chupa manga zine
número 6 ● agosto 2017
PRESENTE:
CHAPA MAMBA LANÇA O QUINTO DISCO EM 3 ANOS OS BASTIDORES DE MAIS UMA PRODUÇÃO AMBICIOSA E SEM UM TOSTÃO FURADO
E AINDA: JINGLE POLÍTICO DICAS NETFLIX PARTITURA LUIZ PAULO HORTA TELEHARMONIUM
chupa manga zine
número 6 ● agosto 2017
EXPEDIENTE editor-chefe Stêvz colaboram nesta edição Zanzi Frånvarande
cbna
Stêvz é o nosso fantástico editor, e apesar de preferir não empregar superlativos, referir-se a si mesmo na primeira pessoa do plural ou na terceira do singular, é exatamente isso que está fazendo agora. Assina todos os textos deste zine, exceto onde indicado.
fale conosco chupamangarecords@gmail.com chupamanga.tumblr.com Impresso, dobrado e grampeado em casa, no fim do inverno esquizofrênico de 2017
Chupa Manga Records Porto Alegre • Brasil
na capa: detalhe da capa de Presente (chupa.021)
e
di
to
ri
al
Volta e meia recebemos uma daquelas mensagens desesperadas de bandas que cataram todos os e-mails de gravadoras que puderam encontrar e saem atirando pra todo lado, sem qualquer distinção, divulgando a sua primeira ou segunda demo. Por já ter estado do outro lado, nos esforçamos para escutar tudo e, volta e meia, alguma coisa realmente nos agrada tanto que mandamos alguma mensagem encorajadora, tentando iniciar diálogo. Vocês sabem, este é um selo caseiro sem muita perspectiva de grande público ou reconhecimento financeiro, até mesmo por opção; portanto, tentamos deixar isso claro logo de início. O caso é que raramente ouvimos falar novamente da banda, até que alguns meses depois eles anunciem o seu glorioso lançamento por outro selo mais famoso e hypadinho. Nenhum problema nisso, mas custa responder? Educação passou longe. Eu, hein. Não mandem material pra gente. Por outro lado, conhecemos projetos incríveis pela internet (e pessoalmente, depois de algumas cervejas) e que sintonizaram imediatamente com a proposta modesta do selo, como o Irmão Victor, Hakaima Sadamitsu e o eslovaco Stano Sninský. A Chupa Manga é, antes de tudo, um verdadeiro pára-raio de maluco, o underground do underground, e por aí vamos. Enfim, após essa breve anedota, a moral da história: não espere nenhuma gravadora, empresa, grupinho ou panelinha validar o seu suado trabalhinho, FAÇA VOCÊ MESMO/A, do jeito que der, e bote no mundo; seja música, poesia, quadrinho, filme, escultura ou qualquer outra coisa. A internet está aí pra isso, e o xerox da esquina também. Crie o seu próprio selo, o seu zine, o seu canal de youtube e bote pra quebrar, boa sorte! Passando, enfim, ao editorial: esta edição é uma mera desculpa para divulgar o novo disco da Chapa Mamba, – "Presente" em um texto minucioso do sueco Z. Frånvarande – além de nos forçar a manter a periodicidade editorial prometida, mesmo que para isso seja preciso reciclar alguns textos antigos publicados em outras mídias. Chegamos à sexta edição, e depois da décima a ideia é lançar um compiladão com material extra. Em breve também sai o terceiro volume da nossa discografia completa, e daí o céu é o limite. Stay true.
SESSÃO MARMELADA
Abaixo, a capa do álbum. É o vigésimo primeiro lançamento do nosso selo, mais um para a coleção. OUÇA chupamanga.bandcamp.com
chapa mamba lança o quinto disco em 3 anos POR ZANZI FRÅNVARANDE
A distância não é, ainda, motivo para atrasar a Chapa Mamba. Apesar de atualmente separada por mais de mil quilômetros (e três lances de escada), desde o seu aclamado álbum de estréia (S/T, 2014) seguiramse Banda Forra, O Campo Sutil (ambos de 2015), e Remoto (2016); fora os compactos Ipsilone e Le Lab de Lux (ambos de 2014) e o registro ao vivo Live (2016), no melhor estilo bootleg piratão. Talvez a banda inativa mais prolífica do subterrâneo nacional, a Chapa Mamba faz o que pode, como pode, na medida do possível — na maciota e sem dever nada a ninguém —, e agora libera mais 8 faixas inéditas cuidadosamente trabalhadas para a audição distraída dos ouvintes digitais, a classificação arbitrária dos jurados de fim de ano e, se muito, o rápido esquecimento da opinião pública. Presente segue a tradição de lançamentos diversos mas econômicos do grupo. Com pouco mais de 20 minutos de duração, a banda aparenta ter feito o dever de casa, botando tudo no seu devido lugar, sem tirar nem pôr: das palhetadas alternadas à respiração dos músicos, das frequências descontroladas e reverberações do porcelanato à ordem das faixas, e não poderia ser de outra forma — trata-se, afinal, da sua melhor forma desde os idos de 2009, nos primeiros ensaios sofríveis na despensa de mantimentos da mãe do baterista. (Dito isso, fica comprovado nunca ter se tratado de uma banda de garagem, mas no máximo de despensa.)
