Companhia Siderúrgica de Tubarão, A História de Uma Empresa

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COMPANHIA SIDERÚRGICA DE TUBARÃO A HISTÓRIA DE UMA EMPRESA


COMPANHIA SIDERÚRGICA DE TUBARÃO * CST (1973 - 2005) A história de uma empresa

PRODUÇÃO E COORDENAÇÃO

Studio Ronaldo Barbosa TEXTO

Francisco Aurelio Ribeiro SUPERVISÃO TÉCNICA

Angela Morandi PESQUISA HISTÓRICA

Cassius Gonçalves Carolina Julia Davidson Nicchio Santos Thais Rubert Machado PROJETO GRÁFICO

Ronaldo Barbosa Jarbas Gomes Rodrigo Resende EQUIPE COORDENADORA DA CST

Airton Flávio Diesel Jussara Souza Maia Maerce P. T. de Oliveira Márcia X. M. de Oliveira Ruslana F. C. Avelar EPÍGRAFES

Mensagem, Fernando Pessoa e Cantos de Fernão Ferreiro, Renato Pacheco

Dados Internacionais de classificação na publicação (CIP) (Companhia Siderúrgica de Tubarão - CST, ES, Brasil)

RIBEIRO, Francisco Aurélio, Companhia Siderúrgica de Tubarão: a história de uma empresa./ Francisco Aurelio Ribeiro. Serra: CST, 2005. 140 p.: il.

1. Companhia Siderúrgica de Tubarão – história 2. Siderurgia – história I. Ribeiro, Francisco Aurelio II. Companhia Siderúrgica de Tubarão – CST III. Título.

CDU 622.060.81 ISBN 85-7551-043-6


COMPANHIA SIDERÚRGICA DE TUBARÃO A HISTÓRIA DE UMA EMPRESA Francisco Aurelio Ribeiro



“O que acho importante é a gente olhar sempre para a frente. A história da Empresa não está completa e ela vai continuar nos próximos 5, 10, 15, 20 anos. Nós só estamos passando por aqui; somos temporários na Empresa. Temos uma curta passagem e a CST é muito maior que a nossa permanência.” (José Armando F. Campos. Diretor-presidente da CST)



COMEÇO DE HISTÓRIA 11

Encontro de destinos

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Caminhos do homem: do osso ao aço.

14

Percursos brasileiros do aço A INDUSTRIALIZAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO: A PRESENÇA DA CST

17

De “Vilão Farto” a nenhuma fartura

19

Dos apitos dos índios ao ouro verde e aos apitos dos trens

20

Industrialização ainda que tardia

24

A criação da CST A CST: DA CONCEPÇÃO À IMPLANTAÇÃO (1973-1983)

27

O difícil começar

31

Os parceiros: Mistura que deu samba

33

A implantação: muita lama, muito homem e três mulheres

40

A Vila Operária: Em busca da ‘terra prometida’

42

A Construção: Arrumando a casa

46

A questão ambiental: o papel precursor da CST

52

No calor da crise: ou tudo ou nada O PERÍODO ESTATAL (1983-1992)

57

Consolidação da CST: os primeiros passos

63

A fase dos recordes

64

Desenvolvimento tecnológico

68

Benefícios sociais: qualidade de vida

70

CST: Cartão de visitas da Siderbrás

71

Planos frustrados de expansão: a crise político-econômico-social.

75

Transição: de empresa estatal à privatização PÓS-PRIVATIZAÇÃO (1992-2002): UM NOVO RECOMEÇAR

79

Os donos-banqueiros

83

Os investimentos pós-privatização (fase 1)

88

Investimentos no ser humano

90

O plano real e suas repercussões

91

Mais investimentos (fase II)

94

Programa de comunicação ambiental (PCA)

98

Nova Fase, novos sócios, nova crise

102

Relações com a comunidade

94 A CST HOJE (2003-2005): PERSPECTIVAS FUTURAS 109

Nova expansão: rumo ao futuro

111

Expansão para 7,5M/toneladas/ano

114

Desenvolvimento sustentável

115

De “patinho feio” ou “elefante branco” a pérola capixaba

116

Indicadores de desempenho e eficiência

118

Vega do Sul

120

Rota do aço

122

Arcelor Brasil

125

ARREMATES FINAIS


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COMEÇO DE HISTÓRIA

Brasão da Família Coutinho. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

Todo começo é involuntário. Deus é o agente. O herói a si assiste, vário e inconsciente. (Fernando Pessoa)

ENCONTRO DE DESTINOS Agora tudo é novo e ao longe nos conduz. (Renato Pacheco)

Os antigos romanos acreditavam em Vulcano, deus do fogo, dos vulcões e da metalurgia. Cultuado em Roma desde a fundação da cidade, é identificado ao deus grego Hefestos. Cícero diz que havia vários Vulcanos e sua figura mais comum é a de um homem forte, barbudo, tendo na mão o malho e um gorro cônico à cabeça. Era ele quem forjava as armas para as guerras como espadas, lanças e escudos. Os nativos habitantes das terras capixabas, muito antes da chegada das caravelas portuguesas, acreditavam ser o Espírito Santo a “Aua’ Mbaê Porã” – Terra sem males, crença correspondente ao da Terra de Canaã, da Bíblia. Por coincidência, o escritor maranhense, Graça Aranha, em sua obra clássica, Canaã, de 1902, localiza, no Espírito Santo, a terra de Canaã, sonhada pelo povo judeu, por imigrantes de todas as épocas, e por “sem terras” de todos os lugares.

Índios Botocudos do Rio Doce, Imagem de Walter Garber. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

No Espírito Santo, exatamente no planalto serrano, nos limites dos municípios de Vitória e Serra, tendo a montanha do Mestre Álvaro como testemunha e o Oceano Atlântico como via natural, surgiu um dos mais ousados projetos industriais brasileiros da segunda metade do século xx, a Companhia Siderúrgica de Tubarão (cst), uma realização atual do mito clássico de Vulcano, da tradição bíblica de Canaã e da crença nativa da Terra Sem Males, como veremos a seguir. 11


