A incerteza associada às alterações climáticas tem levado muitos a defender ajustamentos graduais aos sistemas sob gestão, evitando alterações drásticas ou investimentos avultados e irreversíveis. Contudo, esta opção por um ajustamento gradual das políticas e medidas acarreta o risco de adiar uma reflexão aprofundada sobre as diferentes estratégias de gestão das águas pluviais que admita a possibilidade de uma mudança de paradigma e investimentos avultados na sua concretização. Parafraseando Eça, sob o manto diáfano da incerteza, há tendências cruas e verdadeiras que não podemos deixar de enfrentar.

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# atualidade Referências Bakker, A. M. R.; Wong, T. E.; Ruckert, K. L.; Keller, K.; 2017. Sea-level projections representing the deeply uncertain contribution of the West Antarctic ice sheet. Sci. Rep. 7, 3880. Kopp, R. E. et al.; 2017. Evolving Understanding of Antarctic Ice-Sheet Physics and Ambiguity in Probabilistic Sea-Level Projections. Earth’s. Future 5, 1217-1233. Kulp, S.A., Strauss, B.H.; 2019. New elevation data triple estimates of global vulnerability to sea-level rise and coastal flooding. Nat Commun 10, 4844. Le Bars, D.; Drijfhout, S.; de Vries, H.; 2017. A high-end sea level rise probabilistic projection including rapid Antarctic ice sheet mass loss. Environ. Res. Lett. 12, 044013. IPCC, 2013: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Stocker, T.F., D. Qin, G.-K. Plattner, M. Tignor, S.K. Allen, J. Boschung, A. Nauels, Y. Xia, V. Bex and P.M. Midgley (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA. Myhre, G.; Alterskjær, K.; Stjern, C.W. et al.; 2019. Frequency of extreme precipitation increases extensively with event rareness under global warming. Sci Rep 9, 16063. Oliveira, R.P.; Matos, J.S.; Monteiro, A.J.; 2015. Managing the urban water cycle in a changing environment, Water Utility Journal, Nº 9, pp 3-11. Wong, T. E.; Bakker, A. M.; Keller, K.; 2017. Impacts of Antarctic fast dynamics on sea-level projections and coastal flood defense. Clim. Change 144, 347–364.

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Impactos das alterações climáticas na gestão das águas pluviais

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# atualidade

Argumentos económicos sobre a provisão e financiamento de serviços de águas pluviais

Rita Martins Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e CeBER - Center for Business and Economics Research

Doutorada em Economia e professora na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde leciona nas áreas da Microeconomia e da Economia Industrial. É coordenadora do grupo de investigação “Instituições e Políticas para o Desenvolvimento Sustentável” do Centro de Investigação em Economia e Gestão (CeBER) da Universidade de Coimbra. As suas publicações científicas abordam os temas da regulação económica do setor das águas, da acessibilidade económica e das políticas para a promoção da sustentabilidade. Tem desenvolvido também atividades de intervenção científica na comunidade, seja por via da prestação da especializada de serviços, seja pela intervenção em encontros e seminários e de publicações de circulação entre profissionais e artigos na imprensa.

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“Por todas estas razões, fica claro que a provisão de serviços de águas pluviais não seria eficiente se deixada ao livre

funcionamento do mercado.”


Argumentos económicos sobre a provisão e financiamento de serviços de águas pluviais

A

s alterações climáticas, a par de processos de urbanização e impermeabilização crescentes, têm colocado pressão sobre as formas de gestão dos recursos hídricos. Em particular, os fenómenos pluviométricos extremos reclamam por medidas e políticas adequadas à prevenção e mitigação dos seus efeitos. Para dar resposta a estes desafios,

é fundamental perceber a natureza pública ou privada dos bens e serviços de águas. A correta classificação dos serviços de águas pluviais é crucial para definir quem deve assegurar a construção e manutenção das infraestruturas necessárias à adequada gestão das águas pluviais, bem como quem deve oferecer os serviços, e como deve ser garantido o financiamento dos mesmos. Apesar do reconhecimento cada vez maior da

importância de uma gestão eficiente das águas pluviais (Stormwater Infrastructure Finance Task Force Workgroup of the Environmental Financial Advisory Board, 2020), a literatura sobre a natureza destes serviços é menos abundante comparativamente à referente aos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais. Como tal, é também mais escassa a fundamentação teórica relativa a soluções REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade adequadas, tanto de provisão, como de financiamento. Uma parte da literatura sobre águas pluviais circunscreve-se ao aproveitamento das mesmas para responder a períodos de seca, existindo diversos trabalhos científicos orientados neste sentido. No outro extremo do problema está a questão das cheias ou inundações, que ocorre quando as águas da chuva, do mar, dos cursos de água ou dos sistemas de drenagem de águas pluviais inundam áreas urbanas, designadamente arruamentos, passeios, zonas habitacionais e zonas comerciais. O objetivo deste artigo é proceder a uma análise conceptual dos serviços de águas pluviais, de modo a clarificar a natureza pública ou privada dos mesmos, sem esquecer que as águas pluviais devem ser encaradas como parte integrante do ciclo urbano da água e que a verificação das chamadas falhas de mercado podem condicionar as soluções a adotar. A partir daí, pretende-se refletir sobre as vantagens e desvantagens de potenciais soluções, tanto no que toca à provisão como ao financiamento dos serviços de águas pluviais.

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O conceito de bem público, bem conhecido dos economistas, estabelece que, para assim poder ser classificado, um bem ou serviço deve verificar as propriedades da “não-exclusão” e da “não-rivalidade”. A “não-exclusão” tanto acontece por não ser possível excluir do consumo desse bem ou serviço quem não pagar, como pode suceder se, mesmo sendo possível excluir, não for desejável que tal aconteça. Ambos os entendimentos se aplicam perfeitamente aos serviços de águas, abrangendo em particular as água pluviais. A “não-rivalidade”, por seu lado, significa que o consumo do serviço por um determinado utilizador não impede o seu consumo por outrém. Ora, os serviços de águas pluviais, e as respetivas infraestruturas, apresentam características de baixa exclusão e baixa rivalidade, razão pela qual podem ser considerados como bens públicos (Carlson, Barreteau, Kirshen, Foltz, 2015). De facto, quando são construídas infraestruturas de drenagem de águas pluviais, toda a população da área servida com os respetivos serviços vai beneficiar de um

menor risco de inundação ou até da menor necessidade de contribuir para a redução do escoamento, independentemente de ter contribuido ou não para financiar os custos de construção ou de mantuenção das infraestruturas associadas (Ostrom et al., 1994). Além disso, no que toca às infraestruturas, uma vez construídas, e até ao limite da sua capacidade, o custo marginal (de servir mais um utilizador) tende para zero. Acresce que o facto de alguém beneficiar da proteção associada ao serviço não impede que outros também beneficiem do mesmo, pelo menos até à sua capacidade. Ou seja, verifica-se uma baixa rivalidade. A não exclusão pode também ser vista se se pensar nas dificuldades associadas à penalização de práticas de impermeabilização que contribuam para o aumento do escoamento e para a maior necessidade de drenagem de águas pluviais. Além disso, tal como nos serviços de abastecimento ou de saneamento de águas residuais, não é desejável excluir alguém do consumo de serviços de águas


