Todos os direitos autoriais reservados ao autor. Stefen Hermenegildo. Ano:2019
Sumรกrio Smoth.......................................................................................1 Stefen Hermenegildo................................................................1 Todos os direitos autoriais reservados ao autor. Stefen Hermenegildo. ................................................................................................... 2 Ano:2019..................................................................................2 01..............................................................................................4 02...........................................................................................23 03............................................................................................41 04............................................................................................57 05............................................................................................76 06............................................................................................84 07............................................................................................95 08..........................................................................................115 09..........................................................................................147 10..........................................................................................156
01 A noite estava linda, mais bela do que as anteriores. Estava tão feliz que a mochila nem pesava, e olha que em seu interior tinha marmita, blusa, carregador de celular, livro e o uniforme do trabalho. Não era a toa que meus colegas associavam a minha bolsa semelhante à de mulheres, pois parecia que você encontraria tudo que procurasse nela. Cheguei em casa com o sorriso no rosto, e logo minha avó desconfiou do que se tratava, mas se fez de boba. — O que está lhe fazendo sorrir, Daniel? — Ah avó, é a vida sabe… estou muito feliz por tudo dar certo. — A Sandra aceitou o seu pedido de casamento? - perguntou minha avó, se sentando no sofá. — Ela ainda não sabe. — Como assim? Você não pediu ainda? Lembre que ela está prestes a ter um filho seu, não é legal para sua imagem na sociedade ter um filho fora do casamento. Você sabe que as pessoas são fofoqueiras, principalmente a vizinha aqui do lado. - disse, apontando para o lado esquerdo. - Ela é muito fofoqueira… — Eu sei avó, por isso vou pedir ela em casamento e semana que vem, estaremos na igreja. Está bom para a senhora? — Sim, mas vá logo, porque ela pode desistir.
Sorri e subi para o meu quarto. Minha avó era uma figura, se eu não a interrompesse, ficaria falando até amanhã. Ao abrir a porta, meu cachorro chamado Ted, veio correndo em minha direção e pulou sobre o meu peito, tive que se equilibrar para não cair. Por ser um viralata bem forte, tinha de me preparar para entrar todos os dias em meu quarto, caso entrasse de surpresa como hoje, correria o risco de sair machucado. Ted foi dado pela minha avó quando ainda eu tinha 8 anos, desde então, comecei a amar esse cachorro como um irmão. Um irmão que não tive. Após brincar um pouco com Ted, tomei um banho e se direcionei para o guarda-roupa, pegando um terno que não usava há muito tempo. Pra se ter ideia, a última vez que ele se encontrou em meu corpo, foi no velório de meu avô, até porque não sou acostumado a frequentar festas e pobre como eu, só usa terno em festas ou velórios. Felizmente, o terno ainda servia em mim, caso contrário, teria que ir assim mesmo, pois estava atrasado. Desci os degraus rapidamente e quando fui me despedir de minha avó, ela me chamou, obrigando o meu retorno. — Você vai pedir uma moça em casamento com o terno amassado? Olhei para minha roupa, sem encontrar algum defeito nela. — O que tem de mal vó?
— Você deveria perguntar o contrário. O que há de bom? - disse, indo até a cozinha, voltando a poder de um ferro de passar. - Vamos, tire esse terno que vou passá-lo pra você. — Ah não…não vai dar tempo. — Vamos Daniel! - colocou as mãos na cintura, demonstrando impaciência. É claro que não desobedeci minha avó, subi as escadas para se trocar e voltei com o terno na mão, entregando para ela que tratou de deixá-lo como novo em menos de 5 minutos. — Pronto, agora sim parece um homem. disse ela, ao me ver vestido. Peguei meu rosário de cima da mesa e fiz o sinal da cruz em frente a imagem de Jesus Cristo que estava pendurada na parede. — Me abençoe vó. — Deus te abençoe meu filho, e boa sorte. — Obrigado. - disse, passando a mão em seus cabelos que não eram brancos, pois ela era vaidosa e vivia bem-arrumada. Naquela noite, sai com a sensação de que algo aconteceria se Sandra, a minha namorada, aceitasse meu pedido de casamento. Sentada em um banco ao lado de uma gigante árvore, talvez a maior da região, Sandra se encontrava linda com seus cabelos pretos que iam até a cintura, seus olhos castanhos expressavam felicidade e ao mesmo tempo, insegurança por não saber do que exatamente se tratava a minha conversa. Ela tinha
aproximadamente 1,60 de altura, mas por causa de seu sapato com salto, ficou quase da minha altura. Ao me ver, Sandra sorriu, fiz o mesmo e a beijei matando a saudade de poucas horas que ficamos distantes um do outro. — Você está linda! — Obrigada, meu lindo. Peguei em suas mãos e olhei no fundo de seus olhos. — Daniel, eu sei que não precisamos ter motivos para nos encontrarmos além da saudade né, mas algo dentro de mim diz que você quer me falar algo muito importante, ou estou errada? — Você nunca está errada amor. O assunto que vou tratar agora, é muito importante para o nosso futuro e o de nossa filha. — Você sempre com essa mania de enrolar, fala logo homem! - me puxou para se sentar no banco da praça. Olhei para o céu, apertei sua mão que era tão sensível e após mais um beijo, tirei de meu bolso o anel. — Meu amor, já são mais de 3 anos de namoro e nesse período, passamos por tantas coisas juntos né? - disse, acariciando seus cabelos. - brigamos, nos amamos e encontramos a tão cobiçada felicidade. E é por todos esses motivos que estou lhe pedindo em casamento. - entreguei o anel para ela que ficou vermelha. Sandra não conseguia falar, até tentava, mas ficou tão nervosa que suas mãos começaram a tremer e quase
derrubou o anel no chão. Na verdade, eu também estava nervoso, mas precisava oficializar nosso amor, então a abracei e percebendo que estava mais calma, afirmei o meu pedido. — Eu só preciso ouvir um sim de você para fazer de nossos sonhos, realidade. Depois de colocar as mãos no rosto e limpar algumas lágrimas que já caiam de emoção, Sandra respirou fundo e olhou em meus olhos. — É lógico que aceito casar com você! Recebendo a resposta que sempre sonhei, beijei ela e passei a mão em sua barriga que estava enorme por causa da gravidez. E lembrando de nossa filha, tratei de lhe dar uma bronca, coisa que eu fazia constantemente desde que ficou grávida. — Amor, você não pode ficar abusando em usar sapatos de salto, nossa filha está prestes a nascer. Isso pode prejudicar ela e você também. — Eu sei disso, mas não fique preocupado, só foi dessa vez. Está bom para o senhor? — Sim. - respondi sorrindo. A qualquer momento minha filha poderia nascer, por isso tinha muito cuidado com Sandra. A todo momento que estava no trabalho, focava minha atenção em tarefas sem deixar de lado, minha preocupação com sua pessoa. Um dos maiores medos que tinha, era correr o risco de Sandra entrar em trabalho de parto quando se encontrasse sozinha, mesmo sabendo que sua mãe estava ao seu lado o tempo todo.
Novamente cheguei em casa com um belo sorriso, minha avó estava sentada no sofá, entretida com sua novela das oito que passava no horário das nove. Cheguei de fininho e a assustei. Claro, de propósito. — Menino! Está doido é? - disse ela, derrubando o controle remoto no chão. Apanhei o controle, gargalhando. — A Sandra aceitou o meu pedido vó. Vamos nos casar semana que vem. — Até que enfim! Espero que esse bebê não nasça antes do casamento. — Fique tranquila, vai dar tudo certo. - disse, colocando a mão em seu ombro. — Ok., agora me deixa assistir a novela, se não for pedir muito. — Me desculpe, já estou indo pro quarto. Subi os degraus correndo e chegando ao quarto, se joguei na cama, morto de cansaço. Olhava para o teto enxergando algo além da tinta branca de meu quarto, parecia olhar para o céu e ver as estrelas formando o lindo rosto de Sandra. Nossa filha será linda como ela, imaginava eu. Depois de tanto pensar, desejei boa noite a minha amada por mensagem e desabei no sono sem esperar sua resposta. Ao amanhecer, verifiquei meu celular e não encontrei nenhuma resposta de Sandra, preocupado resolvi ligar para casa de sua mãe que logo disse que não tinha conhecimento de onde ela teria ido, o que só sabia é que saiu logo de manhã após receber uma ligação.
É lógico que fiquei mais preocupado e também intrigado. Para onde Sandra teria ido? E de que se tratava a ligação que recebeu logo de manhã? Não sou o tipo de pessoa que aguarda notícias ruins sentado no sofá. Coloquei uma blusa e sai a procura de Sandra, nem ao menos se preocupei em pentear o cabelo. Quando percebi, já estava na rua vestido com meu calção velho do Palmeiras. Antes que deixasse minha avó preocupada, enviei uma mensagem de voz para seu celular. Não relatei o que tinha acontecido porque sabia que ela ficaria preocupada e se perturbaria em procurar um modo de poder me ajudar, então para evitar mais confusão, preferi não compartilhar minha agonia. Procurei Sandra por todos os lugares que costumávamos ir juntos, mas ninguém sabia dela. Quando já perdia as esperanças e meu retorno a casa seria obrigatório, pois tinha que ir ao trabalho, encontrei uma de suas melhores amigas. Logo, me apressei a lhe abordar, quem sabe ela saberia de alguma coisa. — Oi Bruna, posso falar um minuto com você? — Eu estou com pressa Daniel. - disse ela, prestes a atravessar a rua. — Ei Bruna, prometo que é rápido. Bruna pensou e reconheceu que não teria como fugir de mim, até porque só aumentaria minhas suspeitas que sabia do paradeiro de Sandra. — Fala Daniel.
— Estou preocupado com Sandra, você saberia por acaso aonde ela está nesse momento? Não dando nenhuma importância para o meu estado, Bruna sorriu, ironizando a minha agonia. — Estávamos conversando agora há pouco… bem que ela me disse que você é grudento. — Grudento? - perguntei, cruzando os braços. — Sim. Não é porque ela está grávida que precisa ficar andando de coleira. De braços cruzados fiquei, sem crer no que ouvia de Bruna. Como podia ser tão atrevida? Nunca achei uma boa ideia ter Bruna como amiga de minha mulher, ela era uma moça de muitos namorados, andava sempre acompanhada de homens e vestia roupas curtas demais. Fora o preconceito que tinha sobre sua pessoa, odiava ela só de imaginar os maus conselhos que dava para Sandra, conselhos que tinham o objetivo de separá-la de mim. O pior de tudo é que minha esposa considerava Bruna como uma irmã. — Poderia me dizer ao menos onde se encontra minha mulher? — Claro – sorriu ironicamente. - está na casa da mãe dela. Naquele momento fiquei com raiva de mim mesmo, imaginei que estivesse em todos os lugares, menos no mais provável, ou seja, na casa da minha sogra. Nem ao menos agradeci Bruna. Sai apressadamente rumo a casa de minha sogra, mas quando olhei no relógio, vi que estava atrasado para trabalhar.
Peguei minha mochila em casa e sai correndo com meu pensamento em Sandra. Minha expressão de exaustidão deixou minha avó preocupada, mas antes de sair, fingi que tudo estava bem, mesmo sabendo que não estava. Não era de costume sair de casa nervoso, sempre que se encontrava assim, ficava em casa e não saia até se acalmar, isso porque tinha medo de fazer alguma besteira ou arrumar brigas. E com a mesma certeza da morte, tive de que meu chefe já estava a minha espera, pois estava atrasado. Passei correndo pela porta e nem lhe cumprimentei, temendo que reclamasse do atraso de 2 minutos, mesmo sabendo que descontaria do meu salário uma quantia que nunca ganharia por minutos. Enquanto abastecia algumas garrafas de cerveja, uma senhora veio ao meu encontro com o objetivo de fazer uma pergunta, então me virei para ouvi-la. Após a pergunta, esqueci que estava em cima de um banco e acabei pisando em falso, é claro que cai no chão levando junto, 3 garrafas de cerveja que se quebraram no chão. Meu chefe vivia quase todo o período em sua sala, mas parecia que o Satanás lhe avisava que algo de errado havia acontecido e como quase todos chefes, (digo quase porque não gosto de generalizar) que só fica feliz após maltratar seus funcionários, veio furiosamente em minha direção gritando igual a um louco. — O que é isso Daniel?!
— Me desculpe, eu vou limpar isso. — Vai limpar e pagar também, porque não quero desperdício em minha empresa… olha o que dá contratar gente incompetente. Só traz prejuízos! - saiu gritando rumo a sua sala. Ele era tão gordo que nem conseguia mais andar direito, seu paletó não botoava mais e por concentrar seus pensamentos apenas em dinheiro, não tinha mais nenhum fio de cabelo em sua cabeça. Apesar de ser rico, ele não tinha algo que, com certeza, lhe deixaria feliz, a beleza, sabia que todas as mulheres que levava para cama eram atraídas pelo seu dinheiro. Não bastando sua ignorância, alguns puxa-sacos também tinham como diversão, me deixar nervoso, e um desses idiotas, era o Carlitos que se aproximou de mim. Enquanto eu limpava o chão, ele começou a pôr em práticas suas humilhações. — Eita Daniel, sempre você, cometendo esses absurdos né? Você sabe que o chefe odeia esses seus erros mas insisti em cometê-los. - disse ele, cruzando os braços. Tentei seguir os conselhos de minha avó, mas ele tocou em meu ponto fraco. — E como todo covarde, você fica calado. Mas eu até me surpreendo por você não ter chorado, até porque todo neto criado por avó é sensível. percebendo que sua provocação não havia me atingido, precisou ser mais sarcástico. - essas velhas só prestam pra deixar vocês iguais maricas!
Tomado pelo ódio, peguei um dos cacos de garrafa que se encontrava no balde e parti para cima de Carlitos, preste a atacá-lo. — Repete o que você falou seu desgraçado! apontei o caco de vidro na direção de seu pescoço. — Calma Daniel! Está louco?! - tentou apartar a briga, Marlei. — Eu só quero que ele repita o que disse! — Calma rapaz, você quer ser demitido?! — Ah, pra mim tanto faz Marlei! — Ei, olha para mim. - segurou meu rosto. - Você precisar ficar calmo, não faça nenhuma besteira. Pense na sua avó. Respirei fundo, então se afastei de Carlitos que continuava acoado igual a um covarde. — Vou esfriar um pouco a cabeça. — Aonde você está indo Daniel? O chefe não vai gostar disso. - perguntou Marlei indo atrás de mim. — Relaxa. Se encaminhei para casa, lembrando que havia esquecido minha mochila no armário, porém, prossegui pelo caminho, pois precisava de um pouco de paz. Minha avó percebeu o meu nervosismo, e ao me ver entrando calado, se aproximou segurando meu braço. — Brigou no trabalho de novo Daniel? — Ah, eu não aguento mais… só levo humilhações. - reclamei abrindo os braços. — O que foi dessa vez?
— O chefe como sempre, pensa que é o dono do mundo. E o pior de tudo é que os puxa-sacos ainda apoiam ele. — Todo trabalho é igual Daniel, você tem que aguentar se quiser continuar em sua faculdade. Principalmente agora que sua filha está prestes a nascer, não pode ficar desempregado. Esse conselho estava se tornando recorrente, minha avó tentava me ajudar mas eu não conseguia lidar com toda essa responsabilidade. Tinha 20 anos, era um jovem que tinha necessidades como outros, se divertir e curtir a vida, mas ser pai era um título que pesava demais para mim, isso só aumentava a minha carga de pressões que rodeavam minha cabeça. — Eu queria muito poder agredir um daqueles idiotas, mas fui impedido. — Graças a Deus… Daniel, você sabe o que poderia acontecer se houvesse a agressão? — Ser processado e perder o emprego? — Sim, prometa que vai se desculpar e concertar esse erro? - segurou minhas mãos. — Está bem, eu prometo. — Muito bem, agora descanse, que vou preparar o jantar. Não pediria desculpas para aquele idiota, mas como não queria deixá-la mais nervosa, menti. Minha avó era muito preocupada, acreditava em meu sucesso as vezes mais do que eu e me incentivava a seguir todos os meus sonhos. Dentre esses sonhos existia o de se tornar um engenheiro renomado em São Bernardo,
queria ser reconhecido em minha cidade como o engenheiro que mais dirigiu obras importantes da região. Meu outro sonho que vale a pena lembrar, era ser empresário, minha avó gostava muito dessa ideia, até porque não desejaria ver seu neto sendo humilhado a vida inteira por chefes que não valorizavam o seu trabalho. As consequências de meus sonhos não seriam apenas a felicidade e sim o dinheiro. Esse último me fascinava muito, com dinheiro poderia mudar minha situação e ostentar o meu poder, e quem sabe ter aos meus pés quem me humilha hoje. Nem é preciso dizer, mas já dizendo, minha avó não concordava com essa minha ambição, tinha pensamentos com fundamentos semelhante à de muitas pessoas de sua faixa etária. Não queria dinheiro, apenas ser feliz. Fui me deitar com a intenção de dormir e esquecer por algumas horas o mundo, mas uma força me empurrava a todo momento a me acordar e quando o ponteiro do relógio apontava para as 10 da noite, meu celular tocou. Levantei meio atordoado e quando vi que se tratava de minha sogra, se apressei para atender tanto que derrubei o celular no chão, a sorte é que tinha comprado uma capa para ele, caso contrário, ficaria sem. — Alô, aconteceu alguma coisa senhora Derci? — A Sandra está no hospital… a sua filha vai nascer hoje! - disse, empolgado no outro lado da linha. — Meu Deus. Passe o endereço por favor.
Marquei o endereço e liguei para o táxi, que já estava a caminho de minha casa. Quando recebi a mensagem do taxista, avisando que já estava em frente a minha casa, coloquei minha blusa e sai. Mas quando estava prestes a abrir a porta, fui impedido pela minha avó que se encontrava de pé, no canto da sala, encostada na parede. Parecendo um pouco abatida. — Vó? A senhora está bem? - disse, tocando em seu ombro. — Não sei meu filho. Sinto minhas pernas moles, desde que tomei esse refrigerante. — Refrigerante? A senhora me disse que tinha parado de comprar refrigerantes. - tomei o copo da mão dela. — Eu não comprei… quero dizer, não me lembro se comprei. A confusão de minha avó só estava me deixando confuso e ao mesmo tempo, me atrasando. Antes que pudesse fazer mais pergunta para entender aquela confusão, o taxista não cessava as mensagens, então tive a obrigação de se apressar para ir embora. — Me desculpe, mas eu preciso ir… a senhora me ligue caso precisar, ok? Tentei sair e novamente fui impedido, desta vez por um barulho que mesmo não querendo, sabia do que se tratava. Minha avó estava desacordada com a mão cortada por causa dos cacos de vidros que se espalharam no chão, cacos originados da queda do copo.
Desesperado, tentei acordá-la com leves tapas no rosto, mas seu corpo já estava mole parecendo pesar em dobro, por isso a deixei no chão e chamei a ambulância que não me atendeu, liguei por mais de 5 vezes e na sexta tentativa, recebi uma resposta fria e insensível. — No momento não temos ambulâncias disponíveis senhor. - disse o homem no outro lado da linha. Sua resposta me revoltou, como era possível não ter ambulâncias disponíveis em uma cidade tão grande? — Eu quero uma ambulância agora! Minha avó está morrendo e eu não tenho carro… é obrigação de vocês em me ajudarem! Minhas ameaças não surtiram em nada, o homem voltou a falar que não havia ambulâncias e em seguida, desligou. Fiquei tão furioso que quase lancei o celular contra a parede, só não fiz isso porque era o único que tinha. Nunca fui um homem forte fisicamente, na realidade, muito menos emocionalmente. Mas falando do físico, pesava mais ou menos 50 quilos e sabia que não aguentaria levar minha avó no colo até o hospital, por isso pensei em chamar outro táxi, mas desisti dessa ideia pois teria que esperar sua chegada novamente, e como sabia que os minutos eram preciosos, pensei em outro recurso mais acessível. Decidi então ir na casa da vizinha que apesar de não ter uma boa relação com minha avó, poderia me ajudar nesse momento.
Deixei minha avó no chão e fui até a casa da vizinha que me atendeu com uma expressão de mal humor. Ela se chamava Daniela, era gorda, branca e tinha cabelos brancos. Aparentemente qualquer um lhe dava 60 anos de idade, mas sua real idade era 42 anos. O sofrimento de uma vida, fatos do passado talvez, a deixou assim. — O que você quer? - perguntou a mulher, demonstrando insatisfação. — Desculpe incomodar senhora, mas é que preciso muito de sua ajuda. — Prossiga. — Minha avó… ela está caída no chão. — E o que isso importa? - me interrompeu. — Ela desmaiou, e eu não tenho como levá-la até o hospital. — Você quer que meu marido leve sua avó até o hospital, é isso? — Se isso não acontecer, minha avó vai morrer. A mulher virou as costas, colocando as mãos na cintura. E parecendo ter tomado uma decisão, se virou em minha direção, ainda com o portão fechado. — Porque ajudaria aquela velha? Sua expressão grosseira em que utilizou ao se referir a minha avó, me irritou de uma maneira que seria capaz de pular o portão e lhe socar, mas como precisava de sua ajuda (e ela sabia disso), mantive- me calado, aguentando as humilhações.
— Me ajuda por favor, estou pedindo por tudo que é mais sagrado… não deixe minha avó morrer, por favor! Me vendo ajoelhado diante de seus pés, a velha me deu as costas e entrou na sua casa. Mantive-me de joelhos, implorando a Deus que ela voltasse, e ele me atendeu. Ela abriu o portão e pediu pra que me afastasse um pouco, pois seu marido sairia com o carro. O velho que usava um boné vermelho, estacionou o seu Fusca amarelo na frente de minha casa e na minha companhia, entrou na casa, pegando minha avó no colo que permanecia desacordada. Entramos no Fusca rapidamente e como não havia muito espaço para acomodá-la, a coloquei no banco de trás e por lá fiquei a observando. Chegamos no hospital em menos de 10 minutos. E como ela permanecia desacordada, tive que usar forças para segurá-la no colo. O velho que já tinha feito sua parte, me desejou boa sorte e partiu de volta para sua casa. Precisaria de muita sorte, mas também de paciência, algo que estava esgotado no momento. Na recepção, peguei uma senha de número 290818 e se encaminhei para a sala de espera, onde se encontrava mais de 50 pessoas, todas em minha frente. Como não tinha lugar para se sentar, fiquei de pé, segurando minha avó no colo. Nisso uma mulher se incomodou com a minha situação e tentou fazer algo por mim. — O senhor quer se sentar?
— Não, obrigado. - agradeci, recusando o convite, até porque a mulher se encontrava em um estado pior do que o meu, tinha pinos na perna esquerda. — Talvez tenha alguma cadeira de rodas para sua avó. Porque não pede para alguma enfermeira? — Boa ideia. Deixei minha avó no colo da mulher e se dirigi até uma das enfermeiras que por sinal estava mexendo no celular. — Será que teria uma cadeira de rodas, disponível? Minha avó precisa ser atendida urgente. — Não há mais cadeiras senhor. — Nem macas, ou alguma espécie de cama? — Não senhor. - respondeu, sem olhar para mim. Com o sangue subindo, dei um tapa em sua mão, fazendo seu celular voar, colidindo contra a parede. — O senhor está louco?! — Estou! E você não sabe do que sou capaz se vocês não atenderem minha avó agora! - disse, apontando o dedo em seu rosto. — Você tem que esperar… não é melhor do que ninguém aqui! — Minha avó está desacordada, e não quero perdê- la, por isso exijo que atenda ela nesse mesmo instante, ou serei capaz de matá-la! — Está me ameaçando? Seguranças!! berrou a enfermeira. Sem medir as consequências, segurei o pescoço da enfermeira e tentei a esganar, a minha sorte foi que os seguranças chegaram me tirando de cima dela.
Com o barulho da confusão, outra enfermeira chegou. — O que está acontecendo aqui? — Esse senhor louco veio me agredindo. relatou a enfermeira, passando a mão em seu pescoço. — O senhor pode me dizer o motivo desse ato? — Simplesmente estou desesperado senhora… minha avó está desacordada e suspeito que tenha sido vítima de algum envenenamento ou algo parecido. A cada minuto, a chance de ela sobreviver diminui. — Está bem, fique calmo senhor. Vamos atendê-la. — Mas precisa ser rápido… — Fique calmo – me interrompeu, segurando minha mão. - Vamos encaminhá-la para um quarto imediatamente. Com muito esforço consegui o que deveria ser simples, minha avó foi encaminhada para um quarto e os médicos a atenderam rapidamente. Agora era só esperar as notícias. Passei a noite sentado em um banco duro, castigado pelo medo e o tédio, não podia nem mexer no celular porque ele tinha descarregado e não era de costume levar o carregador para onde andava. As horas passaram, junto com as enfermeiras que levavam e buscavam pacientes, e quando enfim o sono estava chegando, algo cutucou meu braço, então percebi que se tratava de um médico. Era um homem de estatura baixa, oriental e com uma barba branca. Sua expressão não parecia boa então o pressionei.
— Seja a notícia que for me dar doutor, fale logo, sem nenhuma cerimônia. — Eu preciso que você fique calmo e sente-se. — Seja frio! Porque quando vocês precisam ser frios, ficam com essa frescura de falar bonitinho? - coloquei as mãos na cintura. O velho ficou assustado e temendo que eu me exaltasse mais ainda, resolveu abrir o bico. — Sua avó, infelizmente não resistiu… fizemos o possível. — Droga! - soquei a parede com as duas mãos, ficando de costas para o homem. - Qual foi a causa da morte? - perguntei, segurando o choro. — Não podemos dizer ainda. — Me deixe sozinho por favor. — Tem certeza? — Por favor. - se sentei no banco, colocando as mãos no rosto. Não sabia se chorava ou socava os médicos que eram mais incompetentes do que mulas. A certeza que tinha no momento, é que a minha vida não seria fácil daqui a diante. […] O cemitério estava vazio, não tinha nada, nem ninguém que pudesse me apoiar naquele momento. Talvez minha filha já estivesse nascido e Sandra se encontrasse no hospital, admirando a nossa pequena. Mas a vida é feita de surpresas e testamentos, e eu sempre fui seu alvo favorito. Um momento de comemoração se transformou em tragédia, queria
muito ter acompanhado minha filha nascer e chamar minha mulher não só de amor, mas dizer que ela era mamãe. Minhas lágrimas se multiplicaram ao ver os coveiros colocando o caixão com a minha avó debaixo da terra, principalmente porque sabia que não teria mais ela de volta. O que acho estranho e as vezes me deixa bem pensativo, é o fato da morte. Não entendo porque temos que morrer, queria dormir e quando acordasse, reencontrar todas as pessoas que perdi… dentre elas a minha querida avó. Precisando voltar para a realidade, ao sair do cemitério, se encaminhei diretamente para o hospital onde se encontrava meus dois amores. Por mais dois minutos de atraso, não teria encontrado Sandra, ela já estava prestes a sair com a nossa filha no colo muito sorridente. — Amor, como você está? — Agora estou bem. Aonde você estava Daniel? - disse, parecendo estar nervosa. — Eu estava no cemitério… minha avó… — O que tem ela? - ajeitou minha filha no colo. — Minha avó morreu – relatei. Sandra continuou a me olhar, e após alguns segundos de silêncio, passou por mim com minha filha no colo, ignorando o meu sofrimento. — Você não vai me dizer nada? — Amanhã a gente conversa. — Mas e …
— Amanhã conversamos! - gritou, saindo do hospital. Tinha medo de saber da reação de Sandra quando fôssemos conversar. Do jeito que ela era, com certeza não aceitaria minhas desculpas. Por essa e outras razões, não consegui dormir direito a noite, pensava não só em relação a nossa conversa, mas também em minha filha que havia acabado de nascer, nem ao menos tive a oportunidade de segurá-la no colo. Ao amanhecer, fui em direção do quarto de minha avó chamando pelo seu nome. Logo em seguida, voltei a triste realidade, lembrando que só existia eu e Ted na imensa casa que estava vazia e silenciosa. Por falar em Ted, ele veio até a mim, lambendo meus pés, demonstrando estar com fome. Então tratei de colocar água e ração em seu potinho favorito de cor azul. Minha tristeza só não era maior porque um elo entre minha avó e eu ainda existia, esse elo era Ted, amava muito este cachorro, sua presença me trazia uma paz que parecia vir do paraíso. — Ted, eu espero que você não me deixe nunca. Seria muito difícil não te ter. Desci a escada olhando ao redor do ambiente. Os móveis continuavam intactos, a única diferença era que estavam empoeirados, por falar nisso, teria que ir no cartório judiciário da cidade e contratar um advogado para resolver o assunto da casa, não sei se estaria certo em continuar morando na casa de uma
pessoa falecida sem avisar a justiça. Mesmo sendo neto, tinha essa insegurança. Para eliminar uma das milhares de preocupações que continuavam a me infernizar, troquei de camisa vestindo uma totalmente amassada. Como nunca tive a mania de passar roupas, fui assim mesmo encontrar Sandra. O encontro foi marcado na mesma praça em que lhe pedi em casamento. Alias, o nosso casamento foi marcado antes da morte de minha avó e justamente nesta semana, teria que procurar roupas e entregar convites para alguns amigos da faculdade. Ao ver Sandra sem nossa filha, fiquei preocupado e corri em sua direção, achando que algo havia acontecido com ela. — Cadê a nossa filha amor? — Está na casa de minha mãe. - disse ela, dando dois passos para trás. — Porque não a trouxe? Queria tanto vê-la. — Está muito frio, não quero que fique resfriada. — Você está estranha, aconteceu alguma coisa? segurei sua mão. Sandra se afastou, virando de costas para mim. Mesmo estranhando seu comportamento, esperei ela falar o que parecia estar entalado em sua garganta. — Acabou Daniel, nossa relação acabou! — Como assim amor? Vamos casar esse mês ainda, do que você está falando? — Não! Eu não quero casar com você, eu não amo você!