Em Presente quase se pode sentir realmente a presença física dos integrantes e curiosos, as interferências elétricas dos equipamentos, o tilintar das garrafas de cerveja, o cheiro do churrasco de fundo de quintal e os ruídos da vizinhança. O registro teima em transparecer pelas frestas, mesmo que devidamente equalizado, comprimido e disposto sobre o panorama estereofônico, depois exportado, comprimido novamente, carregado na nuvem, re-codificado e transmitido para outros incalculáveis dispositivos. Mas divagamos. Trata-se do primeiro trabalho de estúdio na formação expandida em trio, e nele abriu-se, previsivelmente, espaço para a cozinha — Bruninho e Binho tocando juntos, de fato, estabelecendo uma base sólida para as canções — inexistente nos primeiros álbuns do grupo. Os grooves foram capturados in loco no Rio, em poucos dias de janeiro deste ano, entre duas raras e corridas apresentações, com equipamentos emprestados e as gambiarras de sempre — a bateria teve de ficar em mono, por falta de entradas de áudio disponíveis, por exemplo; preferiu-se captar a performance dos dois ao vivo. São eles (os grooves, não os equipamentos) que agora conduzem a maio-
ria das canções — grande parte delas criadas na hora, sem muito esforço, para maturarem depois, por meses a fio, no frio de Porto Alegre, e revelarem lentamente o que cada uma queria dizer ao letrista cauteloso (e ainda apreensivo, diga-se). Daí, tratou-se de preencher os espaços vazios, e em seguida esvaziar o que estivesse cheio demais, numa espécie de engenharia reversa que tornou-se corriqueira com a tecnologia de edição sonora hoje fartamente disponível no mercado de torrents. Mas não se entenda, com isso, que tudo tenha sido meticulosamente manipulado a ponto de perder a espontaneidade e o gingado tipicamente brasileiros. Preferiu-se poupar, calculadamente, a medida exata de notas erradas e escorregadas eventuais necessárias para o sentimento de autenticidade da fonografia amadora aos olhos dos aficionados e ingênuos do lo-fi. Para satisfazê-los, também não se empregou, por exemplo, metrônomo ou qualquer artefato de medida temporal semelhante para manter o andamento impecável, é tudo na base do um-dois-três-quatro e do primeiro ou segundo take, no máximo, tchau e próxima, tendo se chegado ao cúmulo de juntar quatro takes de bateria distintos — os dois únicos disponíveis de cada parte, em andamentos diferentes
—, com cortes grosseiros mas imperceptíveis, para formar a espinha dorsal da faixa mais longa do disco, que simplesmente parecia curta demais. Deixando um pouco de lado a guitarra em DADF#AD como elemento condutor, e definitivamente se distanciando do rótulo “rockinho indie adolescente”, a sonoridade envereda por caminhos com mais balanço do que o stonergarage ou a pseudo-neo-psicodelia de trabalhos anteriores, ainda assim ecoando algumas das improváveis influências que já podiam ser notadas em O Campo Sutil, por exemplo. Quanto à temática, se poderíamos analisá-la pelo aspecto poético ou mesmo sociológico, apontando as suas inevitáveis falhas e pecados — pelos mais diversos motivos: falta de espaço, não é possível dizer tudo, a música ainda é mais importante que o discurso —, não o faremos. Podemos, no entanto, resumi-la em um sentimento geral, o único e óbvio princípio de aplicação defendido ao fim da sétima faixa: não seja um cuzão. É isso o que importa. No fim, mesmo após aparadas as arestas, polidas as faces e embaladas em um vistoso e arrojado projeto gráfico, tratam-se de esboços de canções que poderão ter uma vida maior, sob outra perspectiva, algum dia. Nunca estão de fato prontas, as canções. Precisam ser
redescobertas e reinventadas a cada performance. Aqui, o que conta é o registro, a cristalização de uma forma e de um espaço em que possam existir, dentro dos seus minutos fixos de duração. Imagine-se que, se em menos de uma semana surgiram os embriões dessas faixas, e a base do universo sonoro desse disco, o que alguns ensaios a mais não fariam…! Tentou-se delinear, delimitar o escopo momentâneo da composição para o ouvinte e para o compositor — no presente, nosso único habitat possível. Produzido pela própria banda, mixado e masterizado por Stêvz, o álbum é mais um lançamento do seu modesto selo Chupa Manga Records, uma verdadeira “cena-de-um-homem-só”, segundo a crítica especializada e “um delírio galopante” segundo o seu psiquiatra. De resto, o grupo continua de difícil classificação mas de facílima audição, como os números estratosféricos em plays, streamings e downloads poderão comprovar. Não se espere, no entanto, nenhum lançamento, alarde, aparição pública ou turnê por parte da banda em um futuro próximo, ou pelo menos até a completa e irrestrita democratização do sistema de teletransporte público, como em qualquer país minimamente civilizado.