CAMINHOS DO HOMEM: DO OSSO AO AÇO Colombo ainda tarda a chegar e o Paraíso - como tantos , mais um falso paraíso – lá está, está lá, a oeste, no poente (Renato Pacheco). Diferente da concepção criacionista, predominante em meios religiosos, acredita-se que, através da evolução terrestre, o homem “sapiens” surgiu há cerca de 150.000 anos. Em milhares de anos, o homem primitivo, através de vagarosíssimas evoluções e de uma inteligência inquieta, descobriu o fogo, aprendeu a conservá-lo e a produzilo; aprendeu o uso da pedra bruta aguçada, descobriu e aperfeiçoou o sílex como arma e instrumento de ponta e corte. O primeiro instrumento de trabalho foi o osso, utilizado como ferramenta, seguido pela pedra, sua fragmentação em estilhas, sua ruptura e lascamento. Do Paleolítico, em que os sílex eram brutos e lascados, passou-se ao Neolítico, a idade da pedra polida. Às grandes eras da Pré-História (Paleolítica e Neolítica) e aos rudimentos dos materiais de trabalho, segue-se a idade dos metais: Idade do Cobre, Idade do Bronze e Idade do Ferro. Este já era conhecido e trabalhado no Oriente e seu uso desabrochou no Ocidente em torno do ano 1000 a.C., incorporando-se ao desenvolvimento das civilizações históricas e tornando-se o principal produto da inteligência humana, por mais de 2000 anos. A descoberta do uso dos metais constituiu grande revolução tecnológica e humana, pois propiciou o desenvolvimento da agricultura, a descoberta de novas e poderosas armas de defesa e de conquista e a criação de utensílios domésticos e decorativos, elevando o nível de vida das moradias e das cidades. Com o advento da Idade do Bronze e do Ferro, surgem as manufaturas primitivas para a produção de objetos utilitários, bacias, enxadas, machadinhas, vasos, arados; de armas, lâminas, e de objetos decorativos e artísticos. O progresso das diferentes civilizações associou-se à sua habilidade técnica e ao desenvolvimento dessas produções. Com o passar do tempo, o ser humano evoluiu em sua relação com os elementos da natureza, ao substituir habilidades humanas por dispositivos mecânicos; ao usar fontes inanimadas de energia (vapor, elétrica, atômica) em lugar das tradicionais forças humana e animal; ao melhorar os métodos de extração e transformação de matérias-primas; ao criar novas formas de organização de trabalho, definindo e redefinindo os papéis das classes sociais frente ao processo de produção e de distribuição da riqueza material. Nesses aspectos, a Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, na segunda metade do século xviii, marcou uma profunda transformação na história do homem, já que os avanços do comércio e da produção manufatureira e a prosperidade de algumas cidades na época medieval não provocaram mudanças qualitativas e econômicas na sociedade como um todo. A era industrial, sim, provocou um grande complexo de mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais, com um enorme aumento da produção e da variedade de bens e serviços. É o início do processo de modernização, alavancado no final do século xix, com o que se convencionaria chamar de “Era do Aço”, a quarta idade dos metais. O aço é um tipo superior de ferro, com todas as vantagens deste, em grau elevado: elasticidade, plasticidade e dureza. Mas, qual a diferença entre ferro e aço? Eles se distinguem pelo teor de carbono: enquanto o ferro-gusa apresenta uma variação entre 2,5 e 4,0% de carbono, o aço varia de 0,1 a 2,0%. “Quanto mais elevado o teor carbônico, mais duro e menos maleável é o metal e, quanto menor aquele teor, mais ele é macio, maleável e dúctil” (morandi, 1997, p. 27). 12


Forja com fole utilizada para produção de instrumentos de ferro.

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PERCURSOS BRASILEIROS DO AÇO Importa pouco uma grande siderúrgica ou o maior posto de minério do mundo, a busca é nova, a busca é de luz e de suor. (Renato Pacheco)

No Brasil, já se conhecia a existência das riquezas em minério-de-ferro desde o século xvi, já que, em 1554, Anchieta dava notícia de sua existência, mas as tentativas de aproveitamento do ferro, no início da colonização portuguesa, tiveram pouco resultado. Ainda no século xvi, Afonso Sardinha instalava em Sorocaba uma pequena fundição, mas, um mercado consumidor disperso e a falta de meios de transporte, além da precariedade da tecnologia atualizada na manufatura do ferro, fizeram com que o Brasil não aproveitasse, por muitos anos, suas imensas jazidas de ferro. No início do século xix, houve pequenas iniciativas de implantação da siderurgia no Brasil, nos estados de São Paulo e de Minas Gerais. Foi o Barão de Mauá, João Evangelista de Sousa, quem, de fato, concretizou o primeiro empreendimento siderúrgico significativo, em uma fundição instalada em Niterói, de vida efêmera. No início do século xx, criaram-se pequenas siderúrgicas, no Brasil. A primeira produção de aço, no Brasil, ocorreu em 1917, com um forno Siemens-Martin1, em São Caetano, SP. Também nesse ano criou-se a Companhia Siderúrgica Mineira, logo transformada na Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, construtora da Usina de Sabará, MG. A Siderúrgica de Ribeirão Preto, SP, em 1922, foi a primeira com forno elétrico, e, também, a primeira da América Latina a fabricar laminados, a partir do ferro-gusa2 por ela produzido, que operou por algum tempo. A partir de 1937, a Usina de Monlevade, MG, tornou-se a maior siderúrgica a carvão vegetal no mundo (Larousse Cultural, 1998, p. 5367-8). Em 1930, criou-se a Comissão Nacional de Siderurgia, e, em 1939, a Comissão Preparatória do Plano Siderúrgico, seguida da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico, de que resultou o projeto da Companhia Siderúrgica Nacional (csn), em Volta Redonda, RJ, com alto-forno convencional a coque3. Nessa época, Vitória foi sugerida, pela Comissão Nacional de Siderurgia, logo depois de Volta Redonda, para sediar a grande indústria siderúrgica nacional (veloso, 1962). Inaugurada em 1946, a csn foi a primeira grande siderúrgica do Brasil, com um altoforno para 1.000 t/dia, pioneira na fabricação de chapas de aço, folhas-de-flandres4 e perfis pesados5 . Essa obra provocou melhorias, dentre outras, em minas de carvão e em portos de Santa Catarina, e no sistema de transportes. A produção de laminados 6, no Brasil, atingiu 775.000 t em 1951, contra 26.000 em 1930 (rosa, 2003). Em 1953, foi fundada a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão, SP; e, em 1956, a Usina Siderúrgica de Minas (Usiminas), em Ipatinga, MG. 14