— Temos uma filha… você não deve estar bem – gaguejei. - é melhor conversarmos depois, quando estiver mais calma. - tentei a segurar, sendo empurrado por ela. — Para Daniel! Que saco! - me empurrou, quase me desequilibrando. - Eu amo outro homem, você tem que entender isso de uma vez por todas. Suas palavras absurdas chegavam ao meu ouvido como bombas destruindo casas e como a guerra que dilacere as famílias e mata os inocentes. Meu choro estava guardado em um recipiente dentro de meu corpo que estava prestes a transbordar e molhar o meu rosto. Mas antes disso acontecer, veio o pior, ou o mais conhecido golpe do sacrifício. — E a nossa filha, como fica nessa situação? Sandra tirou o anel de seu dedo e o lançou no chão. — Ela não é sua filha. — Que… como assim Sandra? Com um sorriso maldoso, Sandra me olhava com desprezo e nojo. — Enquanto você trabalhava, eu transava quase todos os dias com seu melhor amigo. O Diego, ele sim é o homem ideal pra mim… diferente de você, que não passa de um idiota. — Não é possível, você está mentindo. Aposto que está falando tudo isso para poder ficar longe de mim. — Acredite como quiser. Só lhe peço que não me procure mais.
— Vamos conversar, eu sei que você está magoada comigo por não ter acompanhado o parto de nossa filha. — Chega! Ela não é sua filha, cai na real Daniel! Se valorize pelo menos um dia, eu te trai e você fica querendo se enganar. Não tem vergonha na sua cara? Se você já foi magoado por alguém, deve entender o que senti no momento. Parecia que meu corpo havia sido transpassado por flechas envultando as esperanças que tinha de ser feliz e construir uma família. A partir daquele dia, não só minha vida mas também minha pessoa, havia mudado da “água pro vinho”. Matei afogado com a tristeza, o idiota que acreditava no amor e construí um homem forte, onipotente, com o coração consumido pela ambição e ódio. Construiria da decepção, um império de riquezas que me tornaria mais do que um homem. Um verdadeiro deus.
02 Tinha consciência de que havia perdido meu emprego. Fazia alguns dias que não dava nem sinal de vida para o meu chefe. Mas como todo brasileiro, tinha esperança de que ele compreendesse minha situação e me desse mais uma chance, porém, não tive sorte desta vez. Ao encontrar meu chefe na porta da empresa, ele cruzou os braços e ficou em minha frente, com seu enorme corpo cobrindo quase toda a passagem. — Eu queria mais uma chance senhor. — Chance? - perguntou pegando um charuto de seu bolso, colocando em sua boca. — Sim, eu sei que fui irresponsável por sair da empresa por alguns dias e nem se preocupar em lhe dar notícias, mas foi preciso… nesse período, minha avó morreu e minha namorada me abandonou. — Triste, mas infelizmente eu não tenho culpa de seus problemas. - me interrompeu, jogando fumaça em meu rosto. — Eu sei senhor, mas lhe peço uma oportunidade, só mais uma oportunidade e prometo ser o seu melhor funcionário.
— Como pode pensar que perdoaria essa sua falha? Você está fora de minha empresa rapaz, suma daqui antes que eu tenha que acionar meus seguranças! - cuspiu o charuto em meus pés. Sem dizer nada, virei as costas e sai, mas quando estava prestes a atravessar a rua, voltei correndo e se aproximei da empresa, provocando a presença dos seguranças. — Você vai me pagar seu desgraçado! Está me ouvindo covarde?! Eu vou comprar essa sua empresinha de merda e vou te demitir! Seu trouxa!!! Minhas palavras furiosas provocaram gargalhadas nos seguranças que pareciam touros vestidos com ternos. Após o stress, voltei para casa entrando no quarto. Ted veio correndo e pulou no meu colo, nem ele conseguiria me distrair, tanto que o deixei sozinho e se tranquei no quarto de minha avó, local que me trazia lembranças de momentos bons que não voltariam mais. Passava as mãos em um dos quadros que retratavam a foto dela abraçada comigo e Ted. Apesar de não lembrar muito bem como foi o dia em que aquela foto foi tirada, chorei tampando o rosto com as mãos. Deitei na cama de minha avó e por lá fiquei por alguns segundos, lugar pelo qual em vida, não
permitiria que fizesse isso, pois tinha ciúmes de seu quarto. Valorizava sua “particularidade”, como ela mesmo dizia. Continuaria deitado se não fosse um barulho de móveis se mexendo. De princípio, pensei que era o fantasma de minha avó, mas depois, cai na real que poderia ser bandidos. Então peguei um cabo de vassoura e desci até a sala. Por sorte, não se tratava de bandidos, simplesmente era a mulher que me pariu há duas décadas atrás. O que não era de surpreender sua presença, sempre imaginei que voltaria após saber que sua mãe morreu. — Vim tomar posse do que é meu. - disse ao me ver, descendo a escada. — Oi pra você também, mãe. — Você tem até hoje para pegar suas coisas e sair daqui. Sorri ironizando sua atitude, então voltei aos degraus com o objetivo de subir até meu quarto, até porque já havia deixado tudo que precisava em duas mochilas. Só faltava pegar Ted, pois não deixaria ele com essa louca.
Ao voltar, a poder de Ted, “minha mãe” se aproximou de mim, segurando uma garrafa de cerveja. — Ainda bem que vai levar esse sarnento, não quero nada que lembre aquela velha. — Aquela velha era a sua mãe. Será que não se envergonha de ser assim? — Você tem muito que aprender garoto. - disse, dando um leve tapa em meu rosto. - espero que um dia seja inteligente igual a mim. — Deus me livre dessa maldição. - fiz o sinal da cruz. — Não adianta, eu sei que você é ambicioso como eu, sei também que se tornará um homem frio que não sentirá amor nem por si próprio. Olhava para ela meio sem acreditar no que me dizia, não estava preocupada comigo, apenas queria se dar bem, recebendo a herança que apesar de ser sua por direito não possuía nenhum merecimento dela. Não entendia como havia saído de seu ventre já que nunca a amei e eramos totalmente diferentes. — Você conseguiu, a casa é sua! Fique à vontade! disse, prendendo Ted na coleira e saindo sem olhar para trás.
Depois de tantos anos morando naquela casa simples de minha avó, onde existia um pequeno jardim decorado com imagens de pássaros, abri o portão e joguei a chave para dentro, cravando a certeza de que não voltaria mais ali. Era muito difícil ver o meu passado ficar preso em uma casa que serviria de lucro para a filha que nunca valorizou a mãe. Desde aquele dia, minhas dúvidas se expandiram e o ódio em meu coração destruiu os medos que ainda existiam no garoto inocente, criado pela avó materna. Dormi uma noite debaixo de um viaduto, onde se encontrava dezenas de andarilhos que carregavam em seus olhos medos e histórias, que ao longo do tempo haviam se transformado em suas fiéis companhias. A situação miserável deles era a mesma que a minha, mudando apenas em bens materiais, se é que posso definir Ted assim. Possuía uma companhia fiel que me defenderia no momento que precisasse, e isso causava inveja nos andarilhos que demonstravam ódio sobre minha pessoa, através de seus olhares. Apesar do clima frio, a luz do sol afastou as nuvens e iluminou meu rosto ao amanhecer. Acordei sentindo algumas dores por ter dormido naquele chão duro e se levantei, apoiando-se na imensa pilastra do
viaduto que se encontrava decorada com um lindo grafite. Balancei a coleira e Ted logo se despertou, então se encaminhei até um bar que ficava a 20 metros de distância do viaduto, e entrei com a boca seca, cheio de vontade de devorar um prato de arroz com feijão. Um homem gordo que usava um par de chinelos velhos e um calção vermelho desbotado, veio em minha direção com um sorriso falso no rosto. Ofereceu um copo com água que tomei em uma só golada, sem ao menos se preocupar em deixar um pouco para Ted. — Será que poderia usar a mangueira lá de fora para lavar meu rosto? — Fique à vontade. - autorizou o homem. Sai do bar e liguei a mangueira, aproveitando a água para refrescar Ted que estava faminto. Enquanto nos lavávamos ao meio da calçada, um homem vestido com um terno preto sem gravata, se aproximou lentamente de minha pessoa. Tinha em sua mão esquerda, uma fita branca enrolada e na outra, uma chave que logo guardou em seu bolso. — Aceita almoçar em minha companhia? fez o convite, apontando para o bar.
Desliguei a mangueira, enxuguei o rosto com a camisa e depois de tirar o excesso de água preso no cabelo que se encontrava cumprido, olhei para o homem que tinha parte de seu rosto deformado. Supostamente por alguma química, deduzi. — Vou aceitar porque preciso continuar andando. Se não fosse isso, nem lhe responderia. Apesar da mal resposta, o homem se manteve simpático, estendendo sua mão direita que de tão magra, aparecia suas veias. Com o aperto, senti alguns dos seus ossos tocando a palma de minha mão. Querendo ganhar minha confiança, o homem que parecia um palito de terno, se agachou para acariciar Ted que se mostrou furioso, quase o mordendo. O prato por coincidência ou por milagre, era o meu preferido, igualzinho ao que minha avó fazia. Comi em menos de dez minutos, sem esquecer é claro do meu amigo Ted que já estava formando uma poça de baba no chão. Pra matar sua fome, lhe dei um pedaço de carne que apesar de duro, parecia saboroso. Após comer, esclareci ao homem um ponto importante de minha pessoa.
— Eu tenho dinheiro em uma conta bancária, se quiser me acompanhar até a agência mais próxima, te pago o que consumi. — Não precisa. - segurou meu braço. - Se fosse um empréstimo já teria lhe cobrado. Fique tranquilo. - bebeu um pouco de sua caipirinha. - Seu nome? — Daniel. — O meu é Roger e… conheço tudo que há na cidade, desde bairros nobres até os lugares mais pobres. — Conhece tudo? Bem, então você deve ser… não, estou errado. — Ser? — Nada. — Diga rapaz, sem curvas. - sorriu, passando o dedo na boca de seu copo. — Pensei que poderia ser taxista, mas pela aparência, só pode ser empresário. — Preconceituoso você hein. Nunca ouviu que as aparências enganam? - me repreendeu. — Não sou o único, todos nós temos defeitos e qualidades não é mesmo? Você deve ter os seus,
então não olhe nos meus. - o respondi, bebendo o resto de refrigerante. — É exatamente sobre suas qualidades que quero iniciar nossa conversa. — Não gosto de ser alvo de quaisquer tipo de conversa. Está perdendo o seu tempo. O bar por sorte não estava cheio, odiava a presença de muitas pessoas, principalmente de bêbados. E por essa razão, o homem falava em um tom de voz médio, sem se preocupar com a possibilidade de o dono do estabelecimento ouvir a conversa. — Não sei sobre o seu passado, mas percebi que é um homem que carrega um peso em seu coração. Mas hoje é o seu dia de sorte rapaz, vou resolver seus problemas. Antes disso, contarei brevemente minha história. Minha vontade era deixá-lo sozinho e sair junto a Ted, mas como havia começado a chover, resolvi ficar e ouvir o idiota que devorou um pacote de amendoim antes de começar a falar. — Já fui um homem milionário e perdi a maioria de meus bens por causa de uma mulher…me apaixonei, confiei nela e como consequência, ela me deu um golpe financeiro que me deixou pobre na época.
— Vocês eram casados? — Não, minha família não queria que eu prosseguisse no namoro. Eles achavam minha namorada muito nova para mim, e de fato ela era jovem. Tinha apenas 16 anos na época. — Mas a idade não foi o fator crucial para ela lhe dar um golpe, ou estou equivocado? - se interessei na conversa. — Não… a idade só foi um fator para distanciar ela, de minha família. Enfim, no começo de nossa relação ela trabalhava como caixa em uma farmácia. Se apaixonei por ela e quando assumimos o namoro, descobri que sonhava em ser estilista. Decidi então realizar esse sonho dela, perguntei como poderia ajudar e ela claro, pediu dinheiro… muito dinheiro. - o homem tomou mais caipirinha e continuou. mas ela queria mais, tanto que pediu a senha de uma das minhas contas. — E você deu? - o interrompi — Claro que não. Nisso, ela me apresentou um homem que intitulou como seu empresário. De princípio não gostei, mas ele se mostrava um cara muito legal e profissional… frequentou nossa casa quase todos os dias e esse foi o meu maior erro. Confiei demais nele e assinei diversos contratos que
dizia se tratar de patrocínios e investimentos na carreira dela. — O.k., mas me adiante o que lhe deixou pobre, por favor. - apressei o homem. — Está bem, resumindo tudo que falei, houve um dia que me deitei na companhia de minha mulher e quando acordei, não encontrei nada além de um bilhete na minha cama, escrito por ela. — E do que se tratava? - o interrompi, novamente. — Disse que havia se divertido muito comigo e não queria mais prosseguir na relação, pois era muito jovem e necessitava aproveitar a vida. Até então, poderia tentar compreender sua decisão, afinal ela não era obrigada a me amar. Mas ao lembrar que havia lhe dado muitos cartões e assinado diversos contratos, corri ao meu banco para ver o estado de minha conta, e mesmo sem querer acreditar, vi que não tinha nada além de centavos. — Qual era a quantia que tinha em sua conta naquela época, se é que posso saber? — Mais ou menos 750 mil reais. — O quê?! - gritei, quase caindo do banco.
— Pois é, fora a conta que tinha na Suíça, ultrapassava milhões. Ela conseguiu me roubar e
quebrou todos os meus investimentos, tive que vender a mansão, pois a empresa não rendia mais como antes e se mudei para uma casa simples no Rio de Janeiro. — Na época vocês moravam aonde? — Em Brasília. Era um empresário renomado, liderava uma empresa de utensílios domésticos e por causa do trauma, fiquei sem foco para trabalhar e acabei desistindo de tudo. E assim, se afundei em dívidas. — Mas você não é um empresário ainda? — Não. Me visto bem só para manter a aparência. — Suas roupas são muito caras para um cara que está afundado em dívidas. - observei, olhando para sua roupa. — Mantenho minha economia com um trabalho que inventei. — Inventou? — Meio que isso sabe? Vou lhe explicar. - disse o homem, se ajeitando no banco e baixando o tom de voz. - Eu trabalho descobrindo segredos de pessoas importantes, damas da sociedade e homens que se fazem de bonzinhos. Sendo que na realidade, são corruptos.
— Hum… interessante, mas o que não entendi ainda é o que isso tem a ver com sua renda. — Simples, eu cobro um dinheiro alto desses… digamos clientes, que por medo de serem descobertos, pagam muito bem. — Entendi. Um trabalho arriscado, porém, bem lucrativo. — Exato. Deus colocou você no meu caminho por motivos importantes. Bebi um pouco de refrigerante e já insatisfeito com o assunto, debrucei no balcão olhando para o homem que botoava seu terno. — Continuo sem entender. — Enfim, você aceita fazer esse trabalho? — Eu? Mas porque aceitaria? — Simplesmente porque você é um cara ambicioso e vejo um futuro brilhante para você. — Continue. — Você deve ter motivos para estar nessa situação miserável, sabe que será difícil retomar a vida e apesar de não confiar em mim, sou apenas um degrau para facilitar sua vida.
Pensei por alguns segundos, olhei para Ted que se encontrava deitado e se levantei, obrigando o homem a fazer o mesmo. — Vou pensar. — Por quanto tempo? — O necessário. Mesmo insatisfeito, Roger me entregou um papel com seu endereço e contatos. — Ficarei lhe esperando. - disse, estendendo sua mão. Aceitei o cumprimento e em seguida, sai do bar. Ted estava mais animado e tive que controlar essa animação o segurando pela coleira. Acho que era por causa da comida, o coitado estava tão faminto que se não fosse esse “incidente”, não aguentaria me acompanhar. Já estava ficando tarde e meu companheiro e eu, precisávamos nos abrigar em algum lugar que não fosse viadutos. Então fui ao banco mais próximo, tirei o cartão de uma de minhas mochilas e se dirigi até o caixa eletrônico. As pessoas que estavam no banco e alguns funcionários me olhavam como se eu fosse um bandido, isso porque estava mal vestido e
com a roupa bem fedorenta. Mas ignorei o preconceito e sai, guardando o dinheiro no bolso. Bati em porta e porta, sem adquirir sucesso algum. Ninguém queria alugar um cômodo para mim, até que ao passar por uma casa velha, onde existia um interfone antigo, idêntico o que minha avó tinha, saiu uma senhora de cabelos longos e brancos como as nuvens. Me atendendo com seu jeito simples. — Pois não? — Bom dia senhora, eu vi uma placa na sua garagem e queria saber se a vaga está disponível? A minha pergunta foi meio idiota, porque se a vaga não estivesse disponível, a placa não se encontraria pendurada no portão. — Sim, o senhor já está com seu carro aí? — Não, eu preciso da garagem pra dormir por essa noite. — Dormir? - perguntou a senhora um pouco desconfiada. — Sim, é que não encontrei casas para alugar, então pensei em dormir aqui. Depois de alguns segundos pensando, me deu a resposta.
— Não seja por isso… tenho um porão que está bem organizado, acho que será melhor dormir lá do que na garagem. A velha me levou até o porão que era muito bem organizado, o piso era feito de madeira e as paredes não possuíam tintura, apenas quadros pendurados que provavelmente ilustravam a foto de seu marido. — Se precisar de alguma coisa é só subir a escada e bater à porta. — Está bem, agradeço. - sorri, pegando uma jarra de chá que ela me entregou. Bebi um pouco de chá e me deitei na cama. Não demorou muito para os meus pensamentos se encaminharam para a proposta de Roger. Apesar de saber que era um trabalho arriscado e fora de meus valores, minha situação me obrigava a encontrar algum caminho para sobreviver e no momento, esse era meu único caminho. Pensei a noite inteira e após dormir mal, acordei às 10 horas. Bebi o resto do chá que já estava gelado e mandei uma mensagem para Roger que marcou o encontro no mesmo bar.
Prestes a sair do porão, a senhora se encontrava na porta, segurando uma camisa azul e uma calça social preta. — Antes de ir, troque de roupa. Peguei a roupa um pouco emocionado pela bondade demonstrada pela mulher e tirei a roupa velha, substituindo pela nova. Após me vestir do jeito que a sociedade gosta, dei um abraço na senhorinha que por um dia se transformou em meu anjo de guarda. Ted que havia ficado na garagem, pois a velha tinha alergia, pulou em meu colo cheio de saudades. — E aí amigão, vamos mudar de vida? acariciei sua cabeça. Se despedi da senhora e sai rumo a uma nova vida. No mesmo bar, o homem me aguardava impaciente. Quando cheguei, estava acompanhado de uma bela mulher que se afastou após me ver. — Já tenho minha resposta. — Diga senhor Daniel. - pediu o homem, despejando um pouco de amendoim em sua boca. — Aceito sua proposta. — Ótimo! Sabia que não me decepcionaria. - se levantou para me cumprimentar.
— Quando começo? — Calma Daniel, vamos subir um degrau de cada vez. Em primeiro lugar, vou lhe formar como um homem de verdade. - enfiou o resto de amendoim na boca e jogou o dinheiro na mesa. - Vamos até o meu apartamento. — Beleza. - concordei, puxando a coleira para levar Ted que parecia não querer ir. Ao chegar no condomínio que não era muito luxuoso, Roger me levou até o quarto em que estava. O lugar tinha tudo em seus devidos lugares, e por capricho, existia uma janela que possuía uma rede de proteção, onde conseguia ver uma paisagem linda da cidade. — Sente-se senhor Daniel. Vou trazer um pouco de bebida para nós. Não rejeitei a bebida, era o momento certo para apagar os valores que aquele velho homem que já fui um dia, possuía. — Te vejo jovem assim… cheio de esperança, saúde, beleza e lembro do garoto que já fui um dia. Era do mesmo jeito, o que defino como um bom sinal. — Você aparenta ser um cara jovem ainda.
— Nem tanto Daniel, essa mulher destruiu todos os meus sonhos. Ela segurou minha mão e depois me deixou cair no precipício. — Acho que está exagerando. - observei. - Não sei se sou a pessoa certa para lhe ajudar em sua vingança. — Essa vingança é nossa. Você sabe que só está sendo prestativo para receber o que lhe prometi, até porque se tentar se vingar no estado em que se encontra, correrá o risco de fracassar. — Não estou recusando nada, só peço para não se iludir com a possibilidade de eu ser a peça ideal para reconstruir o seu império. - expliquei, bebendo a caipirinha. — Você não quer aceitar, tudo bem, mas não ache que vai ganhar dinheiro fácil na vida. — E se eu aceitasse a sua proposta, facilitaria no que? — Você teria o que quisesse, desde que continuasse a me ajudar com esse plano de justiça. Pensei se devia ou não acreditar nele. Sua boca dizia uma coisa, mas seus olhos mostravam outra, algo obscuro que não me fazia bem. — Porque precisa de mim para se vingar dessas pessoas?
— Ela não pode me conhecer, principalmente aquele traidor… preciso que se torne um homem poderoso e a partir desta “cadeia alimentar”, destruir os dois por último. — E os meus objetivos, onde ficam nessa história? — Depois que conseguirmos se vingar deles, não precisarei lhe auxiliar nos seus assuntos particulares. Você vai conseguir de volta, tudo que destruíram de sua vida, e mais, conseguirá multiplicar suas vitórias quantas vezes lhe for necessário. — Você diz como se soubesse o que aconteceu comigo. — Só não sei porque não me contou ainda, mas suspeito que esteja envolvida nessa história, mulheres. — Um dia você saberá. - cruzei os braços. Após tomar o resto da caipirinha, o homem se levantou e abriu uma porta espelhada, revelando um escritório que me lembrava aqueles escritórios de filmes policiais. Quando entrei, segurei o queixo para ele não cair e espantado com o que meus pequenos olhos viam, se sentei em cima de uma escrivaninha da cor de madeira. Na parede encontrava-se um quadro-negro
do lado direito com algumas fotos pregadas nele. Supostamente, fotos de nossos próximos alvos. Essas fotos formavam uma pirâmide, sendo que a do topo e do meu lado direito, estavam viradas. Só a do lado esquerdo, revelava o rosto da pessoa pelo qual deduzi que seria o nosso primeiro alvo. — Esses são nossos três principais alvos. Ricos, poderosos, famosos e possuídos pela ambição de sempre querer mais. Todos se encontram infectados por pecados e presos a medos, fora os crimes que cometeram e ainda cometem. — Prossiga. - pedi com a voz embargada. — Doutor Charlie, um pai exemplar… 59 anos, ama sua mulher e têm duas filhas… um homem ciumento, que não permite que suas filhas namorem qualquer um. Trabalha em um hospital particular há mais de 20 anos, e ostenta viagens internacionais em todos os períodos de férias. — Se ele é um médico de hospital particular e está há muito tempo trabalhando em um só local, terá dinheiro suficiente para realizar viagens internacionais. — Então como você me explica isso?
Roger pegou de seu bolso o celular e me entregou o aparelho que mostrava algumas fotos do doutor e da família. Muitas das imagens, suas filhas se encontravam em países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Itália, Suíça, dentre outros lugares belos que continham a mesma semelhança, datas brevemente separadas das outras, ou seja, faziam turnês como se eu trocasse de cueca. Não bastando essa ostentação, nas fotos as meninas que aparentemente tinham 18 e 16 anos, se exibiam com festas e outros passatempos que nenhum filho de médico (no Brasil) poderia ter. Mesmo se fosse o melhor médico da cidade. — Está convencido? - perguntou Roger, recebendo o celular de volta. — Sim. — Que bom. Esse será o nosso primeiro alvo, espero que esteja disposto a continuar. Fiquei por alguns segundos olhando para o quadronegro e após perceber que Roger me olhava, despertei. — Claro. Estou disposto sim.
— Amanhã lhe transformarei em outro homem, mas por enquanto, só quero descansar, estou morto de cansaço. — Se você quiser posso dormir aqui mesmo. Não tenho nenhuma objeção por dormir no chão. — O velho Daniel não teria, mas você sim… você tem que mudar garoto, bote isso na sua cabeça. Roger me levou para um quarto localizado do lado de um banheiro pequeno pelo qual possuía uma torneira dourada que quase me iludiu pela sua aparência. Se o condomínio não fosse tão humilde, teria conseguido esse feito. — Aqui você vai ficar confortável. — Mas e você? — Eu vou dormir em outro quarto. — São dois quartos então? - perguntei, surpreso. — Sim, transformei a sala em um quarto, não se deu conta de que o local só existe cozinha, banheiro e quarto? Pensei por alguns segundos, olhei para o quarto que estava bem organizado e se deitei na cama, aproveitando o colchão confortável e os travesseiros de penas de ganso.
— Durma bem Daniel, amanhã você será outro homem. — Assim espero. - se virei para o outro lado da cama, deixando o sono me levar para o céu.