Argumentos económicos sobre a provisão e financiamento de serviços de águas pluviais

pluviais, como não seria possível impedir que alguém beneficiasse do mesmo. Existem ainda outras falhas de mercado associadas ao fornecimento de serviços de águas pluviais que dificultam a provisão privada (Deverell, 2015). Uma delas decorre da existência de externalidades positivas que a oferta destes serviços gera e outra está associada a assimetrias de informação, a que se podem acrescentar fenómenos de free-riding. Estes acontecem em contexto de bens públicos, onde se podem verificar comportamentos oportunistas de não expressão do valor atribuido (traduzido em predisposição a pagar) a esses bens ou serviços. Por todas estas razões, fica claro que a provisão de serviços de águas pluviais não seria eficiente se deixada ao livre funcionamento do mercado. Seja através da implantação de novos sistemas de drenagem de águas pluviais, seja através da reabilitação de sistemas preexistentes, levantam-se igualmente questões quanto à sua integração ou desagregação com serviços de águas residuais, e quanto ao financiamento

dos investimentos e dos custos de manutenção e de operação, necessários para assegurar a capacidade de resposta, sobretudo em períodos de pico. Parece clara a existência de potenciais vantagens da provisão integrada de serviços de águas pluviais com os outros serviços de águas. De facto, para além do argumento de que as águas pluviais fazem parte integrante do ciclo urbano da água, também existem semelhança com os serviços de drenagem de águas residuais. Por este último motivo, é de crer que as entidades responsáveis pelos serviços de águas residuais estarão, à partida, capacitadas para assumir também os serviços de águas pluviais. As caraterísticas de bem público e a premência da implementação de soluções técnicas para fazer face a fenómenos pluviométricos mais frequentes e mais extremos justificam o financiamento público dos investimentos. Já no que concerne aos custos operacionais e de manutenção dos serviços de águas pluviais, deve ser equacionado se os

mesmos devem ou ou não ser cobrados. Se não forem cobrados, é igualmente necessário perceber se devem ser financiados por transferências do Orçamento do Estado ou por orçamentos municipais. No caso da opção pela cobrança, tanto existem vantagens e argumentos a seu favor, como desvantagens e dificuldades contra, que importa pesar. Do lado das vantagens, para além das óbvias, inerentes à obtenção de receitas e à possibilidade de recuperação de custos, há também argumentos como o aumento da consciencialização acerca da importância dos serviços de águas pluviais (para precaver ou mitigar as consequências das cheias) ou o estabelecimento de incentivos/sinalização de comportamentos. Em relação a este último aspeto, e optando-se pela cobrança, seria importante a definição de incentivos à adoção de boas práticas que conduzissem, por exemplo, à redução da impermeabilização nas construções urbanas e à redução de afluências indevidas de águas pluviais de particulares a redes públicas. REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade Do lado das desvantagens associadas à cobrança dos serviços de águas pluviais estão as dificuldades de afetação dos custos aos beneficiários dos serviços, já que é difícil aplicar o princípio do utilizador pagador. Se a opção recair na cobrança de taxas pelos serviços de águas pluviais levantam-se também problemas de equidade, para além de que, ao onerar o valor das faturas a pagar pelos serviços de abastecimento de água e de águas residuais, podem criar-se ou acentuar-se problemas de acessibilidade económica (veja-se a propósito, Martins et al., 2016). Um outro inconveniente associado à cobrança de tarifas do serviço de águas pluviais em conjunto com os serviços de abastecimento e de saneamento de águas residuais, para além do encarecimento que isso representará para os consumidores, é a introdução de mais itens numa fatura já bastante complexa, que levanta problemas de iliteracia ou de desinteresse (Moura Sá e Martins, 2020). Além disto, a cobrança de tarifas tem o problema da sua definição. Não pode ser descurado

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que as características de bem público dos serviços pluviais, como a não exclusão e a não rivalidade, são mais acentuadas do que nos serviços de abastecimento e de saneamento. Para além disto, a indexação, por exemplo aos volumes consumidos, como acontece com o serviço de águas residuais, cujo pagamento é devido por imputação de um caudal de saneamento que se assume ser equivalente a 90% do volume de água consumido, é muito mais forçada e, eventualmente, de mais difícil aceitação pelos utilizadores dos serviços. A própria definição do preço também não é óbvia. É que se argumentos de eficiência apontam para o estabelecimento de preços ao custo marginal, as caraterísticas anteriormente apontadas quanto ao custo marginal permitem perceber que o preço tenderia para zero. Noutras geografias têm sido adotadas soluções associadas, por exemplo, à imputação dos serviços de águas pluviais ao valor ou tipologia do imóvel, à área do imóvel ou à área impermeabilizada. Porém, este tipo de solução é de

exigente aplicação, devido à necessidade de cruzamento de dados dos serviços de águas com dados prediais. Parece assim possível concluir que o envolvimento público é obrigatório para o estabelecimento e a adoção de soluções eficientes de provisão, mas sobretudo de financiamento das infraesturas de águas pluviais. A iniciativa privada pode existir mas, devido às falhas de mercado enunciadas, de modo complementar à participação pública.


Argumentos económicos sobre a provisão e financiamento de serviços de águas pluviais

Referências Carlson, C., Barreteau, O., Kirshen, P., Foltz, K (2015), “Storm water management as a public good provision problem: survey to understand perspectives of low-impact development for urban storm water management practices under climate change”, Journal of Water Resources Planning and Management, 141 (6), pp.04014080. Deverell, E.: (2015), Who should be responsible for the provision and financing of flood defences in the UK?, The Norwich Economic Papers, 12, pp. 33-47. Martins, R.; Quintal, C.; Cruz, L.; Barata, E. (2016), “Water affordability issues in developed countries - The relevance of micro approaches”, Utilities Policy, 43, pp. 117-123. Martins R. e Moura e Sá P. (2020), “Raising consumers’ interest in their water invoices: Challenges and opportunities”, Utilities Policy, 63 (2020), pp. 1-8. Ostrom, E., Gardner, R., Walker, J. (1994), Rules, Games and Common-Pool Resources, The University of Michigan Press, Ann Arbor, Michigan, USA. Stormwater Infrastructure Finance Task Force Workgroup of the Environmental Financial Advisory Board (2020), Evaluating Stormwater Infrastructure Funding and Financing, U.S. Environmental Protection Agency, Washington, D.C., USA.

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# atualidade

A GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS EM SINTRA

Lídia Lopes Diretora do Departamento Administrativo e Financeiro dos SMAS de Sintra

Licenciou-se em Finanças, em 1976, pelo então Instituto Superior de Economia, atual ISEG. Iniciou a sua carreira nos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Sintra, em 1977, sendo atualmente diretora do Departamento Administrativo e Financeiro. De 2006 a 2011 foi Vice-Presidente do Conselho Diretivo da APDA. De 2012 a 2014 foi Presidente do Conselho Fiscal da APDA. É coordenadora da Comissão Especializada de Legislação e Economia da APDA. É membro da Comissão de Economia e Legislação EU3 da EurEau. Foi membro da Comissão de Economia e Estatística da IWA.

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“A prestação do serviço de interesse geral levada a cabo pelos SMAS de Sintra, tem subjacente a sua sustentabilidade económica e financeira, através da aplicação do princípio de recuperação de custos.”


A GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS EM SINTRA

A

o longo dos seus 75 anos de existência, a política de investimento e gestão seguida pelos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Sintra, SMAS de Sintra, tem sido direcionada para a melhoria da qualidade dos serviços prestados aos habitantes do concelho, focando-se principalmente na otimização dos seus procedimentos ao nível das atividades

desenvolvidas, abastecimento de água, saneamento de águas residuais urbanas e recolha e transporte de resíduos urbanos. A prestação do serviço de interesse geral levada a cabo pelos SMAS de Sintra, tem subjacente a sua sustentabilidade económica e financeira, através da aplicação do princípio de recuperação de custos. Com efeito já o Código Administrativo, publicado

pelo Decreto-Lei 31 095, de 31 de dezembro de 1940, estabelecia no artigo 165º, regime tarifário, que «Os serviços municipalizados visarão a satisfazer necessidades colectivas da população do concelho a que a iniciativa privada não proveja de modo completo e deverão fixar as tarifas de modo a cobrir os gastos de exploração e de administração, bem como a permitir a constituição das reservas necessárias.»