1 Forno Siemens-Martin: Processo criado pelos irmãos alemães Frederick e Wilhelm Siemens, que consiste na utilização do princípio da regeneração, pelo qual os gases de oxidação desperdiçados eram usados para aquecer uma estrutura de tijolos refratários, a qual, por sua vez, superaquecia o ar e o combustível gasoso em combustão. [...] O resultado foi a obtenção de temperaturas muito altas e uma economia substancial de combustível. (landes, David S. 1999. p. 264-5) 2 Ferro-gusa: O que se obtém diretamente do alto-forno, contendo mais de 90 % de ferro e, em geral, com elevada proporção de carbono e diversas impurezas.z(dicionário aurélio básico da lingua portuguesa, 1994, p.622) 3 Alto-forno convencional a coque: Fornalha para fundir minérios de ferro e produzir ferro-gusa. O coque, ou carvão de coque, utilizado como combustível, é a forma mais ou menos impura do carvão grafítico, contém 85 a 90% de carbono e é usado nos altosfornos. (dicionário rossetti de química)


Em discurso proferido na Câmara dos Deputados, em 13/07/1971, o deputado capixaba Parente Frota fez referência a um relatório de técnicos norte-americanos sobre a indústria siderúrgica na América Latina, publicado na revista World Business, do Chase Manhattan Bank, segundo o qual, a Usiminas deveria ter sido construída no porto de Vitória, por ser mais vantajoso, e não em Minas, como o foi (frota, 1971, p. 3-9).

4 Folha-de-flandres: é uma folha de aço revestida com estanho em uma ou ambas as faces. Esta camada aumenta a resistência à corrosão e possibilita a utilização desta chapa estanhada na fabricação de latas para acondicionamento de certos alimentos e de óleos, além de utensílios domésticos e industriais.

As três grandes siderúrgicas estatais, csn, Cosipa e Usiminas, representaram o núcleo da intervenção federal no setor siderúrgico e um alto nível de atualização tecnológica, tanto pela configuração integrada a coque quanto pelas escalas de produção de aços planos. Em 1983, entrou em operação a cst, e, em 1986, a Açominas, situada em Ouro Branco, MG, as últimas grandes siderúrgicas estatais implantadas no Brasil. Com isso, o Brasil entrava, definitivamente, no “Ciclo do aço”, depois de ter passado pelo “Ciclo da cana-de-açúcar” (séc. xvii), “Ciclo do ouro” (séc. xviii) e pelo “Ciclo do café” (séc. xix). Iniciava-se uma outra etapa na história sócio-econômica brasileira e que iria mudar, radicalmente, a história do Espírito Santo e a do povo capixaba.

5 Perfis pesados: Aços longos, utilizados na construção civil, serralheria, mecânica pesada, etc. (morandi, 1997, p. 33). 6 Laminados: Chapas de metal que se obtêm por laminação. Podem ser: planos comuns, não-planos comuns e em aço especial. (morandi, 1997. p. 32-33).

Companhia Siderúrgica Nacional, primeira siderúrgica de grande porte no Brasil. Volta Redonda, Rio de Janeiro. Acervo CSN.

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Operários e engenheiros na construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas. Acervo Museu Vale do Rio Doce.

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A INDUSTRIALIZAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO: A PRESENÇA DA CST Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. (Fernando Pessoa)

DE “VILÃO FARTO” A NENHUMA FARTURA A caravela de Coutinho volta à Prainha, junto com os supergraneleiros de Tubarão. (Renato Pacheco)

O processo de colonização portuguesa no Espírito Santo iniciou-se em 1534, com a doação de 50 léguas de terras por D. João III a Vasco Fernandes Coutinho, que aqui chegou em 23/05/1535, em sua caravela “Glória”, com cerca de 60 aventureiros. Os nativos capixabas resistiram, bravamente, à invasão de suas terras e só dezesseis anos depois, em 1551, Vasco Coutinho pôde dar o nome de Vila de N. Srª da Vitória à capital escolhida para sua capitania do Espírito Santo, bem como a ela referir-se como “meu Vilão Farto”. No entanto, somente em 1558, sua capitania foi considerada “pacificada”, após o massacre de milhares de nativos, no que se chamou “Batalha do Cricaré”, no norte do Estado. Com a descoberta de ouro nas Minas Gerais, no século xvii, o Espírito Santo tornou-se, por decreto real, uma barreira natural, e Vitória, uma fortaleza, para proteger a riqueza mineral descoberta a oeste. O engrandecimento das “Minas Gerais” e o controle da saída do ouro pelo Rio de Janeiro tiveram como conseqüência o esvaziamento do Espírito Santo e a sua ruína como capitania promissora. O sonho da Terra Sem Males, da tradição Guarani, ou da Terra Prometida, da crença bíblica, permaneceu com os nativos, sobretudo os do noroeste do estado, acima do Rio Doce, que resistiram à dominação até o final do século xix e início do século xx. No século xviii, o Espírito Santo tornou-se “Capitania Real”, deixando de ser governado por particulares. Século de abandono, de tragédias, de rebeliões indígenas e de exploração de trabalho escravo, da expulsão dos jesuítas, da Inquisição. Na tentativa de colonização do interior capixaba, foi decretada uma guerra generalizada aos “botocudos”, como eram chamados os habitantes das regiões inexploradas da 17


Cais do Atalaia (Péla-macaco), Baía de Vitória. Página ao lado: Construção do Cais de Capuaba. Baía de Vitória, década de 70. Acervo Instituto de Pesquisa do Espírito Santo.

área de 7 milhões de m2, para abrigar instalações industriais e empresas de serviço capixabas. Tais medidas tiveram como objetivo impulsionar a indústria capixaba (Espírito Santo, 1978, p. 28). A principal voz discordante era a do naturalista capixaba Augusto Ruschi que afirmava: Está ocorrendo um grande erro em Vitória implantar o Distrito Industrial na região de Carapina, justamente o local menos poluído da Capital, pois os ventos que atingem Vitória e Vila Velha, levando a poluição de Tubarão, raramente chegam a Carapina [...] O governo vai justamente construir lá um Distrito Industrial para enchê-lo de fábricas e poluir o lugar mais aprazível da Capital (ruschi, p. 20-4, 1972).