03 Naquela noite, fui atingido por uma magia com origem desconhecida. Em menos de 2 horas, se transformei em um homem poderoso, vestido com um blazer preto, uma camisa branca com botões escuros e uma calça social preta, acompanhada de um par de sapatos escuros como as trevas. Meu cabelo estava curto e bem penteado, se bem que ele não seria um problema para meu visual, pois usava um chapéu Marcatto preto azulado que obrigava as pessoas a olharem para mim, atraídas pela minha elegância que contagiava todos ao meu redor. Me tornando o centro das atenções. O sol reconheceu que eu não era um simples ser, e focou a maioria de sua luz em mim, apesar de precisar ser protegido por um jornal, agradeci o privilégio com um sorriso e se encostei em um poste, observando o gigante hospital particular. Lugar em que o doutor Charlie Silva era mais conhecido do que cantores internacionais em nosso país. Segundo algumas informações, Charlie terminava o expediente às 6 da tarde, caso não fizesse plantão é claro. Para minha sorte, o hospital parecia mais tranquilo e às 6 horas e 15 minutos, o doutor passou pela porta tirando o jaleco e jogando dentro de seu
carro. Não desperdicei meu tempo para segui-lo, fiz melhor, entrei no hospital como se não quisesse nada e perguntei a um dos funcionários onde ficava o banheiro. Logo, se encaminhei a caça de algum médico que pudesse me auxiliar, mas não encontrei. Todos se encontravam trancados em suas salas. Se encontrava em um corredor extenso coberto por cadeiras ocupadas por pacientes do lado esquerdo e salas do lado direito. Caminhei com as mãos no bolso olhando para cada sala que se diferenciavam pelas cores, algumas fortes, outras mais claras Ao se aproximar do fim do corredor, encontrei uma porta que por sinal estava aberta e do lado esquerdo, uma escada em formato de caracol, levando para o segundo andar. Sem pensar no que encontraria pelo caminho, subi os degraus e cheguei no segundo andar com os meus joelhos doloridos, afinal, fazia tempo que tinha ficado longe de práticas esportivas. Poderia ter um elevador, pensei. O segundo andar parecia com o primeiro, só mudava em questão dos pacientes que eram mais “refinados” e a existência de um refeitório que provavelmente era usado pelos médicos. Como não queria desperdiçar meu tempo a espera de algum milagre, se esforcei
para se dirigir a uma senhora que estava quase dormindo. — Boa tarde senhora, será que poderia me informar se algum médico ainda está neste hospital? A velha lambeu os beiços e após se ajeitar na cadeira, olhou para mim por baixo da lente de seus óculos. — Então, a maioria já se foi, mas a notícia boa é que a equipe da noite chega às sete. — Hum, então eu vou esperar. - disse se distanciando da velha. Uma das coisas que mais me irritava era ouvir essas velhas fofoqueiras ficarem falando sem parar, parecendo papagaios. A minha sorte é que havia cadeiras vazias, então se sentei próximo da sala de enfermagem, aguardando os benditos médicos chegarem. Quando estava pegando no sono, ouvi passos fortes e cumprimentos calorosos de boa noite, indicando que os médicos haviam chegado. Os médicos entraram nas salas rapidamente e fecharam as portas, exceto a sala de número 03 que manteve a porta entre aberta. Aproveitei a chance e entrei, surpreendendo a médica que por sinal era linda.
— Que isso? Quem lhe permitiu entrar aqui? - disse ela, se levantando. Não a respondi, apenas se aproximei dela, peguei em sua cintura e a coloquei em cima da mesa. — Abusado… eu vou chamar os seguranças! — Shiiiu! - coloquei o dedo em sua boca. Antes de chamar os seguranças, vamos aproveitar um pouco. Ela até tentou rejeitar o meu pedido, mas não resistiu ao toque de minha mão em sua perna e sem se preocupar, se entregou. Roger era um cara muito inteligente e antes de iniciarmos nossos planos, estudou um pouco dos alvos e das pessoas próximas deles. Uma dessas pessoas era Sheila, uma médica de 32 anos que sabia ser sensual, seus olhos verdes e seu cabelo cor de ouro só aumentava a vontade que tinha de ficar com ela, a beijando por alguns minutos. E se eu tinha esse desejo, imagine o doutor Charlie com aquela cara de velho babão. — Fica mais um pouco. - pediu a mulher, segurando meu braço. — Tenho compromissos. - respondi, vestindo a camisa. — Quando podemos nos encontrar novamente?
Peguei uma caneta de cima da mesa e anotei o número de meu celular. — Guarde meu número porque não vou passar novamente. Sheila pegou o papel e guardou em seu bolso com um cuidado que parecia ser uma joia. — Não vai me dar um beijo de despedida? — Deixa pra próxima. Sai da sala, colocando meu chapéu de volta a cabeça e sorri do comportamento da mulher. Como pode estar apaixonada se me conheceu há alguns minutos? Eu não sou o tipo de pessoa que acredita em amor a primeira vista. Pobre mulher. Roger ganhava dinheiro cada dia mais, ele havia reconquistado uma de suas empresas em uma jogada de mestre. O segredo de seu sucesso era não revelar os seus segredos, mas sim o dos outros. A única coisa que consegui tirar de sua boca é que sua empresa reconquistada, se tratava de uma rede de lojas de roupas com marcas próprias e criativas. Os designers das roupas era desenhado por estilistas que segundo Roger, eram doados a ele pelos próprios estilistas. E lógico que não acreditei em sua mentira.
Conseguindo resgatar um pouco do dinheiro, Roger conseguiu comprar um apartamento luxuoso no centro da minha querida cidade. O condomínio tinha nome de castelo e era protegido por um sistema de segurança muito forte que evitava qualquer tipo de ameaça que surgisse. Subi pelo elevador espelhado pelo qual possibilitava a visão do lado exterior do prédio, privilégio que pessoas com medo de altura, odiavam possuí-los, e entrei no apartamento, digitando a senha que Roger me passou para poder liberar minha passagem. Roger mexia em seu notebook, entretido com algo que ainda era desconhecido para mim. Tirei meu chapéu, e se sentei ao seu lado, o encarando. — Conseguiu encontrar Sheila? — Agora que me pergunta isso? — Conseguiu? - insistiu, sem olhar para mim. — Sim. — E ela? — Não para de me ligar. A todo momento manda mensagens querendo marcar outro encontro. — Que idiota. - sorriu Roger, fechando seu notebook. - O melhor que você tem a fazer é ignorá-
la. Elas ficam mais apaixonadas quando fazemos isso. — Eu sei se relacionar com mulheres, não preciso de um professor. - respondi, indo para o meu quarto. Um talento que Roger tinha era de me irritar, sabia que odiava receber conselhos e por isso, insistia em me dar. Meu quarto tinha uma escrivaninha de madeira importada e algumas miniaturas de bonecos de futebol que se encontravam guardados em uma vitrine espelhada ao lado de meu imenso guardaroupas. O frio parecia mais presente do que nunca e como também era filho de Deus, fechei a janela e fiquei debaixo da coberta. Não sairia por nada de minha cama, planejei. Mas quando abri a gaveta de meu criado-mudo, descobri que meu estoque de balas e guloseimas havia esgotado. Droga! Se revoltei. Como podia esquecer de minhas balas de gelatinas? Sem ter empregados para me servir à noite, coloquei meu chapéu, vesti o blazer e sai apressado rumo ao mercado mais próximo do prédio.
— Aonde está indo nesse frio garoto? perguntou Roger, parecendo um zumbi de tanto sono. — Vou comprar minhas balas. - respondi, limpando o suor de minha testa com a mão. — Você e suas balas de gelatina. Não consegue ficar uma noite sem essas porcarias, Daniel? — Pro seu governo meu nome é Smoth. — Estranho… porque o poderoso Smoth não ficaria dependente de nada. — Porque você não vai plantar maçã e colher limão hein? Cuida da sua vida rapaz. - o respondi, batendo a porta e saindo. Faltava 30 minutos para fechar o mercado mais próximo, então peguei o carro de Roger emprestado (sem ele saber, é claro) e acelerei. Ao chegar no mercado, peguei um carrinho de compras e corri em direção do setor de balas. Comprei o máximo possível e por consequência dessa minha gula, ganhei um brinde do mercado, ou seja, mais um pacote de balas. Ao sair, uma criança vestida apenas com um calção rasgado veio em minha direção com as mãos estendidas. Seu cabelo era duro, seu corpo parecia um raio-x, só mostrava ossos e sua voz era fina e
fraca, causando uma sensação ruim em mim que por impulso me fez dar dois passos para trás, temendo ser um assalto. — O senhor poderia me dar uma balinha? — Oh meu filho, isso não dá nem pra mim. - disse entrando no carro. Desgraça, toda vez que compro alguma coisa, essas crianças aparecem do nada e ficam como idiotas, pedindo dinheiro e balas. Parecem que brotam do chão. Cheguei em casa e abri os pacotes de balas desesperadamente e os devorei pelo decorrer da madrugada, assistindo alguns filmes. Os passarinhos cantavam do lado de fora e a ventania logo de manhã me acordou, interrompendo o meu sonho que era realidade. Até sonhando eu era rico. Marquei o encontro com a médica em um restaurante luxuoso, um dos mais famosos não só da cidade, mas de São Paulo. Sabia que isso faria seu interesse sobre minha pessoa, só aumentar. — Nossa, pelo que vejo você é bem rico. disse ela olhando ao seu redor. — Você já deve ter percebido isso desde quando te agarrei.
— Está me chamando de interesseira? — Você achou feio o nome? Posso usar outros. É que para mulheres como você, a minha linguagem culta complicaria a nossa comunicação, por isso usei esse adjetivo. — Para princípio de conversa, eu fiz faculdade de medicina e letras. Minha gargalhada, era um dos reflexos de que a mulher que se encontrava em minha frente, era só mais um idiota atraída pelo meu dinheiro. Tomamos um bom vinho e a levei para um hotel de luxo para passarmos a noite juntos. A intenção era tirar algo de sua boca, mas antes ela quis um pouco de carinho que mesmo não querendo, lhe dei. Após virar mais de 5 taças de espumante, Sheila se virou em minha direção acariciando o meu rosto. Eu a olhava descrente de que ela soubesse de alguma coisa. Seus olhos não demonstravam maldade, apenas amor, era só uma mulher sensível que fazia tudo por amor. E como adorava oportunismo, aproveitei o momento de carícias para ouvir as palavras que seriam as chaves para as portas do paraíso.
— Sempre sonhei em estar com você, deitada em sua cama confortável, fazendo amor e bebendo muito espumante. — De tudo o que você falou, acreditei apenas na parte do espumante. Primeiro que você nem me conhece, e segundo que não está apaixonada, apenas fantasiada com todo o luxo que lhe proporciono. - disse, olhando para o teto. — Nossa, você é muito chato, será que não percebe que gosto mesmo de você? Fiquei dias lhe mandando mensagens. Gastei meu dia em um salão de beleza com a intenção de ficar mais linda para ti, e recebo isso? Só ofensas e ofensas… pensa que sou o quê? Uma meretriz em busca de dinheiro? Meu sorriso lhe fez segurar o ódio que sentiu de minha pessoa naquele momento. Mesmo não querendo, ela sabia que estava apaixonada por mim, enquanto que eu apenas curtia o momento. — Não teve plantão hoje? - mudei de assunto. — Eu nem trabalhei, e sabe porquê? — Diga. — Porque estava se arrumando para você. deitou a cabeça em meu peito.
— Seu chefe parece ser bem legal.
— Ele me dá folga a hora que quiser. - relatou levantando-se da cama. — Nossa, então ele é mais legal do que imagino. — Sim. Até porque caso ele não se comporte assim, se arrependerá. — Pelo que vejo, há motivos importantes que ocasionam as suas folgas. — Sim. — E quais são suas outras regalias? perguntei, se interessando no assunto. Sheila as vezes não era tão idiota como eu imaginava. Ao perceber que estava se deixando envolver pelo meu interrogatório, resolveu se trocar e ir embora, mas como ainda era madrugada, impedi que cometesse a loucura de sair na rua. — Não precisa ir, prometo que fico quieto. — Não sabia que fazia questão de minha presença. - disse, colocando a mão na cintura. — E não faço, só quero preveni-la de algum risco que essa cidade tão perigosa oferece. — Nossa, acho que dessa vez o time da cidade vai ser campeão.
— Porque a ironia? - perguntei, sentando-se. — Você, preocupado comigo. Só pode ser milagre. Sorri, ironizando o comportamento dela. Como podia ser tão esperançosa em crer que eu se preocupava com sua pessoa. — Vamos dormir que é melhor. - voltei a deitar, a obrigando a fazer o mesmo. A cada dia que passava, em todos os nossos encontros, conseguia encher a moça com um pouco mais de ilusão. Precisei de pouco tempo para convencê-la de que eu era seu refúgio e seu grande herói. Sheila estava totalmente dependente de mim, não sentia só tesão por mim, mas um amor que estava a escravizando. De quebra, ganhei sua confiança, abrindo os caminhos para realizar os meus objetivos. Em uma noite em que ela se encontrava tensa, fingi que estava preocupado e comecei a massagear seus ombros. — O que houve? Não teve um bom dia de trabalho hoje? — Mais ou menos meu amor. — Me conte.
— Estou prestes a ser demitida. — Ué, mas você me disse há alguns dias que era uma funcionária querida. O que motivou essa mudança tão repentina? — Ah, eu prefiro não entrar em detalhes. - tentou disfarçar o nervosismo. — Cadê a mulher que confiava em mim? - a provoquei, beijando seu pescoço. Sheila estava insegura. Tentava disfarçar, mas não conseguia, então tratou de falar a verdade, mesmo temendo as consequências. Se virou, ficando de frente comigo. Seus olhos eram lindos e também o culpado pôr as vezes não prestar atenção no que falava, pois focava sempre no par de esmeraldas que me olhavam a todo momento. — Meu chefe é um homem como todos, sente muita atração pela minha pessoa e há alguns anos, temos um caso. — Você e seu chefe? Um caso? - perguntei, surpreso. — Não precisa ficar com ciúmes, espere eu terminar, por favor. Segurei o sorriso, pois não queria interrompê-la, apesar de estar louco para usar meu dom de ironia.
— Me senti atraída por seu carinho e seu jeito fofo, sempre me dando flores e a atenção que sempre precisei. Viajávamos para vários países e tivemos uma relação boa, até que eu te conheci. — Prossiga. - ajeitei o chapéu, não tirando os olhos de sua direção. — Semana passada revelei a ele que estava apaixonada por outro homem, sei que você vai dizer que lhe trai, mas peço que não me julgue. Não tive nada com ele após começarmos nossa relação. — Epa! Não temos nenhuma relação, apenas estamos passando o tempo. - a interrompi. — Você sabe que temos uma relação… enfim, eu conheci o outro lado dele. O lado violento que me deixou amedrontada. — Como assim, ele te agrediu? perguntei se levantando, nervoso.
-
— Sim. Não só fisicamente, mas com palavras duras que nunca imaginei ouvir de alguém. Me humilhou, pra ser mais clara. — Eu não acredito! - joguei meu chapéu no chão furioso. - Como ele pode ser tão covarde a ponto de agredir uma mulher?
Inocentemente, Sheila pensava que a causa de minha fúria era sua pessoa, o que não fazia nenhum sentido. Estava furioso porque independente da mulher que fosse, não merecia ser agredida. Tinha repugnância por homens covardes. — Não sei o que fazer para convencê-lo que não quero mais ser sua amante. Tenho muito medo a sua reação. — Como é? Espera aí que eu preciso raciocinar esse turbilhão de informações. Você disse amante? — Sim, no início não sabia de nada, mas cheguei um dia de surpresa em sua sala e descobri uma aliança em seu dedo. Ele até tentou inventar alguma desculpa, mas não teve criatividade suficiente para isso. — Que safado. - esfreguei as mãos, animado. — Sei que deve estar com ciúmes e revoltado por ser agredida, mas prometo que vou se afastar desse homem. — Não! Faça o contrário. - interrompi Sheila. — Fazer o contrário? — Depois te explico. O que você precisa saber nesse momento é que esse homem vai ser muito importante pra mim.
— Importante? Do que você está falando Smoth? — Esquece. Depois explico, pois agora tenho pressa. - respondi, fugindo da mulher que tentou segurar meu braço. Deixei Sheila acompanhada de suas dúvidas e sai apressadamente, de volta ao apartamento. Roger como sempre, se encontrava em casa, mexendo em seu computador. Com pressa de lhe contar a novidade, fechei seu notebook e puxei uma cadeira, onde se sentei ao seu lado. — O que houve homem? Porque está tão afobado assim? — Descobri coisas importantes que vai lhe deixar feliz. — É sobre o médico? - apoiou o cotovelo na mesa. — Seria de quem se não fosse dele? - o respondi, abrindo um pacote de balas que estava em meu bolso da calça. — Para de palhaçada e diga logo o que descobriu. Após mastigar um punhado de balas, lambi os beiços e voltei o foco à conversa. — Sheila me revelou que é amante do seu chefe que segundo o senhor, se trata do doutor Charlie.
— E é ele. Confio nas informações que recebo. — Afinal, quem é a fonte de suas informações? - o indaguei. — Um homem inteligente nunca revela suas fontes. — Parece até um jornalista. - sorri, zombando dele. Mesmo tentando não demonstrar em sua face, Roger odiava minhas ironias e brincadeiras. Era um cara muito sério, seus poucos amigos o chamavam de o “intelectual”. — Conte mais sobre o que ela disse. — Disse que ele fez viagens internacionais, acompanhado dela e que já foi um homem muito romântico. — Já foi? — Sim. Você deve saber como é os velhos babões né? — Eu sei como se comportam esses velhos. O que estou querendo saber é porque você usou o tempo no passado? — Ah sim… é porque ele mudou de comportamento depois de saber da própria boca de Sheila que ela estava apaixonada por outro homem. O doutorzinho agrediu Sheila e a ameaçou.
— Pelo que percebo em suas palavras, o doutor Charlie gosta muito dessa garota, e isso é muito bom pra gente, muito mesmo. Comi o resto das balas e tirei meu blazer, colocando na cadeira. — Na realidade, ele é um covarde. Não acho que bater em uma pessoa e ser controlador, é consequência de amor. — Ah, lá vem você com esse seu jeito de feminista. Quem vê, pensa que não é machista. me provocou. — Voltando ao que realmente importa. Em breve, doutor Charlie estará em minhas mãos. Só preciso de um tempo para arrancar muito dinheiro dele. — Assim espero. Queria saber só de uma coisa? — O quê? - perguntei, passando a mão no rosto por causa do calor. — Você vai usar essa mulher para ter Charlie em suas mãos? Sorri, zombando do comportamento infantil de Roger que sempre tentava descobrir o que eu fazia. Mas sabia que o melhor caminho para fugir de uma conversa, era sorrir e se distrair com outra coisa qualquer. E essa coisa qualquer, apareceu no
momento certo. Ted veio correndo da cozinha e ficou cheirando os meus pés. — Já sei o que você quer seu danado. Espere um minuto que já volto. - acariciei sua cabeça. Se encaminhei até a cozinha e voltei a poder de balas de gelatina, despejando-as em seu potinho de ração. Sentindo o aroma das balas, Ted pulava como um doido, e quando lhe entreguei sua comida favorita, devorou tudo em segundos. Roger olhava para Ted com uma expressão de nojo, e como não era de esconder seus pensamentos, se levantou da cadeira com seu notebook debaixo do braço. — Quantos anos este cachorro têm? — Porque a pergunta? — Você me disse que tem ele desde a infância. Não consigo entender como ele continua forte e cada vez mais pulguento… será que são essas balas de gelatina que estão ajudando a rejuvenescê-lo? Mais uma vez sorri e disse. — Pode ser que sim, afinal a imortalidade não é impossível.
Insatisfeito, Roger se encaminhou ao seu quarto, pisando firme no chĂŁo que era revestido por pisos de porcelanato como se fosse um palĂĄcio.
04 Jornal Bernardo City, um dos jornais mais importantes do Brasil e o único de minha cidade. A tecnologia não conseguia reduzir a venda dos jornais tradicionais, ao contrário, só aumentou a produção. O segredo que mantinha esse sucesso do Bernardo City, ninguém sabia explicar, até porque ele estava acima de jornais de outras localidades. Isso em critério de vendas dos jornais físicos. E como um Bernardense de sangue, sentia um grande orgulho dessa nossa potência jornalística. Mas não sou o homem de perder tempo, o objetivo pelo qual me fez ir até Bernardo City é simples, tinha um velho amigo jornalístico que sabia de muita coisa e conhecia metade da cidade. Ele era a melhor pessoa para se tornar meu aliado, e como não era bobo, marquei um encontro em um restaurante luxuoso no centro da cidade. Ao chegar no restaurante, Felipe já se encontrava sentado na mesa que reservei. Parecia um pouco impaciente, tanto que sorriu ao me ver, recebendo um tapa nas costas.
— E aí meu velho, quanto tempo. - me cumprimentou, com um abraço. - Está diferente. - observou. — Você também, parece que ficou um pouco mais velho. - brinquei. — O tempo foi bem generoso com você. Continua jovem e pelo que vejo, rico. — É… não posso reclamar de nada, mas não digo que o responsável pelo meu sucesso foi o tempo. O grande responsável fui eu mesmo. — Sempre modesto né? - sorriu meio sem graça. — Indo ao que interessa, como esta sua situação em relação a trabalho? Felipe passou a mão na testa e bebeu um pouco de água. — Sempre na correria do Bernardo City, você deve saber como é. Com certeza é um assinante. — Não tenha tanta certeza disso. Eu soube por algumas pessoas que o jornal está prestes a entrar numa crise. — Crise? - gargalhou, Felipe – Você as vezes é engraçado Daniel.
— Pra te atualizar, meu nome é Smoth. tomei um pouco de vinho, insatisfeito pelo que ouvi. Após servirem a comida, tirei meu celular do bolso, mesmo achando isso indelicado, e mostrei a notícia que envolvia o jornal à Felipe. Sem ao menos ler o primeiro paragrafo, Felipe me entregou o celular, demonstrando que sabia das notícias em relação ao seu jornal. — Essa notícia é mentirosa! Não passa de fake news! Irritado, coloquei meu chapéu na cabeça e se levantei. — Já que não se interessa pelo que tenho a falar, vou embora. — Espera! - segurou meu braço. - Confesso que o Bernardo City está prestes a enfrentar uma crise. — Então é verdade? - se sentei, curioso. — Infelizmente, sim. Mas quero sigilo de sua parte. Não entendo como essa notícia surgiu e muito menos quem foi o emissor. O que sei é que logo essa dúvida se transformará em confirmação se não tomar uma atitude. — Acho que posso ajudar vocês. — De que modo? - cruzou os braços, Felipe.
— Estou prestes a lhe trazer uma notícia que envolve pessoas poderosas. — Gosto disso. - esfregou as mãos, tomando o resto do vinho que deixou em sua taça. — Preciso apenas de alguns dias para iniciar essa investigação… ah, e preciso de sua total disponibilidade para esse caso. Felipe pensou por alguns segundos, coçou a cabeça e conseguiu ter a certeza de que a proposta era irresistível. — Conte comigo, só torço que consiga o mais rápido que puder essas notícias. O Bernardo City está em suas mãos. — Estou acostumado com responsabilidades. - sorri, o cumprimentando. Deixei Felipe sair primeiro e após 5 minutos, sai pela outra porta. Não poderia arriscar, pois sentia que alguém estaria nos vigiando. Por falar em vigiar, peguei novamente o carro de Roger emprestado e fiquei ao redor do estacionamento do hospital aguardando a saída do doutor. Logo ele apareceu, entrando em seu carro, parecendo estar apressado, pois nem teve o trabalho de tirar o jaleco do corpo.
Segundo as informações de Roger, doutor Charlie frequentava um bar todas as quartas-feiras. E mesmo achando isso um ato normal para qualquer indivíduo, prossegui com a perseguição. Ao chegar nesse bar, percebi o porque de Roger insistir que eu o seguisse, quem olhasse de fora, não perceberia que se tratava de um bar, pois estava entre dois comércios, o que identificava que se tratava de um caminho para um dos andares de ambos os locais. Fora o detalhe de que não existia nenhuma identificação de se tratar de um bar. Dois homens de mais ou menos 1,80 de altura, permitiram a passagem de Charlie e em seguida, cruzaram os braços, fechando o caminho. Então, tratei de pensar em algum modo de entrar neste local sem ter que derrubar os dois idiotas. — Boa noite senhores, será que poderiam me dar licença? — Como é o nome do senhor? — Lhe repasso a pergunta. - retruquei sorrindo. — O senhor por acaso tem convite? — Serve esse? - estendi alguns bolinhos de notas, atraindo ambos os homens.
A resposta deles foi liberar a minha passagem. Existia uma escada de mais ou menos 40 degraus. O corredor era bem apertado e o cheiro era horrível, por tudo isso, não entendi o motivo de necessitar de um ingresso para entrar nessa porcaria. Entrei por uma porta vermelha que estava entreaberta, e descobri um salão gigante que possuía mesas espalhadas com diversas pessoas agitadas, a maioria delas de pé, gritando feito loucas. O que mais me surpreendeu foi perceber que não existia a presença de mulheres, não que eu estivesse incomodado com isso, porém era estranho em uma festa só encontrar homens. Meu objetivo naquele momento era encontrar o doutor. Demorei alguns minutos e após cansar de caçá-lo, procurei um lugar para poder refrescar minha garganta, e surpreendentemente, encontrei em apenas 2 minutos. Como é gozado, quando queremos algo de importante nosso caminho é mais longo, diferente de quando se entregamos as regalias e vícios da vida, onde o caminho é bem curto. Enquanto tomava a bebida, aproveitei para caçar Charlie com meus olhos. Até que o encontrei ao redor de uma mesa onde jogava com outros 4 homens. Voltaria para casa carregando uma dúvida e
uma decepção, mas como não sou esse tipo de homem, fui até a mesa onde eles jogavam, com o desejo de participar. — Tem lugar para mais um? — Antes precisamos saber se você sabe jogar. - disse um dos velhos, com um bigode amarelo. — Muitos dizem que foi eu que inventei esse jogo. Apesar da ironia, os homens sorriram. Com exceção de Charlie que me encarava, parecia que tentava me reconhecer de algum lugar. — Você tem dinheiro para isso? Defini a pergunta do doutor como uma provocação, ele sabia que eu não se tratava de uma pessoa sem dinheiro, alias, qualquer um que olhasse para o meu estilo de roupa, me definiria como um homem de dinheiro. Mas como a provocação nunca foi minha amiga, devolvi o jogo para o emissor. — Quando terminarmos o jogo vou ter muito mais que você. Charlie ficou calado por pouco tempo, pois quando estávamos no meio do jogo, voltou a me provocar.
— Acho que dessa vez você vai perder, garoto. disse, jogando a carta sobre a mesa. - Nem tem graça jogar com amadores. — Pense pelo lado bom doutor, azar no jogo e sorte no amor. — Pelo que vejo você está amando alguém. olhou pra mim, enquanto que eu continuava focado em minhas cartas. — Não me referia a minha pessoa, até porque prefiro ter sorte em jogos. - joguei minhas cartas, decretando a vitória. Os homens se olharam entre si, insatisfeitos com a derrota, já Charlie se manteve frio sorrindo como uma hiena. — Nem sempre podemos ganhar tudo, não é mesmo garoto? Isso serve para as mulheres dos outros. — Não entendi o que quis dizer, mas eu diria que os homens sábios ganham sempre, mesmo quando decretam a sua derrota. O doutor perderia a paciência logo, não estava conseguindo me humilhar, ao contrário, corria o risco de sair humilhado na presença de seus amigos.
— Os homens sábios não pegam a mulher de outro homem, pois sabe que o final dessa aventura resulta sempre em morte. Engoli em seco, surpreso pela resposta de Charlie. Ele sabia da traição e também que eu era o traidor. Não entendia como tinha descoberto isso, porém tinha a certeza de que seria difícil sair daquele local vivo. — Bem senhores, poderia ficar a noite toda na companhia de vocês, mas preciso ir. Quem sabe outro dia volto para ganhar algumas partidas. se despedi, recolhendo o dinheiro das apostas e guardando em meu bolso. Ao descer a escada, os mesmos guardas que ganharam dinheiro pelo silêncio, barraram a passagem sob ordens do doutor que já se encontrava em minhas costas. — Porque está apressado meu garoto? perguntou, descendo os degraus lentamente a poder de uma arma. Se mantive calmo, ele não dispararia ali. Poderia chamar atenção de muitas pessoas que usariam o momento como armas para lhe destruir.