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# atualidade A preocupação com a preservação do ambiente, com as graves implicações das cheias no sistema público de saneamento de águas residuais urbanas, causado não só por problemas urbanísticos, mas também por ligações indevidas de caudais pluviais aos coletores domésticos (recorde-se o ocorrido no concelho de Sintra em 1983), veio também reforçar a necessidade de intervenção nesta área. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 142/95, de 14 de junho, que criou o Sistema Multimunicipal de Saneamento da Costa do Estoril e a SANEST Saneamento da Costa do Estoril, S.A., o município de Sintra efetuou a ligação ao Sistema explorado e gerido pela concessionária (SANEST). Em consequência, e conforme previsto no contrato de recolha assinado entre o município e a concessionária, foram, pelo município de Sintra, suportados os avultados custos com a construção dos coletores de ligação ao sistema, bem como os encargos de exploração considerados para efeitos dos cálculos dos valores mínimos

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garantidos por Sintra, nos termos do contrato de concessão. A necessidade de controlar o aumento dos caudais afluentes, com o consequente agravamento dos custos, exigiu uma forte atuação dos SMAS de Sintra, não só na eliminação das ligações ilegais de drenagem pluvial aos coletores municipais, mas também nas ligações indevidas às linhas de água existentes, contribuindo deste modo para a renaturalização destas linhas de água e evitando a poluição das águas balneares. É, pois, neste enquadramento que surge a necessidade de criar um mecanismo de clarificação de responsabilidades na gestão e manutenção do sistema de drenagem das águas pluviais do concelho. Assim, no ano de 2008 foram feitas várias diligências sobre a problemática da sustentabilidade da gestão e manutenção dos pluviais, tendo sido efetuados estudos e quantificados os respetivos custos. Entretanto, foram publicadas as recomendações tarifárias

IRAR n.º 1/2009 e ERSAR n.º 2/2010, estabelecendo um conjunto de regras fundamentais aplicáveis a todas as entidades que prestam serviços de águas e resíduos aos consumidores finais para a formação de tarifários. Nelas pretende-se, não só a racionalidade e a transparência de critérios na definição dos tarifários, mas também a sustentabilidade económica e financeira dessas entidades. Para a efetiva aplicação dos princípios basilares consagrados na Lei da Água (Lei n.º 58/2005) nomeadamente o «Princípio do valor económico da água, por força do qual se consagra o reconhecimento da escassez atual ou potencial deste recurso e a necessidade de garantir a sua utilização economicamente eficiente, com a recuperação dos custos dos serviços de águas, mesmo em termos ambientais e de recursos, e tendo por base os princípios do poluidor-pagador e do utilizador-pagador», no Regime Económico e Financeiro dos Recursos Hídricos (Decreto-Lei n.º 97/2008) e na Lei das Finanças Locais (Lei n.º 73/2013), entre outros, é


A GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS EM SINTRA

necessário que as entidades gestoras sejam capazes de apurar os custos e proveitos associados à provisão de cada um dos serviços que presta, de forma autónoma. Em 2009, a entidade reguladora do setor, a ERSAR (antigo IRAR), efetuou a seguinte recomendação «Os custos específicos associados à recolha e à drenagem de águas pluviais e à limpeza urbana devem ser excluídos, respetivamente, do universo de custos a recuperar por meio do tarifário dos serviços de saneamento e de gestão de resíduos, mediante segregação ou estimativa, devendo ser recuperados por meio de receitas distintas das entidades titulares.» Atento o enquadramento indicado e após vicissitudes diversas que foram surgindo, foi finalmente assinado, em 21 de fevereiro de 2014, o Protocolo que define as competências que a Câmara Municipal de Sintra e os SMAS de Sintra assumem na gestão e manutenção do sistema de drenagem de águas pluviais do concelho. Para além do já referido Protocolo, foi também aprovada pela Câmara

Municipal de Sintra, em reunião realizada a 18 de fevereiro de 2014, a metodologia para as transferências financeiras para os SMAS para suporte dos custos incorridos no âmbito dos pluviais. Do Protocolo destaca-se: OBJETO: «O presente protocolo visa assegurar a gestão e manutenção do Sistema Público de Drenagem de Águas Pluviais, por parte dos SMAS de Sintra, proporcionando níveis de qualidade adequados, otimizando os recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis, aplicando o conhecimento e a experiência existentes.»

ÂMBITO DE INTERVENÇÃO DOS SMAS DE SINTRA PLANO MUNICIPAL DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS «1. Os SMAS promoverão a abertura do procedimento para a elaboração do Plano Municipal de Drenagem de Águas Pluviais do Concelho de Sintra (em execução à data de celebração do presente protocolo).

2. Depois de concluído o plano referido no nº anterior, será disponibilizado a todos os serviços municipais, de forma a orientar a elaboração de projetos no âmbito das redes pluviais. 3. Os SMAS assegurarão a atualização do documento.» CADASTRO «1. Os SMAS de Sintra promoverão a abertura de um procedimento para a realização do levantamento de todas as infraestruturas relativas à rede pluvial (coletores, caixas de visita, ramais, sumidouros, etc.) e sua representação em Sistema de Informação Geográfica (SIG) (em execução à data de celebração do presente protocolo). 2. Depois de concluído o cadastro referido no nº anterior, será disponibilizado a todos os serviços municipais, de forma a orientar a elaboração de projetos e intervenções na via pública, no âmbito das pluviais. 3. Os SMAS de Sintra promoverão a manutenção e atualização do cadastro, registando as telas finais REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade

das obras realizadas no concelho, promovidas quer pelo Município, quer em operações de loteamento.» PROJETOS DE REDES DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS «1. Os SMAS assegurarão a realização de todos os projetos de obras públicas de construção, ampliação e remodelação relativos à rede de drenagem de águas pluviais de acordo com o estabelecido no Plano Municipal de Drenagem de Águas Pluviais. 2. Em todos os projetos a lançar pelos SMAS relativos à rede de abastecimento

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de água e/ou à rede de drenagem de águas residuais domésticas, será incluído o correspondente projeto da rede de drenagem de águas pluviais, sempre que o mesmo se considerar necessário. 3. Os projetos, depois de concluídos, serão incluídos no Plano Plurianual de Investimentos dos SMAS para a execução da respetiva obra.»

conformidade dos projetos das redes de drenagem pluvial em edifícios; b) Verificação da conformidade dos projetos das redes de drenagem pluvial em loteamentos.» OBRAS PÚBLICAS A REALIZAR NAS REDES DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS

PROJETOS DE OBRAS PARTICULARES

«1. Os SMAS assegurarão a realização das obras necessárias à concretização do estabelecido no Plano Municipal de Drenagem de Águas Pluviais.

«Consideram-se inseridas no âmbito de intervenção dos SMAS as seguintes ações: a) Verificação da

2. Em todos os procedimentos a lançar pelos SMAS relativos à realização de obras na rede de abastecimento de água


A GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS EM SINTRA

e/ou na rede de drenagem de águas residuais domésticas, serão incluídos os trabalhos considerados necessários na rede de drenagem de águas pluviais, de acordo com o projeto elaborado por iniciativa dos SMAS ou previamente fornecido pela Câmara Municipal de Sintra.» FISCALIZAÇÃO DAS REDES DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS «1. Os SMAS procederão à fiscalização das obras que integrem as redes pluviais. 2. Competirá ainda à fiscalização dos SMAS a receção das telas finais e seu encaminhamento para registo cadastral, bem como a realização da receção provisória ou definitiva das obras.» FISCALIZAÇÃO DE OBRAS PARTICULARES «Os SMAS assegurarão a fiscalização das redes de drenagem de águas pluviais, nos seguintes casos: a) Fiscalização da rede de drenagem pluvial em edifícios; b) Fiscalização da rede de drenagem pluvial em loteamentos, incluindo

a receção das telas finais e seu encaminhamento para registo cadastral, bem como a participação no auto de receção provisória ou definitiva da rede.» GESTÃO E MANUTENÇÃO DO SISTEMA PÚBLICO DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS «1. Os SMAS de Sintra serão responsáveis pela manutenção e conservação do Sistema Público de Drenagem de Águas Pluviais (coletores públicos, incluindo ramais de ligação), até à descarga no meio recetor, assegurando a realização das seguintes atividades: a) Assistência permanente às redes pluviais (24 horas/dia, 365 dias/ano); b) Intervenções de manutenção e conservação preventiva; c) Intervenções de manutenção corretiva; d) Substituição de tampas de caixa de visita e grelhas de sumidouros; 2. Estão expressamente excluídas do âmbito de intervenção dos SMAS, as seguintes ações: a) Intervenção em estradas nacionais, itinerários complementares, itinerários

principais e autoestradas; b) Toda a drenagem pluvial que se processa à superfície, bermas e valetas; c) Limpeza dos órgãos de entrada nos coletores, ou seja, sarjetas e sumidouros; d) Intervenções em aquedutos; e) Limpeza, manutenção, arranjo e recuperação paisagística das linhas de água (enquanto meio recetor do sistema) incluindo troços confinados em coletor.»