No entanto, desde os governos de Carlos Fernando Monteiro Lindenberg (194750 e 1951) e de Jones dos Santos Neves (1951-1954), o Espírito Santo já recebia importantes investimentos federais como a conclusão do cais de exportação de minérios e a reconstrução da estrada-de-ferro Vitória a Minas, pela cvrd; a estrada rodoviária Vitória-Rio de Janeiro, em 1947, e a ponte sobre o Rio Doce, em Linhares, inaugurada em 1954. Arthur Carlos Gerhardt Santos lembra, em seu depoimento, que foi um dos jovens conselheiros -“tinha do arcebispo ao Marechal”- no Conselho de Desenvolvimento do Espírito Santo implantado por Carlos Lindenberg (gerhardt, 04 fev. 2004). A Petrobrás, criada em 1953, e a Aracruz Celulose, fundada em 1972, passaram a atuar, significativamente, no Espírito Santo, em suas áreas de produção. A expansão do Sistema Portuário, que envolveu a expansão do Porto de Tubarão, liderado pela cvrd, a construção do cais de Capuaba, em Vila Velha, a construção do porto de Praia Mole, para a cst, do porto de Portocel, da Aracruz Celulose, e do porto da Samarco em Ubu, tornaram o Espírito Santo um dos principais complexos portuários do país (bittencourt, 1987). Desde 1962, Veloso já afirmava: “... A grande vantagem de uma indústria siderúrgica localizada na região de Vitória é, de um lado, o fácil acesso ao mar para o recebimento de carvão e embarque dos produtos acabados e, de outro, o escoamento natural para o minério que o vale do Rio Doce proporciona, permitindo a construção de uma estradade-ferro em condições excepcionais para o tráfego pesado” (veloso, 1962, p. 885). 22


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GRANDES PROJETOS: SONHOS E PESADELOS. A CRIAÇÃO DA CST. É lá no hemisfério norte que mexem os pauzinhos. Os navios no porto, as águas no mar, o prédio em obras, o Convento no morro até o Convento todos aguardam ordem para se mexerem. (Renato Pacheco)

O jornalista José Carlos Monjardim Cavalcanti, em 1968, saudava a realização de uma grande siderúrgica no Espírito Santo com a seguinte nota publicada na coluna Negócios & Investimentos” da Revista Capixaba: Os capixabas receberam com viva euforia a notícia de que o Plano Siderúrgico Nacional escalonou para Vitória, nas imediações da Ponta do Tubarão, a implantação de uma usina de semi-acabados de aço, reunindo no seu comando, a cvrd e o bnde. A nova unidade, que vem dar ênfase à tese histórica da implantação de uma usina de aço, fato que se espera há trinta anos nos mais adiantados círculos siderúrgicos nacionais e internacionais, terá capacidade para produzir 1,5 milhão de toneladas anuais, poderá abrir oportunidades para 8 mil novos empregos e exigirá investimentos da ordem de 200 milhões de dólares. Portanto, a importância deste investimento é capital para o nosso esquecido e preterido Espírito Santo, que estranhou e se colocou de pé contra o ‘protesto’ que a Assembléia Legislativa de Minas Gerais encaminhou ao Presidente e ao Ministro Macedo Soares. Não se justifica, em hipótese alguma, o atendimento das pretensões de Minas Gerais, que chega a afirmar, com falsa brasilidade, que o governo federal estaria, ao determinar a instalação da usina de semi-acabados em Ponta do Tubarão, contra a tese da ‘interiorização do desenvolvimento’, que é válida sob alguns aspectos, mas completamente dispensável, no que concerne ao aço, pois em Tubarão o Brasil poderá produzir o aço mais barato do mundo. (Revista Capixaba, p. 14, 1968).

Na época, ainda se pensava na ampliação da Cofavi, visto que sua área, em Jardim América, era pequena. Ela, então, comprou, em associação com a cvrd, uma área de 14 milhões de m2, na ponta de Tubarão, terreno ideal para se fazer uma grande siderúrgica. Esta, de acordo com estudo de viabilidade de técnicos norte-americanos, teria uma capacidade de 500 mil t/a. O Presidente do bnde, da época, não aprovou o projeto, pois queria uma usina maior, de 2 milhões t/a. A Cofavi refez o projeto, mas o Banco avaliou que não dispunha do dinheiro para financiar um projeto de tal porte, segundo Edward Merlo, engenheiro civil que trabalhou na implantação da Cofavi e da cst. Ele afirma que: A Cofavi desenvolveu um estudo de viabilidade para instalar, em Tubarão, uma usina siderúrgica. [...]. Só que este estudo previa a instalação de uma usina de 500 mil t/a. Levamos este estudo ao presidente do bnde, que era o Jaime Magrassi de Sá, e ele disse: “Não vou dar apoio porque a usina é pequena demais; eu queria uma usina grande”. O presidente da Cofavi, que era o Gen. Ésio de Melo Aurim, imediatamente desenvolveu um estudo para 2 milhões t/a. Voltamos ao bnde e o banco disse que não tinha dinheiro. [...] Quando se criou a Siderbrás, o gen. Ésio associou-se a uma empresa do Japão, a “Kobe Steel”, e se fez um estudo de 2 milhões t/a, aqui para este terreno, a Ponta do Tubarão. [...] Mas, aí, foi a Siderbrás que não quis. A Siderbrás disse: “Quem vai fazer a usina somos nós” (merlo, 25 mar. 2004)

A partir da década de setenta, intensificaram-se os esforços para atrair grandes capitais nacionais e estrangeiros, como forma de aproveitamento da localização do Espírito Santo e das condições geradas com as leis de incentivos fiscais, para o que se convencionou chamar de “Grandes Projetos Industriais”. Estes tinham como base 24


o desenvolvimento industrial do Espírito Santo, com a industrialização de minerais em trânsito pelo sistema portuário estadual. Aí se incluía a cst, a ampliação da cvrd e a Samarco, uma usina de pelotas de ferro, em Ubu. A cst foi criada no bojo dos “Grandes Projetos Industriais para o Espírito Santo”. Três agentes distintos intervieram para a realização da cst: a) o capital externo, representado pela Kawasaki Steel Corporation, do Japão, e pela Finsider, estatal italiana; b) o governo federal, acionista majoritário representado pela Siderbrás; c) os agentes locais, através do governo estadual, com suas leis de incentivo e, sobretudo, vontade política. Uma série de fatores favoreceu a implantação da cst no Espírito Santo, dentre os quais: a crise do setor cafeeiro; vantagens locacionais, como a presença da cvrd, a estrada-de-ferro Vitória a Minas e o Porto de Tubarão; demanda mundial aquecida de produtos siderúrgicos; interesse particular dos investidores estrangeiros e a disposição do governo federal na ampliação da siderurgia nacional (morandi, 1997). A profecia do jornalista Monjardim Cavalcanti seria cumprida, mas, a duras penas, e se confirmaria o verso de Fernando Pessoa, da epígrafe, pois, quando “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Estava preparado o terreno em terras capixabas, que, em sua origem tupi, significa, “roçado, preparação da terra para o plantio”, para a implantação da primeira siderúrgica de grande porte, no Espírito Santo, voltada para a exportação, a cst. Era o mito clássico de Vulcano, integrando-se à crença bíblicoliterária da Terra de Canaã e ao sonho guarani da Terra sem males, na fértil terra do Espírito Santo, sob as bênçãos de Nossa Senhora da Penha, Tupanci e Yemanjá, mães espirituais do mestiço povo capixaba. Mas, até quando?