— Tenho mania de dormir cedo, se não me leva a mal, já estou indo. - se virei, sendo impedido pelos homens de sair. - O que é isso, vão me prender aqui, é isso? — Não se altere garoto, apenas quero conversar sobre alguns assuntos. — Não tenho ideia dos assuntos que tem a tratar, mas vamos terminar com isso logo. - cruzei os braços, olhando para o seu revólver que já se encontrava apontado em meu rosto. — Aqui está muito barulhento, o que acha de conversarmos lá fora? Sorri prevendo as intenções daquele convite que parecia tão ingênuo. Ingênuo era ele que não pôde fazer nada além de me olhar correndo e entrando no meu carro, sumindo pela neblina. Ouvi alguns disparos que não me atingiram, já que se encontrava longe. Cheguei em meu apartamento e procurei por Roger, o encontrando dentro de seu quarto prestes a se deitar. — Antes de começar a roncar, tenho uma má notícia. — Ai meu Dólar, diga logo o que você fez de errado? — Doutor Charlie quase me matou.
— Como assim? — Fui no tal bar e joguei algumas partidas. Nesse período, houve provocações de ambos os lados, até que ele disse que homem que pega a mulher do outro, morre cedo. Ele não falou com essas palavras, mas Roger entendeu, pois parecia conhecer muito bem esse médico. — Ele descobriu o seu caso com a médica, e você devia ter imaginado essa possibilidade. Foi muita burrice de sua parte. Coloquei a mão no rosto, sem crer no que ouvia. — A ideia de persegui-lo não foi minha, porém gostei de tudo que aconteceu hoje. Agora eu sei que o doutor Charlie guarda um de seus maiores segredos dentro daquele bar, que na realidade é um centro de jogatina. — Então descubra esse segredo logo, porque estou precisando de meus dólares. — Se tranquilize, é o Smoth que manda nesse jogo. - apoiei a mão na porta. — Só um conselho, não conte com a ajuda desta médica. Você sabe que ela não aguenta pressão.
Infelizmente, Roger estava certo, Sheila deve ter sido pressionada e acabou contando tudo ao velho. Pra confirmar essa dúvida, marquei um encontro com ela no meu hotel mas recebi um não seco, que me fez ficar sem graça. Após dois dias insistindo em falar com ela, recebi uma carta que para o meu alívio, era curta, pois odiava ler. “Querido Smoth, peço desculpas por não estar lhe respondendo e aumentando a sua preocupação, o fato é que não consigo te esquecer e sofro muito por ficar longe de você. Queria muito ficar com você mas trai sua confiança ao contar tudo que aconteceu entre nós para o Charlie. Se cuide, te amo!”. Dramática pensei. Liguei para Filipe e marquei o encontro no mesmo restaurante que se encontramos pela primeira vez. — Qual é a boa, Smoth? - se sentou, colocando a mochila no chão. — Esta semana será muito boa para nós, principalmente para o Bernardo City. — Esclareça. - tomou o vinho, interessado.
— Não desgrude de sua câmera e prepare o cérebro para pensar nas melhores manchetes, quando receber a notícia de minhas mãos. — Falando dessa maneira, vou pensar que tem uma notícia sobre o presidente. Sorri, feliz por saber que tinha um grande aliado pelo qual assumiria junto comigo a responsabilidade de acabar com o doutor Charlie. — Tem disponibilidade para me acompanhar até um bar hoje a noite? — Sim, é só me passar uma mensagem que se encontramos… mas o porque disso? — Você vai entender. Voltei novamente ao bar, dessa vez na companhia de Filipe, os guardas eram os mesmos, porém não me reconheceram. Entreguei a mesma quantia de dinheiro para ambos e subi os degraus, focado em encontrar alguém que conhecesse o doutor, digamos “mais no fundo”. — O que é isso Smoth? Não sabia que você gostava de jogos. - cochichou Filipe. — Faz parte do show, rapaz.
Mesmo não entendendo nada, Filipe me acompanhou carregando em suas costas a mochila que se encontrava cheia. Chamando a atenção de muitos velhos que jogavam no local. Peguei uma bebida e guardei minhas luvas no bolso. O frio que fazia era forte demais para minha pele. Andei por alguns segundos pelo salão até encontrar um homem bigodudo vestido de uma camisa preta e joias espalhadas pelo corpo, vale a pena destacar o relógio em seu pulso esquerdo que era de puro ouro. Esse velho de estatura média, gordo e com os dentes amarelos, era o mesmo que se encontrava do lado de Charlie na primeira vez que cheguei aqui. Com certeza conhecia muito bem o doutor, por isso fiquei o perseguindo com meus olhos a todo momento. — Estou ficando cada vez mais confuso Smoth, não sei porque estamos aqui. — Está vendo aquele velho ali, conversando com outros dois? — Sim, o que tem ele? — Estou a procura de algum podre do doutor Charlie, e acho que ele sabe algo sobre. — Doutor Charlie? Não me parece estranho esse nome.
— A metade da cidade conheceu ele após uma notícia publicada pelo jornal rival, onde contava com detalhes o ato heroico e exemplar do médico que salvou diversas crianças e idosos, realizando diversas cirurgias com seu próprio dinheiro. — Ah, eu lembro disso. - bateu em minhas costas, quase derrubando minha bebida. - Foi por causa desse furo que a crise no Bernardo City surgiu. — Sério? — Sim. Tínhamos investido muito dinheiro em uma matéria sobre a final do campeonato paulista… você deve lembrar disso, não é mesmo? — Como esquecer daquele time poderoso que só perdeu a final por puro azar… tempos bons. tomei o resto da bebida. — Então, todos estavam ligados nessa final, e o Bernardo City havia conseguido entrevistas com alguns jogadores e até fotos, retratando a festa da torcida ao redor do estádio, antes do jogo. Mas por causa do furo, o investimento foi jogado no lixo… a cidade toda comprou o jornal rival e esqueceu o nosso. E pra piorar, perdemos a final do paulista, só aumentando o desinteresse dos nossos leitores. relatou com tristeza, Filipe.
Não era difícil de perceber a mágoa que Filipe sentia pelo doutor Charlie que ganhou fama no momento errado. Momento em que o jornal Bernardo City se expandiria. — É bom saber que você não gosta deste cara. — Apesar do tempo, ainda não nos recuperamos do trauma. O jornal acabou demitindo vários profissionais talentosos que levaram a culpa, desde então, não publicamos mais nada de relevante. — Mas como lhe disse, chegou a hora de preparar boas manchetes, o mesmo “culpado” pela crise do nosso Bernardo, hoje se tornará a peça fundamental para o ressurgimento do nosso querido jornal. — O podre de que você falava, tem muita chance em ter relação com o ato heroico do doutor? — Digamos que sim, só que sou um cara inteligente e tenho algumas cartas na manga. — Espero que estas cartas sejam fundamentais e se possíveis, mágicas. — A mágica está logo ali, vamos. se levantei apressado.
O velho bigodudo, subiu a escada que existia no final do salão, ao lado dos banheiros. O que mais me deixou intrigado foi o fato de não ter visto ninguém
subir aquela escada antes dele, isso porque existia dois brutamontes de terno e gravata, tampando a passagem. É claro que ao ver que esses brutamontes não se encontravam mais ali, subi os degraus calmamente na companhia de Filipe que tinha os olhos arregalados de tanto medo. Ao chegarmos no andar de cima, se surpreendi com a decoração das paredes. Existiam três portas, duas fechadas com placas indicando que estavam em reforma e a terceira se encontrava no final do corredor que tinha mais ou menos dois metros de largura. Estava entreaberta e de lá, saia a voz do velho, reconhecendo sua voz, pedi a Filipe que procurasse algum lugar para se esconder, enquanto que eu, ouvia a conversa. — Vocês são incompetentes! Não sei o porque de estarem trabalhando neste estabelecimento, não merecem ganhar o salário e as comissões que recebem! - disse ele, gritando feito um louco. — Senhor, apenas viemos tomar um café. - se explicou um dos homens. — E precisa vir os dois? E se alguém aproveitar para entrar aqui, o que vocês fariam?! Após demorarem alguns segundos, o mesmo que respondeu da primeira vez, tornou a falar.
— Mataríamos. — Mataríamos. - arremedou, o velho – Vocês são dois idiotas, não conseguiriam matar nem um rato! Depois do elogio, só ouvi um estalo forte, se tratando de um belo tapa na cara em um deles, provavelmente no que respondeu as perguntas do velho. — Charlie vai saber disso e tenho certeza que vocês não estarão aqui, amanhã. Agora, sumam de minha frente! Procurei por Filipe que me chamava através de gestos com as mãos, então fui até ele, se escondendo em uma das portas que surpreendentemente estava aberta. Aguardamos os dois guardas deixarem o local, escondidos na porta do meio. Enquanto Filipe vigiava pela fechadura os homens, eu suava feito um jogador na prorrogação. Estranhei o quarto se encontrar vazio com apenas um lençol estendido da porta até o final da parede esquerda. Curioso, puxei o lençol e descobri algo que me deixou muito feliz. Diversas maletas se encontravam alinhadas em três linhas, algumas delas estavam destrancadas e ao puxar, revelei o dinheiro que estaria guardado em todas as outras maletas. Era muito dinheiro, tanto que não conseguia fechá-las com facilidade.
— Olhe isso, Filipe. Filipe se virou com cuidado, sem retirar a mão da porta. Mas ao ver a grande quantia de dinheiro, levou um susto tão grande que esqueceu a porta encostada. — Tudo isso é dinheiro? — Sim. Por incrível que pareça, estamos ao lado de uma fortuna. - disse, passando a mão em uma das malas. — Mas como esse cara conseguiu tudo isso? — Vamos descobrir agora mesmo. Mesmo sem saber se tinha alguém do lado de fora, sai rumo a sala do homem que continuava com a porta aberta. Filipe tentou me impedir, sem sucesso me seguiu. — Bom dia senhor! - saudei o velho que ao me ver, levantou rapidamente de sua cadeira. — Quem é você e o que está fazendo aqui? — Calma, não sou nenhum bandido. Só quero conversar. — Eu não te conheço rapaz, saia daqui ou terei que chamar os seguranças. - me ameaçou, já exaustado.
Filipe entrou na sala, surpreendendo o velho que arregalou os olhos, fechou a porta e encostou suas costas nela, cruzando os braços. — Daqui ninguém sai. Segurei o sorriso para manter a minha imagem de homem sério, porém a vontade era de gargalhar. Isso porque Filipe era mais magro do que eu e não sabia nem bater no vento, imagine naquele velho. Era duro confessar, mas se fosse pela presença masculina de meu companheiro, morreria ali mesmo. — O que vocês querem? - perguntou, se sentando. Puxei uma cadeira e se sentei, encarando o velho que continuava nervoso. — Eu sou um velho amigo do senhor Charlie. — Você? Acho que não… nunca lhe vi na companhia dele. - tentou me reconhecer. — Sou mais na minha, sabe. Não gosto de ficar frequentando muitos lugares. Apesar de ser seu amigo, não tenho conhecimento de quem pertence aquele dinheiro que se encontra no quarto do lado. — Dinheiro? Não sei do que está falando. - disfarçou, pegando um charuto da gaveta.
— Ah, sabe sim senhor. Até porque esse dinheiro não é seu. — Como pode ter tanta certeza? — Porque se fosse seu, não estaria mais ali, e sim depositado. — É que chegou há pouco tempo. — E de onde ele veio? - o pressionei. — Você está falando demais, garoto. Não lhe devo satisfações! Antes que pudesse disparar com a arma que tirou da gaveta, segurei seu braço e arrastei a mesa com as minhas pernas, encurralando o velho que caiu no chão. Filipe pegou o revólver do chão rapidamente e manteve apontado para a cabeça do velho que continuava no chão, com as mãos levantadas. — Vamos seu desgraçado, diga de onde veio aquele dinheiro, ou terei que lhe matar! - segurei a cabeça do velho que tremia, quase mixando nas calças. Calma, eu falo… vou falar, mas se acalma, por favor. — Vou ficar calmo depois que começar a abrir essa boca bigoduda. É de Charlie esse dinheiro, não é?
O velho engoliu seco, olhou para mim, e ao sentir firmeza de que Filipe dispararia contra sua cabeça, deixou a lealdade de lado para salvar a própria vida. — Esse dinheiro é sim do doutor Charlie. Ele pediu para que guardasse por alguns dias, pois parte dele seria para… — Para? — É… — Fala logo, ou está gago?! - gritei, se agachando em sua frente. — Seria para pagar o Notícias São Bernardo. — Você disse Notícias São Bernardo? - se intrometeu na conversa, Filipe. — Sim, o doutor vai pagar esse Jornal para fazer uma matéria em comemoração aos anos de sua carreira, e seus atos heroicos. — Então é por isso que o doutor vive aparecendo na mídia, ele compra os jornalistas para ser “famosinho”. - deduzi. — Ele é um nojento! Igual a esse jornal sem profissionais talentosos! - se irritou, Filipe. — Eu posso ir, alguém pode estar precisando de mim lá no salão.
— Deixa o jogo para a noite coroa. Fale mais sobre o destino desse dinheiro. — Eu já falei tudo que sabia. — Realmente acha que me engana? Vai abrir o bico ou não? - segurei seu queixo, brutalmente. — Charlie me disse que a outra parte do dinheiro vai para o investimento de seus projetos no hospital. — Quais projetos? — Ele não me falou, mas posso lhe passar uma informação preciosa. Meu silêncio foi a resposta para ele prosseguir, então se ajeitou no chão e começou a falar. — No hospital onde Charlie trabalha, há uma porta do lado de um refeitório, onde é protegida por uma parede falsa. — Como é? Parede falsa? - perguntei, interessado. — Vou explicar… acho que você já deve ter ido naquele hospital, e deve ter percebido que as paredes são brancas, enfim, no segundo andar, há o tal refeitório de que lhe falei. Há mais ou menos quatro passos, você vai encontrar essa porta que está escondida atrás da parede falsa. — E como ninguém descobriu isso?
— Porque não sabem. — Mesmo assim, se é do lado de um refeitório, alguém já se apoiou nesta parede. Como ela não se moveu? - perguntei, puxando a cadeira e se sentando nela, pois minhas costas doíam. O velho sorriu, me deixando nervoso. — Há um segredo naquela parede, garoto… um segredo que ninguém além de minha pessoa e claro, o doutor, sabe. — E eu também, porque você vai me contar agora. O homem se levantou, limpando a calça com leves tapas. - Você precisa desenhar com um de seus dedos, a letra L. Fazendo isso, terá a passagem liberada, mas por favor, verifique se ninguém além de você, está vendo. — Tranquilo. - assenti, decorando as instruções na cabeça. — Eu acho melhor você nos acompanhar. - sugeriu Filipe ao homem. — É muito arriscado ter três pessoas, no máximo duas já está ótimo. — E se esquecermos? - continuou Filipe.
— Em relação a isso, fique tranquilo Filipe, não esqueço do que é preciso nem se tivesse um Alzheimer. Mas acho conivente a sua presença, pois deve conhecer o hospital melhor do que nós. Mesmo não gostando da ideia de ir até o hospital, o homem aceitou. Filipe não queria deixá-lo ali, porque temia que fugisse e descumprisse o nosso combinado. Mas eu sou muito seguro em tudo que faço e sabia que por alguma razão ainda desconhecida, o homem queria arruinar a vida do doutor.
05 No perfil de Sheila, ela se encontrava abraçada com o doutor que tinha cara de velho babão. Isso só confirmava as minhas suspeitas sobre o comportamento de ambos. Sheila era submissa, fazia tudo que “o mestre” mandava, era apaixonada pelo doutor que apesar do seu jeito agressivo, representava ser a felicidade da pobre moça. Charlie é um homem ambicioso que tem algumas manias, uma delas, é auto se idolatrar para ser idolatrado. Se exibe e exibe a família em momentos felizes com a intenção de mostrar que leva uma vida feliz. O que ainda não descobri, é quais projetos secretos ele estaria se enganando em pensar que ele é só um modinha querendo se mostrar, não devia menosprezar sua personalidade, até porque odeio ser surpreendido. Roger ficou insatisfeito com a presença de Filipe em seu apartamento (que também era meu), mas se manteve em silêncio, indo para o seu quarto, carregando consigo sempre o seu notebook. Filipe me acompanhou até a sacada, onde podia ver outros prédios em minha frente e o mundo na correria de sempre, lá embaixo.
— Acha mesmo que o velho vai cumprir com o combinado? — Claro que sim. Não se preocupe, logo terá boas notícias para postar em seu jornal. — Porque está tão preocupado com Bernardo City? Olhei para Filipe que tinha um olhar sereno e um rosto jovem. Apesar da juventude, era muito experiente em sua carreira e tinha uma grande insegurança por notícias fáceis, mas se fosse medir a experiência, eu o convenceria logo. — Não penso só em Bernardo City, você é um velho amigo que quero lhe ajudar… sei que quer seguir sua carreira de jornalista e admiro isso. — E porque a admiração? - perguntou, apoiando os cotovelos na cerca da sacada. — Sinto que poderia ter continuado a minha faculdade, ter tido outra vida, mas escolhi ser o Smoth. Por isso, admiro você pela persistência em busca de seus sonhos. — Quais são seus sonhos, Smoth? — Não digo nenhum porque o ser humano só vive enquanto sonhar, mas acho que não penso muito em meus sonhos. Meu foco atual é cumprir meus objetivos e ter doutor Charlie em minhas mãos.
— Prendê-lo não faz parte de seus objetivos? — Claro. - disfarcei, limpando meu chapéu com a mão. Filipe segurou meu braço esquerdo, então o olhei meio assustado. — Você é feliz Smoth? Nunca havia recebido uma pergunta dessa. Sinceramente, não sabia a resposta certa, era algo de se pensar por alguns dias até ter certeza, mas como sempre faço em momentos importunos, elaborei a melhor resposta. — Chega um momento na vida em que o homem deixa de tentar definir seus sentimentos e apenas convive com eles. Então é difícil lhe falar o que se passa em meu interior… mas seja igual a todos, se interesse apenas pelo exterior. Garoto, era isso que Filipe ainda era. Seu olhar inocente sobre minha pessoa denunciava sua insegurança e medo. Apesar de me conhecer há alguns anos, temia que estivesse usando sua pessoa para alcançar meus objetivos, pois desejava ter minha amizade verdadeira, algo que nunca lhe daria. No dia seguinte, Filipe já se encontrava tocando em minha porta, após a liberação do porteiro. Era 7 da
manhã e ele estava animado, cheio de tranqueiras na mão. — Pra que tudo isso, homem? perguntei, permitindo sua entrada. — Trouxe algumas câmeras para hoje à noite. — Você não está pensando em entrar no hospital com esses troços aí, né? - segurei uma das máquinas que quase caiu de minha mão de tão pesada. — Claro que não, eu só trouxe elas para usar algumas peças. Não entendendo o que Filipe falou, fiquei em silêncio, sentado na poltrona de couro, observando o que Filipe faria com todas aquelas tranqueiras. Aos poucos, ele foi desmontando algumas peças e encaixando em uma minúscula câmera que ficou 5 centímetros, maior que a sua mão. Não sei de que forma ele conseguiu fazer aquilo, mas achei muito engenhoso para um simples jornalista. Liguei para Mauro que não me atendeu, então liguei novamente, três vezes. E depois de tanto ligar, guardei meu celular no bolso, comi um pouco de minhocas de gelatina e sai, nervoso. Filipe pegou sua câmera e me seguiu, meio atrapalhado, derrubando suas máquinas velhas no chão.
O bar estava fechado, provavelmente só abriria à noite. Procurei por alguma campainha e não encontrei, o que só fez minha cabeça ferver mais ainda. — E agora Smoth, como vamos entrar? - se desesperou Filipe. Uma das coisas que odiava nos seres humanos era a mania que tinham de ficar tagarelando quando se encontravam desesperados. Deviam usar a energia que gastam para pensar em uma solução, e foi isso que fiz. Pensei, pensei, até que vi ao lado um estabelecimento que trabalhava com diversas empresas, desde polos facultativos, até clínicas odontológicas. Atuando como um simples cidadão perdido, se dirigi até um guarda que se encontrava sentado, jogando no celular, com a intenção de me auxiliar. — Pois não, moço? — Oi, é que ontem a noite, eu esqueci uma pasta que contém meus documentos neste estabelecimento do lado, será que o senhor teria a chave para me ajudar? — Tenho, mas não sei se posso autorizar a sua entrada. O dono do bar não gosta que ninguém entre sem ser a minha pessoa.
— Mas será que não poderia abrir uma exceção? antes que respondesse, continuei. - Preciso muito de meus documentos, pois tenho um compromisso hoje a tarde. - percebendo que o homem não estava acreditando, aumentei minha dramaticidade. - Vou quitar uma dívida com a prefeitura e o prazo seria até hoje, se não tiver meus documentos em mãos, nada estará resolvido. O homem olhou para os lados, depois para mim e Filipe, então respirou fundo e tirou de seu bolso a tão preciosa chave. — Promete que vai ser rápido? — Sim. - respondi, pegando as chaves. — Esta é a do portão, e a de ponta fina, é da porta de cima. — Está bem. — Não demore, por favor. Se o senhor Mauro chegar e lhe encontrar, a situação não vai ficar boa para ambos os lados. — Prometo ser rápido. As minhas suspeitas só tinham aumentado após o homem relatar que Mauro tinha saído.
— Você ouviu o que ele disse, Smoth? Esse velho deve ter fugido e avisou o doutor, sobre o nosso plano. - cochichou Filipe enquanto subia os degraus, segurando o corrimão. — Se tranquilize Filipe, o velho não seria idiota. O mais provável é ele ter fugido com todo esse dinheiro que Charlie guardava aqui. - deduzi. Nenhuma dedução é mais precisa do que os seus olhos presenciam. E os nossos olhos naquele momento em que entramos no segundo andar, se agigantaram por causa do pavor que sentimos ao ver um pingo de sangue no corredor. Filipe se agachou para cheirar o pingo e reconheceu que era sangue, então se olhamos entre si e prosseguimos até a sala do homem, mas antes entrei na sala em que o dinheiro estava guardado, e então veio a surpresa. Ao primeiro passo no interior da sala, não encontrei nada além de malas vazias. — Não estou gostando disso. Filipe me olhava um pouco apavorado, e por impulso profissional, tirou fotos da sala e das malas vazias. Continuamos a andar e tivemos outra surpresa, a porta se encontrava fechada. Mesmo que Mauro estivesse fugido, não se importaria em deixar a porta
fechada, até porque, da última vez que estive em sua sala, só vi uma mesa que na realidade era uma escrivaninha que possuía uma única gaveta. E essa gaveta não devia ser utilizada para guardar algo de importante. Sem pensar duas vezes, meti o pezão na porta, a derrubando no chão, e antes que Filipe entrasse, o impedi, mostrando o corpo de Mauro no chão. Filipe deu dois passos para trás e sentiu um arrepio forte, sinal de que a morte estava por perto. Enquanto mantinha-se frio, pensando no que fazer, ele parecia uma criança quando ouvia o nome BichoPapão. Mauro se encontrava no chão com uma mancha de sangue localizada na região de seu peito. A perfuração em sua camisa branca, denunciava o disparo de que foi vítima. A alguns centímetros de sua mão esquerda que estava aberta, um molho de chave se encontrava junto a algumas notas de dólares que provavelmente caíram da sacola ou mochila que o assassino estava a poder. — O que aconteceu aqui Smoth? perguntou, ainda perplexo com o que seus olhos presenciavam. — Uma queima de arquivo. Vamos Filipe… tire todas as fotos que precisa para o Bernardo City e vai direto para o jornal, publicar isso.
Apesar de querer contestar, Filipe me obedeceu e tirou diversas fotos de várias posições, claro que sem entrar no local, pois não podia se incriminar com suas pegadas sem ser criminoso. Era necessário retratar todos os detalhes e Filipe se ligou nesse conselho, tirou fotos do pingo de sangue que encontramos no corredor e também da sala com malas de dinheiro, vazias. Após registrar todos os detalhes, descemos os degraus quase que correndo de tanto desespero, temendo da possibilidade da polícia nos flagrar no local. — O que fazemos Smoth? Avisamos o homem que nos deu a chave ou fugimos? — O melhor a fazer é sairmos daqui. - pensei. Quando Filipe estava prestes a sair, o cerquei com meu braço esquerdo apoiado na parede. - Se bem que você será mais útil aqui, junto a polícia. — Será que o velho não vai me denunciar a polícia? — Você não deve nada, Filipe. Mas para assegurar essa notícia e também a sua pessoa, publique essas fotos no jornal e após fazer isso, retorne a este local, pois você será a minha fonte de informações. Saímos de fininho, sem chamar a atenção de ninguém. Filipe fechou o portão e guardou o molho
de chave em seu bolso. Enquanto se encaminhava de volta para o meu apartamento, com a intenção de contar a novidade para Roger, Filipe correu até o Bernardo City e com a ajuda de seus amigos, conseguiu publicar a notícia com fotos exclusivas, antes mesmo da polícia. Em poucas horas, a notícia já havia se espalhado pela cidade. O assassinato no bar clandestino de bingo e pocker já havia se tornado o grande mistério para a polícia que não perdeu tempo. Estavam a caça de câmeras que pudessem ter flagrado o assassino ou alguém que pudessem definir como suspeito.
06 — Não podemos comemorar nada Smoth. disse Roger, deixando a taça de espumante na mesa. — E porque? Acabei de dar o pontapé inicial para o nosso plano. — Charlie é um cara muito inteligente, tenho certeza que vai fazer de tudo para as acusações virarem contra seus adversários. — Eu pedi para o Filipe ir até o local após publicar a notícia… nesse momento ele deve estar coletando algumas informações. — É quase impossível ele conseguir falar com alguém, até porque se o homem reconhecê-lo, vai denunciá-lo a polícia. - Roger cruzou os braços e olhou para o teto, então prosseguiu. - Você reparou se existiam câmeras no local? — Aparentemente nada. Mas com certeza, o estabelecimento do lado pelo qual o homem me deu a chave, deve ter capturado a minha pessoa e principalmente o rosto de Filipe que não se preocupou em se expor. Roger respirou fundo e se apoiando na parede, disse:
— Se prepare Smoth, pois em breve terá que viver como um fugitivo. Sinceramente, passei minha vida como um fugitivo, nunca cometi nenhum crime, mas por causa de problemas causados pelos outros, me escondi anos embaixo de um chapéu. Enquanto aguardava alguma notícia, Filipe se encontrava no meio da muvuca de jornalistas que tentavam entrevistar o homem que já se encaminhava para delegacia na companhia da polícia. Passei o dia inteiro grudado na TV e na internet esperando ansiosamente por alguma novidade. Sentado em minha poltrona que comprei da França, fiquei trancado em meu quarto sem querer ouvir ninguém além de Filipe que já estava demorando mais que o combinado para chegar. Mas para o meu alívio, ele chegou, um pouco sem ar, com seu rosto avermelhado como se estivesse sido queimado pelo sol, e um sorriso forçado pelo cansaço. — E aí meu velho, qual a novidade? — Cara, posso dizer com todas palavras que estamos ferrados! — Esclareça, por favor. - pedi.