ÂMBITO DE INTERVENÇÂO DA CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRA PROJETOS DE OBRAS PÚBLICAS «1. Em todos os projetos a lançar pela Câmara Municipal de Sintra, com intervenção na via pública, relativos à rede viária e arranjos exteriores serão incluídos os projetos de drenagem pluvial. Rede de abastecimento de água e rede de drenagem de águas residuais domésticas, mediante consulta prévia aos SMAS. 2. Os projetos da rede de abastecimento de água e da rede de drenagem de REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade águas residuais domésticas, depois de concluídos serão fornecidos aos SMAS, de modo a serem considerados no respetivo Plano Plurianual de Investimentos.» OBRAS PÚBLICAS «1. Em todos os procedimentos a lançar pela Câmara Municipal de Sintra, com intervenção na via pública, relativos à rede viária e arranjos exteriores, serão incluídos os trabalhos relativos à rede de drenagem pluvial, da rede de abastecimento de água e rede de drenagem de águas residuais domésticas, sempre que necessário. 2. O cabimento das obras na rede de abastecimento de água e/ou na rede de drenagem de águas residuais domésticos será assegurado pelo orçamento dos SMAS, de acordo com o correspondente Plano Plurianual de Investimentos.» FISCALIZAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS «1. A Câmara Municipal de Sintra procederá à fiscalização das obras da rede viária e da rede pluvial.

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2. Conjuntamente com a fiscalização dos SMAS, e de forma partilhada, a Câmara Municipal de Sintra fiscalizará ainda as obras na rede de abastecimento de água e/ou rede de drenagem de águas residuais domésticos (cujo cabimento foi oportunamente assegurado pelo Orçamento dos SMAS de Sintra). 3. Competirá ainda à fiscalização dos SMAS a receção das telas finais das redes de abastecimento de água, drenagem de águas residuais domésticas e pluviais e seu encaminhamento para registo cadastral, nos SMAS de Sintra.» OUTRAS INTERVENÇÕES DA RESPONSABILIDADE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRA «Incluem-se ainda no âmbito de intervenção da Câmara Municipal de Sintra, as seguintes ações: a) Toda a drenagem pluvial que se processa à superfície, bermas e valetas; b) Limpeza dos órgãos de entrada nos coletores, ou seja, sarjetas e sumidouros; c) Limpeza de aquedutos em todas as vias municipais; d) Limpeza, manutenção,

arranjo e recuperação paisagística das linhas de água (enquanto meio recetor do sistema) incluindo troços confinados em coletor; e) Sinalização e nivelamento das tampas, bocas de chave e tampas das caixas de visita existentes nos arruamentos Municipais, em todas as obras por si promovidas.» Trimestralmente os SMAS informam os custos apurados na gestão e manutenção do sistema de drenagem pluvial, bem como os previstos realizar no âmbito de procedimentos concursais em curso ou a lançar a curto prazo. Após confirmação da informação enviada a CMS procede à correspondente transferência para os SMAS. Como conclusão pode afirmar-se que a metodologia prevista no Protocolo entre a CMS (entidade titular) e os SMAS de Sintra (entidade gestora) cumpre os princípios de recuperação de custos previstos quer nas Recomendações Tarifárias, quer na Lei da Água, pelo que se considera um bom exemplo de não repercussão


A GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS EM SINTRA

no cliente/consumidor dos custos incorridos com a gestão e manutenção do sistema público de drenagem de águas pluviais. Com efeito, a drenagem de águas pluviais é um serviço distinto, de caráter comunitário, e por isso com custos não indexáveis a cada utilizador em separado. Por último uma nota sobre a inclusão no PENSAARP da gestão de águas pluviais e a sua previsível atribuição

às entidades gestoras dos serviços de águas residuais. Embora se reconheçam os benefícios ambientais que podem decorrer de uma gestão integrada, é premente garantir-se a equidade tarifária, nos sistemas em baixa e na relação alta/baixa, de modo a não penalizar os utilizadores, os municípios e as entidades gestoras que fizeram, e continuam a fazer, avultados investimentos em sistemas separativos de águas pluviais.

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# atualidade

A experiência da gestão das Águas Pluviais no município de Vila Nova de Gaia

Miguel Lemos Administrador Executivo da Águas de Gaia, EM, SA

Licenciatura em Economia, Universidade Portucalense Infante D. Henrique. Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia: Adjunto de Vereador; Banco BEST: Consultor Financeiro; Municípia, SA: Gestor Comercial; Governo Civil do Porto: Chefe de Gabinete do Governador Civil e Adjunto do Governador Civil. Membro da Comissão de Vencimentos da Simdouro - Saneamento do Grande Porto, SA; Membro da Assembleia de Freguesia de Mafamude; Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Vilanovense FC; Membro da Direção da Associação para a Cooperação, Cultura e Desporto Portugal - São Tomé e Príncipe.

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“Hoje, na Águas de Gaia, olhamos para a gestão das águas pluviais de forma muito mais ampla, assumindo que a gestão da rede separativa

é fundamental em termos ambientais e em termos financeiros ...”


A experiência da gestão das Águas Pluviais no município de Vila Nova de Gaia

O

s modelos de desenvolvimento urbano da generalidade do território, muito especialmente das grandes cidades, associados a um contexto de alteração dos padrões climáticos, com fenómenos de pluviosidade cada vez mais extremos, colocam novos desafios às entidades gestoras dos sistemas de Águas Pluviais e exigem um trabalho multidisciplinar

e de forma colaborativa que responsabiliza todos: decisores políticos e das entidades gestoras, urbanistas, engenheiros, agentes económicos, etc. É neste contexto que a Águas de Gaia, enquanto entidade gestora de todo o ciclo urbano da água, encara a gestão das águas pluviais como um desafio ambiental, financeiro e económico, com uma visão de futuro, futuro esse que para nós já começou!

Tratando-se de um desafio, a gestão e valorização de águas pluviais para fins não potáveis poderá (e deverá) constituir-se como uma oportunidade, aproveitando-as como um recurso fundamental para o funcionamento dos ecossistemas, deixando de ser associadas, normalmente, a problemas de maior ou menor dimensão, consoante se trate de episódios mais ou menos extremos e cujas consequências sejam mais ou menos graves, no contexto atual das alterações climáticas. REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade Os estudos mais atuais apontam para o facto de estarmos já a viver numa situação em que temos menos dias com intensidade moderada e mais dias com forte intensidade de precipitação, daqui resultando que temos um valor percentual significativo de precipitação sob a forma de episódios caraterizados como extremos, aumentando exponencialmente os riscos de cheia. Este padrão de precipitação, combinado com a crescente impermeabilização dos solos em meio urbano, traduz-se num aumento súbito dos caudais que não têm correspondência na capacidade de transporte das infraestruturas existentes, nem na da rede hidrográfica, que sofre processos erosivos e de arrastamento de lixo para os oceanos, sendo uma fonte de contaminação dos mesmos. E, infelizmente, a situação tende a agravar-se pois será previsível que nos próximos anos a intensificação deste tipo de ocorrências de fenómenos extremos associados à pluviosidade aumentem de frequência. Curiosamente, serão intercalados por períodos