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A CST: DA CONCEPÇÃO À IMPLANTAÇÃO (1973-1983) E assim, passados os quatro Tempos do ser que sonhou A terra será teatro Do dia claro, que no atro Da erma noite começou. (Fernando Pessoa)

O DIFÍCIL COMEÇAR Há gente que acredita e que faz. Há gente que duvida e pára. Há, sobretudo, gente que dorme e que sonha. (Renato Pacheco)

Sr. Eliezer Batista, 2004.

Eliezer Batista, Presidente da cvrd na época da Revolução de 1964, relata, em seu depoimento, que, desde 1964-1965, a cvrd começou a pensar em adicionar valor ao produto que exportava, o ferro, já que era muito criticada por só exportar matérias-primas. A idéia corrente era a de que o futuro da siderurgia seria o de estar junto às matérias-primas e à energia, que o Brasil tinha, e não junto ao mercado. Com a inauguração do Porto de Tubarão, em 1966, que, segundo ele, influenciou a navegação mundial pelo barateamento de granéis sólidos e líquidos, a cvrd começou a pensar na exportação de placas e a não se restringir, somente, à de minério. Para a realização desse projeto, passou-se à busca de parceiros na iniciativa privada, já que, na época, ele havia saído da cvrd e trabalhava no grupo Antunes. São suas palavras: Havia uma idéia geral no mundo de que o futuro da siderurgia era o de se situar não mais junto ao mercado, mas junto às matérias-primas e à energia. E o Brasil, embora não tivesse a energia que tem hoje sob a forma de gás natural, era uma grande fonte de minério-de-ferro, ou melhor, o melhor minério-de-ferro do mercado era o nosso, além de ter uma geografia conveniente para o mercado americano e o mercado europeu. [...] A outra idéia é que a siderurgia deveria ir para países detentores das matérias-primas e da energia, ou os dois, como o Brasil é hoje. Então, começamos a pensar: por que, ao invés de exportar só minério, não exportar placa? (batista, 13 fev. 2004).

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Vista aérea da Ponta de Tubarão. Primeiro plano, Porto de Tubarão. Em segundo plano, a área verde onde hoje se encontra a CST. Acervo Museu Vale do Rio Doce.

No governo dos militares, foi criado, em 1967, o Grupo Consultivo da Indústria Siderúrgica (gcis), com a finalidade de propor um programa de expansão para o setor. Este grupo, presidido por Macedo de Moraes, e com representantes da csn, Usiminas, Cosipa, bb, cvrd, elaborou, em dezembro de 1967, o I Plano Siderúrgico Nacional, criando o Conselho Nacional da Indústria Siderúrgica (Consider), que representou, na prática, a institucionalização do planejamento estatal no setor siderúrgico. O Consider era presidido pelo Ministro da Indústria e Comércio e foi implementado no II Plano Nacional de Siderurgia, em 1968 (moreira, 2000). Ainda em 1967, em trinta de março, tomou posse na presidência da Cofavi, Antônio Dias Leite, que, em seu discurso, focalizou a importância de se construir uma siderúrgica no Espírito Santo, localizada no Porto de Tubarão, área já pertencente à Cofavi. Um mês depois, no Congresso Nacional, o deputado Parente Frota defendeu a implantação da usina integrada da Cofavi, na região de Tubarão, considerando sua importância, no cenário local, para tirar o Espírito Santo da dependência econômica do café e diversificando o setor produtivo, de primário para secundário (frota, 1970, p. 17-20). Em 1971, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o Ministro da Indústria e Comércio, Marcus Vinícius Pratini de Moraes, anunciou a construção de uma grande usina siderúrgica, que poderia ser instalada em Tubarão, no sul, ou no nordeste, para atender o mercado externo e exportando 1 milhão e 500 mil toneladas anuais (O Estado de São Paulo, p. 23, 08 set. 1971). Uma comissão mista do Senado presidida pelo senador capixaba Carlos Lindenberg, em 1973, autorizou a constituição da Siderúrgica Brasileira S.A. (Siderbrás), uma holding para coordenar as estatais do setor: csn, Cosipa e Usiminas eram as principais. Luiz Fernando Sarcinelli Garcia destaca, na criação da Siderbrás, a participação importante do Senador capixaba Carlos Lindenberg, que foi o relator da Lei que a instituiu, e a idéia de que “A Siderbrás vinha para viabilizar, principalmente, o projeto da Siderúrgica de Tubarão” (garcia, 16 abr. 2004). Era, ainda, a fase do “milagre econômico”, em que a política governamental para o setor siderúrgico sofreria adaptações, de modo a atender as demandas internas sempre crescentes de consumo do aço. Estudos do Consider, em 1971, projetaram 28


para 1980, uma demanda de 20 milhões de toneladas de aço, o que exigiria um aumento da capacidade produtiva das empresas existentes (csn, Cosipa, Usiminas) e a criação de novas siderúrgicas. A meta era elevar a capacidade produtiva do parque siderúrgico nacional de 5,0 Mt/a para 20,0 Mt/a de aço, em uma década (moreira, 2000). Os primeiros estudos de implantação da cst previam uma capacidade de 12 Mt/a, o dobro da produção brasileira da época, com o maior alto-forno do mundo, tirando o da Rússia, com 5 mil m3 (garcia, 16 abr. 2004). A cst foi gerada, portanto, a partir do I Plano Siderúrgico Nacional, de 19671968, que incluía a implantação de uma usina, em Vitória, voltada para o mercado externo. O governo brasileiro elaborou diversos estudos de viabilidade, destacandose o “Projeto Tubarão”, concluído em 1973. Era Governador do Espírito Santo o Dr. Arthur Carlos Gerhardt Santos e Presidente da República o Gen. Emílio Garrastazu Médici. Os parceiros internacionais do governo brasileiro foram a japonesa Kawasaki Steel Corporation e a italiana Finsider (Societá Finanziaria Siderúrgica). Ambas as parcerias foram obtidas pela intermediação da cvrd, após contatos mantidos, desde a década anterior, por Eliezer Batista. O estudo de pré-viabilidade da Usina de Tubarão foi concluído em setembro de 1973, considerando-se uma capacidade de seis milhões de toneladas/ano de aço (cst, Pré-projeto de Viabilidade, 1973). Na Câmara dos Deputados, o Deputado José Carlos Fonseca saudava o projeto Tubarão como “o grande sonho de aço do capixaba”, afirmando que a solução técnica prevaleceu sobre a política e que a história, que sempre esteve em desencontro com o Espírito Santo, poderia, enfim, reencontrar-se conosco (fonseca, 1973). A assinatura do “Protocolo Geral de Intenções” foi feita pelos acionistas, em 09 de novembro de 1973. Neste, protocolou-se, entre outras coisas, que a integralização do capital social deveria corresponder a 25% dos investimentos fixos, mais o capital de giro necessário para o primeiro estágio, representado por ações com e sem direito a voto. Das ações com direito a voto, 51% pertenceriam à Siderbrás; as outras 49% Protocolo que deu origem aos estudos da usina de Tubarão.