CHUPA MANGA PLAY ALONG
apesar da crise
© E.Vieira
Chapa Mamba - Remoto (2016) CHUPA.014
ENSAIO
música eleitoral Dia desses, minha mulher lembrou de uma frase que eu havia dito sem pensar muito: o patamar mais baixo da música é o jingle político. Vocês hão de convir que não há nada mais irritante — exagero, eu sei — do que um sertanejo, baião, ou outro estilo popular qualquer, devidamente higienizado, com uma letra mal encaixada louvando esse ou aquele candidato. A tentativa patética de, humanizando-o, caracterizá-lo como "do povo", "um cara comum", "um homem (ou mulher) de visão" ou qualquer outra baboseira do tipo, não apenas soa tão falsa quanto um anúncio de água em pótm, como expande o significado do termo "genérico". Me faltam o tempo e, francamente, a paciência para tanto, mas é possível que uma pesquisa, mesmo que superficial, consiga traçar os perfis básicos do jingle político brasileiro em alguns poucos estilos e métricas nas últimas décadas. [1] Nada contra os profissionais pagos para realizar a ingrata tarefa, veja bem, é um trabalho honesto como qualquer outro, mas devemos analisar o resultado tanto dentro do seu contexto estético quanto social. É verdade, poderiam se ater a fixar o nome e o número do candidato (ainda me lembro do Três-Dois-Um-Oito-Um-Oito-Um, da Madecor e do Zero-Onze-Catorze-Zero-Meia, exemplos bem sucedidos do uso de ritmo e melodia para fortalecer a memória), que é, afinal, o objetivo prático de todo o circo, por que não? [2] No entanto os esforços, na maioria das vezes, são empregados no sentido de forjar "o microdiscurso político mnemônico da campanha, ou seja, a síntese verbal memorizável da candidatura", ou ainda produzir "uma espécie de antiethos para o seu adversário." [3]
prepare-se para mais uma sofrível temporada de jingles políticos
Vejamos, por exemplo, o trecho imaginário a seguir: Somos um Rio, hoje não estamos sós Esse é o prefeito que está junto de nós Muita coisa já mudou, esse é o meu Rio ô ô ô ô Muita coisa já mudou, é com esse Rio que eu vou
Quando não apelam para o épico, [4] sempre com muito reverb (ilusão de amplos espaços e multidão) e compressão (volume, potência), as produções enveredam, justamente, pelo caminho contrário: o da intimidade, do corriqueiro, música-do-bar-da-esquina, olho no olho, de gente como a gente. Em ambos os casos, fica claro que o que se representa é tudo menos a realidade do político enquanto um mero administrador e servidor público. Deixando de lado a análise do conteúdo musical — em alguns casos até bem complexo, o que foge da sua proposta inicial de fácil assimilação —, vamos nos ater exclusivamente ao discurso, que, aqui, retrata o prefeito quase como uma entidade onipresente. Geralmente, como consequência da caracterização do discurso político, que se volta para a proposição de um projeto coletivo, há uma tentativa de construir a voz do povo, marcada por um "nós", que inclui o sujeito candidato enquanto porta-voz dos eleitores. [5] No entanto aqui, além do emprego da primeira pessoa do plural, coloca-se também o candidato como uma figura à parte, superior mas acolhedora, que "está junto de nós" e por isso não estamos sozinhos.
