Beleléu #1

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DANIEL LAFAYETTE + EDUARDO ARRUDA + ELCERDO + STÊVZ + CONVIDADOS



PRIMEIRA PARTE A MORTE É UM ESTADO DE ESPÍRITO

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HISTÓRIA DE PESCADOR PRA BOI DORMIR ENQUANTO A VACA TOSSE

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la bota a gota d’água no feijão na panela velha que faz comida boa, passa os legumes da frigideira para o fogo, que hoje tem visita das que descascam o abacaxi e torcem o pepino desde pequeno: Bom de garfo, que não dá colher de chá. ”É melhor pegar logo a faca de dois gumes e depenar a galinha dos ovos de ouro, pra não ficar chorando sobre o leite derramado depois, que farinha do mesmo saco vazio não para em pé e em boca fechada não entra mosca nem vingança fria de sobremesa.” Juntando a fome com a vontade de comer, o apressado de olho maior que a barriga mal lava uma mão na outra e já dá com a língua nos dentes, comendo cru e quente. E dá-lhe pimenta nos olhos dos outros, que pra acalmar os ânimos só uma tempestadezinha em copo d’água, que ninguém é de ferro e espeto de pau torto nunca se endireita. Caviar é uma ova, engolindo sapo por lebre nem se percebe o ingrediente secreto: chuchu beleza com chumbinho, assim assado. Fazer o quê? Caiu na rede é filho de peixe, peixinho é.


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intervenção urbana é a cidade

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convidado| daniloz

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Elcerdo

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O T R IST E FI M DO PA LH A ÇO PA ÇOQ UI N H A

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eu no único jornal da cidade, entre os classificados e o resultado da loteria: “Palhaço Paçoquinha finalmente consegue”. Isso porque não era a primeira vez que tentava. Nem a segunda ou terceira, diga-se de passagem. A mais notória, sem dúvida, fora a décima quarta mirabolante tentativa, no verão de 85, que mobilizou todo o corpo de bombeiros e o guincho do Seu Zackarias no resgate do fusca no pântano. Mas outras também acabaram tornandose lendárias, principalmente pela criatividade e variedade de métodos, dignos do artista que era. Acontece que, como nas armadilhas dos vilões americanos, faltava-lhe objetividade e, justamente por conta disso, jamais fora bem sucedido em seu propósito. A torta envenenada na cara causoulhe apenas um incontrolável soluço que o atormentou por uma semana, além de uma diarréia dos infernos. Sobreviveu também ao choque da torradeira na banheira, mas o patinho de borracha não teve a mesma sorte. Da velha pisto-

la d’água nem se fala. Certa vez tentou, ainda, intoxicarse com o hélio dos balões, e acabou permanentemente com a voz esganiçada, o que atribuía-lhe efeito cômico mesmo nos momentos mais embaraçosos e inoportunos que vivesse. Mas Agenor Ladeira, o nosso ilustre palhaço, não fora sempre este incorrigível e deprimido suicida. Já tivera próspera carreira no circo. Respeitado por todos, era casado com a mulher barbada Marilu. Certo dia, porém, pedalando sua mini-bicicleta do trabalho para casa, pegou-a no flagra aos beijos com o barbeiro, com quem fugiu dias depois. Afogado em mágoas e dívidas de engraxate, Agenor nunca mais foi o mesmo. Desde então, decidido a dar cabo da própria vida, aprimorou-se nas entradas triunfais e saídas estratégicas. E, quando percebia a deixa do destino, não hesitava em concluir a piada. Mas nunca ria por último, coitado. Quando pulou da ponte José Pergolato Filho, ficou pendurado durante 5 longas horas, preso pelo ca-

darço desamarrado. Quando se jogava na frente dos carros, todos sempre paravam, confundindo o seu nariz com o semáforo. Enquanto isso, o palhaço Paçoquinha precisava continuar trabalhando. E lá ia ele, montado na sua bicicletinha, alegrar a festa de todas as crianças da cidade. E elas nunca se divertiram tanto, apesar dos pais acharem estranho o palhaço que modelava forcas e guilhotinas em balões coloridos e espirrava lágrimas pelas flores de lapela. Acontece que Paçoquinha era um palhaço nato, mesmo que não quisesse. E nunca foi tão aplaudido ou provocou tantas gargalhadas como quando engasgou naquele pedaço de marmelada, mudou de cor, abanou os braços, deu duas cambalhotas desengonçadas e estatelou-se no chão.