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Acordo Geral sobre o projeto de Tubarão. Base para a oficialização da empresa em 1976. Acervo CST.

O primeiro e até agora único dos projetos internacionais de grande porte a se viabilizar, o que lhe confere, por isso, importância especial no mundo siderúrgico, Tubarão exprime o grau de confiança que existe no exterior em relação ao Brasil. [...] Um dos pontos mais importantes, que definiram a viabilidade do projeto Tubarão, foi, precisamente, o custo dos transportes de semi-acabados da usina até o porto. [...] Outro aspecto é que a usina de Tubarão constituirá uma verdadeira fábrica de divisas para o Brasil (martins, 1975).

Ocorreu uma mudança do Termo de Compromisso dos Acionistas, em 09/02/1975, visto que o acordo firmado em 1973 não seria mais viável devido à crise do petróleo e à queda da demanda de aço no mundo. Pressões internas do empresariado nacional exigiram maior participação na construção e no fornecimento de materiais para a cst. Em 26/02/1975, fez-se a assinatura de um novo Termo de Compromisso, introduzindo alterações relevantes no protocolo inicial. Extinguiu-se o Conselho de Administração, que foi substituído por um Conselho Consultivo. Este atenderia ao interesse dos acionistas quanto à eliminação da possibilidade de decisões intempestivas em relação a assuntos vitais para o empreendimento. Este Termo de Compromisso estabeleceu, ainda, a participação nacional no fornecimento de equipamentos, materiais e serviços (cst, Relatório Anual da Administração, 1983). Foi assinado um novo acordo que se chamou “Acordo Geral do Projeto Tubarão” em 24/05/1975, que tratou de forma abrangente de todos os aspectos da questão, ratificando compromissos anteriores e alterando algumas regras de atuação. O novo acordo consistia na diretriz de promover a reestruturação da Companhia, abrangendo, inclusive, o aumento de capital requerido, para implantar o primeiro estágio da usina. Ele previa, também, que cada sócio era obrigado a consumir 80% de sua quota de placas produzidas, podendo abrir mão de 20%, que seriam comercializadas no mercado. Diante da crise internacional, chegou-se a pensar na modificação da configuração da capacidade produtiva da cst, reduzindo de 3 milhões t/a para 1,5 milhão (cst, Estudo de Viabilidade Fase II, 1988). No entanto, as dificuldades para a execução do projeto cst persistiam. Somente em 11/06/1976, dois anos e meio após a primeira assinatura do Termo de Compromisso, houve a criação oficial da cst, com a assinatura dos atos legais de implantação da empresa, pelo Presidente da República, Ernesto Geisel. O Escritório Central da empresa foi instalado no Centro de Vitória, no ed. Março, e dirigiam a cst, na época, além do Presidente, Ary Martins: Benedito Ribeiro da Costa, Superintendentegeral; Almério Vieira Gama, Superintendente de Compras; Sedaíldo Gomes, Superintendente de Controle e Paulo Cruz, Gerente Administrativo. Em 18/08/1976, foi contratado o primeiro empregado da cst, Daniel Alvino, como mensageiro, ainda trabalhando na cst, como Analista financeiro (cst, Revista 20 Anos, 2003). A implantação da cst recebia críticas diversas. Os vizinhos do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e, também, os paulistas reivindicavam para si o projeto. A Associação Brasileira da Indústria de Base (abdib) não aceitava a fatia de 33% que lhe foi oferecida no total de fornecimentos à cst. Internamente, os ambientalistas queixavam sobre o alto índice de poluição a ser provocado pela ampliação/ implantação das grandes empresas como a Cofavi, a Aracruz e a cst. Dizia-se que a usina produziria uma nuvem tóxica e que nada nasceria em um raio de 250 km (Revista Agora, Vitória, n. 77, p. 36-37). 34


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Inauguração da Usina Siderúrgica de Tubarão pelo Presidente Gen. João Batista Figueiredo. Acervo CST.

O PERÍODO ESTATAL (1983 - 1992) O Homem e a hora são um só Quando Deus faz e a história é feita. (Fernando Pessoa)

CONSOLIDAÇÃO DA CST: OS PRIMEIROS PASSOS O jornal A Tribuna noticiava, em 30/11/1983, a chegada do Presidente João Figueiredo a Vitória, às 10h35min, para presidir a inauguração da Usina Siderúrgica de Tubarão, um empreendimento que exigiu investimentos da ordem de três bilhões de dólares. Segundo o mesmo periódico, “A história de Tubarão, iniciada por volta de 1973, quando foram dados os primeiros passos no sentido de o Brasil buscar no exterior sócios para concretizar o empreendimento, concretizava-se com a inauguração da cst, dando início a uma Segunda Revolução Industrial do Espírito Santo”. O jornal A Gazeta, no mesmo dia, noticiava, também, a vinda do Presidente Figueiredo, com mais detalhes: “O Presidente da República, João Figueiredo, assiste hoje à laminação do primeiro lingote da Companhia Siderúrgica de Tubarão (cst) que marcará o início de produção de placas semi-acabadas de aço. Somente em dezembro a produção atingirá um volume de 80 mil toneladas e, no primeiro ano de produção, 2,6 milhões de toneladas”. Para a cerimônia, o Presidente estava acompanhado do Ministro da Fazenda, o capixaba Ernane Galvêas, do Presidente da Siderbrás, Henrique Brandão Cavalcanti, do governador do Espírito Santo, Gérson Camata e do Ministro da Indústria e do Comércio, Camilo Pena. Além da notícia referente ao evento, A Gazeta publicou, na primeira página, artigo não assinado intitulado “Tubarão e a História”, que afirmava, dentre outras coisas: A inauguração da usina siderúrgica de Tubarão é um fato especialmente significativo para o Espírito Santo. A par de sua expressiva presença no cenário nacional como indutora de desenvolvimento, a usina será, para nós em particular, um marco destinado a separar a história deste Estado em fases distintas.[...] Essa usina custou sacrifícios, esforços, dedicações. É, assim, um marco que reflete a perseverança que predominou em um rico momento da vida estadual (A Gazeta, 30 nov. 1983).