Qualquer semelhança com signos religiosos não é mera coincidência. O vídeo, que provavelmente contaria com uma superprodução audiovisual e com a participação de celebridades, utilizaria a tranferência dos rostos conhecidos destes como substituição à imagem menos chamativa do próprio candidato. Na segunda parte, vemos o apelo à manutenção do status quo (o candidato provavelmente busca a reeleição), o que não é tão raro assim ao tratar-se do representante da situação — oposto ao apelo por mudança em um candidato de oposição — embora a diferença se torne cada vez mais ambígua. [6] Essa ambiguidade é, sem dúvida, o aspecto mais preocupante desse tipo de conteúdo. [7] Qualquer dos exemplos a seguir, de décadas diferentes, poderia ter sido retirado de um formulário padrão em que se preenchem apenas as lacunas com o nome do candidato em questão, dependendo do caso:
Tem experiência e atitude Pra fazer diferente Não tem ruim, não tem caô É com fulano que eu vou Agora é Fulano Vamos lá É o Brasil inteiro Querendo mudar Governou a sua terra Arrumou Minas Gerais Cuidou de sua gente Como pouca gente faz Sorriso carinhoso Abraço de mineiro Tá sempre por perto Pra escutar o brasileiro Nossa cidade merece alguém Com garra e força Fulano de Tal pra vereador Agora chegou a hora de confirmar O Brasil já decidiu que vai mudar É a vez do povo anunciar O Brasil novo que vai chegar
Por uma cidade melhor
Fulano Fulano Fulano
Por uma vida melhor
Colorir a gente quer de novo
Todo mundo é Porto Alegre
É agora a hora e a vez do povo
Todo mundo quer ser feliz O Brasil precisa Fulano é gente como a gente
De um sangue novo
Não desanima, olha pra frente
O brasil precisa
De gente que sabe O que deseja o povo
Rapidamente, podemos constatar que: a vez do povo nunca chegou, o Brasil continua querendo mudar, e Fulano de Tal, apesar de sorridente e carinhoso, só se preocupa com o próprio umbigo. Mesmo com eventuais diferenças (mudança versus manutenção, sangue novo versus experiência), [8] o tom genérico e a mediocridade tomam conta. É possível que já tenha existido o que pode ser considerado um "bom jingle", mas é contestável que ainda haja alguma relevância nesse tipo de repetição delirante — embora sua origem tenha tido o propósito oposto, a música de protesto em forma de zombaria — a respeito das qualidades fantasiosas do candidato perfeito. Esse nível de ruído vem somar à nossa cota de estímulos a serem filtrados diariamente. Embora o jingle possa ser definido como "um elemento que reforça as virtudes e as principais diretrizes políticas dos candidatos", fica claro que hoje, majoritariamente, se atém a criar uma imagem genérica de bem absoluto, ao mesmo tempo sobre-humano e pé-no-chão, que engloba todas as melhores características dos heróis (força, garra, experiência, moral) e uma noção de
pensamento de massa e experiência catártica (somos todos Fulano, vamos todos, nós, nós juntos, a cidade, etc.) capaz de representar um futuro inatingível mas desejável; uma sublimação de vontades coletivas através de um pequeno gesto individual, ao alcance de todos na forma da sequência numérica do voto. [9] Mas não vamos entrar no mérito dos usos que deveriam ou não ser feitos da música, [10] seja com nobres aspirações ou para o puro entretenimento. A ferramenta técnica existe para ser usada, para o bem ou para o mal — ou ainda, bem ou mal utilizada, independente do fim. Talvez o que mais me incomode seja o próprio sistema da publicidade eleitoral, ou mesmo o conceito de propaganda em si — geralmente um engôdo fedorento e detestável embrulhado em papel dourado e com perfume de status social —, mas o fato de um político precisar se diferenciar dos outros menos pelo seu currículo e projetos de governo do que através de truques baratos de edição, frases de efeito, trilha sonora ou figurino parece realmente um esforço desproporcional com base no objetivo errado, uma inversão de prioridades absurda. Infelizmente somos forçados a constatar que, sim, é isso — a