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SEGUNDA PARTE VIVER É FREESTYLE

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FIAT LUX 38


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A M OR DE S U PE RM E RCA DO

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onheceram-se na seção de enlatados, ao alcançarem ao mesmo tempo a última lata de sardinha — vencida. Resignaramse os dois, contentando-se com as ervilhas e salsichas, respectivamente — o que provou-se uma sábia decisão no final das contas. Mas ainda não chegamos às contas, muito menos ao final. Riramse ao esbarrar de novo um no outro nos artigos de limpeza, comparando preços de sabão em pó. Na terceira coincidência, decidiram percorrer logo as listas de compras juntos, que afinal eram muito similares. Conversa vai conversa vem, escolheram batatas, cebolas e abobrinhas; pesaram lagartos e maminhas; estocaram granola e farinha.

Mas no que não coincidiam, completavam-se: ela levava areia de gato, ele ração de cachorro; ela arroz, ele feijão. Foram conhecendo-se melhor ali, entre os extratos de tomate e pepinos em conserva. Ao chegarem aos laticínios já eram almas gêmeas, fazendo planos de encher a geladeira com mais freqüência. Passando pelas fraldas e mamadeiras, os olhos dela brilharam um pouquinho, mas pegou apenas talco para disfarçar. “Chulé”, disse brincando. Já tinham essas liberdades que vem com a intimidade. Discutiram pela primeira vez na seção de vinhos: ele preferia os tintos, ela os brancos e rosês. Reconciliaram-se logo em seguida, junto aos

rolos de papel higiênico de folhas duplas. Chegaram mesmo a dividir a pasta de dentes sensíveis e o fio-dental mentolado, os congelados em promoção — ele tinha cupons — e o xampu 3 em 1. Até que, na fila do caixa, ela o pegou no flagra bebendo a caixa de cerveja do carrinho ao lado com os olhos. Foi o bastante para o rompimento. Na verdade todo o relacionamento já andava abalado desde o incidente do leite desnatado e do fiasco da pomada para hemorróidas. Pagaram com cartão: ele no débito, ela no crédito. Empacotaram os seus bens, despediram-se com um seco aceno de cabeça e não se viram desde então.


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vejo um amor em seu caminho: de aço inoxidável, com quatro velocidades de centrifugação e um ano de garantia.


convidado| kioskerman

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convidado| berliac

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COMO UMA ATITUDE PRECIPITADA

PODE LEVAR A UMA BOA IDÉIA

QUANDO JÁ NÃO É POSSÍVEL

COLOCÁ-LA EM PRÁTICA Elcerdo +

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Elcerdo +

PAPO DE BAR

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ê.


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Elcerdo

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convidado| gomez

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BE LEZ A P OU C A É BOBA G E M

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oltamos ao vivo do planeta Terra, onde dentro de instantes iremos conhecer a próxima Miss Ser Humano deste século. Mas antes, a última candidata finalista: Esperança no palco e na passarela, pesando noventa toneladas — e mesmo assim mais leve que uma pluma —, medindo 15 centímetros de altura, 184 de busto, 32 de cintura, um quilômetro de quadril e meio metro de sorriso, ela é só simpatia e carisma. Formada em Educação Física Quântica pela Universidade do Sri Lanka, seus hobbies são derreter calotas polares e comer casquinhas de siri. Pretende descobrir a cura do câncer de dedão e o sentido da vida, assim que os porcos criarem asas na Malásia. Preenche um biquíni como ninguém e sabe a tabuada e a raiz quadrada da dívida externa de cor e salteado. Mantém o senso de humor bronzeado e radiante como uma bomba atômica de domingo e não está para brincadeira, decidida a vencer custe o que custar, ainda mais de barba feita.

Os jurados consultam os astros pelo telescópio, a audiência pelos binóculos e a consciência no microscópio eletrônico de varredura. Os apostadores, à postos na platéia, apostam alto: o páreo é duro, apesar de Esperança ter matado todas as outras concorrentes. A campeã do mês passado já removeu cirurgicamente a coroa de espinhos, conformada, se prepara para passar a faixa de Gaza e o cinturão de peso morto sem cair do salto. A torcida delira com os anúncios dos patrocinadores, Esperança sapateia sobre os cadáveres das oponentes e assovia chupando manga e fumando cigarro sem filtro. Os jurados resolvem decidir no palitinho. Esperança roda a Bolsa de Valores debaixo do poste. A platéia aplaude a placa de aplauso, emocionada com o espetáculo — e com dois meses de atraso lá vem o envelope lacrado com o resultado e a conta de luz, senhoras e senhores: a grande vencedora você fica sabendo depois dos comerciais.

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É MELHOR DAR LOGO O QUE ELES QUEREM

UM QUADRINHO BASEADO NUM FILME

BASEADO NUM LIVRO QUE É BASEADO NUM FILME

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QUE É BASEADO NUM COMERCIAL DE MARGARINA

COLORIDO ARTIFICIALMENTE

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LAFA + STÊVZ 80


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SÓ TERMINA QUANDO ACABA


rvados

direitos rese

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