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de seca extrema, tornado o desafio da gestão dos sistemas de águas pluviais ainda maior. Será neste contexto que a gestão deste sistema assume uma importância crescente e deverá fazer parte da estratégia de desenvolvimento do espaço urbano, devendo estar integrada nos instrumentos de ordenamento do território. A água pluvial deverá ser entendida como um recurso valorizável através de múltiplas formas como seja o seu reaproveitamento para usos não potáveis em edifícios de habitação, equipamentos desportivos, rega de jardins, reservas para combate a incêndios, etc. Por outro lado, as soluções urbanísticas devem privilegiar as opções que promovem os processos de infiltração das águas nos solos, servindo para reforçar as reservas subterrâneas de água, as que aumentam os tempos de retenção nos espaços públicos, as que alimentam e criam zonas húmidas, benéficas para a conservação da biodiversidade e que mitigam efeitos de temperaturas mais extremas, as que preveem a criação de espaços verdes nas

envolventes às zonas edificadas e nas coberturas dos edifícios com utilização de água pluvial para rega, as que promovem a implementação de zonas de amortecimento de caudais (bacias de retenção) associadas a zonas de lazer, etc. Desta forma, estaremos a contribuir para melhorar o ambiente e para a mitigar fenómenos de inundação que tanto prejuízo causam nos vários domínios da nossa vida. Gerir os Sistemas de Drenagem de Água Pluvial é atualmente um grande desafio que, com uma visão estratégica adequada, poderá acrescentar valor ao nosso território, tornando-o mais atrativo para todos. Hoje, na Águas de Gaia, olhamos para a gestão das águas pluviais de forma muito mais ampla, assumindo que a gestão da rede separativa é fundamental em termos ambientais e em termos financeiros, tanto mais que assim separamos esta água da água residual “entregue” às ETAR, mas também porque nos permite desenvolver uma série de outros projetos ambientais enquadrados na gestão das nossas linhas de água e na gestão da nossa


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orla marítima, que resulta no pleno de bandeiras azuis nas praias de Gaia, e também porque temos vindo a desenvolver projetos paralelos e inovadores com vista à valorização, como já se referiu, deste recurso. Um dos projetos que nos importa destacar é o SAAP Sistema de Aproveitamento de Águas Pluviais. Com este projeto, totalmente desenvolvido “dentro de portas”, pretende-se dotar escolas e equipamentos municipais de sistemas de aproveitamento de água da chuva, para abastecimento das instalações sanitárias, lavagem de pavimentos, regas de jardins, entre outos fins que não potáveis, de modo a promover a minimização do consumo de água potável e sensibilizar para a adoção de comportamentos ambientalmente sustentáveis. Foram já equipadas algumas escolas do Concelho com estes equipamentos, permitindo não só a reutilização da água pluvial, mas que esta constitua o mote de programas de educação ambiental, promovendo assim o debate e consciencialização dos alunos para o valor dos recursos hídricos.

No que diz respeito à gestão “ativa das linhas de água”, é de referir a valorização ecológica de linhas de águas. Este é um projeto com vista à promoção do “Sequestro de Carbono”, sendo a interação das espécies vegetais e animais com a água,

microrganismos e nutrientes, essencial para reciclagem eficiente dentro do sistema. Assim, o projeto de valorização ecológica de linhas de água é essencial para a promoção da redução da pegada carbónica do concelho.

Leito de ribeira

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# atualidade

Galeria ripícola de ribeira

Em simultâneo, pretende-se naturalizar as margens das linhas de água, através da criação de uma rede de trilhos que permitam a fruição dos espaços para atividades de lazer e desporto, potenciando a qualidade de vida e a atividade turista. De referir ainda a criação de zonas húmidas e que será possível, através da modelação do terreno, criar zonas de retenção para regularização de caudais em situações de precipitação intensa e, ao mesmo tempo, contribuir para o aumento da biodiversidade. As aplicações de técnicas de engenharia natural têm nestes processos uma importância fulcral para a conservação das margens e ecossistema ripícola.

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Na conservação, face a fenómenos erosivos temos vindo a optar por técnicas com menor impacto Ambiental, nomeadamente na consolidação das margens das Ribeiras (conforme se verifica nas imagens).

Por fim, referir a aposta na inovação para o controlo e gestão das águas pluviais. Na nossa visão de gestão, apostámos não só em dispormos de cadastro das redes de distribuição de água e de águas residuais, mas também e cada vez mais no cadastro georreferenciado da rede de águas pluviais e linhas de água. Para além disso, temos investido na renovação e reabilitação da rede, mantemos uma política de avaliação patrimonial ativa e efetuamos a integração da rede de águas pluviais com a rede hidrográfica. Efetuamos igualmente a monitorização de pontos críticos de risco de cheia e inundação, através do desenvolvimento de sistemas de informação que possam


A experiência da gestão das Águas Pluviais no município de Vila Nova de Gaia

ajudar na monitorização da qualidade da água das Ribeiras de Gaia, de modo a identificar eventuais fenómenos poluentes, bem como situações de transbordo em caso de precipitações mais intensas. Neste último caso, estamos a desenvolver um projeto piloto com uma “Startup”, a Scemai - projeto vencedor do prémio H2O Inovação, promovido pela Águas de Gaia com o apoio da Associação Acredita Portugal e da Fundação Finnova e que está neste momento a ser “incubada” na Águas de Gaia. Ainda, como exemplo da nossa ação de controlo dos níveis das linhas de águas derivadas do excesso de pluviosidade, de referir a construção da bacia de retenção do rio do horto, uma impressionante obra de engenharia que permite controlar o caudal da linha de água para jusante, evitando a ocorrência de transbordos na zona das caves do vinho do Porto e na marginal da zona histórica, aquando da ocorrência de situações de pluviosidade mais extrema.

financiamento comunitário do POSEUR), tendo a obra sido aproveitada para se criar um novo enquadramento paisagístico e ambiental, requalificando o espaço nesta zona com elevado potencial. Prevê-se ainda a instalação de uma turbina “mini-hídrica” para produção de energia.

tem sido sem dúvida bastante importante para o sucesso da nossa operação e para manter uma visão de 360º, na qual as águas pluviais têm hoje também um lugar importante na nossa política de gestão e naturalmente na estratégia ambiental e de sustentabilidade do Concelho de Vila Nova de Gaia.

Esta visão integrada e única

Bacia de retenção do rio do horto

A estrutura resultou de um investimento da empresa municipal Águas de Gaia de 550 mil euros (com REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade

PGDL (2016-2030) - Plano Geral de Drenagem de Lisboa

José Silva Ferreira Coordenador da Equipa do Plano Geral de Drenagem de Lisboa

Licenciado em Engenharia Eletrotécnica (Ramo de Energia e Potência) pela Universidade de Luanda (1974). Membro Sénior da Ordem dos Engenheiros. De 1974 a 1979 foi Diretor da Rede de Exploração de Alta e Baixa Tensão nos Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade da Câmara Municipal de Luanda e Assistente convidado na Universidade de Luanda. De 1979 a 1981 foi Engenheiro de Desenvolvimento na REKOBA, Relais und Fernmelde Tecknik, GmbH (Berlim e Lisboa). De 1982 a 1999 foi Engenheiro na Direção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes na Administração de Macau, sendo durante 11 anos Diretor do Departamento de Edifícios Públicos. De 2000 a 2011 foi Diretor Municipal de Intervenção Local, Diretor Municipal do Ambiente Urbano e Diretor Municipal de Projetos e Obras na Câmara Municipal de Lisboa. De 2011 a 2014, na UCCLA, liderou vários projetos de Cooperação Europeia em Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Angola na área de engenharia. Desde 2015 é Coordenador da Equipa do Plano Geral de Drenagem de Lisboa.

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“O PGDL 2016-2030 tem um valor total de investimento de cerca de 250 M€ e um período de implementação de 15 anos.”


PGDL (2016-2030) - Plano Geral de Drenagem de Lisboa

I. O que é o PGDL 2016-2030 O PGDL 2016-2030 é o documento estratégico municipal para a área de saneamento e tem por objetivo a preparação da cidade para o futuro através da mitigação das consequências das alterações climáticas expressas por eventos pluviais extremos, cada vez mais frequentes e de magnitudes elevadas.

Baixa de Lisboa (2014)

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# atualidade

Praça de Espanha, Lisboa (2014)

É, até à presente data, o maior investimento em obras públicas de infraestruturas lançado pelo Município de Lisboa. Embora a rede de saneamento da cidade de Lisboa, maioritariamente unitária, abranja a doméstica e pluvial, o PGDL 2016-2030 abordou, fundamentalmente, a drenagem pluvial porquanto a condução e tratamento dos efluentes domésticos antes da entrega ao meio recetor (fundamentalmente o rio Tejo), estava resolvido, na prática, desde 2011.