publicidade, o marketing, o dinheiro, as alianças certas — que ganha uma eleição, e pouco importa quem de fato esteja sorrindo e acenando para a câmera. Quando ainda assistia televisão, não conseguia deixar de pensar na injustiça de os partidos terem tempos diferentes para expor suas propostas — isso no horário eleitoral gratuito, fora os anúncios pagos; na verdade ganha quem tiver investido mais dinheiro. Em comparação, imaginava alguns programas como superproduções hollywoodianas em três dimensões, enquanto outros não passariam de teatrinhos comunitários de bairro, com infiltração no teto e meia dúzia de pagantes — ou documentários intermináveis em longa-metragem, contra curtas de poucos segundos filmados com o celular, para ser mais preciso — o eterno mainstream versus underground. Talvez a arte da política seja a capacidade de manipular o pensamento individual até torná-lo coletivo e palpável. Até alguém te fazer achar que você já pensava o que eles acabaram de te dizer, que realmente precisa do que dizem que você precisa, embora nunca tivesse ouvido falar naquilo até esse instante. Mais do que a do candidato, é a imagem do eleitor que se está construindo em todos esses discursos;
assim como o desejo do consumidor é criado pela indústria publicitária, fabricado por esta, enquanto aquele é persuadido a tomá-lo como seu. A vitória pelo cansaço da repetição. Fumaça e espelhos, num concurso de patriotismo com música ruim de fundo. Mas calma, é pior do que isso: há tempos o mundo todo não passa de uma grande propaganda de banco com trilha de superação e letras tão miúdas no final que você precisaria pegar um empréstimo apenas para comprar um microscópio capaz de ver o que eles realmente estão dizendo na sua cara o tempo todo, de outras maneiras, tudo muito lubrificado para descer suavemente. O jingle do vereador que vai salvar a cidade e é um cara legal, afinal a mãe dele disse que sim, nem parece tão ruim agora.
NOTAS [1] Na verdade, uma pesquisa de 2009 revela que nas eleições para governador em 2006 foram utilizados 26 gêneros musicais distintos em uma amostragem de 159 peças, sendo o estilo mais recorrente o "pop-gospel". (Luiz Cláudio Lourenço, Jingles Políticos: estratégia, cultura e memória nas eleições brasileiras, em Revista Aurora nº4, 2009.)
[6] "As retóricas por sua vez não apresentam diferenças expressivas segundo os partidos que as veicularam em seus jingles. Em todos, o que predominou foi uma retórica de sedução [...] Tanto candidatos manifestadamente de situação, quanto os de oposição, não apresentaram retóricas diferenciadas". (Lourenço, 2009.)
[2] Embora a memória também seja requerida para o entendimento do discurso: "Courtine reforça que memória e esquecimento não podem ser dissociados no modo de enunciação do discurso político, visto que 'na política, a memória é um poder: ela funda uma possibilidade de se exprimir, ela abre um direito à fala'. [...] Ao afirmar 'Osmar é mais experiência', fica determinado seu período de atuação em cargo público desde 1983, em oposição ao candidato rival, mais jovem e que iniciou no campo político em 1992. Pressupõese aqui uma memória coletiva que domina esse conhecimento; não exatamente os anos em que iniciaram suas experiências políticas, mas sim, um período maior de atuação política, em função, inclusive, da própria idade dos candidatos, o mais velho é um sujeito político com mais experiência." (Ednéia Bernardineli e Maria Célia Cortez, Efeitos de Sentidos no Microdiscurso de Jingles Políticos, 2012.) É possível fazer um paralelo com o funcionamento da metáfora: "[...] o importante para a eficácia da metáfora não é que os lugares-comuns sejam verdades, mas que sejam lembrados pronta e livremente." (Max Black, Models and Metaphors, 1962.)
[7] É importante notar "a expressiva parcela de jingles que não assumem uma postura política frente ao status quo, não se colocando nem contra e nem a favor, cerca de 35,8%. O que pode ser, em parte, compreendido com a preocupação dos candidatos em conseguir o voto do eleitor independente de sua opinião sobre a situação ou renovação da situação política." (Lourenço, 2009.)
[3] Bernardineli e Cortez, 2012. [4] "O eleitor é visto como entendedor de que esta é a eleição que mudará os rumos de sua vida, desde que faça a escolha certa." (Bernardineli e Cortez, 2012.) [5] Bernardineli e Cortez, 2012.