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Aciaria), em dia de chuva, era barro que não acabava mais; hoje, você vê verde, mata ou pavimentação das ruas” (sancio, 07 jan. 2004). Ou o de Vânia Maria Silva de Miranda: “Trabalhávamos em canteiros de obras, virávamos noites e noites aqui dentro. Comíamos num marmitex frio que vinha no caminhão, às vezes, descoberto, no meio de muita lama” (miranda, 07 jan. 2004). A cst participou, pela primeira vez, em 1986, do Prêmio Talento Brasileiro, que visava premiar as invenções de operários brasileiros que tivessem aplicabilidade na realidade industrial do país. A cst, desde o início, se preocupou com a participação de seus empregados em programas e prêmios de qualidade, administrados, internamente, pela área de Recursos Humanos. De acordo com Péricles Manoel Machado Torres, em média, “os empregados da cst apresentam em torno de duzentos e quarenta projetos, por ano. Destes 240, é feita uma seleção interna e são indicados os cinco melhores. [...] O primeiro deles, durante um ano, é o representante oficial da empresa, para eventos externos” (torres, 08 jan. 2004). Péricles destacou, em sua fala, o trabalho de dois colegas: o de José Fernando Romano, que criou o “Dispositivo de Injeção de Esfera de Gás”, conquistando o Prêmio Talento Brasileiro Nacional, de 1993 (cst, Revista 20 Anos, p. 49, 2003). Este afirma sobre a sua invenção: A gente tinha que fazer uma experiência na primeira esfera, que era de nitrogênio, uma esfera de menos risco, e, nessa primeira esfera, eu consegui fazer toda a adaptação necessária [...] como deveria e, na segunda, eu já passei para a situação normal [...] que seria fazer e acontecer no tempo [...] de cinco dias; de vinte e cinco passou para cinco dias, a um custo de oito mil dólares. [...] De 980 mil dólares, a firma conseguiu baixar para 8 mil dólares. [...] O fator tempo era mais importante do que o custo [...] então, foi um sucesso (romano, 30 jan. 2004).

O outro prêmio foi o de Luís Invitti Filho e Gibson Ramos da Costa, que desenvolveram um “Sistema Supervisório”, que faz um bloqueio, pelo computador, no equipamento, para reduzir os riscos de acidentes dos empregados que vão fazer a manutenção. Este trabalho foi o primeiro colocado, em nível nacional, em 1988, e é o próprio Luís Invitt, um dos autores, que fala de sua premiação. “É o reconhecimento de seu trabalho, uma grande repercussão, resolveu um problema que ia para a empresa toda. E, além disso, uma coisa que não era conhecida, era inédita e estavam entrando novas tecnologias” (invitti filho, 22 jan. 2004).

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Coqueria. Acervo CST.


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PÓS-PRIVATIZAÇÃO (1992-2002): UM NOVO RECOMEÇAR Claro em pensar, e claro no sentir, É claro no querer; Indiferente ao que há em conseguir Que seja só obter; Dúplice dono, sem me dividir, De dever e de ser (Fernando Pessoa)

1ª FASE: OS DONOS-BANQUEIROS Na privatização da cst, houve um impasse relacionado aos direitos dos sócios estrangeiros, que provocou um atraso de 23 meses no processo. Havia uma cláusula no contrato entre os três acionistas (Siderbrás, Kawasaki e Finsider) que garantia a prioridade de compra para os demais acionistas, caso um deles resolvesse sair da sociedade. Essa garantia, no entanto, confrontava com a legislação do programa de privatização, que previa um teto máximo de 40% para a participação do capital estrangeiro. A saída encontrada foi a de os sócios estrangeiros terem o direito de preferência até o limite máximo de 40% do capital votante da cst, a ser exercido depois de conhecidos os novos acionistas majoritários, possuindo, também, o direito de retirada do empreendimento (morandi, 1997, p. 127-8). O estudo de avaliação da cst resultou em um valor mínimo de us$ 635 milhões, dos quais, deduzindo-se o valor de endividamento da empresa da ordem de us$ 298 milhões, chegou-se ao valor líquido de us$ 337 milhões. O preço mínimo estabelecido, conforme recomendação dos consultores, foi de us$ 400 milhões. Como apenas as ações da União foram objeto de alienação (89% do capital total), seu preço mínimo foi de us$ 334,8 milhões (morandi, 1997, p. 130). Conforme Morandi, Na cst, o processo de venda foi estruturado em três momentos: a) oferta aos empregados, consistindo na alienação de 12,4% do capital total aos empregados; b) primeiro leilão, consistindo na alienação de 70,9% do capital total e 51,0% do capital votante, restrita ao capital nacional; c) segundo leilão, consistindo na venda de 14,7% do capital votante, aberto aos capitais nacional e estrangeiro, e onde se admitia a possibilidade de exercício do direito de preferência, detido pelos acionistas minoritários (morandi, 1997, p. 132-3).

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A CST, HOJE (2003-2005). PERSPECTIVAS FUTURAS Seu formidável vulto solitário Enche de estar presente o mar e o céu. E parece temer o mundo vário Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu. (Fernando Pessoa)

NOVA EXPANSÃO: RUMO AO FUTURO Israel Vainboim, Presidente do Unibanco e ex-presidente da cst, acredita no futuro da cst. São suas palavras: cst, com apenas 21 anos, tem um futuro maravilhoso. Estou convencido de que o mercado de placas é fantástico, é fabuloso, e de que existe uma oportunidade maravilhosa para a Companhia, na sua verticalização no mercado brasileiro. Eu confio em que a cst vai crescer muito e espero que esse crescimento, daqui pra frente, possa ser mais ordenado e contínuo (vainboim, 16 mar. 2004).