Ele se sentou em minha cama, me entregando o jornal com a manchete e relatos de um policial, o qual fez questão de minha leitura. — Abre aspas – investigação já está sendo feita… logo as imagens das câmeras de segurança do estabelecimento pelo qual os suspeitos aparecem conversando com um guarda, serão analisadas pela nossa equipe e vale ressaltar que se o depoimento da testemunha fazer jus as imagens das câmeras, estaremos a caça desses dois suspeitos em breve. - Fecha aspas. - Entreguei o jornal para Filipe, e prossegui. - Sabia que seríamos flagrados. — Sabia? Como pode saber que vai levar um tiro e não veste o colete? - se exaltou, Filipe. — Do que adiantaria um colete se o tiro poderia ser mirado em minha cabeça? - se levantei da poltrona, o encarando. Ficamos por alguns segundos sem se falar, até que Filipe tentou retomar a conversa. — Me diga o que faço para não correr o risco de ser preso? — Não sei. — Como não sabe, Smoth? Você me meteu nessa confusão, então terá que me proteger!
— A única coisa que sei no momento é que tanto você como eu, teremos que arriscar nossa própria vida para salvar o Bernardo City… como está as vendas do jornal? — Muito boa, avançamos duas posições no ranking e publicamos notícias antes mesmo dos concorrentes. — Como seu chefe reagiu ao saber que a polícia pode se virar contra o jornal pelo fato de possuírem imagens exclusivas da cena do crime? — Ele está nervoso, sabe que em breve terá que responder por isso. — Em breve, muito breve, a polícia vai ser um obstáculo em nossas vidas. complementei o que Roger já tinha me falado. — Você quer desistir? Ajeitei meu chapéu e após lamber os beiços, o respondi. — O jogo começou agora, tudo isso faz parte do show. — Pode ser, mas qual é o nosso próximo passo? — Vou conhecer a família de Charlie? — Como é? Está maluco?!
— Enquanto me familiarizo com eles, peço que continue no Bernardo City. Publique todas as novidades sem medo e por favor, não confie nem em sua sombra. - abri a porta, o convidando para sair, pois precisava descansar. […] Ao lado de uma fábrica de produtos químicos, existia um sobrado da cor de ouro, com uma varanda espelhada. A entrada do local era protegida por câmeras e dois seguranças que só não pareciam maiores porque o portão era gigante, todo feito de um material cromado, o que só embelezava mais o lugar. Mas a beleza que me interessava não era do portão ou do sobrado, e sim das mulheres que ao me verem, se entregaram na tentativa de me conquistar. Andei por alguns metros, observando algumas garotas que se encontravam sentadas, esperando a minha escolha, até que avistei uma linda garota de cabelo ruivo, bebendo na companhia de um velho que apoiava sua mão peluda no delicado ombro da linda garota. — Qual o seu nome? - lhe perguntei, apoiando a mão na parede. — Ela está comigo, rapaz. Está cego?! - me topou o velho rabugento.
— Você não é obrigada a ficar com esse velho nojento se quiser, posso te levar daqui. A garota tinha olhos castanhos, um rosto angelical e um nariz delicado que por uns instantes, pensei em não ser real, mas não era uma pintura que se encontrava em minha frente, e sim, uma bela garota que doava seu corpo todas as noites para servir ao prazer dos homens. — É melhor você sair daqui, se não quiser sujar esse seu blazer com sangue. - ameaçou o velho, se levantando. — Só se for com o seu sangue. O velho tirou de sua cintura uma faca e tentou me golpear, mas fui ligeiro e desviei, o empurrando sobre uma mesa. Mesmo imobilizado sobre a mesa, conseguiu dar uma joelhada que atingiu meu estômago. Após ficar sem ar, ele se restabeleceu e me socou no nariz, tentou pegar a faca no chão, mas foi impedido por um pisão de sapato com salto alto. Quando tentou derrubar a garota com sua mão esquerda, chutei seu rosto, o desmaiando. — Nossa, se não fosse você, estaria morto… obrigado. - agradeci, tomando fôlego.
Antes que a garota pudesse responder, percebi que três homens vestidos com ternos pretos e calças preto azulado, me observavam, nisso agarrei a mão dela e comecei a correr, sem entender, a linda garota me acompanhou, tirando os sapatos para facilitar a fuga. Os idiotas corriam atrás da gente, empurrando quem estivesse pela frente. A lealdade era uma das forças daquele local, e por isso, as mulheres que eram colegas de trabalho da garota, perceberam o que estava acontecendo e logo se meteram no meio do caminho, servindo como obstáculos para os homens que já estavam com armas na mão. Saímos do local sem olhar para trás, só mantinha a mão esquerda segurando o chapéu e a direita segurando a mão da minha linda que já estava sem ar. Por sorte, um táxi passava em frente, do outro lado da rua, igual aquelas cenas de novelas que sempre tinha um táxi passando no caminho da pessoa que estava com pressa. Fugimos deles, entrando dentro do táxi, o pobre taxista antes mesmo de perguntar para onde íamos, acelerou o carro pois os homens começaram a disparar tiros sobre sua direção. — Pode parar aqui, por favor. - pedi, chegando em um dos hotéis mais luxuosos da cidade.
— Meu Deus, o que é isso?! - perguntou a garota, assustada. — O Grande Hotel Dimi. - abri os braços. — Nem na Inglaterra tinha visto algo assim. — Inglaterra? Você já foi a Inglaterra? - perguntei, surpreso como todo ex-pobre. — Depois te explico, vamos entrar antes que alguém nos veja aqui? - disse ela, tentando disfarçar o nervosismo. Entramos no hotel e logo os funcionários vieram nos receber. — Eu quero o melhor quarto deste lugar. — Seu desejo é uma ordem, senhor. - disse o homem, vestido com uma camisa branca e um colete preto por cima. O quarto era o melhor não só do hotel mas também da cidade. Tudo que você possa imaginar de bom, tinha dentro do lugar que parecia possuir mais de quatro paredes. A cama com um lençol branco e travesseiros cinzas, serviu como um refúgio onde pude se divertir com a linda garota que nem sabia o meu nome.
Ela era muito sensual, o tesão entre a gente parecia aumentar cada vez mais. — Me diga, de que planeta você veio? disse ela, recebendo um cafuné de minhas mãos. — De todos. Menos deste… afinal, qual o seu nome? — Luzia. — E quantos anos você tem? — 18. Você me parece jovem também. - observou. Tenho um pouquinho mais do que isso, mas não muito distante. Ela pensou por alguns segundos, e então sorriu, olhando pra mim. — Porque você me quis de imediato, sendo que havia tantas outras garotas a sua disposição? — Capricho. Adoro conquistar o que parece impossível. — Eu adoro homens ambiciosos. - me beijou, esparramando seus lindos cabelos ruivos. Tomei um pouco de espumante e retomei a um assunto que estava cutucando meu cérebro com uma vara a todo momento.
— Quer dizer que você estava na Inglaterra?
— Isso já faz um tempinho. — Deve ganhar muito bem com os programas. — Na verdade, você é o meu segundo cliente. - relatou, meia envergonhada. — Sério? Que honra! - sorri. - É muito breve, e isso é bom, pois acho que você tem mais chances de sair dessa vida agora, do que depois. — Sim. Só estou fazendo programas porque adoro dinheiro, e como meu pai parou de me dar a gorda mesada que recebia, tive que apelar a minhas qualidades sexuais. — E porque não procurou um trabalho normal, digamos que mais… — Digno? Pode dizer, já me acostumei com esses julgamentos. - disse, me interrompendo. Nervosa, vestiu sua blusa e se levantou, pegando o celular que se encontrava em um criado ao lado da cama. — Pelo menos teria a oportunidade de mudar de vida. — Minha vida está ótima meu bem, tanto que semana que vem, viajarei para Tóquio. Acha que
conseguiria viajar trabalhando dignamente? - disse, me mostrando algumas fotos em seu celular. — Espera aí. Essa é você? - peguei seu celular, surpreso com a foto em que ela aparecia ao lado de uma garota, em Londres. — Sim, porque a surpresa? O motivo da surpresa era simplesmente que Luzia se tratava da filha mais velha do doutor Charlie. Ao me mostrar as fotos, reconheci de imediato, eram as mesmas que Roger havia me mostrado. Fiquei sentado na cama, ainda sem a camisa, com os olhos congelados no celular, tentando acreditar na sorte e definir se era destino ou coincidência o que tinha acabado de acontecer. — Ei, você está bem? Alô, eu ainda estou aqui! - disse Luzia, dando leves tapas em minhas bochechas. — Me desculpe, é que fiquei surpreso. — Surpreso por saber que eu estava dizendo a verdade? — Eu preciso ir. — Ir pra onde, homem? - me segurou, ao tentar sair da cama.
— Depois a gente se fala. Vou deixar meu contato com você. - pensei por alguns segundos e então prossegui. - É melhor você passar o seu número. Após escrever o número em um papel, ela segurou meu braço. — Me leva de volta pelo menos. — É melhor você ir no táxi, e depois eu vou. — Mas porquê? — Porque sim, Luzia. - respondi, vestindo a roupa. Chamei dois táxis para nos levar de volta ao nosso destino. Pedi pra que ela fosse na frente e depois sai, com um pouco de receio, temendo ser observado. Cheguei em casa devorando um pacote de marshmallow, e olha que eu odeio esse tipo de guloseima, mas quando se encontro em um intenso estado de nervo, devoro sem piedade essas esponjas açucaradas. — O que foi desta vez, Smoth? - perguntou Roger, jantando. — A filha do Charlie é prostituta! — Como é?! - gritou, se engasgando com a farofa de bacon. - Como descobriu isso? - prosseguiu após se conter, bebendo um pouco de água.
— Eu fui me divertir um pouco e por sorte, encontrei ela em meu caminho. Após conversarmos, me mostrou as mesmas fotos que você havia me mostrado. Roger era um ser estranho, mesmo quando jantava, continuava a mexer em seu notebook, no mesmo lugar de sempre. — Você é um cara de sorte, Smoth, está conseguindo deixar Charlie em suas mãos. — Ele ainda é um gigante, digamos que diminuiu alguns metros depois de minha descoberta. — O que pretende fazer agora? Se sentei ao lado de Roger, e coloquei a mão em seu ombro, o assustando. — Que privilégio. Você, o meu mestre me dando a liberdade de escolher o que fazer. Sabe, eu fico até sem jeito. — Não seja irônico e fale logo o que pretende fazer. — Matar Charlie? - Roger ficou me encarando, e então sorriu. - Brincadeira, eu preciso encontrar uma pessoa para coletar provas contra o doutor. — Quem seria esta pessoa? — Segredo – se levantei.
— Smoth, não brinca comigo. Quem é a pessoa?! — Não enche! Você sempre quer saber de tudo, eu não sou seu escravo! — É fácil falar isso agora, depois que lhe formei esse homem poderoso que é hoje. Acha que estaria bem se não fosse a minha pessoa?! — Lhe agradeço de coração pelo que fez. Agora me dê licença que preciso descansar. - deixei Roger falando sozinho e se tranquei em meu quarto, prestes a ter um surto. Era difícil as vezes viver rodeado de luxo e não poder receber um amor verdadeiro. Todas as pessoas que se aproximavam de mim eram exclusivamente atraídas pela riqueza que tinha em meus bolsos. Meu único pedaço de ser que guardava o meu maior tesouro era Ted que vivia trancado em um apartamento, por ter se tornado antissocial, percebi o ódio em seus olhos igual ao que possuía em meu coração. Uma briga oculta e infinita existia em meu ser, de um lado, um homem ambicioso, cheio de caprichos e pecados, e em uma cova, tentando respirar, um cara modesto, bom e cheio de esperança. Mas pela insegurança de fracassar, enterrava cada dia mais esse velho cara que era proibido de despertar.
07 Filipe até se ofereceu para me acompanhar até o bar em que aconteceu o crime, mas para lhe proteger, preferi ir sozinho. O clima estava meio ruim para meus olhos, a neblina e o frio doía quando atingia a minha mão, minha boca estava seca, sinal que precisava tomar um pouco de água. Aproveitei essa necessidade para transformá-la em uma desculpa. Se aproximei da recepcionista que aparentava ter menos de 18 anos. Seus olhos eram lindos, da cor do céu e sua boca mostrava o poder que tinha para seduzir um homem, um batom vermelho da cor de sangue. Ao ouvir sua voz, fiquei um pouco arrepiado, encaixando meu chapéu ainda mais na cabeça, a cumprimentei beijando sua mão. — Será que você teria um copo de água? — Tem um bebedouro ali do lado, senhor. - indicou com o braço, sem sair do balcão. - se você quiser têm copos aqui. — Agradeço a gentileza – sorri, pegando copo. Após tomar a água, olhei para o meu redor onde existiam algumas salas de odontologia e quando
voltava para conversar um pouco mais com a recepcionista, alguém tocou meu ombro. — O que está fazendo aqui?! De costas, reconheci a voz do guarda que pensou em me assustar com sua presença, pelo contrário, o mesmo só me trazia felicidade, pois não precisaria o procurar. — Que bom te ver meu velho, e aí, sentiu saudades? - o abracei. O guarda se chamava Vinícius, descobri isso através de seu crachá pendurado no pescoço. O que me chamou atenção é que as letras em negrito pelo qual denominavam o seu cargo no crachá, se encontravam semiapagadas e havia também uma ponta do adesivo que estava se desgrudando do crachá. Até aí está tudo bem, pois essas marcas são consequentes do tempo, mas “es a questão”. Na parte que estava descolando o adesivo, revelava uma outra letra que parecia só tratar da letra D, o que me deixou bem pensativo. — Vamos para minha sala… qualquer coisa me chame, Bia. — Está bem senhor.
Sua sala tinha mais quadro do que pisos no chão, quadros que supostamente mostravam a história da empresa. — Como tem a coragem de vir até aqui?! bateu as mãos na mesa, se sentando em seguida. — Simplesmente porque sabia que você me denunciaria para a polícia. Soube que só entregou as imagens daquele dia para a polícia. — Sim, logo a sua cara e a de seu amiguinho, estarão estampadas em todos os jornais da cidade e do Brasil. — Falando desta maneira eu me sinto até importante! - sorri, se sentando. - Só queria entender porque não entregou para polícia as imagens do assassino. — Como assim? Se você é o assassino. — Você sabe que o doutor Charlie veio até aqui naquela manhã e lhe pediu a chave emprestada. — Eu não sei do que está falando. se levantou, ficando de costas para mim. — Será mesmo? Deve haver algum motivo muito importante para defender seu amiguinho.
— Já disse que não sei do que está falando. alterou a voz, batendo com as duas mãos no móvel em que continha diversos livros. — Se bem que você sendo diretor deste estabelecimento, terá que proteger seu chefinho. Até porque estando bem com o chefe, ele pode lhe tornar um sócio. — Cala sua boca! - se virou, batendo sua mão na mesa. — Esse foi o motivo pelo qual você permitiu o assassinato, porque Mauro era sócio de Charlie, e você sabia que ele estando fora do caminho, o doutor lhe tornaria um sócio… estou certo? - o indaguei. — Como descobriu tudo isso seu infeliz? — Através de seu crachá. - estendi o crachá, com o adesivo descolado, revelando seu verdadeiro cargo. — Mas… como conseguiu pegá-lo? - perguntou assustado. — Fácil. Você foi falar com a recepcionista e se distraiu, só precisei de um segundo para tirá-lo. Injuriado, o homem coçou a cabeça e voltou a me encarar. — Diga, o que quer de mim?
Sorri, saboreando o prazer de ter mais uma pessoa em minhas mãos. — Comece a dizer tudo que sabe. Mas antes, me sirva uma bebida, por favor. Furioso, Vinícius pegou um Uísque e me serviu sem olhar para mim. — Não é a marca que estou acostumado a beber mas serve para molhar o beiço. Vamos… comece a falar. disse, ligando o celular. Vinícius me olhou e após tomar um copo de Uísque em uma só golada, começou a falar. — O doutor Charlie me prometeu que me tornaria sócio deste estabelecimento e do bar também, e como Mauro sabia de muitas coisas que o doutor fez, tivemos que se livrar dele da pior maneira. Ele me pediu a chave para subir, pois havia esquecido a que sempre carregava consigo, e sem demorar, fez o que tinha que fazer. — Então você se declara cúmplice do doutor Charlie? Mesmo não querendo confirmar, Vinícius respirou fundo e balançou a cabeça positivamente. Salvei a gravação e bebi o resto de Uísque, lambendo o beiço.
— Agora me diga, você sabe tudo que Mauro sabia a respeito de Charlie? — Nada… Charlie nunca me revelou nada que não estivesse ao alcance desse bar. — Certeza que não sabe? — Sim. — E suspeitas… algumas? perguntei, se levantando. Vinícius lutou para recuperar lembranças guardadas em sua mente e então respondeu. — Já ouvi os dois falando sobre projetos secretos, algo guardado atrás de uma porta. — Hum. Enfim, me dê as imagens de Charlie quando foi pegar a chave com você. — Você vai nos denunciar? - perguntou assustado. — Não importa o que vou fazer. Apenas me passe as imagens. - alterei o tom de voz. Entramos em uma sala que se encontrava no final de um corredor e resgatamos as imagens do dia do crime. Não demorou muito para Vinícius achar o que eu queria, então o obriguei a gravar e me entregar. — Isso vai ficar comigo.
Deixei o homem se lamentando sozinho na sala de controle de segurança e sai apressadamente, ligando para Filipe. — Preciso saber se você ainda tem a arma que pegou de Mauro? — Tenho, porque a pergunta? - disse do outro lado da linha, parecendo estar rouco. — Nada demais, vamos precisar dela em breve… tem como me encontrar naquele bar em que você levou um pé na bunda de sua ex? — Apesar da lembrança que você insisti em resgatá- la… sim, podemos. — Ok., até logo. - desliguei, sorrindo. Comi alguns salgados no bar e por lá fiquei, esperando a chegada de Filipe. Nesse período, recebi mensagens de uma pessoa que parecia ter se afastado para sempre. Sheila pedia para nos encontrarmos urgentemente, é claro que perguntei o motivo mas preferiu falar pessoalmente. Enquanto esperava Filipe no bendito bar, percebi que muitas pessoas me observavam, até então pensei ser pelo motivo de minha beleza, mas quando vi o rosto de Filipe e o meu, escrachados no telejornal que
passava na TV do bar, sai do local apressadamente, encontrando ele pelo caminho. — O que houve homem? Está fugindo de quem? - me segurou. — Filipe, precisamos sair daqui logo. — Porquê? — Nossos rostos já estão na TV e com certeza na internet… você está de carro? — Sim. Peguei emprestado de meu pai. Venha. Corremos até o carro que estava estacionado de frente com uma doceria que já se encontrava fechada e se distanciamos do bar, estacionando em uma rua ao lado do estacionamento do hospital. — A polícia deve estar nos procurando pela cidade, amanhã mesmo. — O que vamos fazer Smoth? E se eles chegarem até a mim através do meu trabalho? — Converse com seu chefe, tenho certeza que lhe protegerá, afinal se não fosse suas notícias, Bernardo City estaria na falência. — Pra você parece ser fácil, mas não é, Smoth! Eu gosto de sair, viver em paz… como vou fazer para
sair na rua sem ser reconhecido? - me indagou, puxando a gravata e tirando sua blusa. — Relaxe. Você precisa se esconder no Bernardo City, lá você estará seguro. — Ah, você realmente acha que a polícia não vai lá? — Como já disse, seu chefe vai lhe proteger. — E minha família? Meus amigos? — Depois você se explica. O importante é não sair de seu trabalho. - lhe aconselhei, tomando um pouco de refrigerante. — Por quanto tempo vai durar essa palhaçada?! — Em breve vou provar que somos inocentes, só lhe peço paciência… muita paciência. Filipe bufava feito um touro, e pra piorar, ficamos mais de 3 horas dentro do carro, aguardando o melhor momento para entrar no hospital. Esperamos até 11 horas da noite e entramos no hospital, olhando para o chão, temendo ser reconhecidos por alguém. Filipe colocou um boné em sua cabeça escondendo seu cabelo e levantou a gola de sua camisa, parecendo um garoto descolado. Ainda bem que não saiu andando feito um cara estiloso, estilo faroeste, pois me causaria muitos risos.
Subimos até o segundo andar pela mesma escada caracol, e então passamos pelo corredor onde não se encontrava nenhum paciente, o que era de se estranhar. Havia as mesmas salas de médicos e temendo que Sheila estivesse em sua sala, passei correndo, evitando quaisquer possibilidades de ser visto. Como o corredor era extenso, passei por todas as salas e após verificar se havia alguém no refeitório, dei quatro passos e parei, olhando para ambos os lados. Filipe fez o mesmo. Não descobrindo nada, começou a se desesperar. — Vamos Smoth, faça alguma coisa. Não podemos ser vistos. - cochichou, afobado. — Se acalme, se acalme… Comecei a desenhar a letra L com o dedo, mas nada mudou na parede. Talvez houvesse algum detalhe importante que Mauro havia esquecido de me contar, então se afastei com os braços cruzados e comecei a pensar. — Por favor Smoth, esquece isso. Logo você terá outra oportunidade… me ouve, amigo. Se alguém nos reconhecer, estaremos presos.
Enquanto Filipe tagarelava feito um papagaio, eu pensava sem parar. Até que suspeitei de um detalhe que poderia ser a chave dessa fechadura invisível. — A chave a gente já temos, então só falta encontrarmos a fechadura, certo? — Não é hora de pensamentos filosóficos, Smoth. Anda logo com isso! - disse Filipe, nervoso. Apesar de não ser fã de receber ordens, ainda mais de pessoas com inteligência menor que a minha, compreendi o nervosismo dele e fiquei em silêncio. Se aproximei novamente da parede e olhando para a fechadura da porta do refeitório, desenhei a letra L na mesma altura e em segundos, a porta invisível se abriu, revelando um local em plena escuridão. Necessitando da luz do celular de Filipe que tremia só de pensar no que encontraríamos do lado interior. Quando entramos, a porta se fechou sozinha e ao acender a luz que servia como uma lanterna, Filipe descobriu uma escada enferrujada que levava para as profundezas do local, como se voltássemos para o primeiro andar. Depois de dezenas de degraus, chegamos ao solo e Filipe logo encontrou um interruptor que ao ligar a lâmpada, descobrimos algo inacreditável e impossível de se imaginar. Em minha frente se
encontrava uma sala de mais ou menos 4 metros quadrados com diversos tubos de vidros lembrando caixões, pendurados em cabos de aço que se prendiam na parede e no solo. O que mais nos arrepiou, foi ver que dos 10 tubos de vidro que se encontravam inclinados na parede, 5 continham corpos humanos que logicamente se encontravam mortos. — Meu Deus, o que é isso, Smoth? — Pelo que vejo, ele rapta corpos de pacientes, ou assassina pessoas para colecioná-las. - deduzi algo que nunca tinha visitado minha mente. — Isso é meio fictício demais para minha realidade. - colocou a mão no queixo, sem acreditar no que via. - Vamos embora, por favor. - pediu, com lágrimas prestes a molhar seu rosto. — Não seja covarde homem. Comece a tirar fotos de tudo que eu preciso entender. - dei alguns passos pelo local, observando cada detalhe. - Preciso entender o que exatamente significa tudo isso. O calor era tão grande naquele lugar, que meus braços estavam ardentes, então arregacei as mangas de meu blazer, esfregando-os.
Havia uma mesa de madeira velha, no segundo e último cômodo, sobre ela, tinha um prato e alguns talheres, o que indicava que Charlie esteve ali há pouco tempo, até porque o resto de comida grudado nos talheres sairam facilmente quando passei o dedo. Voltei para sala principal e observei os corpos que pareciam estar congelados. De baixo de uma pia, encontrei duas maletas que provavelmente seriam dinheiro ou até injeções, continuei a andar e então abri uma gaveta de um criado-mudo ao lado de uma cadeira com acento vermelho. Nessa gaveta, tirei uma arma e duas facas que se encontravam guardadas no mesmo saco plástico, então comecei a deduzir de onde estava vindo aqueles corpos. — Vamos Filipe, preciso voltar para casa e pensar. — E eu? Vou ficar preso no Bernardo City mesmo? — É melhor. - o respondi, subindo os degraus. Ficaria na cola de Charlie o tempo todo, não poderia deixá-lo escapar, logo descobriria o que exatamente significava essa sua coleção de corpos humanos. Relatei tudo a Roger que se manteve sentado, parecendo uma pedra, fiz o mesmo em meu quarto. Se sentei e pensei em tudo que vi, analisei as fotos que Filipe tirou e não consegui descobrir nada. Cada vez que tentava solucionar o problema, só me
enrolava mais, mas de uma coisa tinha certeza. Charlie era um louco, maníaco que colecionava corpos para utilizá-los como pontes para seus objetivos. E se você é como eu que coleciona problemas, deve compreender minha situação. Sheila não parava de ligar pra mim. Marcamos para se encontrar em um bar longe de onde eu morava, apesar de estranhar a insistência de não querer se encontrar em um hotel, aceitei. — Diga logo mulher, o que você quer? — Vim me despedir. — Vai viajar? - perguntei, sem interesse. — Sim. Charlie vai me levar para Londres. Hoje mesmo embarco. - disse ela, passando a mão em seu lindo cabelo. — Qual a razão de vir até aqui e me falar isso? — É que eu amo você e sinto dentro de mim que será a última vez que nos veremos. - declarou, com lágrimas nos olhos. — Há necessidade desse drama? Sheila ficou por alguns minutos sem dizer nada e por azar, uma chuva forte atingiu São Bernardo, varrendo
todo o lixo que havia na rua para os bueiros. Como Sheila estava desprevenida, tirei meu blazer e coloquei sobre ela, a protegendo da chuva. Corremos até a cobertura do restaurante do lado pelo qual era maior relacionado a cobertura do bar, e se aquietamos ali. Enquanto a chuva não cessava, Sheila segurou minha mão e olhou para o fundo de meus olhos, me deixando meio desconfortável. — Promete uma coisa pra mim? — Depende da coisa. - sorri, a ironizando. Ela sorriu e então prosseguiu. — Guarde esse ursinho com você? - me entregou um urso de pelúcia que tinha o tamanho de um chaveiro. — Porquê? — Minha mãe era muito pobre e por causa disso, nunca conseguia me dar um presente de aniversário, mas com muita dificuldade, comprou esse ursinho que na época, era muito caro. Após me dar esse presente, ela morreu no dia seguinte, atropelada por um caminhão. - relatou Sheila, quase em prantos. — Eu vou guardar. Prometo. - coloquei o ursinho no bolso de minha calça.
A chuva havia diminuído e então Sheila resolveu partir para o aeroporto. Após devolver o meu blazer e estar prestes a entrar no táxi, a segurei pelo braço e lhe dei um beijo. — Se ficar, podemos mudar tudo isso. — Se eu ficar, você também morre. Quando entrei em desespero, não tinha mais o que fazer, Sheila já estava a caminho de uma viagem que parecia não ter volta. Apesar de não amá-la, se apegamos e nos tornamos mais que bons amigos, e por lealdade a esta relação, ela escolheu ir com Charlie, pois segundo suas palavras, estaria me salvando. Cada vez mais meu ódio por Charlie aumentava. No dia seguinte, liguei a TV e vi mais uma notícia me colocando como o foco e me definindo como um assassino, apesar de não dar importância para FakeNews, continuei frio e assiste a reportagem. E quando menos imaginei, ouvi o nome de Sheila no meio e então logo aumentei o volume. “Após ter se encontrado com o assassino do bar de pocker, a médica de 32 anos é encontrada morta a facadas em um matagal” informou o repórter na TV.