[8] De uma lado o "discurso pautado no imaginário da modernidade [...] que ressalta a eficácia da ação política para concretizar sonhos, juntando competência e vontade de agir", e do outro "a unidade [...] um ethos de 'experiência', 'coragem' e 'simplicidade'". (Bernardineli e Cortez, 2012.) Impossível não lembrar da tira do Dahmer em que a boate New se transforma na Nova New, tudo em nome da modernidade. [9] Mais ainda, "Recupera-se uma memória de que se tem que votar no candidato que está à frente nas pesquisas, resgata-se a ideia de ir onde a maioria está." (Bernardineli e Cortez, 2012.) Fazer parte do grupo vencedor, independente das suas próprias convicções, é mais importante. [10] "O uso político da música como condutor das emoções do público foi muito eficaz em 1789, durante a Revolução Francesa, quando o canto da Marseillaise serviu como grito de guerra para a tomada da Bastilha. O movimento nazista também fez um uso muito bem calculado da música em sua máquina de propaganda." (Lourenço, 2009.)
precursor dos serviços de streaming? – patente do Teleharmonium, invento de Thaddeus Cahill (1897)
ENTREGANDO O OURO
televisão, ciência pop e som
PROJETO COELHO BRANCO Cria do conhecido "Mythbusters", novo programa da Netflix traz algumas curiosidades que podem interessar aos nosso leitores.
Reunindo os assistentes do antigo programa, agora na linha de frente, todo episódio consiste de um tema em que cada um dos apresentadores escolhe dois casos notórios e os colocam à prova baseados nos critérios arbitrários decididos no início. Mesmo as dramatizações engraçadinhas (com direito a salsa na trilha de uma cena que se passa no Brasil e imitações exageradamente estereotipadas de sotaques estrangeiros, dentre outras coisas que não se esperaria de "cientistas") são aceitáveis o bastante, em comparação com a boçalidade da "competição", mas o forte do programa são mesmo AS EXPERIÊNCIAS. Nelas, os apresentadores constroem protótipos engenhosos e se aventuram a testar cada caso (como era, aliás, o forte de Mythbusters, onde se explodia/incendiava/inundava tudo para ver até onde chegava a plausibilidade de cada mito).
Alguns dos temas dos episódios são um pouco parecidos demais, e até batidos, como o das fugas de prisão e o dos roubos notáveis (apesar de ganhar pontos por trazer muitos casos recentes e alguns realmente extraordinários, como a fuga de uma família da Alemanha Oriental em um balão de ar caseiro), mas no geral é um bom programa para se gastar meia hora (dispense o ranking no final) e conhecer curiosidades. Então, para chegar ao assunto deste texto de uma vez, nos chamaram especialmente a atenção alguns tópicos relacionados ao som: No episódio 7, "Tecnologias que amamos odiar", o segmento sobre aparelhos que fazem bip (a partir de 24:20) aponta considerações bem relevantes [1] no que diz respeito à paisagem sonora urbana, e suas implicações psicológicas sobre os seres humanos. É basicamente IRRITANTE PRA CARALHO a quantidade de bips emitidos por todos os aparelhos e eletrodomésticos e alarmes e sensores com que temos contato todos os dias, e a maioria deles NÃO SERVE PRA NADA. Sua onipresença tem origem nos componentes eletrônicos baratos e a sua irritância na qualidade artificial dos tons que são gerados por esses componentes, ondas puras sem envelope sonoro natural (isto é, com algum tempo de decaimento). Além disso, no experimento é demonstrado como esse tipo de som é mais difícil de ter sua origem espacial percebida pelo ouvido humano, em comparação a um ruído natural mais rico em harmônicos como o ruído branco, por exemplo. É interessante notar, também, que pela sua abundância nos aparelhos eletrônicos, nos condicionamos a ignorar esse tipo de som na maioria das vezes. Com todos esse fatores ele passa a fazer, então, parte da paisagem e já não serve a qualquer propósito de alertar para algum perigo iminente, o que seria a justificativa para a sua existência em uma grande parcela dos aparelhos. Já no episódio 9, "Inventado antes do seu tempo?" (a partir de 15:00), um dos apresentadores constrói um fonógrafo portátil miniaturizado que cabe
na palma da mão. Com a ajuda de Michael Dixon (do lathecuts.com, mobilevinylrecorders.com e outros), cortam um disco de 5 cm de diâmetro que contém aproximadamente 10 segundos de música e toca perfeitamente no aparelho (ou é o que eles dizem), que funciona exatamente como no fonógrafo comum: o prato (aqui construído sobre um disco de telefone) faz o disco (vinil) girar a uma velocidade constante, a agulha (aqui uma corda de piano) capta os impulsos mecânicos dos sulcos e vibra a membrana (aqui um pedaço de radiografia), que reproduz o som e é amplificada por um cone/trompa (aqui modelado por uma impressora 3D, porque sim). O experimento vale mais para quem se interessa pelo assunto da música analógica, especialmente para os aficcionados por vinil em formatos extravagantes, mas não deixa de ser curioso como exemplo de uma das primeiras tentativas de se tornar o fonograma algo portátil. E por último, ainda no mesmo episódio (a partir de 29:30), descobrimos um precursor analógico dos serviços de streaming (!). Criado por Thaddeus Cahill no fim do século 19, o Teleharmonium [2] era um mecanismo gigantesco de discos giratórios que precede os sintetizadores e o órgão Hammond. Operado por dois organistas e transmitido via rede telefônica para assinantes, pode ter sido, também, o precursor da música de elevador (era focado especialmente em trilha ambiente para estabelecimentos comerciais). Sujeito a interferências de linha cruzada e com custos operacionais altíssimos, a invenção não teve vida longa, mas a sua engenhosidade (em uma época antes da amplificação de sinais elétricos) ainda impressiona. No fim, quem diria, ainda é possível aprender alguma coisa com a televisão.