O ano de 2003 começou com grandes incertezas no mercado econômico, devido às expectativas do governo Lula, que se refletiram nas altas taxas de câmbio e na elevada expansão dos títulos da dívida externa do país. A atividade industrial, no Brasil, foi afetada pela política monetária restritiva e pela rígida disciplina fiscal, visando ao controle da inflação. Apesar disso, a produção brasileira de aço bruto alcançou 31,1 milhões de toneladas, um recorde histórico, bem como a produção de laminados cresceu 10,7%, num total de 21 milhões toneladas/ano (cst, Relatório Anual da Administração, 2003). Contudo, o ano de 2003 foi histórico, pois a cst completou 20 anos de operação, 30 anos de existência e o primeiro ano do Laminador de Tiras a Quente – ltq, cujo desempenho, ainda em fase de aprendizagem, vem superando as melhores expectativas. Nesse ano, a cst entrou para o seleto clube formado por empresas com faturamento superior a us$ 1 bilhão (cst, Relatório Anual da Administração, 2003). Em julho de 2003, entrou em operação a siderúrgica Vega do Sul – SC, da qual a cst tem 25% de participação acionária. Sua produção está prevista para 880 mil toneladas de aço galvanizado e relaminado a frio, em 2005, constituindo-se no maior cliente do mercado interno de bobinas a quente da cst, já tendo absorvido 90 mil toneladas do produto, em 2003 (10% das vendas internas), com embarques a partir de setembro (cst, Relatório Anual da Administração, 2003).

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ARCELOR BRASIL Novos tempos para cst e para a siderurgia, no Brasil, são anunciados em 28 de julho de 2005, pela Arcelor Brasil, com a criação de uma holding que aglutina a Belgo, a cst e a Vega do Sul numa mesma empresa, com a sede corporativa do grupo em Belo Horizonte. José Armando F. Campos passa a exercer a função de Diretorpresidente da Arcelor Brasil e não mais apenas da cst. Além de Presidente da Arcelor Brasil, acumula, também, a função de Diretor de Produtos Planos, enquanto o Vice-presidente, Carlo Panunzi, é, também, o Diretor de Produtos Longos e de Distribuição. Na assembléia dos acionistas da Belgo, no dia 8 de setembro de 2005, ocorreu a conversão das ações preferenciais em ações ordinárias e, no dia 12 de setembro, a conversão das ações da cst para ações ordinárias da Belgo, operação ratificada pelos acionistas da Belgo, no mesmo dia. Assembléia Geral Extraordinária de acionistas da cst e da Belgo, ocorrida em 30/09/2005, aprovou os termos e as condições do “Protocolo e Participação de Incorporações de Ações da cst e da Belgo-mineira”, firmado pelas administrações da cst e da Belgo em 27/07/2005, dentre outras providências (Cópias das atas publicadas em A Gazeta, p. 09, 03 out. 2005). Conforme entrevista de José Armando ao jornal A Gazeta, de Vitória, em 13 de agosto de 2005, o centro corporativo da Arcelor Brasil funcionará em Belo Horizonte, na atual sede da Belgo, e terá seis setores básicos: Tesouraria, Controle, Relações com Investidores, Recursos Humanos, Relações Institucionais e Consultoria Jurídica, mas a estrutura administrativa da cst não mudará, pois “é muito enxuta (...) com um presidente e três diretores (bem como) as gerências. As estruturas são racionais e funcionais” (A Gazeta, p. 23, 13 ago. 2005). O presidente da Arcelor, Guy Dollé, conforme matéria publicada em A Gazeta, sobrevoou o litoral sul do Espírito Santo, ao lado do Governador Paulo Hartung, para analisar futuros investimentos siderúrgicos no sul do Estado, mas o presidente da cst e da Arcelor Brasil, José Armando F. Campos, enfatiza que a prioridade, agora, é “terminar a expansão, o terceiro alto-forno e a nova coqueria, para aumentar a produção da cst de 5 milhões para 7,5 milhões de toneladas de placas de aço por ano”. E não ficam por aí suas expectativas. Segundo afirma, a produção de aço da cst será aumentada para 10 milhões de toneladas por ano e essa meta será alcançada “com a eliminação dos gargalos, redução das paradas, melhoria de rendimento e otimização das operações” (A Gazeta, p. 23, 13 ago. 2005).

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ARREMATES FINAIS A alma é divina e a obra é imperfeita. Este padrão sinala ao vento e aos céus Que, da obra ousada, é minha a parte feita: O por-fazer é só com Deus. (Fernando Pessoa)

Nestes 32 anos de existência da cst, muitas pessoas saíram de suas terras de origem, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, interior capixaba, França, Itália, Japão, dentre tantos outros, e vieram para o Espírito Santo, a fim de realizar seus sonhos pessoais, trabalhando em um projeto que transformou não só a vida deles mas a do próprio Estado: a Companhia Siderúrgica de Tubarão. Deusdedith Azevedo Dias, analista de Comunicação e Imagem da cst, foi um dos espectadores dessa transformação e afirma: “A cst foi um desafio, um divisor entre o desenvolvimento que vinha se dando, no Espírito Santo, particularmente, na agricultura, para o desenvolvimento industrial no Estado. Foi um grande salto. A cst foi, talvez, uma das principais locomotivas para puxar esse desenvolvimento” (dias, 09 mar. 2004). Tanto para os índios Guaranis, que buscavam a “Terra Sem Males”, quanto para os portugueses, em busca de ouro e prata, além de desejar “implantar a fé cristã” e os imigrantes italianos, alemães, libaneses e tantos outros retratados por Graça Aranha, Virgínia Tamanini, Renato Pacheco ou Adilson Vilaça, o Espírito Santo foi o cenário idealizado da “Terra Prometida” no imaginário desses seres, que para aqui acorreram, desde o século xvi. O Planalto de Carapina e o maciço granítico Mestre Álvaro foram testemunhas da passagem desses sonhadores e aventureiros, que, desde Gandavo, afirmava ainda no início da colonização portuguesa, “ser esta a mais fértil Capitania” ou “a terra mais abastada e melhor de toda a costa”, como relatou o Pe. Brás Lourenço. No entanto, apesar da fartura de água, de vegetação, da fauna abundante, da qualidade da terra e do açúcar, cuja produção se iniciava, a Capitania do Espírito Santo entrou em decadência, a partir do século xvii, em função da descoberta do ouro e das pedras preciosas, nas Minas Gerais, Capitania inexistente, em 1534, e que foi criada com o desmembramento das terras de outras Capitanias, inclusive a de Vasco Fernandes Coutinho. O Espírito Santo tornou-se, por decreto real, uma barreira natural, para proteger as riquezas descobertas, com suas matas virgens e os silvícolas, os “botocudos”, que defenderam, ardorosamente, suas terras contra os estrangeiros até o início do século xx. 125


companhia siderúrgica de tubarão - a história de uma empresa francisco aurelio ribeiro impresso na gráfica gsa primavera - 2005






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