EU ME CHAMO PIMENTINHA: O PERCURSO POÉTICO DE CRIAÇÃO DE UMA PALHAÇA Josilene Gome dos SANTOS1; Suani Trindade CORRÊA2 RESUMO: Este trabalho tem como foco principal traçar o percurso de criação de minha palhaça Pimentinha, a fim de entender como se deu o processo criativo, esmiuçando e revelando os rastros de seu nascimento que ocorreu durante a disciplina Clown ministrada no curso de Teatro (PARFOR/ UFPA). A pesquisa de cunho qualitativo se configurou como um memorial, em que a investigação se deu a partir da análise de fotografias, anotações e fragmentos, além de recorrer às lembranças e às memórias. Conclui-se que essa construção ora dolorosa, ora feliz, fez-se necessário para que o nascimento dessa figura clownesca chamada Pimentinha fosse realizado. PALAVRAS-CHAVE: Palhaça Pimentinha. Clown Pessoal. Palhaçaria. RÉSUMÉ: Cet travail se concentre principalement sur la recherche de la construction de mon clown afin de comprendre comment était le processus de création du même examen minutieux et à révéler des traces de sa naissance qui ont eu lieu au cours de clown enseigné à La Licence en Théâtre (PARFOR/UFPA). La recherche qualitative a été mise en place comme un mémoire, où la recherche a eu lieu de l'analyse des photographies, des notes et des fragments ainsi que des souvenirs. Il est conclu que ce bâtiment parfois douloureux, parfois heureux, il était nécessaire à la naissance de cette figure clownesque appelée Pimentinha. MOTS-CLÉS: Clown Pimentinha. Clown personnel. Clownerie.
INTRODUÇÃO Sou Josilene Gomes dos Santos, tenho 49 anos, mãe de duas mulheres e avó de três crianças lindas que amo de paixão. Sou séria, responsável e brincalhona quando me cabe ser. Sou teóloga, pedagoga e Licenciada Plena em Teatro pela Universidade Federal do Pará (UFPA), por meio do Plano Nacional de Formação Docente (PARFOR). Neste percurso trilhado na Licenciatura em Teatro, algo me absorveu, encantou-me, virou-me do avesso! Foi a disciplina Clown, ministrada pelo Prof. Marton Maués3. Wuo4 (apud BURNIER, 2009) diz que o “clown é a colherinha que mexe com o desejo da gente”.
1Professora
de teatro; graduada em teatro (PARFOR/UFPA); pedagoga e teóloga; e-mail: josilenegs727@gmail.com. 2 Professora-orientadora (PARFOR/UFPA); professora de teatro, de comunicação e expressão e de literatura; atriz e palhaça; e-mail: suani0707@gmail.com. 3 Professor da Escola de Teatro e Dança da UFPA; Prof. Dr. em Artes Cênicas pela UFBA/UFPA (Dinter Interinstitucional); fundador e diretor artístico do grupo Palhaços Trovadores. 4 Professora nas Universidades São Judas Tadeu/SP e Metrocamp/Campinas; professora colaboradora do IEL/UNICAMP; Atriz, Clown e Diretora Teatral.