[1] mais sobre isso aqui: livescience.com/19654-beep-digital-sounds-annoying.html [2] ou Dinamofone, mais em: synthmuseum.com/magazine/0102jw.html
XEROCÃO
do livro Caderno de Música – Cenas da Vida Musical, de Luiz Paulo Horta (Zahar, 1983)
artesãos e criadores A música contemporânea — para escrever pela enésima vez uma frase exausta — está em crise. Data, provavelmente, dos primeiros anos do século o momento em que ela deu início à sua longa "travessia do deserto", que já dura mais do que os 40 anos que o povo hebreu peregrinou até atingir a terra prometida. A terra prometida para o músico de hoje seria o reencontro com o seu público — o público que ainda está distante da criação contemporânea, e que priva assim o artista de um inestimável ponto de referência. Ricardo Tacuchian, 40 anos, compositor, professor da Escola de Música, autor de algumas peças que já fazem parte de nosso repertório contemporâneo, tem uma experiência a contar que equivale ao famoso percurso de Maomé até a montanha. Trabalhando para o Departamento de Cultura do Estado, fez parte dos pacotes culturais que foram o ponto de partida de um trabalho que tudo indica ter dado muitos frutos. Quando tiveram início os pacotes — depõe Tacuchian — o
interior do estado não valorizava a sua própria realidade cultural. Esperava, de fato, que a cidade grande fosse promotora de espetáculos, que lhe fornecesse um padrão de cultura. O trabalho no Departamento de Cultura teve muito de pesquisa, de descoberta e promoção dos valores das comunidades. Procurou estimular uma reflexão. Fazer refletir é uma função insubstituível em relação a uma juventude urbana martelada por uma civilização que já lhe dá as coisas prontas — a começar pelos programas de televisão. E então — sublinha Tacuchian — a arte tem um grande papel. É mais fácil motivar o jovem através da arte; não só porque ele tenha um natural sentido poético; mas porque a ciência, por exemplo, estimula o pensamento convergente, aquele que está em busca de uma verdade definitiva operacional. Já a arte, como a filosofia, não tem respostas prontas. O próprio fato de que nos encontramos agora diante de uma imensa crise de valores — que no caso da arte é uma crise de formas — estimula a reflexão, se a arte for levada ao seu pú-
blico com a devida simplicidade, com toda a naturalidade. (...) Não se trata de fazer, simplesmente, as coisas mais fáceis; porque isso traz, inevitavelmente, uma deformação.
A arte didática da Rússia stalinista não produziu nada de valor, porque partia de uma restrição dogmática à liberdade de criação. E a arte policiada, a arte dirigida, nunca será boa arte. Mas há outras maneiras de fazer as coisas. (...) Se é verdade que um ato criador não é algo de gratuito, que ele é uma elaboração de vivências, o artista que passar por uma experiência dessas — isto é, o artista que não se isolar numa redoma — nunca terá o problema de fazer arte nacionalista: na medida em que ele for espontâneo, e em que não se fechar numa torre de marfim, fará sempre arte local, nacional, participante — e estará colaborando da maneira mais eficaz para a educação cultural de um povo.