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O tratamento dos efluentes domésticos processa-se numa das três Estações de Tratamento de Águas Residuais (atualmente utiliza-se a designação de Fábricas de Água) da cidade (Alcântara, Chelas e Beirolas).

Os vetores determinantes do PGDL 2016-2030, podem-se sintetizar no seguinte: 1. Controlo na origem construção de Bacias de Retenção/Infiltração e trincheiras drenantes; 2. Transvase de bacias;

O PGDL 2016-2030 tem um valor total de investimento de cerca de 250 M€ e um período de implementação de 15 anos.

II. VETORES DETERMINANTES DO PGDL 2016-2030

3. Reforço/Reabilitação da rede Conceptual de Saneamento; 4. Melhoria do conhecimento da rede de saneamento da cidade de Lisboa e do seu funcionamento.


PGDL (2016-2030) - Plano Geral de Drenagem de Lisboa

III. DESCRIÇÃO E PONTO DE SITUAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DESTES VETORES

PLANO GERAL DE DRENAGEM DE LISBOA

1. Controlo na Origem Preconiza, essencialmente, a construção de Bacias de Retenção/Infiltração destacando-se duas intervenções pela sua importância e valor: Ameixoeira e Alto da Ajuda. Estas empreitadas foram concluídas, respetivamente, em 2018 e 2019, e representam um valor de investimento da ordem de 1,5 M€.

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# atualidade

Ainda no corrente ano, vai-se concluir a execução do projeto e da obra junto à bacia do Parque Oeste (Alta de Lisboa), que funciona também como bacia de retenção de caudais pluviais elevados. Prevê-se a construção de um descarregador e controlo de caudais. O valor de investimento é da ordem de 500.000 €. Em termos de bacias de retenção/infiltração estão ainda previstas obras no Jardim do Campo Grande/Norte, Quinta da Granja, Vale Fundão e Vale de Chelas bem como a reabilitação de pavimentos para melhoria de permeabilização e sistemas de drenagem pluvial no Parque Eduardo VII. 2. Transvase de Bacias A sua materialização é realizada pela construção de dois Túneis, ambos com diâmetro de 5,5 m: ° Um, com a extensão de cerca de 5 km, entre Monsanto e Sta. Apolónia; ° Outro, com cerca de 1 km, entre Chelas e Beato. Estes Túneis vão permitir uma proteção eficaz à zona central (Av. da Liberdade, Rua de Sta. Marta/S. José, Av. Almirante Reis, Praça Martim Moniz, Praça da Figueira, Rossio e Baixa) e ocidental (Alcântara) de Lisboa, mitigando entre 70 e 80% os problemas das inundações provocadas por eventos pluviais extremos; foram dimensionados para o transporte de caudais pluviais com tempo de retorno de 100 anos.

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PGDL (2016-2030) - Plano Geral de Drenagem de Lisboa

Esta intervenção é a mais importante em termos de Investimento e mitigação de consequências. O valor de investimento é da ordem de 133 M€ - é o valor mais elevado de uma empreitada realizada desde sempre pela CML - e o prazo de execução é de 38 meses.

A empreitada está adjudicada; seguir-se-á a assinatura do Contrato, visto do Tribunal de Contas e, posteriormente, o seu início. 3. Reforço/Reabilitação da rede conceptual de saneamento A rede conceptual (coletores unitários com diâmetro superior a 1.000 mm, coletores separativos de drenagem pluvial com diâmetro superior a 1.000 mm ou coletores separativos de drenagem de esgoto doméstico com diâmetro superior a 500 mm) tem uma extensão de cerca de 173 km, representando cerca de 11% da rede total de saneamento da cidade de Lisboa que tem uma extensão de cerca de 1.650 km. Estão previstas várias intervenções (Av. de Berna, Estrada das Laranjeiras, entre outras) além da intervenção na Bacia Q, no Parque das Nações.

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# atualidade Esta intervenção está concluída desde junho de 2020 e inclui um microtúnel com cerca de 320 m e diâmetro de 1,20 m para reforço da capacidade de drenagem e intervenção em cinco descarregadores/reguladores de caudal para mitigação de caudais extremos nesta zona.

O custo total desta empreitada foi de cerca de 3 M€.

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PGDL (2016-2030) - Plano Geral de Drenagem de Lisboa

4. Melhoria do conhecimento da rede de saneamento e do seu funcionamento A melhoria do conhecimento da rede de saneamento da cidade de Lisboa tem duas vertentes: ° Levantamento do cadastro da rede de saneamento, incluindo a sua digitalização e inspeção vídeo nalgumas zonas; ° Monitorização e aviso do funcionamento da rede de saneamento. O levantamento do cadastro ficou concluído em 2020 sendo o valor do investimento de cerca de 1,7 M€. Para a implementação da monitorização e aviso do funcionamento da rede de saneamento, estima-se um investimento faseado no total também de cerca de 1,7 M€. A duração total da intervenção estima-se em cerca de 8 anos. Está previsto iniciar-se a 1.ª fase no corrente ano.

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# atualidade

Gestão de águas pluviais: uma nova abordagem “Reconhece-se, de facto, que a gestão Alexandra Cunha Diretora do Departamento de Sistemas de Águas da ERSAR

conjunta e integrada do ciclo urbano da água contribuirá para uma utilização mais otimizada e sustentável dos recursos hídricos. O desafio está em desenhar um modelo

de financiamento justo, equitativo e equilibrado, que

Margarida Monte Técnica sénior no Departamento de Sistemas de Águas da ERSAR

Miguel Nunes Diretor do Departamento de Gestão Direta da ERSAR

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mereça a aceitação da generalidade do setor e dos utilizadores.”


Gestão de águas pluviais: uma nova abordagem

N

as últimas décadas, foram realizados em Portugal importantes investimentos nos serviços de abastecimento de água e de gestão de águas residuais que contribuíram determinantemente para a evolução do setor, dos quais resultaram ganhos notáveis para o ambiente e para a saúde pública.

Contudo, é necessário reconhecer que não tem sido dada a mesma relevância ao serviço de gestão de águas pluviais, tanto no que respeita à conservação do património, como à procura de soluções otimizadas de minimização de cheias e à contabilização e recuperação dos gastos incorridos com a prestação do serviço. Em termos de enquadramento legal, o Decreto-Lei n.º 194/2009,

de 20 de agosto, previu a inclusão da gestão dos sistemas municipais de águas pluviais no âmbito da atividade das entidades gestoras de sistemas de águas residuais urbanas, de forma a maximizar economias de gama, tendo ainda em vista a minimização da ocorrência de focos de poluição provocados por inundações decorrentes de eventos de precipitação. No caso da concessão do serviço de gestão de

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# atualidade águas residuais a terceiros, este diploma legal admite que esses serviços podem ser incluídos no objeto da concessão municipal, devendo o concessionário ser diretamente remunerado pelo concedente pela prestação desse serviço. Em termos práticos, as entidades titulares têm seguido diferentes abordagens, que passam pela gestão conjunta dos serviços de saneamento de águas residuais urbanas e de águas pluviais (podendo o serviço ser prestado pelo próprio município, por empresas municipais ou concessionárias), ou pela preservação da gestão de águas pluviais na sua esfera de atuação, juntamente com a limpeza urbana, sendo o serviço de saneamento de águas residuais prestado por outra entidade. De há duas décadas e meia a esta parte, com a publicação do Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto, tem-se vindo a defender a construção de sistemas separativos de águas residuais urbanas e de águas pluviais, porquanto as características qualitativas das águas pluviais não requerem o mesmo nível

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de tratamento que as águas residuais, e a sua drenagem conjunta onera e dificulta a gestão das infraestruturas de tratamento. Todavia, a separação das infraestruturas de drenagem das águas residuais e pluviais não justifica a separação da responsabilidade pela sua gestão, dado que a gestão conjunta destes serviços permite obter importantes economias de gama, bem como atuar de forma mais eficiente sobre as afluências indevidas, com claros benefícios económicos. Com efeito, o volume de águas pluviais escoado numa zona urbana é muito variável, pois depende do grau de impermeabilização dos solos e da pluviosidade, que pode ser imprevisível e muito variável ao longo do tempo. Por este motivo, as águas pluviais podem prejudicar fortemente o desempenho dos sistemas unitários ou pseudo-separativos, mas também dos sistemas separativos de águas residuais por via das afluências indevidas. Torna-se, assim, imperioso que sejam adotadas soluções que visem a adequada gestão integrada dos sistemas de