Não podia acreditar no que ouvia, e como confirmação, recebi fotos do corpo de Sheila, enviados por Filipe. Ao ver o corpo dela, coberto de sangue, ao saber que havia sofrido muito antes da morte e que o assassino era Charlie, peguei um taco de beisebol guardado em meu guarda-roupa e quebrei a TV, com diversas pancadas. — Que merda! Você vai pagar por tudo que está fazendo seu desgraçado! Segurava o urso de pelúcia que Sheila havia me entregado e o apertei, tentando controlar a fúria que se apossava de mim. Charlie estava jogando sujo, parecia que sabia exatamente o que eu estava prestes a chantageá-lo. Não me intimidei com suas jogadas baixas, desta vez teria que ser um pouco mais ousado. Liguei para Luzia que me atendeu depois da terceira ligação. — Podemos se encontrar hoje? — É que tenho um programa para fazer. — Eu preciso encontrar com você hoje, Luzia. Estou pedindo, por favor. Ela ficou em silêncio por alguns segundos do outro lado da linha e então me respondeu.
— Está bem. Eu estarei na primeira rua a direita, depois do primeiro bar. — Pode deixar, marquei aqui… até! — Até. - se despediu, sentindo em sua voz que estava desconfiada. Antes de encontrar Luzia, passei a tarde lendo alguns livros e jogando videogame. Nunca fui um garoto viciado em games, sempre amei o futebol, por isso gastava um pouco de meu tempo para jogar jogos de futebol. E enquanto jogava, ouvi um barulho estranho, ao abrir a janela, percebi que era gritos de uma mulher que corria pela rua desesperada, sendo perseguida por um homem que parecia estar armado com uma faca. Rapidamente, sai correndo do apartamento e fui a caça deles pela rua. Corri pelo mesmo lado pelo qual a vi se direcionando e depois de alguns minutos de agonia, encontrei o homem esfaqueando sem piedade a mulher que se encontrava grávida. Peguei uma madeira que estava do lado de uma lixeira e o ataquei, atingindo sua cabeça por duas vezes, o suficiente para derrubá-lo no chão. Com o homem caído no chão, tentei ajudar a mulher, sem saber como, liguei para a ambulância que chegou em menos de 5 minutos. Já imaginando para
qual hospital levariam a moça, peguei um táxi e parti rumo ao hospital. Era difícil pra mim se expor na sociedade, mas por caridade a mulher, fiquei a espera de alguma notícia. Até que ao ouvir a conversa de um médico com uma jovem garota de cabelo azul, com um piercing no nariz e pulseira em ambos os pulsos. Se aproximei dela e aguardei o médico sair para conversar com a jovem. — Oi, é sua mãe que entrou há alguns segundos neste hospital? — Sim. Você viu a correria que foi até chegar a sala de cirurgia? — Não. — Eu também não vi porque quando me ligaram, eu estava na escola, mas quando cheguei aqui, ouvi as pessoas comentando que ela estava ensanguentada e que esperava um bebê… então deduzi ser minha mãe. — Entendi. — Tenho medo de perder ela e meu irmãozinho. desabafou a garota com as mãos na cabeça, prestes a chorar. — Qual é o estado dela?
— O médico não me disse nada ainda. Só me pediu calma, mas como vou ter calma sabendo que minha mãe pode morrer. — Espera, vou pegar um copo de água pra você. Peguei o copo de água e servi a garota que tremia. Estava tão abatida que logo ela também se tornaria paciente. — Me diz… como sabe que minha mãe estava aqui? — Eu fui o homem que ligou para a ambulância. Eu também sou o homem que a salvou daquele louco, que a esfaqueou. — Nossa! Porque não veio junto com a ambulância? - me perguntou, enxugando as lágrimas com suas delicadas mãos. Se mantive quieto e então a garota colocou as mãos em meus ombros. — Me desculpa, eu nem lhe agradeci pelo que fez. Obrigado de verdade. - me abraçou. - Você é um herói pra mim a partir de hoje. — Eu não devia estar aqui mas já que estou, você confirma que era seu pai que perseguiu sua mãe e fez tudo isso?
— Não. Era meu padrasto. Ele prometeu que se ela saísse de casa, mataria tanto seu filho, como ela. — Ele sempre agiu assim? — Sempre. Dói ver minha mãe apanhar quase todos os dias e viver algemada, levando consigo um grande medo de me deixar. No meio de tudo que aconteceu hoje, tenho uma grande porcentagem de culpa, sempre me intimidei com o machismo de meu padrasto. — Não diga isso. Você está precisando de um pouco de carinho… deite aqui. - ofereci meu colo. A menina deitou a cabeça em meu colo e recebeu cafunés que a acalmaram por algumas horas. Após já estar com dores nas costas, o médico veio até nós com as mãos unidas, aparentando estar cansado. — E então, doutor? - disse a garota, se levantando. — Sua mãe e seu irmãozinho, passam bem, graças a pessoa que nos ligou. Por mais alguns minutos, ambos não resistiriam. Essa pessoa foi um herói. — Meu Deus! É um milagre! - se ajoelhou no chão, a menina que agora chorava de alívio. Quando eu posso ver ela doutor?
— Não sei exatamente, mas lhe asseguro que hoje ainda ela poderá receber visitas. Depende do estado dela, se continuar estável, sim, pelo contrário, não. — Ótimo. Você fica pra vê-la? — Não posso meu bem. Tenho compromisso. - disse, segurando suas mãos. — Que pena… ah, mas está bem. Não vai faltar oportunidades. — Sim. - sorri. Nos abraçamos e após receber novamente o agradecimento dela, sai do hospital com o coração mais leve. Apesar de ter quase matado um homem, salvei a vida de duas pessoas que eram importantes para uma garota que de um olhar triste, guardava consigo um belo sorriso. Já no exterior do local, dois médicos que fumavam ao lado de um jardim, me chamaram com um grito. — O que você está fazendo aqui seu vagabundo?! — Como? - perguntei sem entender. — Ele é o assassino que matou a Sheila. disse o outro médico. — Seu vagabundo! Você não vai sair daqui enquanto a polícia não chegar!
Ambos os homens tentaram me segurar, mas fui mais rápido e se livrei de um, o socando no rosto. Como resposta, o outro chutou minhas pernas e antes que pudesse levantar, levei um soco no rosto. Mesmo com o sangue escorrendo dos meus lábios, se levantei e empurrei os dois no chão, correndo desesperadamente pelo meio da rua. — Peguem esse infeliz! Ele é o assassino da médica…não deixem o escapar! - gritou o médico, chamando a atenção das pessoas que passavam pela rua. Sem ao menos saberem se era verdade, a muvuca de homens começaram a me perseguir. Corri até um ponto de táxi e entrei no carro, sem conseguir falar para onde queria ir, só fiz o gesto com as mãos para o motorista partir logo, e graças, ele me obedeceu. No banco de trás, respirava ofegante, corri tanto que minha pressão havia baixado e minhas pernas pareciam duas rochas. Não era só Filipe que deveria ficar preso, sem sair, eu também já estava chegando a esse ponto. Se a polícia não me pegasse, a população me mataria. Aproveitei a corrida e se direcionei para o local que marquei para se encontrar com Luzia. Quando já era sete da noite, ela apareceu, vestida com um belo
vestido preto que era mais justo do que uma corda prestes a enforcar um assassino. — Boa noite. Sabia que sentiria saudades de mim. — Dizem que o amor tem que ser recíproco, então é isso que estou fazendo. — Olha só, você falando de amor. Pensei que tinha sido só uma noite de prazer. - sorriu, me dando um beijo. — Vamos conversar em um local mais sossegado. Levei Luzia novamente para o Grande Hotel Dim e pedi o mesmo quarto em que ficamos da primeira vez. Após tomarmos espumante, a deitei em meu colo. — O que você acharia de deixar esse trabalho? — Já conversamos sobre isso querido. — Mas se você faz isso para viajar e ter uma vida de luxo, eu tenho uma boa proposta para você. — Proposta? - arregalou seus lindos olhos. — Se você for minha namorada e sair deste trabalho, prometo que teremos uma vida de luxo. — Está falando sério?
— Claro. Eu gosto de você e sei que também gosta de mim. Não vejo motivos para não namorarmos. Sua resposta foi me dar um beijo que quase me sufocou. — Eu aceito, mas tem um detalhe importante que talvez não vá gostar. — Que detalhe? — Meu pai… você tem que ir até a casa dele para pedir permissão. Infelizmente ele é dos tempos antigos, adora uma resenha. — Sem problemas. - sorri fingindo estar surpreso com o que disse. Na verdade, eu sabia que quando pedisse Luzia em namoro, teria que ter a permissão de seu pai e claro que adoraria ir no jantar de meu inimigo. Afinal, tínhamos muito o que falar. — Vamos ser um casal muito feliz. - disse ela, toda animada. Oh se vamos, pensei. Como ser feliz sendo que não se conhecíamos direito? Nem sabia o que sentia por ela mas como uma ponte, tive que definir como amor, pois sem ela, não chegaria até a casa do doutor Charlie.
08 — Quando o dinheiro vai surgir nessa história? — Acalme seu coração que ainda este mês teremos muita grana. — Muito mesmo? - se animou Roger, esfregando as mãos. — O suficiente para cobrir seu caixão. o respondi, batendo a porta e saindo. Luzia me esperava na portaria do condomínio, linda como sempre. — Está pronta? — Eu que lhe faço esta pergunta… meu pai não é um ser humano fácil. — E qual ser humano é fácil? - sorri, pegando em sua mão. Seguimos novamente de táxi, desta vez com o destino diferente, pois o motorista era o mesmo. Ele me olhou de cima a abaixo, mas como era velho e parecia não enxergar bem, deixou que entrasse. Mesmo sabendo do perigo de se expor, não temia em prosseguir com meus planos, até porque nem Luzia
tinha notado que eu era o mesmo “assassino” que não saia dos telejornais. Quando o carro parou em frente de uma mansão, onde existia um portão dourado e dois seguranças, logo acima do jardim, perguntei para Luzia se era ali mesmo o endereço certo e sorrindo, ela balançou a cabeça, confirmando o que pra mim era inacreditável. Pra se ter ideia, o local me lembrava a Casa Branca, só era um pouco menor. Ao entrar, os seguranças fizeram um cumprimento para Luzia como se fosse uma rainha que estivesse passando, já em relação a minha pessoa, nem se quer olharam. Tivemos que dar a volta pela imensa piscina, e ambos os lados da mansão, havia um belo jardim que lembrava os campos de futebol que já joguei. Subimos alguns degraus e ao entrar, olhei para cima. O teto era tão alto que parecia aquelas igrejas românicas. — Me diga, porque eles fizeram aquela saudação a você? — É esquisitice do meu pai… ele tem manias e exigências que ainda vão lhe assustar muito. - disse ela, pegando em minha mão.
Descendo uma escada em formato de caracol, toda espelhada, tanto pelo exterior, quanto pelos degraus, doutor Charlie veio em nossa direção nos cumprimentar. Ao me reconhecer, ele parou no meio do caminho, paralisado pela raiva e pelo medo. Quando o vi em minha frente, fiquei pálido, com as mãos formigando. Estava na casa de meu inimigo, a qualquer momento ele poderia me matar ou mandar um de seus guardas, ou melhor, servos me eliminarem. — Vocês já se conhecem? - perguntou Luzia, estranhando o nosso comportamento. — Já ouvi falar sobre seu pai. Ele é um médico com muito prestígio em nossa cidade. — Ah, quase todo mundo da cidade o considera um herói. — Dizem por aí que todo herói tem uma história por trás da fantasia. Que tal contar a sua? A minha provocação deixou Charlie vermelho e Luzia confusa, então quebrei o clima de tensão com um sorriso sarcástico. — E aí doutor, como vai? — Bem. Só não entendi ainda porque de sua presença aqui.
— Eu lhe explico, pai. É que ele veio fazer um pedido ao senhor. — Que pedido filha? — Eu quero namorar a sua filha, e se o senhor permitir, até caso com ela. — Quê?! - gritou, assustando Luzia que deu dois passos para trás. - Jamais eu vou deixar minha filha em suas mãos, logo você! — Porque, pai? O que o senhor tem contra ele? — Nada filha, apenas não quero que você namore esse homem. Luzia continuava sem entender o comportamento de seu pai. Tratei então de convencê-lo. — Vamos ter uma conversa, doutor Charlie. — Não tenho nada a conversar com você. — Pai! - disse Luzia, vermelha de vergonha. — Está bem. Vamos para o meu escritório. - apontou para sua frente. - Você fique aqui que já volto. complementou, deixando Luzia parada. Pisquei para Luzia, tirando um sorriso dela e passei na frente de Charlie que transpirava muito, se dirigindo ao seu imenso escritório, que tinha uma
porta de madeira de mais ou menos 3 metros de altura. No interior do local, havia uma TV na parede, uma prateleira de livros que cobria toda a parede da frente e uma escrivaninha da cor de vinho no canto esquerdo. Se sentei na cadeira e encostei minhas costas na parede, apoiando minhas pernas em outra cadeira que estava a alguns centímetros de distância. Postura nada educada para uma visita. — Diga logo seu verme, o que você quer aqui? — Achou mesmo que me intimidaria com essas fakenews? — Deveria ficar. A qualquer momento você pode ser preso pela polícia. Agora mesmo eu posso chamar a polícia. - me ameaçou. - a menos que deixe minha família e principalmente a minha filha em paz, aí te deixo ir. - apoiou ambos os cotovelos na mesa, me encarando. Minha gargalhada o deixou ainda mais furioso. Doutor Charlie se levantou e ficou me encarando, bufando feito um demônio, mas como não me assustava, se mantive calmo, sorrindo feito um palhaço.
— Você está em minhas mãos meu velho. Eu tenho muitas provas que vão acabar com a sua imagem de santo. — Ah, você não passa de um garoto. Como conseguiria provar alguma coisa contra minha pessoa? — Eu sei que foi você que matou Mauro, também sei que foi o assassino de Sheila. As câmeras filmaram você pegando a chave com Vinícius. — Você está maluco, jovem. Eu vou chamar a polícia agora mesmo. - pegou o celular do bolso. — Se eu fosse você, não faria isso. - lhe mostrei o celular com as imagens de sua pessoa no dia da morte de Mauro. Charlie ficou intacto ao ver as imagens que meu celular mostrava. — Iss… isso não significa nada. - gaguejou nervoso. — Por isso eu consegui mais coisinhas meu velho. Veja. Mostrei as fotos que Filipe tirou do dinheiro que encontramos no bar e algumas notas que comprovavam que o dinheiro era transferido mensalmente para conta do doutor.
— Você é patético! Acha mesmo que consegue destruir minha família e minha vida com essas provas? Lavagem de dinheiro já virou mania em nosso país. Até você conseguir provar alguma coisa, eu te mato! - me ameaçou novamente. — Como pode tratar tão mal o seu futuro genro? Sente-se aí porque eu não terminei. — Eu não quero ouvir mais nada. Saia daqui, antes que eu faça uma besteira! — Vai querer que eu faça parte de sua coleção de corpos também? - cruzei os braços, se ajeitando na cadeira. O doutor ficou mudo, não esboçava nenhuma reação além do pavor em seus olhos. Estava pálido, suando e ofegante. Eu havia tocado em seu ponto fraco, logo ele perderia a cabeça. — Não sei do que está falando. — Escute isso e depois seja o meu servo. Coloquei o celular na mesa, e apertei o play na gravação que fiz de Vinícius, incriminando o doutor. Enquanto a gravação não terminava, eu comia algumas minhocas cítricas de gelatina. Ao fim da gravação, Charlie colocou as mãos na cabeça e começou a chorar.
— O que você quer para não acabar com minha família? — Deixa eu pensar… você ganhou muito dinheiro, nesses crimes. Então eu quero um cheque de 30 milhões de dólares. — O quê?!! - gritou se levantando novamente. Não tem como lhe transferir tanto dinheiro assim. — Não se preocupe, tenho diversas contas e poderá dividir essa quantia. - lhe entreguei os números das contas em um papel. — O gerente do banco não vai aceitar. — O dinheiro é seu… você dá um jeito, ou prefere que eu mostre esta gravação para sua filha? Mesmo insatisfeito, Charlie pegou seu celular e transferiu a quantia para as contas que escrevi no papel. — A maior quantia eu vou precisar ir no banco, pois o meu gerente não vai permitir pelo celular. — Tudo bem, qualquer coisa eu volto aqui. Já sei o endereço, não precisamos se preocupar. - disse, se levantando. — Agora por favor, dê o fora daqui rapaz!
— Ah, antes de ir, obrigado por me aceitar como genro. Em breve sua filha e eu, estaremos casados. - sorri, abrindo a imensa porta do escritório. Sendo atingido pelo ódio de Charlie, que me olhava, prestes a me atacar. — E então? - perguntou Luzia, segurando minhas mãos. — Ele aceitou. — Sério?! — Sim. Conversamos muito e dei um jeito de convencê-lo. — Ah que bom meu amor! - me abraçou, eufórica com a notícia. — Não estava nada feliz em relação ao namoro com Luzia, mas como já disse, ela foi a minha ponte para poder chegar até Charlie. A primeira cosia que fiz ao chegar em casa, foi contar para Roger sobre o dinheiro, como não acreditou em minha palavra, mostrei meu celular com as quantias transferidas para a minha conta e as suas que eram mais de duas. — Caramba! Você conseguiu mesmo hein, seu malandro!
— Era impossível não conseguir. Charlie está em minhas mãos. — Muito bom ouvir isso. Vamos comemorar. - disse abrindo um espumante e me servindo. — Há ainda uma quantia relevante que ele só poderá transferir amanhã. — Sem problemas, só de pensar que estou voltando a ficar milionário, já fico tranquilo. Não tinha nenhum prazer em ver Roger animado daquela maneira. Ele não merecia nem um por cento do dinheiro que receberia, mas como ainda precisava de seus conselhos, o tolerei. — Agora que conseguimos toda esta fortuna e deixamos o doutor sem sua riqueza, o que vamos fazer? — Minha ideia é continuar a chantageá-lo, aquele doutorzinho ainda tem muito dinheiro. — Doutor Charlie é um cara muito perigoso, um psicopata. Acho que devemos entregá-lo para a polícia. — Ainda não chegou o momento, Smoth. Tente arrancar o resto que ele tem, depois poderá o entregar para a polícia. - Aconselhou, bebendo o espumante pela garrafa mesmo.
A ideia de encontrar Charlie novamente não me agradava em nada. Sabendo do que ele era capaz, fui até o Bernardo City pra falar com o pobre Filipe que tinha como casa o seu trabalho, claro, por minha culpa. — Oh meu velho, que bom te ver. - disse, o cumprimentando em sua sala. — Eu que o diga. Como não morreu ainda? — Ah, eu sou eterno colega, esqueceu? Filipe sorriu então me serviu um pouco de refrigerante. — Diz aí, ao que devo a honra? — Eu preciso daquela arma. — O que pretende fazer? — Nada demais. Só preciso dela. Mesmo inseguro, Filipe pegou a arma que estava guardada em uma gaveta com cadeado. Meio que não querendo, ele me entregou o revólver e ficou a me olhar, querendo saber o que eu faria a poder daquilo. — Infelizmente, eu não posso lhe dizer o que vou fazer com ela, mas posso lhe garantir que a batalha contra o doutor Charlie vai acabar em breve.
— Seja mais específico. - cruzou os braços. — Estou pensando em voltar ao esconderijo da coleção de corpos. — Eu quero lhe acompanhar. — Melhor não. — Por favor Smoth, eu não aguento mais ficar trancado aqui. Vou enlouquecer. Pensei por alguns segundos e não adiantaria em nada seguir meus planos sozinhos sem a ajuda de Filipe, talvez sua presença seria útil. — Está certo. A qualquer momento eu posso lhe chamar. — Ok, vou aguardar. Sai com uma sensação ruim, não sabia em quem confiar, percebi nos olhos de Filipe que havia algo de muito obscuro na insistência de me acompanhar. Os dias se passarão como se fosse horas, e a cada momento, Charlie achava que tinha sido esquecido pela minha pessoa, mas na realidade apenas gastei o tempo, comprando alguns artigos de luxo com a fortuna que existia em minha conta bancária. Comprei um brinquedinho novo que se chamava Porshe 550 Spyder, sua cor era azul-escuro com
bancos vermelhos. Não tinha como não sair na rua com ele sem ser olhado, mas não me preocupei pois logo provaria que o culpado dos crimes que me acusavam era o doutor Charlie. Estacionei minha “nave” na frente da imensa mansão de Charlie e pelo celular, anunciei a Luzia que havia chegado. Então ela pediu para os seguranças liberarem a passagem. Luzia pulou em meus braços, quase que me desmontando. — Calma mulher, minhas costas não está tão boa assim. — Estou com muitas saudades de você, meu lindo. Por onde andava? — Dando umas voltas por aí. A propósito, comprei uma Porshe. — Mentira? Me mostre, amor. — Antes, queria saber se está sozinha? — Claro que estou. Porque quer saber, seu safado? disse, segurando minhas mãos. Lhe dei um beijo e então prossegui. — Não é nada que está pensando meu amor. Eu tenho algo de muito delicado para falar com você.
— Nossa, o que é? Olhei ao meu redor e então prossegui. — Podemos conversar em lugar mais reservado. — Sim… me acompanhe até o meu quarto. Subimos a escada espelhada sem se falarmos. O único barulho que existia naquele momento, era do salto do sapato de Luzia tocando os degraus da escada. O quarto de Luzia tinha uma cama gigante e uma biblioteca ao lado de um banheiro. Pra se ter ideia, o seu quarto era maior do que a sala e a cozinha da casa de minha falecida avó. — Sente-se por favor, amor. Fique à vontade. complementou, se sentando na cama. Olhei ao redor de seu quarto, observando algumas fotos que estavam penduradas na parede. E como nunca fui um cara de guardar as coisas para mim, a indaguei. — Não sabia que era fã deste cantor. — Esqueci de falar, amo muito as músicas dele. — Percebi, coloca até quadros dele. Luzia sorriu, colocando sua mão em meu ombro.
— Eu até pensei em falar que os homens não ligam para essas coisas, mas lembrei de meu pai. — O que tem seu pai? - a indaguei. — Ele é fã de um jogador de basquete e é tão fanático por ele que construiu um quarto só para guardar objetos dele. — Sério? Difícil de acreditar… será que poderíamos ver esse quarto? — Então, ele vive trancado e por isso nunca consegui entrar. - fiquei desanimado com a notícia e ao perceber isso, Luzia prosseguiu. - mas eu posso te levar até o quarto dele, onde possui algumas fotos do ídolo. — Ficarei muito agradecido se fizer isso. Luzia pegou minha mão e me levou até o quarto de Charlie que ficava no final do corredor. Olhei para os lados, verificando se tinha câmeras e então entrei, tentando controlar minha animação. — Meu Dólar, o que é isso? - exclamei, ao se deparar com um imenso quadro de um jogador de basquete pendurado na parede, do lado de sua cama. — Isso não é nada. Olhe aqui. - abriu uma gaveta do criado-mudo, revelando canetas, mini-bolas e até cuecas autografadas pelo ídolo.
— Impressionante, ele deve amar esse jogador mesmo. — As vezes acho que ama até mais do que a mim. - comentou Luzia, entristecida. — Isso tudo só aumentou a minha curiosidade em conhecer esse quarto secreto. - esfreguei as mãos. — É mas… eu não acho que será uma boa ideia. — Eu sei que você está mentindo pra mim. — Mentindo em qual ponto? — Você sabe onde ele guarda a chave, não é mesmo? Luzia ajeitou o cabelo e se distanciou de mim, me dando as costas. — Sei, mas não acho uma boa ideia entrarmos. — Mas se você e eu estamos morrendo de curiosidade, porque não podemos arriscar? - a atentei. — E se meu pai chegar? O que vamos dizer? - perguntou Luzia, após ter pensado. — Ele não vai chegar, confia em mim. - estendi a mão para apertá-la. Como resposta, Luzia me deixou no vácuo e pegou de dentro de uma minibola, a chave. Como não
pensei nesse esconderijo? Bastava balançar a bola, pra saber. Pensei. As mãos de Luzia estavam trêmulas, tanto que eu tive que se encarregar de abrir a porta. Permiti que entrasse primeiro e então ouvi um grito agudo e assustador. Tratei de entrar no quarto e então deparei com Luzia no chão, desmaiada. Pensei em levantá-la mas o que se encontrava em minha frente não permitiu. Fiquei tão assustado com a figura guardada em um caixão de vidro, que esqueci da pobre Luzia. Dentro do caixão, estava o corpo do jogador de basquete que era o ídolo do doutor. Supostamente, o jogador estaria congelado desde sua morte, preso no interior daquele caixão, um detalhe que vale ressaltar é o corpo estar a poder do uniforme do time, sendo que neste uniforme, mais especificamente no calção, tinha algumas manchas de sangue. O que estranhei foi a ausência de manchas na região da pele do homem, deduzi após essa dúvida, que Charlie teria lavado o corpo depois do assassinato, e colocado no caixão. O quarto era um pouco menor do que o seu primeiro, mas parecia grande por se encontrar vazio, com
apenas o caixão no centro e algumas maletas no canto esquerdo do local. Luzia acordou depois de 40 minutos, e antes que pudesse desmaiar quando visse o corpo do jogador, tampei seus olhos e tentei acalmá-la, cochichando em seu ouvido. — Fique calma meu bem, preciso de sua ajuda. — É verdade o que eu vi, ou eu sonhei? — Infelizmente é verdade, mas por favor, fique calma. - cochichei, tirando minhas mãos da frente de seus olhos. Aos poucos Luzia raciocinava o que realmente estava acontecendo, e mesmo querendo sair dali o mais rápido possível, insisti pra que ela aguardasse por mais alguns minutos, pois precisava abrir as maletas. Se agachei no chão e então abri as três maletas que por sorte já estavam sem o segredo. Na primeira, descobri diversas fotos do jogador e na segunda, uma faca com lâmina enferrujada até a metade. Provavelmente a que usou para matar seu ídolo. Preocupado com a minha demora, Luzia se aproximou de mim, tocando em minhas costas.
— Vamos logo, Smoth. Não quero mais ficar neste lugar. — Só um minuto. - disse, pegando a outra maleta e abrindo. - Opa! Mas o que é isso, meu Dólar?! Peguei alguns jornais de dentro da maleta e comecei a ler em um tom de voz alta. — Ícone do Basquete é encontrado morto em seu hotel… a suspeita da causa do crime é latrocínio, pois em seu hotel, a polícia encontrou algumas notas de dólares espalhadas pelo chão. — Vamos embora, por favor. - implorou Luzia. — Só mais um segundo. Empresta o seu celular por gentileza. Sem entender, Luzia me entregou o celular e foi até a porta, olhando para os dois lados com medo de seu pai chegar. Tirei fotos de tudo que achei anormal, pra ser sincero naquele momento não tinha nada de normal, e segurei a mão de Luzia, saindo apressadamente do refúgio de Charlie. Luzia entrou em seu quarto e pegou algumas roupas, enfiando tudo em uma mochila. — Isso dá pra hoje, amanhã eu compro mais. — Você só vai usar essa roupa hoje?
— Sim. Odeio repetir roupas, mesmo que seja pra ficar em casa. Olhei meio assustado com o comportamento de Luzia, mas como estava com pressa, não enrolei. — Vamos logo, Luzia! Saímos sem ao menos fechar a porta de seu quarto e entramos em minha Porshe, voando até o meu apartamento. Sabia que Roger ficaria assustado com a presença inusitada de Luzia e então o preparei antes de revê-la. — Roger? Você está aí? — Estou! - gritou de seu quarto. Autorizei Luzia a entrar e então se dirigi ao quarto de Roger, se sentando em sua cama. — Eu vou precisar de sua compreensão. — Compreensão? — Sim. Vou direto ao ponto. - respirei fundo. — Fale Smoth, sem enrolação. — A filha do doutor Charlie pode passar um tempo aqui? — Como é?! - derrubou seu comprimido no chão.