Arte brasileira, acrescenta o autor das Estruturas Sinfônicas, não é lançar mão de uma escala ou de um tema folclórico de que você não tenha vivência. O artista, se é um criador, tem de buscar sempre algo de novo, partindo da sua realidade cultural. E é por isso que ele não pode ter preconceitos — nem contra nem a favor do folclore, por exemplo. Pois se ele não é espontaneamente brasileiro, não adianta usar o folclore; e se é, jamais usará o fol-
clore direta ou mecanicamente. O período folclórico, de fato, parece meio gasto. É preciso pesquisar, estudar, e descobrir o novo. Por isso é difícil o aproveitamento direto do folclore. Agora, hoje há um vício contrário: compositores que se entregam a uma elaboração mental incrível sem prestar a devida atenção ao fato de que a música é uma forma de comunicação; se não comunica não é música. (...) acho muita pretensão trabalhar contando com o "julgamento da História". A gente tem de pensar em música que possa chegar ao seu destino; pois a arte é um circuito: artista-obra-público. Se falta alguma dessas partes, o processo é menos rico, menos produtivo, menos real.
O que não leva Tacuchian a adotar a tese de Kollreuter segundo a qual a música só fez sentido em si mesma até Stravinsky: estaríamos entrando agora na era da música funcional, da música dotada de uma finalidade precípua. A tese de Kollreuter tem as suas próprias sutilezas: música funcional, por exemplo, era o canto gregoriano, composto para os serviços religiosos; como era, de certa maneira, a música que os compositores dos séculos XVII e XVIII compunham por encomenda para as cortes européias. Se era encomenda, era música funcional. Tacuchian ataca, entretanto, o aspecto simplificador que esse conceito pode encobrir. Não acredito que só reste agora fazer mú-
sica funcional. A mensagem estética, para mim, subsiste. Só que, para o homem dos nossos dias, ela tem ou deve ter um sentido um pouco diferente. O êxtase romântico caiu de moda. Eu diria que a música do romantismo era feita para ser ouvida numa poltrona. A música de hoje é para ser ouvida numa cadeira sem muito conforto. Vejo dois tipos de compositores, ou de escolas de composição: 1) a dos que, embora pesquisando, experimentando, correndo riscos estéticos, têm uma preocupação — com o resultado sonoro final, com a obra acabada; e 2) a dos que não se preocupam muito com isso, dando mais valor ao grau de elaboração de uma obra, ao seu conteúdo crítico em relação a uma tradição — em suma, ao seu caráter de contracultura. O segundo grupo é certamente válido; vale por um grito de não-acomodação. Mas de minha parte, ainda acho que música é som, e tem de ter um resultado sonoro maior do que uma coleção de barulhinhos. Procuro uma estrutura densa, coerente. Sem ficar preso, por causa disso, a uma lógica formal. E sem achar que já tenho as armas de que necessito, e posso dispensar a busca angustiada de tantos outros.
Em meio à selva densa em que se tornou a música contemporânea, Tacuchian descobre novas virtudes numa posição humanística: o compositor, como o artista em geral, tem de amadurecer, tem de ter uma certa visão das coisas, para dar a sua contribuição num período irremediavelmente confuso.
O vanguardismo pelo vanguardismo cansou. Se for possível renovar o código, ótimo. Mas renovar sempre, sistematicamente, corta a possibilidade de comunicação. É como falar a cada dia uma língua diferente. Afinal, só existe o código? Não existe também a expressão, com os seus direitos? Vale a pena lembrar o exemplo de Bach, que passava por ultrapassado na sua própria época; e hoje, 200 anos depois, o povo briga por ingressos para ouvir uma Paixão. (...) Mas também há, hoje, elaboração exagerada, afetação, elitismo do compositor no sentido de desprezar o grau de comunicação da sua obra. O compositor, de fato, deve estar à frente do público; mas se a distância é muito grande, o público não chegará a ele. Prefiro ser um bom artesão a um gênio incompreendido. Ser polêmico é altamente positivo, sobretudo da parte dos jovens, que mantêm o equilíbrio do mundo contrabalançando a acomodação dos velhos. Mas ser compositor não é só conhecer a gramática. É preciso amadurecer, para perder a sedução da originalidade. Muita vocação se perdeu nos excessos do intelectualismo, que fazem os problemas parecerem muito mais difíceis do que de fato são. Linguagem só se consegue ao fim de muita luta — e muito estudo. (...) O que não se pode é bloquear a criatividade, ter barreiras na hora de criar. Portanto, não se pode ser fácil por encomenda. O compositor deve aprender a atingir o seu público pesquisando a sua linguagem, amadurecendo a sua personalidade, adquirindo vivências que façam dele um integrante real do seu mundo e da sua época. Então ele fará música que será nova espontaneamente, e que comunicará espontaneamente — porque sempre haverá público para a boa música.
(agora também em tamanho infantil)
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