águas residuais e de águas pluviais, com o objetivo não só de otimizar a gestão das infraestruturas de saneamento de águas residuais propriamente ditas, mas também de minimizar a ocorrência de inundações provocadas por eventos de precipitação. Na perspetiva desta entidade reguladora, só uma visão conjunta e integrada do ciclo urbano da água poderá permitir uma gestão otimizada dos vários sistemas, potenciando sinergias e oferecendo uma resposta mais adequada aos desafios que se colocam a médio e longo prazo, num cenário de alterações climáticas em que a ocorrência de eventos extremos (secas e cheias) é cada vez mais expectável. Nesse sentido, considera-se essencial que o serviço de gestão de águas pluviais venha a ser objeto de regulação, de forma a assegurar a manutenção de níveis adequados de segurança para as populações e prevenir eventuais efeitos negativos no meio ambiente, nomeadamente face à ocorrência de fenómenos extremos de precipitação, e a otimizar


Gestão de águas pluviais: uma nova abordagem

a próxima década - o PENSAARP 2030 (cuja elaboração se encontra em curso) - que pretende dar maior relevância ao serviço de águas pluviais, propondo linhas orientadoras relativas à governança, ao quadro institucional e à sustentabilidade económicofinanceira deste serviço, bem como um conjunto concreto de medidas com vista à melhoria da sua gestão.

o seu aproveitamento em zonas de elevada carência hídrica, através da promoção da adoção de boas práticas de planeamento e de gestão (nature based solutions) que permitam obter soluções de compromisso do ponto de vista operacional e económico. Neste novo paradigma, as águas pluviais têm que deixar de ser vistas como um problema a escoar para passarem a ser consideradas como um recurso a integrar no ciclo urbano da água, uma nova origem de água, em estreita articulação com o planeamento urbano e a gestão do território. Atendendo à precipitação anual média

de Portugal continental, estima-se que cerca de 4000 Mm3/ano (volume correspondente às águas pluviais diretas precipitadas em solos urbanos) sejam desperdiçados, sem qualquer tipo de uso. Esta gestão integrada, que pressupõe uma forte articulação entre entidades, permitirá, ainda, atuar na origem de forma a minimizar o volume de águas pluviais escoado das áreas urbanas, através da adoção de pavimentos permeáveis e de bacias de regularização de caudais sustentáveis, funcionais e integradas no meio urbano. Esta é, de resto, a visão assumida no novo plano estratégico do setor para

Em linha com esse documento estratégico, considera-se essencial identificar, de forma clara e inequívoca, as fronteiras de montante e de jusante dos sistemas de águas pluviais, de modo a definir as responsabilidades que incumbem à entidade gestora dos serviços de saneamento de águas residuais e pluviais (operação e manutenção das redes de drenagem de águas residuais e pluviais) e ao departamento responsável pela higiene urbana nos municípios (limpeza de sarjetas, sumidouros, linhas de água e praias). Sendo certo que o nível de conhecimento relativo às características e ao estado de conservação das infraestruturas que integram REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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# atualidade os sistemas de águas pluviais é muito inferior ao dos sistemas de saneamento de águas residuais, é necessário completar, atualizar e informatizar os registos cadastrais das redes de drenagem de águas pluviais, que servirão de base à identificação de necessidades de investimento e à priorização da sua execução. Relativamente ao modelo de financiamento do serviço, é longa a discussão sobre se a gestão de águas pluviais corresponde a um serviço passível de ser cobrado por via tarifária, ou se, pelo contrário, assume características de “bem público” e, como tal, não deve ser cobrado como um serviço prestado a um conjunto limitado de utilizadores, na medida em que o benefício decorrente da drenagem das águas pluviais recolhidas no espaço público não é suscetível de apropriação individual. Admite-se que a drenagem das vias públicas e dos edifícios públicos poderá constituir uma componente de gestão de águas pluviais que corresponde efetivamente a um bem público e cujo custo pode justificar-se que seja

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recuperado por via tributária, ou seja, através do orçamento municipal. Acresce que as opções urbanísticas e de planeamento do território assumidas pelos municípios, e que se traduzem na gestão das áreas impermeabilizadas, têm forte influência no volume de águas pluviais a escoar, pelo que o próprio município deverá contribuir para o pagamento dos custos desta atividade. Por outro lado, poderá considerar-se que, nas áreas privadas, haverá uma apropriação individual do serviço, uma vez que os utilizadores retiram deste uma utilidade que é individualizada, podendo optar por não beneficiar do mesmo recorrendo a soluções que evitem a drenagem da água pluvial da área privada para a rede pública pluvial. Assim, de forma a se promover este tipo de soluções, é justificável que os utilizadores que contribuem para as redes pluviais sejam chamados a suportar os custos da respetiva gestão, em conformidade com o princípio do utilizadorpagador, na proporção da respetiva contribuição, tendo em vista o incentivo da

adoção de soluções prediais de infiltração no solo ou de reutilização. Nesta perspetiva, a repercussão direta de parte dos custos nos utilizadores pode resultar na criação de tarifas para este serviço diretamente aplicadas aos utilizadores. Para este efeito, será necessário identificar um critério que seja facilmente operacionalizável e que, simultaneamente, reflita o nível de contribuição de cada utilizador para o sistema, como a área impermeabilizada constante da matriz predial. Este critério criaria um incentivo à minimização das áreas impermeáveis. Outra hipótese, mais simples, mas menos rigorosa, seria a de distinguir apenas a tipologia dos imóveis (propriedade horizontal versus habitação unifamiliar). Alternativamente, os custos a suportar pelos utilizadores podem acrescer à tarifa cobrada pelo serviço de saneamento, numa lógica de alargamento do conceito de serviço de saneamento de modo a incluir a gestão de águas pluviais. Neste caso, os custos associados à gestão de águas residuais seriam recuperados através da parcela fixa da tarifa (tarifa


Gestão de águas pluviais: uma nova abordagem

de disponibilidade), o que significaria uma distribuição igualitária, ao invés de acrescer à tarifa variável, uma vez que não há qualquer relação entre o volume de águas residuais produzido por um utilizador (que está indexado ao consumo de água) e o volume de águas pluviais afeto à sua propriedade. Neste contexto, como se pode verificar, são várias as opções possíveis de financiamento do serviço de gestão de águas pluviais. Assim, afigura-se pertinente

a promoção de uma reflexão conjunta, com todo o setor, sobre os vários modelos possíveis de financiamento, que não se esgotam nos atrás apresentados, havendo, certamente, outras soluções possíveis, que permitam assegurar o equilíbrio entre a acessibilidade económica dos utilizadores e a cobertura integral dos custos associados à prestação de um serviço eficiente.

utilização mais otimizada e sustentável dos recursos hídricos. O desafio está em desenhar um modelo de financiamento justo, equitativo e equilibrado, que mereça a aceitação da generalidade do setor e dos utilizadores.

Reconhece-se, de facto, que a gestão conjunta e integrada do ciclo urbano da água contribuirá para uma

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QUADRO LEGAL

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# QUADRO LEGAL

LEGISLAÇÃO PORTUGUESA 74

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LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

Decreto-Lei n.º 92/2020, de 23 de outubro Altera o regime geral da gestão de resíduos. Resolução do Conselho de Ministros n.º 91/2020, de 27 de outubro Designa o Presidente e os vice-presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional. Lei Orgânica n.º 2/2020, de 10 de novembro Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade. Lei Orgânica n.º 3/2020, de 11 de novembro Regime excecional e temporário de exercício de direito de voto antecipado para os eleitores que estejam em confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, em atos eleitorais a realizar no ano de 2021. Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/2020, de 11 de novembro Prorroga o prazo de funcionamento da Comissão de Acompanhamento da Descentralização.

Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-A/2020, de 12 de novembro Nomeia os vogais, Vera Cordeiro Pereira de Sousa Eiró Diniz Vieira e Joaquim Manuel Faria Barreiros, do conselho de administração da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos. Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2020, de 13 de novembro Aprova a Estratégia Portugal 2030. Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro Estabelece um regime transitório de simplificação de procedimentos administrativos e altera o Código do Procedimento Administrativo. Resolução do Conselho de Ministros n.º 104/2020, de 24 de novembro Aprova o Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública para o período até 2030.

energético e regula o Sistema de Certificação Energética de Edifícios, transpondo a Diretiva (UE) 2018/844 e, parcialmente, a Diretiva (UE) 2019/944. Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro Aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime de gestão de fluxos específicos de resíduos, transpondo as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852. Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro Aprova o Orçamento do Estado para 2021. Lei n.º 75-C/2020, de 31 de dezembro Lei das Grandes Opções para 2021-2023. Decreto-Lei n.º 109-A/2020, de 31 de dezembro Fixa em 665 euros o valor da retribuição mínima mensal garantida a partir de 1 de janeiro de 2021.

Decreto-Lei n.º 101-D/2020, de 7 de dezembro Estabelece os requisitos aplicáveis a edifícios para a melhoria do seu desempenho

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# QUADRO LEGAL

LEGISLAÇÃO COMUNITÁRIA

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LEGISLAÇÃO comunitária

Regulamento Delegado (UE) 2020/1816, da Comissão, de 17 de julho Completa o Regulamento (UE) 2016/1011, do Parlamento Europeu e do Conselho, no respeitante à explicação, incluída na declaração relativa ao índice de referência, da forma como os fatores ambientais, sociais e de governação são tidos em conta em cada índice de referência elaborado e publicado (JO, L406, de 2020/12/03). Regulamento Delegado (UE) 2020/1817, da Comissão, de 17 de julho Completa o Regulamento (UE) 2016/1011, do Parlamento Europeu e do Conselho, no respeitante ao conteúdo mínimo da explicação da forma como os fatores ambientais, sociais e de governação são tidos em conta na metodologia inerente ao índice de referência (JO, L406, de 2020/12/03).

Conselho, no respeitante ao ano de 2018 e a cada Estado-Membro (JO, L408, de 2020/12/04). Diretiva (UE) 2020/1828, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro Relativa a ações para proteção dos interesses coletivos dos consumidores e que revoga a Diretiva 2009/22/CE (JO, L409, de 2020/12/04). Diretiva (UE) 2020/2184, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro Relativa à qualidade da água destinada ao consumo humano (reformulação), revogando a Diretiva 98/83/CE, com efeitos a partir de 13 de janeiro de 2023 (JO, L435, de 2020/12/23).

Decisão de Execução (UE) 2020/1834, da Comissão, de 3 de dezembro Relativa às emissões de gases com efeito de estufa abrangidos pela Decisão n.º 406/2009/CE, do Parlamento Europeu e do REVISTA APDA_ APDA _ 2021

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EVENTOS


S

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# EVENTOS Eventos APDA Ciclo de Webinars: Conversas Com Tema - O Setor da Água em Movimento Os Desafios da Economia da Água APDA | Comissão Especializada de Legislação e Economia Data: 29 janeiro 2021 SIIPA 2.0 - O Caminho das Perdas em Portugal APDA | Comissão Especializada de Sistemas de Distribuição de Água Data: 12 março 2021

eventos

Água: uma questão de sobrevivência - do fornecimento às vulnerabilidades AFCEA Portugal | APDA Data: 24 março 2021

Para mais informações www.apda.pt

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Maturidade Digital dos Serviços de Águas em Portugal e Perspetiva Internacional APDA | Comissão Especializada de Inovação Data: 26 março 2021 O novo paradigma no atendimento ao Cliente APDA | Comissão Especializada de Gestão de Clientes Data: 9 abril 2021 Sistemas de Informação Geográfica - Suporte aos processos empresariais, produtivos, gestão, comerciais APDA | Comissão Especializada de Sistemas de Informação Data: 23 abril 2021 Condições da instalação e precauções a tomar na instalação de contadores APDA | CT 116 - Comissão Técnica de Normalização “Medição de Escoamento de Água em Condutas Fechadas” Data: 7 maio 2021 Reutilização de águas residuais - Opções técnicas passíveis de serem utilizadas pelas Entidades Gestoras APDA | Comissão Especializada de Águas Residuais Data: 21 maio 2021


APDA, NACIONAIS E INTERNACIONAIS

Eventos nacionais

Eventos INTERnacionais

15.º Congresso da Água APRH Formato online Data: 22-26 março 2021

Water Knowledge Europe 2021 Spring Edition Water Europe Formato online Data: 23-26 março 2021

Conferência Inovação para a sustentabilidade na gestão dos recursos hídricos subterrâneos - lançamento em Portugal do projeto AQUIFER Águas do Ribatejo | Instituto Superior de Agronomia | Parceria Portuguesa para a Água Formato online Data: 29 março 2021

Digital World Water Congress 2021 IWA Formato online Data: 24 maio - 4 junho 2021 EU Green Week 2021 Comissão Europeia Formato online Data: 31 maio - 13 junho 2021

Water2Business APEMETA Formato online Data: 22 junho 2021

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CATÁSTROFES DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 As alterações climáticas não estão à espera que a COVID-19 seja controlada. Muitas pessoas estão a ser diretamente afetadas pelas catástrofes pandémicas e climáticas de uma só vez, e as pessoas mais pobres e em maior risco no mundo são as primeiras a ser atingidas e mais duramente. Mais de 100 catástrofes ocorreram entre março de 2020 (quando a pandemia foi anunciada) e seis meses depois, e mais de 50 milhões de pessoas foram afectadas. Portanto, podemos estar "ocupados" com a pandemia, mas nunca houve um momento tão urgente para agir. Mais de

Mais de

100

50

10

catástrofes

milhões

catástrofes diferentes

ocorridas durante os primeiros 6 meses da pandemia de COVID-19

pessoas foram afetadas

afetaram mais de

INFOGRAFIA

Mais de

250,000 pessoas

99% das pessoas afetadas foram atingidas por fenómenos meteorológicos e climáticos extremos Fonte: IFRC GO, EM-DAT Nota: A OMS declarou a pandemia de COVID-19 em 11 de março de 2020. Os números são de 1 de março a 1 de setembro de 2020.

IMPACTOS DAS CATÁSTROFES MILHÕES DE PESSOAS AFETADAS, AGORA E NO FUTURO

Perda de rendimento e bens

Redução da qualidade e do abastecimento de água e alimentos

Danos à saúde humana

Deslocação

Perda de vidas


CATÁSTROFES - 2019 5%

Deslizamentos de terra (hidrometeorológicos)

12% Tempestades

2%

E NCAD ADAS P SE OR DE

479 CATÁSTROFES

5% Outros acidentes

Ca

tás

tro

2%

Secas

2%

Sismos

7%

Atividade vulcânica

1%

Surtos

8%

Acidentes de transporte

24%

climáticos

ATURAI OS N S SC RI

CATÁSTR OF 308 ES

se ico óg l o

Temperaturas extremas

fe s

i n d u zi d a s

h p elo

om

físicos Biológicos Geo

Me te or

27% Inundações

em

7% Acidentes industriais Fontes: EM-DAT, FAO/FEWS NET, Dartmouth Flood Observatory, ReliefWeb and IFRC GO

Na última década registaram-se 2.850 catástrofes provocadas por riscos naturais e 2.355 destas foram de origem climática. As mais frequentes foram inundações (1.298), seguidas de tempestades (589).

CATÁSTROFES PROVOCADAS POR RISCOS NATURAIS - 2019

308

97.6

24.396

catástrofes desencadeadas por

milhões

pessoas morreram

riscos naturais

pessoas afetadas

como resultado

Fonte: EM-DAT, FAO/FEWS NET, Dartmouth Flood Observatory, ReliefWeb, Public Health England and IFRC GO

Report 2020: https://media.ifrc.org/ifrc/document/world-disasters-report-2020/


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DISTRIBUIÇÃO E DRENAGEM DE ÁGUAS


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