— Ela descobriu alguns podres do pai e não se sente segura em continuar no lado dele. — Sinto muito, mas se ele perceber que sua filha fugiu, vai vir atrás de nós e eu não quero encrenca com Charlie, sei que é um homem perigoso. — Você não quer encrenca com ele? Ah Roger, para de ironia, se não quisesse encrenca, não teria me incentivado a descobrir os podres dele. - lhe provoquei. — Não acho uma boa ideia tê-la em meu apartamento. — É por um breve período. Prometo que vou resolver essa confusão. — O que vou ganhar com isso? — Vamos ganhar um avanço importante para o nosso plano. Eu tendo a filha de Charlie ao meu lado, vou poder casar com ela e continuar a arrancar dinheiro desse idiota. Roger pensou se realmente valia a pena correr o risco e depois se deixou levar pela ambição. — Pode ser, mas se você demorar muito para resolver essa situação, eu mesmo resolvo.
Apenas concordei, balançando a cabeça e voltei para a sala, levando Luzia até o meu quarto. — Você tem sorte que eu gosto de dormir em colchão de casal, se não teria que dormir no chão. - disse, alisando o lençol da cama. — Não acredito que me deixaria dormir neste chão gelado e duro. — Era o jeito. - sorri. - Se você quiser pode colocar suas roupas aqui em meu guarda-roupa… apesar que você não vai usá-las depois de hoje, segundo suas próprias palavras. — Eu vou usar sim… não estou a fim de fazer compras. - explicou. — Está com medo de seu pai? — E como não ter? Me diga Smoth, você sabia que meu pai era um psicopata? Cocei a cabeça, pegando algumas balas de uma gaveta do criado-mudo. — Sei muitas coisas sobre seu pai, e vou precisar de sua ajuda para evitar uma catástrofe maior. — O que seria essa catástrofe maior? perguntou Luzia, se sentando em minha cama. — Amanhã você vai entender.
Tentamos dormir mas quase não foi possível, pois doutor Charlie não parava de ligar para Luzia. Com certeza ele já desconfiava de que ela havia descoberto seu mistério. Antes de dormir, tinha convidado Filipe a vir até a minha casa. Desconfiando do motivo de minha insistência a sua visita, às 7 da manhã, já estava em minha porta, aguardando a minha pessoa impacientemente. — Bom dia meu caro, quando o porteiro me disse que você estava lá embaixo, não acreditei. — Estou muito ansioso Smoth, me desculpe por chegar tão cedo. — Entre por favor, tenho muitas fotos para mostrar. Ouvindo a palavra “fotos”, Filipe quase que correu para dentro, sendo levado por mim para o meu quarto. Ao ver Luzia sentada em minha cama, Filipe a cumprimentou um pouco receoso, pois havia reconhecido sua pessoa e sabia que se tratava da filha de Charlie. — Não se preocupe Filipe, ela já sabe de tudo. — Ah, então está ótimo. - disse, puxando uma cadeira para se sentar.
— Veja estas fotos que tirei do quarto secreto do doutor Charlie. Entreguei o notebook para Filipe que começou a observar as imagens, calmamente. Apesar de estar acostumado com as imagens fortes de que seu emprego o obrigava a ver, Filipe precisou comer algumas de minhas balas para prosseguir. — Esse é mais um corpo da coleção de Charlie? — O mais especial pelo que vejo. — Coleção de corpos? - perguntou Luzia, assustada. Filipe e eu se olhamos, sem saber como dizer a Luzia que seu pai era nada mais, nada menos do que um psicopata. — Seu pai tem um esconderijo no próprio hospital em que trabalha, onde esconde vários corpos que provavelmente, foram assassinados por ele. Imagine saber que seu pai era um louco, psicopata, serial Killer e não aquele herói que você sempre sonhou. A expressão de Luzia, intacta como uma estátua, demonstrava que ela não havia conseguido raciocinar o que tinha ouvido. Peguei meu notebook de volta e o fechei, guardando dentro da gaveta de meu guarda-roupa.
— Vamos publicar essas imagens, Smoth. — Melhor não, Filipe. Precisamos de um pouco mais de tempo. — Que tempo homem? Estamos com doutor Charlie nas mãos. — Estamos sendo procurados pela polícia ou você esqueceu? - cruzei os braços, o encarando. — Por isso mesmo. Essa é a nossa chance de sermos inocentados. — Você sabe que mesmo acusando o doutor, não nos livraríamos da polícia, pois somos foragidos. — Mas… — Eu sei que está interessado apenas em deixar o Bernardo City em primeiro lugar no ranking dos mais populares. Mas não se preocupe que logo eu lhe entrego algo muito mais amplo. - o interrompi. — Você não entende Smoth, eu preciso de mais notícias… posto todos os dias em redes sociais e sou cobrado por isso. — Procure suas notícias, não poderá viver dependente deste caso.
— Não posso mais exercer meu trabalho, ou esqueceu que estou sendo procurado pela polícia?- lembrou Filipe, vermelho de tanto nervosismo. — Sinto muito Filipe, mas não posso lhe entregar nada no momento. Guardei meu notebook e antes que pudesse mudar de assunto, Filipe se levantou e saiu de meu quarto, grosseiramente, sem ao menos se despedir de Luzia que nos observava em silêncio. — Ei Filipe, não saia assim. Vamos conversar! — Siga sozinho nessa, Smoth. Faça tudo sozinho como você sempre quis! - bateu a porta, saindo. — Acho que ele ficou nervoso. - comentou, Luzia. — Coisa de jornalista. - disse, beijando sua boca. Voltamos para o meu quarto e começamos a investigar com um pouco mais de precisão o caso do doutor Charlie. Ficamos meia hora lendo os jornais e procurando notícias na internet, mas não encontramos nada de relevante. Lembrei então de um colega que trabalhou há mais de 30 anos na polícia, com certeza saberia de alguma coisa sobre Charlie. Então lhe mandei uma mensagem.
Já tinha se passado três dias e Charlie continuava a enviar mensagens para Luzia. O pior de tudo é que a
coitada teve que quebrar o chip do celular e ficou proibida de acessar suas redes sociais. A minha sorte é que ela mantinha o sorriso no rosto, feliz pela minha companhia. O meu medo estava se apossando de mim a cada segundo que passava, pois aos pouco, me apegava a sua pessoa. Às 3 horas da tarde, o porteiro me avisou que André já se encontrava aguardando a permissão para poder subir. Do jeito que ele era, com certeza, estava reclamando do calor, ou de qualquer outra coisa que lhe incomodasse. André entrou um pouco desconfiado e apesar de ter apenas 60 anos, se encontrava muito velho e frágil aparentemente e fisicamente. Usava uma bengala da cor de prata, onde apoiava seu braço que parecia fraco. O levei até meu quarto e lhe expliquei tudo que estava acontecendo. Luzia ficou insegura, mas André era um cara de confiança, e por isso mostrei todas as provas que tinha contra Charlie. — Me diga, no que você pode me ajudar? Por causa da obesidade, André teve dificuldades para se ajeitar em minha cama. Sem graça, Luzia se levantou e ficou de pé, observando a nossa conversa. — Eu tenho um conhecimento amplo sobre a morte deste jogador de basquete. Pra ser mais exato, fui eu
que investiguei o crime na época, talvez tenha sido a minha maior decepção profissional não ter solucionado esse mistério. — Sabia que poderia contar com sua ajuda. — É questão de honra. — Nos conte mais sobre esse crime. - lhe pedi. — Era noite de sábado, final do campeonato regional de basquete. Os espectadores e fãs de Lioni estavam ligados no jogo… — Jogo que aconteceu, não é mesmo? - o interrompi. — Sim. O time de Lioni foi o grande campeão, mas o que mais surpreendia as pessoas, era a mágica que ele proporcionava em cada jogada. Apesar de quase terem perdido a partida, a sua cesta de três pontos no último segundo, cravou seu nome no hall da fama. — E isso gerou muito dinheiro. - lembrei. — Também gerou invejas nas pessoas que o criticavam sem motivos. — Disso eu tenho conhecimento. Meu pai sempre falava que ele foi injustiçado e que a morte pra ele, foi um descanso. - disse Luzia.
— Porque não me falou antes? É óbvio que seu pai matou Lioni, pensando que acabaria com seu sofrimento – deduzi. — Errado, Smoth. Levando em conta as provas que você me mostrou, Doutor Charlie se trata de um louco, psicopata, que por não ter seu desejo realizado, assassinou Lioni. — Qual seria esse desejo? - perguntei, abrindo um pacote de minhocas de gelatina. — Lembro muito bem sobre uma notícia publicada no jornal que o motivo pelo qual Lioni teria sido assassinado foi por vingança. Filmaram uma briga que ele teve com um fã ao sair da quadra. — Você tem esse vídeo? - perguntei, animado. — Não. Já faz muito tempo, mas pelo que lembro, foi o Bernardo City que publicou o vídeo. Talvez se você fizer uma busca pela internet, o vídeo deve estar nos arquivos. Fizemos uma busca pela internet mas não encontramos nada. O jornal, com certeza, tinha deletado o vídeo para não sujar o nome do doutor, ou para não acumular mais processos. — Filha da mãe! — Como? - perguntou André, sem entender.
— Você lembra se o envolvido na briga aparentava ser Charlie? — Minha memória não é tão boa assim meu garoto, mas se você conseguir esse vídeo, com certeza, solucionaremos esse caso em breve. — Eu vou conseguir, mas precisarei que fique aqui. Não quero correr o risco de lhe envolver em mais encrencas. — Certo. - disse o velho, pegando o saco de balas de minha mão e comendo as minhocas sem ao menos respirar. Se não precisasse dele, daria um soco em sua cara, pois uma coisa que odiava era ter minhas balas roubadas por outros gulosos, mas como o interesse falava mais alto, fiquei quieto, indo em direção de Luzia. — Luzia, vou precisar de um favor seu. — Diga meu amor. — Preciso que volte até o quarto de seu pai e pegue a faca de dentro daquela maleta. — É muito arriscado amor. Não sei se terei coragem para entrar naquele lugar horrível, novamente. explicou Luzia, passando as mãos em seu cabelo.
— Sei amor. Se pudesse eu iria com você, mas vou aproveitar o tempo para ir até o Bernardo City. — Ok, já que não tem outra opção. André olhou para mim, parecendo estar cansado, então lhe concedi o desejo que não conseguiu esconder em seus olhos. — Pode deitar em minha cama, logo estarei de volta. — Obrigado Smoth. Já estava com dor nas costas. — Portanto que não quebre. - disse em um tom de voz baixo. Tanto que ele não ouviu. Segurando a mão de Luzia que de tão sensível parecia que quebraria, caso apertasse, partimos cada um para um destino diferente. O meu chapéu ocultava um pouco o meu rosto, o que era bom por dois motivos, um que me ajudava a não ser reconhecido por ninguém e outro que eu não precisava olhar para as pessoas, pois odiava ter que olhar nos olhos delas. Ao chegar no Bernardo City, mostrei minha identificação para o guarda que avisou ao chefe sobre minha visita. Com a passagem liberada, guardei o crachá que Filipe me arrumou e subi pelo elevador até o terceiro andar, onde ficava a sala do diretor e do próprio Filipe.
Caminhando em direção da sala de Filipe, lembrei de um detalhe importante que ainda me confundia. Lembro muito bem que Filipe me disse que o Bernardo City estava em crise, porém lembro também de uma notícia que saiu pelo próprio jornal mostrando que o mesmo estava na liderança de vendas, e que eram o jornal mais influente do país. Deixando as dúvidas de lado, bati à porta de Filipe por mais de dez vezes até que chamei a atenção do diretor que saiu de sua sala, insatisfeito com o barulho. — Procura alguém? — Filipe, onde ele se encontra? — Não apareceu hoje. Disse que resolveria alguns problemas. - contou o velho, bebendo café. — Entendi. — O que veio buscar aqui só encontraria com ele? — Sinceramente, sim. - respondi, ajeitando o meu chapéu. — Não tem curiosidade em conhecer algumas informações sobre o nosso querido jornal? — Na realidade, eu preciso tirar algumas dúvidas com o senhor, se seu tempo permitir.
— Claro que sim. Entre. – me convidou a entrar em sua sala. Após sentarmos, fiz uma breve observação no local e não identificando nada de anormal, dirigi os meus olhos para o homem que tinha a boca um pouco torta. — Quais são as dúvidas que precisam serem esclarecidas, senhor Smoth? — Há uma contradição em relação ao estado financeiro deste jornal. Afinal, o Bernardo City entrou em crise, ou isso foi balela? — Gosto de pessoas objetivas como o senhor. E sobre essa questão… — Se gosta de objetividade, exerça ela, por favor. - o interrompi. O velho se ajeitou na cadeira e então ameaçou a falar. — Sempre ficamos entre os melhores da região e do país, mas depois de um ocorrido que o senhor Filipe já deve ter lhe contado, perdemos digamos que 10 por cento da credibilidade dos leitores. Nunca mais publicamos algo de relevante.
— Filipe me explicou tudo. O que quero saber é se continuam entre os melhores ou voltaram para a tão temida crise? — Então senhor Smoth, eu como diretor do Bernardo City, não posso lhe passar informações privadas. — Filipe me procurou com a intenção de buscar mais notícias bombásticas sobre o doutor Charlie. — E você têm essas notícias em mãos? — Tenho. Mas não devem ser publicadas. — E porquê? Estamos precisando de notícias como essas. — Então o Bernardo City está em crise? — Estamos perdendo posições importantes, precisamos de uma notícia que prenda o leitor pelo menos por mais um mês. — Entendi. O que eu preciso se encontra exclusivamente com Filipe. Infelizmente, não poderei lhe fornecer nenhuma notícia ainda. O velho ficou insatisfeito com o que ouviu de minha parte e resolveu beber o resto de café que tinha em sua jarra, demonstrando que havia perdido as esperanças de insistir.
— Não sei para onde o senhor Filipe foi, mas se quiser, pode ficar o esperando aqui. — Não, obrigado. Tenho coisas a fazer. - disse, se levantando. — Acho que Filipe não vai demorar a voltar. Fique. insistiu. — Amanhã eu volto, até. Mesmo tentando me impedir, sai apressado olhando para todos os lados antes de entrar em minha nave. Logo ao chegar em meu apartamento, chamei pelo nome de Luzia mas não recebi resposta. Entrei no quarto de Roger e o surpreendi. — Atrapalho em algo senhor Roger? — No quê? Porque atrapalharia? - perguntou, desesperado. — O que está tentando esconder aí? — Esconder? Nada… está passando bem, Smoth? - tentou mudar de assunto. — Eu estou. Queria saber de sua parte, porque está tão desesperado? Roger tremia tanto que cruzou os braços, tentando esconder suas mãos trêmulas.
— Que dinheiro é esse debaixo de seu travesseiro? Percebendo que sua máscara tinha caído, Roger pegou algumas notas e meio sem ter o que falar, tentou se explicar. — Eu recebi um adiantamento de um devedor. — Não sabia que estava fazendo esse tipo de negócio. — Que tipo de negócio? Não é nada do que está pensando, só estou recebendo um pagamento… o que há de errado nisso? - se levantou, guardando o dinheiro em uma sacola plástica. — Se acalme homem, porque está tão nervoso? — Não estou nervoso, só não gosto desse seu jeito. Vive fazendo perguntas. — Me perdoe vossa majestade. Agora me diga, onde se encontra Luzia? — Eu sei lá de Luzia. - respondeu, guardando a sacola de dinheiro na gaveta de um criado. Voltei para a sala, bebendo um pouco de café. Já tinha se passado mais de 2 horas que Luzia tinha ido para a casa de seu pai e nada de notícias, tentava se acalmar mas era difícil, ela tinha se enfiado em um
ninho de cobras e poderia correr um grande risco de morte. Enviava mensagens, chamadas de voz, e nada de respostas. A noite já tinha chegado e minha paciência esgotado, estava me alterando cada vez mais, os segundos eram meus inimigos e o meu desespero não causava nada além de sorrisos em Roger que já tinha se enfiado em seu notebook. — Relaxe Smoth, amanhã ela aparece. Viva ou morta, mas aparece. — Você não tem coração? Será que só é movido a dinheiro? - o contestei. — Olha quem fala. Acha mesmo que vou se preocupar com uma quenga? - disse, sorrindo. Minha resposta foi virar as costas, comer um pouco de bala e sair. Sabia que não poderia ir até a casa de Charlie, pois correria o risco de encontrá-lo, mas a minha curiosidade foi tão grande que rondei sua casa por volta das 2 horas. As luzes de sua imensa mansão estavam desligadas, o único sinal de vida vinha do canto de uma andorinha que procurava algo no jardim da mansão. Estranhei o fato da ausência dos guardas que habitualmente viviam ao redor da
mansão, e se aproveitando disso, estacionei meu carro próximo de um mercado. Dormi dentro de meu carro, ao ver a luz do sol, se levantei encaminhando-se para a mansão. Inacreditavelmente, os guardas não se encontravam na portaria, por sorte Luzia me deu a cópia, tanto da chave do portão, quanto da porta. Se dependesse de invadir o lugar, não seria possível. Mesmo não vendo nenhum guarda ao meu redor, olhava para todos os lados, preocupado com alguma surpresa. A grande surpresa foi entrar na mansão e não ser surpreendido por ninguém. Ao dar alguns passos já no interior do local, me deparei com o corpo de Charlie que se encontrava no chão, com a testa rachada e o braço esquerdo sobre sua barriga. Uma arma se encontrava do lado de seu corpo, o que tudo demonstrava que ele tinha se suicidado, mas ao observar com um pouco mais de atenção, não encontrei nenhum ferimento em seu corpo além da testa que supostamente tinha sido ocasionada pelo impacto com o chão. Supostamente, ele tinha caído da escada e colidido com a testa no chão, mas se isso realmente estivesse acontecido, o corpo estaria de bruços, o que indicava que alguém havia virado o
corpo, colocando em evidência a presença de uma segunda pessoa. Procurando por pistas, subi alguns degraus da escada espelhada e após 6 degraus, observei uma parte do vidro que se encontrava quebrado e manchado de sangue, que supostamente era de Charlie. Rapidamente, deduzi que Charlie teria caído da escada e batido a testa no vidro. Mas e a arma? Porque estaria do seu lado, e porque não havia nenhum ferimento em seu corpo? Se alguém tivesse arquitetado a cena para mentir que fosse um suicídio, teria atirado nele. Era tantas informações surgindo em minha mente que resolvi subir até os quartos para tirar conclusões. A porta do quarto de Charlie estranhamente se encontrava aberta. A primeira coisa que veio em minha cabeça foi imaginar um assalto, mas ao entrar, encontrei o corpo de Luzia no chão, do lado da cama do doutor. Seu corpo se encontrava quase na mesma posição em que encontrei o de Charlie, só diferenciava em seus braços, o esquerdo estava esticado e o direito, formando a letra L. Sua cabeça estava banhada de sangue, percebi então que Luzia tinha sido atingida por um tiro na cabeça. Seus olhos se encontravam arregalados,
demonstrando que tinha se assustado com a presença do assassino, não tendo tempo para mudar de expressão. Com certeza, Charlie teria a surpreendido em seu quarto e após matá-la, ficou transtornado com o que fez e caiu da escada, ocasionando acidentalmente a sua morte. A maleta que ele guardava a faca estava vazia, com certeza teria levado a prova do crime consigo. Mesmo chocado pela morte de Luzia, tirei fotos de Charlie e aproveitei os minutos finais para observar com mais precisão. Infelizmente, não enxerguei nada que indicasse onde a faca se encontrava, até porque Charlie estava vestido com uma camisa branca básica e uma calça social preta, ambos sem nenhum volume. Sai da mansão, perplexo com tudo que vi e carregando a certeza de que existia uma terceira pessoa na cena do crime. Essa pessoa poderia ter assassinado ambos e fugido com a faca. Mas quem teria o interesse pelo rapto da prova do crime, além de minha pessoa? Voltei para o apartamento com uma agonia enorme em meu coração. Não poderia mais confiar nas pessoas, qualquer um que estivesse ao meu lado seria
um traidor, prestes a me matar, por dinheiro, qualquer um me trairia sem nenhuma cerimônia. Furioso com a morte de Luzia e com o surgimento de mais um mistério, entrei em meu quarto e surpreendi Roger e André, sentados em minha cama, tagarelando como duas velhas. — Atrapalho em alguma coisa?! - o surpreendi.
09 Se passaram dez dias da morte de Luzia e Charlie, e ainda não tinha respostas em relação ao crime. A única coisa que a polícia conseguiu relatar, foi o surgimento de um suspeito que categorizaram como “principal”. Esse sujeito era nada mais, nada menos do que a minha ilustre pessoa. A acusação teve fundamento em benditas imagens das câmeras do lado exterior da mansão onde me flagraram entrando e saindo. Roger não sabia qual caminho seguir, estava muito decepcionado com a morte de Charlie, não por causa do final da investigação mas sim pelo fim de sua galinha de ovos de ouro. Apesar de ter ganhado muito dinheiro com o doutor, ele não estava satisfeito. O fato era que ninguém estava preocupado em me defender, as acusações aumentavam e o peso da culpa em minhas costas, me esmagava a cada segundo. Pessoas que me faziam bem, foram embora para sempre como o sol que não mostrava mais a sua luz em São Bernardo. Uma dessas pessoas que havia sumido, era Filipe, desde que neguei ser sua fonte de notícias, o traidor se afastou e se transformou em um
inimigo, tanto que foi dele as notícias que me incriminaram a esse crime. André precisou se afastar de minha pessoa, pois uma forte gripe o afetou, e Roger me obrigou a fugir. Se mudei para uma cidade chamada Artin que tinha como paisagem um céu cinzento, vegetações secas e pouquíssimas casas, nem ao menos existiam estradas, os carros que circulavam pelo local eram para transportar produtos que se encontravam cobertos por uma lona. Andei por alguns metros e após estar com os joelhos moídos, se deparei com uma mansão velha que tinha um telhado de madeira e uma entrada principal, em formato de círculo, se não estivesse tão velha, pensaria que estava entrando no céu. Não demorou muito para uma mulher me atender, ela tinha o cabelo mal tratado e a pele enrrugada, estava descalça e vestida com um vestido vermelho, rasgado nas pontas. Ao abrir a boca, que tinha os poucos dentes podres, dei dois passos para trás, assustado. — O senhor está procurando algo? A voz dela era tão estranha que me arrepiou todo, apesar de nem chegar a altura de meus ombros, sua pessoa me deixou amedrontado. — Eu não tenho para onde ir, será que poderia ficar aqui?
Nunca tinha pedido daquele jeito, por um momento, me confundi com um pedinte. — Entre – abriu um pouco a porta com um espaço mínimo para minha pessoa entrar, após isso, fechou rapidamente. No interior da mansão, se encontrava em uma sala gigante com um sofá da cor de mostarda enorme e no centro, um tapete com um desenho de coroa. O lustre estava tão sujo e enferrujado, que parecia que cairia sobre uma pequena mesa de vidro, que servia como base para um belo vaso de flores que não continha flores. Não demorou muito para um homem, o provável chefe da casa me receber. — Seja bem-vindo se estiver em paz. — Obrigado. - agradeci, apertando sua mão. O homem vestido com uma camisa preta e uma calça social cinza, se sentou no sofá me convidando a fazer o mesmo, porém me mantive de pé. — Diga, o que o senhor pretende aqui? — Na verdade, estou precisando ficar um tempo longe de tudo.
— Cometeu algum crime ou é apenas um refúgio mental? — Digamos que um pouco dos dois. A resposta que dei, apenas fez o homem levantar por um segundo as sobrancelhas brancas iguais ao seu curto cabelo. Alisando sua barba ralada, se levantou e me mostrou o caminho até o quarto aonde ficaria. Subimos uma escada de madeira que desmoronaria daqui alguns dias de tantos furos em seus degraus, entrei no quarto que era confortável e se deitei na cama que estava empoeirada. A janela também de madeira, estava tão velha que parecia ter sido incendiada, tentei abrir mas não consegui, então voltei para a cama. Olhando para o teto vermelho, pensava no que fazer, será que estava certo em fugir? Pensei tanto que aos poucos fui ligando os fatos, Filipe tinha desaparecido após brigar comigo, e além de Roger, ele sabia que eu tinha uma arma, pois ele mesmo que me deu. O fato é que ele nunca teve porte de arma, isso levaria ele a roubar a arma para matar Charlie. Mas por qual motivo? Não poderia fazer o que Roger queria. Estava obrigado a encontrar Filipe, uma hora ou outra ele teria que ir até o Bernardo City e apesar de parecer
loucura, precisava entrar naquele lugar sem ser visto por ninguém. Mas como saberia o dia exato que Filipe se encontraria no jornal? Levantei da cama para pensar melhor e segurando uma bola de vidro, fui surpreendido pelo homem que entrou no quarto sem bater à porta. Trazia em suas mãos, uma bandeja onde continha um copo de suco e alguns biscoitos amanteigados, mais conhecidos como rosquinhas. — O senhor parece preocupado? — Só um pouco pensativo. — Descanse. O estresse pode atrapalhá-lo. — Eu preciso de um disfarce. — Como? - perguntou o velho, se sentando na cama. Bebi um pouco de suco e vesti meu blazer que estava um pouco sujo. — Preciso voltar de onde vim. Tenho algumas coisas pendentes. E pra isso preciso de um disfarce, pois não posso pôr meu rosto a bater. — Entendi o motivo do disfarce. - após cruzar as pernas, o velho prosseguiu. - tenho uma filha que é especialista em construir máscaras, se você quiser, ela pode lhes emprestar um modelo.
— Sério? - se aproximei dele. — Não sei se vai servir, mas vale tentar. — Com certeza. - esfreguei as mãos. O velho me levou para o quarto de sua filha que ficava alguns metros de distância de onde eu estava. Indiscretamente, surpreendemos a garota que felizmente estava vestida com um vestido branco e sentada em sua cama, escolhendo alguns pinceis em uma maleta rosa. A menina aparentava ter menos de 15 anos, seus cabelos eram longos e despenteados de cor da escuridão. Seu olhar triste demonstrava que ela não estava bem com a vida que tinha, tanto que nem se importou com a nossa presença, continuando a escolher seus pinceis. — Filha, preciso que me empreste uma máscara. - ela se manteve calada, de cabeça baixa. - É pro senhor aqui, ele precisa de um disfarce urgentemente. É claro que a filha não negaria o pedido do pai. Ficou por um breve tempo na mesma posição, ela estava sentada em sua cama, apoiando os dois cotovelos em uma mesa de frente com a porta que era segurada pelo velho. Após alguns minutos de
silêncio, se levantou e de um baú tirou uma máscara e me entregou, voltando rapidamente para seu lugar. O homem me ajudou a vestir a máscara e me direcionou até um espelho embutido na porta de um guarda-roupa. — O que achou? Passei as mãos no rosto e coloquei meu chapéu. Estava irreconhecível, nem eu conseguia me reconhecer, parecia um senhor de 60 anos, com o rosto machucado pelo tempo. — Está perfeito. Muito obrigado. - dirigi o olhar para a menina que se manteve focada em suas coisas. Por alguns instantes, tive a vontade de indagá-la sobre o seu comportamento estranho, mas se o pai não estranhava porque eu teria o direito disso? No dia seguinte, vesti a máscara novamente com o auxílio do velho e se dirigi até minha cidade. Tinha deixado minha nave guardada em uma garagem particular e por lá ficou, se voltasse a andar com ele pela rua, logo alguém me reconheceria. Ainda a poder das chaves do condomínio, entrei no apartamento surpreendendo Roger que se encontrava em meu quarto. — Como está senhor, Roger?
Ao ouvir minha voz, Roger se virou rapidamente, derrubando o celular de sua mão. — O que está fazendo aqui homem? — Ué, como me reconheceu? - cruzei os braços, apoiando-se na parede. — Sua voz é inconfundível Smoth. Parece um leão rosnando. — Se isso foi um elogio, fico emocionado. Agora me diga, o que está caçando em meu quarto? — Não seja ridículo! O que procuraria aqui se já levou tudo consigo? - se exaltou, Roger. Roger estava insatisfeito com algo, a todo momento olhava para os lados, parecendo esconder alguma coisa. — Nem tudo. — Como assim? — Cadê a arma que Filipe me deu? — Segundo suas palavras, você guardava na gaveta deste criado, ou estou errado? - abriu a gaveta do criado, Roger. — Você não está errado, mas desde a morte de Charlie e Luzia, não encontrei a arma e nem Filipe.
— Problema seu e do Filipe. Não venha me interrogar não. - se levantou, me deixando sozinho no quarto. — Me explica, como Filipe pegaria essa arma sem você ver? - disse, o seguindo até a sala. — Não se faça de burro Smoth, será que se esqueceu de André? — O que tem ele? — O velho veio aqui e após a morte de Charlie e Luzia, nunca mais deu as caras. Veio com uma desculpa clichê de que estava doente, ainda mandou por e-mail. Quando Roger levantou a hipótese, comecei a raciocinar. Só podia ter sido André o ladrão de minha arma, com certeza teria pego a arma e entregado para Filipe. O desgraçado deve ter recebido uma boa recompensa por isso. — Agora eu estou recuperando minha inteligência. Filipe deve estar com a prova que incrimina Charlie no caso do jogador de basquete. Sabendo que descobriríamos isso, comprou a dignidade de André que estranhamente já sabia que pediríamos sua ajuda. — Como sabia? - se sentou em uma cadeira, Roger.
— É… - por um momento senti uma zonzeira em minha cabeça e se não fosse me apoiar na parede, cairia de cara no chão. Roger ficou preocupado mas se manteve na dele, então peguei do bolso esquerdo de meu blazer, algumas balas de ursinhos ácidos e comi, voltando ao normal aos poucos. Prosseguindo, André nos incentivou a procurar essa prova, tanto que Luzia foi para a casa de Charlie e eu para Bernardo City. Concluindo, Filipe armou tudo para poder matar o doutor e a filha dele. — Mas e porque ele pegaria a faca, se a arma incriminaria Charlie? — Simplesmente pelo fato de haver algum motivo para se vingar de Charlie. - deduzi, colocando a mão no queixo. — E qual seria esse motivo? Comi um pouco mais dos ursinhos e se aproximei da porta, a abrindo. — Eu vou descobrir isso hoje! Apesar de tentar, Roger não conseguiu dizer nada, já que bati a porta e sai correndo, tinha que encontrar Filipe por dois motivos, o primeiro era descobrir o porque de fazer tudo isso e segundo porque precisava
tirar esta máscara urgentemente, pois o mundo precisava ver meu lindo rosto. Mesmo insatisfeito, Roger me emprestou seu carro. Apressadamente se direcionei para o jornal, Filipe estava saindo do Bernardo City com uma pasta de baixo do braço, olhando para todos os lados parecendo estar assustado. Pensei em abordá-lo mas preferi segui-lo. Filipe teve um sexto sentido e não foi para sua casa, preferiu ir para um hotel onde entrou quase que correndo. Estranhando seu comportamento, um dos homens que estava posicionado como guarda na porta do hotel, olhou para Filipe e entrou. Sai do carro e entrei sem nenhuma pressa, coloquei as mãos no bolso e cumprimentei o homem que voltou a sua posição. Antes mesmo que me perguntasse, respondi o balconista que se convenceu de que eu era acompanhante de Filipe. Subi pelas escadas, enquanto que Filipe optou pelo elevador. Cheguei segundos depois dele no terceiro andar e consegui ouvir o barulho da porta batendo. Como o corredor era extenso com 4 quartos, confiei em minha intuição e bati à porta do meio, até porque a última não poderia ser, pois havia chegado pouco tempo depois dele e conseguiria vê-lo.
Se estivesse errado o quarto, a pessoa que me atendesse no máximo se assustaria com a minha cara de velho e meu corpo escultural de jovem, mas se tem algo que devo confiar é em minha intuição. Filipe se assustou ao me ver e não conseguiu esconder em seus olhos a vontade que tinha de fechar a porta em minha cara.
10 — Como me encontrou aqui? — A pergunta seria, porque está fugindo? - indaguei Filipe. Filipe não me respondeu, me serviu um pouco de café e fez o mesmo para ele, antes de se sentar, foi até a geladeira e pegou mortadela. Preparou um lanche e sem oferecer, começou a comer, se sentando em seguida. — Gosta de café? — Sim. — Não parece. Você nem tomou ainda. — Primeiro quero saber o porque de seu sumiço. - insisti com a pergunta. Percebendo que não se livraria fácil de meu interrogatório, Filipe cruzou os braços e após lamber os beiços, resolveu falar. — Você esqueceu que também estou sendo procurado pela polícia? Não estou disposto a andar por aí com uma máscara igual à sua, até porque o reconheci só pela voz.
— Não vamos enrolar mais essa conversa. Eu quero saber o porque de ter roubado minha arma? - bati a mão na mesa, fazendo o copo tremer. — Você está louco Smoth? Pra que eu roubaria uma arma? — Para matar Charlie? Não sei por qual motivo levaria você a fazer isso, mas só você sabia que eu tinha uma arma. — Não só eu, como você também sabe que Roger tinha conhecimento da arma. Porque sempre confia nele? — Eu não devo satisfações a ninguém, só quero ouvir de sua boca, se foi você mesmo que matou Charlie e Luzia. — Também não devo satisfações. Se quiser preservar a nossa amizade, por favor, tenha a gentileza de sair daqui. - disse Filipe, se levantando e apontando para a porta. Mesmo nervoso, não adiantava ficar insistindo. Ele não falaria nunca, então se levantei, limpei o blazer com a mão e sai. — Antes de ir, eu tenho mais uma pergunta. — Fale.
— Porque está neste hotel e não no Bernardo City? Filipe pensou e então respondeu. — Simplesmente, porque você me meteu em uma encrenca, e agora me tornei um fugitivo! - respondeu, batendo a porta em minha cara. O comportamento de Filipe era o seu maior acusador. A única maneira de provar que ele tinha assassinado Luzia e Charlie, era ir na casa dele e encontrar a faca que estava guardada naquela maleta. Deixei alguns dias se passarem e fui até a casa de Filipe. Uma casa simples com uma garagem na frente e uma colmeia pendurada no telhado de madeira. Toquei na porta, mas ninguém respondeu, então abri a porta com a cópia da chave que consegui pelas próprias mãos dele. Como já imaginava, não tinha ninguém em casa. Vasculhei a casa inteira, começando pela sala, até que depois de 10 minutos, quando o suor já tomava posse de minha testa, encontrei a bendita faca, protegida por um plástico, dentro da gaveta de um armário. Por segundos pensei que não se tratava da mesma faca, pois imaginava que Filipe a guardaria em um lugar mais protegido, mas a reconheci e apressadamente escondi sobre meu blazer.
Prestes a sair do ninho do assassino, ouvi um barulho de chave. Era Filipe, mas como? Será que ele havia me seguido? Se escondi atrás da porta de seu quarto, caso ele abrisse, seria surpreendido por mim. O barulho de seus passos ficavam mais fortes a cada segundo. Uma pessoa normal estaria com medo, mas como eu não se tratava de um humano, esperei de braços cruzados. — Eu sei que você está aí, Smoth. Você ou eu abre a porta?! Surpreso por saber que eu estava ali, não respondi nada. Não estava a poder de armas e caso obedecesse ele, levaria um tiro ao abrir a porta, por isso fiquei em silêncio. — Sabia que você não teria coragem. Sempre se tratou de um covarde! Não recebendo resposta, Filipe disparou sobre a porta. Continuei escondido, até que ele perdeu a paciência e abriu a porta, sem dar tempo para minha reação, apontou a arma na direção de meu rosto e me acuou para a sala. — O que veio buscar aqui? - novamente não recebeu resposta. - Eu nem precisava perguntar, me entregue o que pegou. - exigiu, apontando a arma para mim,
estendendo sua mão esquerda para receber de volta a faca. Só daria a faca de volta, se fosse enfiada no peito dele. — Vamos Smoth! Não teste a minha paciência! Matar você não vai me custar nada. — Pra quem matou duas pessoas, mais um seria um prêmio. - disse, sentando no sofá, o encarando. — Me perdoe se eu matei o seu amorzinho, mas foi preciso. Ela não cooperou comigo, então tive que assassiná-la. — Acha mesmo que ela daria as provas do crime para um homem como você? — Por isso a matei. - declarou, sorrindo. O que o idiota não sabia é que estava sendo gravado. Por estar nervoso, minhas mãos tremiam. Filipe percebeu meu nervosismo ao ver a minha mão esquerda tremendo ao ajeitar o meu chapéu novo que tinha a cor branca e uma faixa preta. — E porque matou Charlie? O que ele te fez de mal? - cruzei os braços cuidadosamente, evitando tocar no plástico em que estava guardado a faca.
— O que ele me fez de mal? Você sabe muito bem os crimes que Charlie fez, eu só fiz justiça, não devia lutar contra mim como se eu fosse um inimigo. Pela primeira vez ri de Filipe, estava com tanto ódio dele que só conseguia lhe encarar com os punhos cerrados, mas a tentativa de me convencer que tinha feito tudo isso por justiça, era muito ironia da parte dele. — A justiça que conheço, prenderia ele e o condenaria a pagar pelos crimes cometidos. — Acorde Smoth, estamos no Brasil! Enquanto Filipe apontava a arma para mim, eu continuava imóvel, temendo a acusar que a faca estava aguardada em um bolso secreto dentro de meu blazer. — Não me enrole Smoth, entregue logo o que pegou! — Só vou entregar se você revelar se tem conhecimento de uma prova. - disse, se ajeitando no sofá. — Que prova?! — Gravaram uma briga que Lioni teve com o suposto assassino. Você tem conhecimento desse vídeo?
— Porque logo eu teria conhecimento? — O vídeo foi publicado pelo Bernardo City, você, com certeza, deve ter conhecimento. — Quem lhe passou essa informação? — Não interessa. Eu sei que ela é legítima e por isso precisava de sua ajuda… me entregue esse vídeo que lhe entrego a faca. — Eu não posso lhe envolver nisso. Essa é uma vingança pessoal. Quando Filipe soltou a palavra “pessoal” de sua boca, ele deu dois passos para trás e se segurou para não chorar. Antes que eu pudesse perguntar, ele se prestou a se explicar. — O jornalista que gravou o vídeo foi meu pai, e por causa disso, ele foi morto por Charlie. Lembro até hoje que meu querido pai já sabia do risco que estava correndo e combinou com o maldito Charlie para se encontrarem em uma noite, onde haveria uma “negociação”. - fez o gesto de aspas com as mãos – Essa negociação foi uma armadilha, onde Charlie atirou em meu pai pelas costas após ele entregar a cópia do vídeo… — Mas o que seu pai propôs para ele?
— Não me lembro muito bem, porque era apenas uma criança, mas, com certeza, foi dinheiro. Minha família estava em crise, minha mãe desempregada, e meu pai prestes a sair do jornal, então ele me deu esse vídeo e entregou uma cópia para Charlie. — E você estava presente no dia do crime? — Escondido atrás de uma lixeira. Meu ódio por Charlie só aumentou no decorrer dos anos. — Precisamos ficar juntos, Filipe. Só juntos poderemos provar que Charlie é o culpado por todos os crimes. — Você não entende Smoth, antes de fazer justiça, preciso acabar com o nome dele nas mídias sociais e difamar a sua imagem de santo. Preciso fazer isso sozinho, então por favor, me entregue a faca. O que realmente Filipe desejava era ganhar dinheiro com notícias sobre Charlie. Mas sabia que só terminaria aquela discussão quando entregasse a faca, então se levantei e tirei do meu blazer a faca. — Me entregue uma cópia do vídeo. - pedi, entregando o que queria. — Pra quê? — Preciso dela. Só me entregue, por favor.
Enquanto conversávamos, a todo momento Filipe continuava com a arma apontada para a minha direção. Só a guardou após receber a faca de minhas mãos — Amanhã, nove e meia da noite, atrás da quadra da escola Be. Me encontre lá, que você terá o que quer. Não respondi nada, apenas se dirigi até a porta e sai. Corri o risco de levar um tiro nas costas, mas não se preocupei. Antes de ir, ainda tive que resistir a provocação de Filipe sobre o meu disfarce. — Essa sua máscara está ridícula, reze para não envelhecer porque você vai ser um veio feio, viu? - gargalhou o idiota. Não avisei nada a Roger sobre o meu encontro com Filipe e nem contaria sobre o próximo. Estava com medo que algo de ruim acontecesse com a minha pessoa, e por isso, planejei uma armadilha para pegar Filipe. Ás nove e meia em ponto, se encontrava encostado na parede de um beco que ficava atrás da escola, várias as vezes, tampava o nariz com as mãos por causa do mal cheiro. Filipe chegou um pouco atrasado, o suficiente para me deixar apavorado. Até que após a neblina tocar o chão, ele apareceu, vestido de um terno preto com uma gravata vermelha. Se
aproximou de mim calmamente, e estendeu a mão direita, segurando um Pen drive branco que só foi possível enxergá-lo por causa da pouca quantidade de luz que vinha do poste que se encontrava na calçada. — Que bom que você não me decepcionou. Filipe sorriu e apontou a arma em minha direção. — Como você é inocente, Smoth. Acha mesmo que lhe ajudaria? — Você não pode voltar atrás Filipe. Me entregue o Pen drive, conforme o combinado! — Pra quê?! Eu não sou seu amigo, não quero ajudar em nada! — Para de besteira, não seja egoísta, Filipe! — Egoísta?! Você está pensando apenas em seus objetivos, lutando para continuar rico e me chama de egoísta?! Somos iguais. — Jamais! Não sou esse lixo que aponta uma arma para outro homem! - dei dois passos para trás. — Você vai morrer igual a Luzia. Desejava muito que morresse e não deixasse vestígios, como fiz com Charlie. O idiota foi empurrado da escada e
se quebrou todo enquanto rolava pelos degraus. Mas
você… infelizmente, terei que usar o método mais arriscado. Se bem que ninguém vai nos flagrar. disse, caminhando em minha direção. — Dispare logo. Você sempre foi esse idiota e covarde. Atire infeliz! - o desafiei, abrindo os braços. Sem pensar duas vezes, Filipe sorriu e disparou. — Morre infeliz! O tiro acertou o meu peito, com o impacto da bala, cai no chão. Por alguns segundos, Filipe gargalhou, pensando que havia me matado, mas ao ver que eu sorria e se levantava aos poucos, mudou de expressão. Antes que pudesse me matar, policiais o surpreenderam, exigindo que se rendesse, mas em um ato idiota, Filipe atirou em um dos agentes que por sorte não se feriu. Como não se renderia fácil, um dos policiais atirou nele, claro que o tiro foi para imobilizá-lo, acertando seu braço esquerdo. Mesmo de raspão, Filipe ficou amedrontado. Após ser algemado, Filipe se virou em minha direção, furioso. — A batalha só está começando, Smoth. Em breve as experiências de Charlie terão vida! Você vai ser o primeiro alvo deles! - disse gargalhando, levando um tabefe do policial que o jogou dentro da viatura
“delicadamente”. Fiquei pensativo com o que disse, e não querendo morrer com aquele pensamento preso em meu cérebro, fui até a viatura, mas os policiais me afastaram. Os policiais sabiam que eu era o Smoth, mas não me prenderam graças a André que tinha moral diante deles e mesmo aposentado, pediu pra que eles me dessem uma chance de provar a minha inocência. No dia seguinte, entreguei a cópia do vídeo para os agentes e junto, levei a gravação que fiz de Filipe onde ele confessava que havia matado tanto Luzia quanto Charlie. Apesar disso, ainda teria que responder na justiça por alguns atos cometidos pela minha pessoa, mas já estava com a cabeça um pouco mais tranquila em relação a justiça dos homens. André confessou que havia sido ele o culpado por Filipe estar a poder de minha arma, mas o desculpei, pois o velho já estava com o pé na cova. Voltando para o apartamento de Roger, se sentei em minha cama, feliz por meu quarto ainda está intacto. — Perdeu a noção do perigo? Cadê aquela máscara ridícula? - perguntou Roger, se encostando na porta. — Graças a André e a minha pessoa, fui inocentado. Não preciso mais de disfarces.
— Que ótimo! - Aplaudiu, Roger. - Mudando de assunto, amanhã você teria um tempo disponível para uma reunião? Olhei para Roger um pouco insatisfeito, e então o respondi. — Amanhã eu te respondo isso. Roger sorriu após me ver virar as costas, ele sabia que eu teria um tempo livre. — Oito e meia da noite, aqui mesmo. confirmou o horário, mesmo notando o meu desinteresse. Algo que não saiu de minha cabeça era o que Filipe havia falado. Como as experiências de Charlie teriam vida? Do que ele estava falando exatamente? Será que existia mais segredos que envolviam Charlie e sua vida oculta por trás de seu jaleco branco? Para tantos caminhos que meu coração estava me indicando, escolhi em voltar para a casa do velho que me emprestou a máscara. Quando cheguei, fui recebido pela mesma mulher com o mesmo comportamento que ainda me causava pavor. Aguardei por alguns minutos até que o velho apareceu, me olhando fixamente. — Pensei que não voltaria mais. — Magina, só que não vim para ficar.
— Então? Entreguei um pacote para ele, onde tinha um pouco de dinheiro. Pensei que o homem recusaria, mas aceitou. — Vim até aqui na verdade para lhe fazer uma pergunta. Abrindo o pacote para verificar se era dinheiro mesmo, o homem perguntou. — Qual? — Doutor Charlie. Você conhece essa pessoa? Ouvindo o nome de Charlie, o velho derrubou o pacote no chão e sem saber o que fazer, tirou a chave do bolso esquerdo de sua calça e abriu a porta. Entendendo o convite para sair de sua casa, se dirigi a porta e tirei meu chapéu. — Se quiser falar alguma coisa, é só me ligar. O velho continuou a me olhar, após sair de sua casa, ele me chamou, renovando minhas esperanças, e aumentando minhas dúvidas. — Fique longe de tudo que está relacionando a Charlie. — Como? - se aproximei do velho que já estava prestes a fechar a porta.
— Se afaste das criações de Charlie e use a máscara que lhe dei, se quiser sobreviver. Quando fui perguntar, o velho bateu a porta em minha cara, afogando dez vezes mais o meu cérebro. Novamente as “criações” de Charlie estavam na boca de outra pessoa, primeiro Filipe e agora, o velho. Seria possível Charlie ter deixado espécies de “monstros” ou experiências com objetivos de destruição? Como esse velho e Filipe sabia desses mistérios obscuros de Charlie? Passei a noite em um hotel, e logo ao amanhecer, fui para o cemitério visitar corações que viviam em meu interior. Uma das coisas boas que o dinheiro me deu foi a oportunidade de construir um túmulo digno para a minha querida avó, do lado de seu túmulo se encontrava o túmulo de Luzia e de Sheila. Pedi aos familiares de ambas para poder ter elas um pouco mais perto de mim, e claro, fui autorizado. Ao lado de meu cachorro Ted, coloquei flores nos três túmulos e baixei a cabeça, segurando meu chapéu com as duas mãos formando um V com meus braços. Um vento forte invadiu o cemitério e jogou algumas folhas sobre o meu rosto. Permaneci na mesma posição por 5 minutos, 300 segundos foi o suficiente para trazer lembranças boas e o amor que
as três pessoas tentaram me dar, depois do 301, o ódio voltou em meu coração e sai de punhos cerrados do cemitério, fazendo Ted correr atrás de mim. Aguardei impacientemente o horário da reunião chegar, comendo balas feito um menino guloso. Não me atrevi voltar ao apartamento antes do horário, pois sabia que Roger ousaria a adiantar a conversa e eu era um homem de palavra, se falou tal hora, é tal hora. As oito e meia da noite, bati à porta e entrei, cumprimentando Roger com um leve aperto de mão. Bebemos um pouco de água, só para lavar a garganta mesmo, e então o segui. Estranhamente, ele me levou ao meu quarto onde tinha pregado algumas fotos na parede. — Vou ser breve, Smoth. Apesar de estarmos com muito dinheiro em nossas contas bancárias, precisamos continuar lucrando, principalmente se a justiça querer arrumar treta com o senhor novamente. — Já entendi. A vítima dessa vez é esse homem. - apontei para a parede, olhando para Roger. — Sim. Ele é dono de várias empresas e já descobri que conquistou tudo em um período muito breve, tanto que amigos imaginam que ele ganhou algum
prêmio milionário. - disse Roger, excitado com a conversa. Enquanto ele falava, minha atenção se dirigia para a foto do velho que aos poucos me parecia familiar. E quando enfim notei de quem se tratava, arranquei a foto da parede. — Eu conheço esse maldito! — Conhece? Como assim, Smoth? Tomei fôlego para falar. — Ele é meu ex – patrão. É ele! É essa empresa aonde eu trabalhava! Pior período da minha vida. - relembrei, entristecido. — Ótimo! É isso que precisamos! Muito ódio e sede de vingança! - levantou-se, batendo palmas. Por um segundo senti vontade de bater em Roger, mas depois, preferi ficar calado, pegar minha nave e sair. Nunca diga nunca, e nem pense em falar que não vai voltar em algum lugar ou que vai se afastar de alguém para sempre. Resumindo, não coloque certeza nas coisas do futuro. Um belo exemplo disso, foi a infantilidade de dizer que não voltaria mais a empresa de onde fui demitido, só voltaria quando fosse o dono dela. Mas por causa de ambições,
precisaria tirar da gaveta de meu guarda-roupa do passado, uma fase que imploro a Deus que não volte mais. Estacionei minha nave em frente ao local e abaixei o vidro, olhando para o lugar que há algum tempo atrás, me prendeu a sonhos e esperanças que se tratavam apenas de ilusões. Com o braço para fora do carro, fiquei olhando para cada detalhe daquele local onde só recebi humilhações, como muitas outras pessoas recebem daqueles que se acham poderosos. Para os poderosos, eu só tenho a dizer que voltei! Voltei para o meu apartamento, alguns vizinhos passaram do meu lado mas não me dirigiram a palavra, eu nem se importei, pois odiava ser simpático com pessoas desconhecidas. Comi algumas minhocas ácidas de gelatina e entrei procurando por Roger, chamei seu nome por três vezes mas não recebi resposta. Parecia inacreditável, mas o notebook de Roger se encontrava em cima da mesa, e pra me convencer que eu estava sonhando, a máquina estava aberta. Curioso como sempre, se sentei na cadeira e vasculhei as navegações mais recentes dele, até que depois de tanto procurar, encontrei uma pasta de fotos, o que parece normal. Todo mundo possui uma
pasta de fotos, mas meu coração não queria saber disso, me obrigou a abrir a bendita pasta. De tantas imagens ridículas, selfies e fotos de viagens, encontrei fotos de uma pessoa que aos poucos foi liberando os traços de seu rosto em meu cérebro. A sua imagem atacava o meu interior como se fosse bombas atômicas, aos poucos estava perdendo o ar e queimando em chamas. Quando Roger saiu do banheiro, ao me ver a poder de seu notebook, correu até a mim e tirou o computador de minhas mãos. — Quem te deu autorização para mexer em minhas coisas?! O choque foi tão forte que não conseguia falar, nem se mexer, fiquei sentado na cadeira com as mãos na cabeça, apoiando os dois cotovelos na mesa e olhando pro nada, sem entender, sem forças para ouvir ou responder. Depois de tanto tempo, a fraqueza tinha voltado a me atingir e os sentimentos que só os seres humanos tinham, voltaram ao meu coração tentando me destruir. — Me responda Smoth!
Apesar de insistir, continuei calado, lutando contra forças ocultas e lembranças que não me faziam bem. Roger insistia em saber a minha resposta, estava com medo de descobrir que eu conhecia essa pessoa. Pobre dele, eu não só conhecia como vivi iludido por ela, por muitos anos. O meu passado estava voltando, a minha história ressurgia das cinzas e as pessoas que estavam mortas, ressuscitaram. Não só o antigo Daniel estava próximo de ressuscitar, como Sandra, o meu grande amor e minha decepção estava de volta. Dois inimigos a mais na caça do poderoso SMOTH.
AGRADECIMENTOS Agradeço a minha avó por acreditar em mim, aos meus colegas e amigos por me incentivarem a seguir meus sonhos, a Nossa Senhora Aparecida por abençoar minhas histórias e a Deus, o grande responsável pela criação desse grande personagem, chamado Smoth. E claro, agradeço a todos os leitores que continuam lendo meus livros, tanto do Brasil, quanto de outros países. REDES SOCIAIS. FACEBOOK: https://www.facebook.com/Pequeno-Escritor268932514028356/ INSTAGRAM: https://www.instagram.com/escritor_stefenmoonwalker/ E-MAIL: stefenhermenegildomjj@gmail.com
GOSTOU DO SMOTH? Não se preocupe, muitas histórias ainda estão por vir desse personagem. Aguarde. (mais detalhes nas redes sociais).
NA LUTA CONTRA O CÂNCER Conheça o trabalho do Esquadrão Olhar do Bem, um grupo de mulheres que levam um pouco de alegria para crianças com câncer. Acessando a página, os pais, familiares e amigos terão informações de sintomas do câncer infantil e outras coisas importantes sobre o assunto. Se inspire nelas, não precisamos de dinheiro, e sim de atitude e amor para salvar nossas crianças. Vamos levar mais alegria para elas? Se inspire: https://www.facebook.com/Esquadr%C3%A3oOlhar-do-Bem-Combate-do-c%C3%A2ncer-infantil514520909008536/
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homofobia, feminicĂdio e corrupção. Para enfrentarmos tudo isso, necessitamos do uso
dessa droga, mesmo temendo as consequĂŞncias que trarĂĄ, pelo seu uso excessivo.
Mas qual será a dose certa para não sermos vítimas de uma overdose de amar? Será que realmente conseguiremos conquistar o equilíbrio de nossos sentimentos? CLAVES DO AMOR
"Como explicar a dor de um coração partido? Como demonstrar para as pessoas que você esta bem sem estar? Qual o caminho para ser feliz ao lado da pessoa que ama? As perguntas são muitas, porém, infelizmente nunca encontrei as respostas. Meu maior amor se foi com outro e quando se encontrou sozinha, perguntou se alguém ainda a amava, e infelizmente não consegui respondê- la no momento que precisava. Se apaixonar parece interessante, mas traz sequelas para uma vida toda. Posso dizer com toda a certeza que o mesmo ódio que nos separa, ao mesmo tempo nos une, pois o amor vive dentro do
coração de ambos, apesar de tentarmos destruĂ-lo.
Ela se foi, me traiu, mas voltou e no momento que mais precisava, ficou em minhas mĂŁos, dependente
de mim, o que fazer nesse momento, pelo qual posso escolher pela vingança, ou pelo perdão?". Amar ou odiar? Escolhas que mudaram a vida de TÊrcio e Marina, um casal como qualquer um, diferente apenas no jeito de amar (talvez).
ATÉ BREVE LEITORES… ESPERO VOCÊS EM MEU PRÓXIMO MUNDO DA LITERATURA… BJS, AMO VOCÊS!