E assim fui mexida durante uma semana5; cada dia que passava essa colherinha mexia mais e mais, deixando-me cada vez mais envolvida pelas novas descobertas do meu ser palhaça. Ao experimentar o clown (também denominado como palhaço), eu me senti completa, como se cada pedacinho do meu corpo e da minha alma fossem colocados em seu devido lugar. Eis que assim nasceu a minha palhaça Pimentinha. E uma vontade enorme me impulsionou a querer continuar a pesquisar e levar minha obra de criação para a vida, para a estrada, pois a Pimentinha já faz parte de mim e não consigo me imaginar sem ela. Assim, surgiu a proposta de pesquisa para meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC): descrever o processo de criação e construção de minha palhaça Pimentinha, esmiuçando e mostrando os rastros de seu nascimento durante a disciplina ministrada no PARFOR: o figurino, a maquiagem, a personalidade, de como se deu a escolha do nome, o contato com o nariz de palhaço, que é a menor máscara do mundo, entre outros aspectos de sua composição. Para a escrita, optei em seguir pela tessitura de uma escrita poética. Logo, optamos pelo memorial, pois como afirma Albuquerque (2007, p. 2), “o memorial, como o próprio nome insinua, é a prática de contar as suas próprias memórias”. A proposta foi expor, dividir, comungar as minhas memórias, lembranças desse processo de criação, mas fui além, pois também me vi envolta aos ‘causos’ de minha vida pessoal, em família etc. Nesse memorial intitulado Eu me chamo Pimentinha: O percurso poético de criação de uma palhaça, dialogo teórica e metodologicamente com a autora Cecilia Almeida Salles, com seu livro Gesto Inacabado: o processo de criação artística (2011), para traçar o processo de criação. Para isso, analisei fotografias, anotações em meus cadernos de estudos, vídeos do resultado da disciplina; sobre o universo da palhaçaria, recorri aos estudos desenvolvidos, principalmente, por Andreia Pantano (2007), Alice Viveiros de Castro (2005), Luís Otávio Burnier (2009), Jacques Lecoq (2010).
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As aulas do PARFOR são ministradas durante uma semana, nos turnos da manhã e tarde, de segunda a sábado.
E ASSIM FUI MEXIDA: O PERCURSO POÉTICO DE CRIAÇÃO DA PALHAÇA PIMENTINHA No dia 25 de janeiro de 2016, deparei-me com o primeiro momento da criação da minha palhaça. Foi na disciplina Clown, ministrada pelo prof. Marton. Nos primeiros dias da disciplina, trabalhamos bastante com o corpo, pois precisávamos conhecer cada pedacinho dele para ‘emprestarmos’ às figuras clownescas que logo seriam criadas. Fizemos alongamentos diversos, aquecimentos prolongados, andamos de um lado para o outro, caminhamos em várias direções, tudo isso em sala de aula. Cada dia que passava, era uma nova descoberta, um novo aprendizado que se descortinava à minha frente e eu, deslumbrada, lembro-me do prof. Marton dizendo que “o palhaço é construído com o meu material e que o palhaço é constituído com vários elementos que são meus” (20166). Assim, foram com meus materiais e com meus elementos que fui dando vida à minha criação.
A descoberta do nariz Prof. Marton nos apresentou o nariz do palhaço e nos explicou que ele é considerado a menor máscara do mundo. Ele foi nos ensinando perspectivas conceituais sobre o uso: o palhaço olha sempre com o nariz; o palhaço deve arregalar os olhos sempre que colocar o nariz; é com o nariz que aponta para as pessoas; o palhaço respeita o público e sempre agradece a qualquer manifestação de aceitação. Com toda paciência, nos ensinou a colocar o nariz e que havia algumas regras que deveriam ser obedecidas: ninguém jamais deveria vê-lo colocando o nariz. Explicou-nos que temos que nos virar de costas ou baixar a cabeça para colocá-lo. Confesso que ao colocar o nariz, senti certo desconforto, talvez por ele ser de um material plástico e por ter me machucado um pouco ao usá-lo. Mas logo fui me acostumando, pois nunca havia colocado um nariz de palhaço nem em festas infantis, e eu confesso que esperava ansiosamente por esse momento mágico no mundo do clown. Então, quando colocamos os narizes de palhaço, ao levantarmos a cabeça e olhamos uns para os outros, prof. Marton pediu para que todos levantassem as sobrancelhas. Foi inevitável os risos - ficamos engraçados; eu estava curiosa para me ver: peguei um espelhinho da bolsa e vi o quanto havia mudado com aquele nariz vermelho. 6
Essas informações foram retiradas de anotações de estudo que fiz durante a disciplina.
Percebi que o nariz revelava o ser humano, que o nariz vermelho é lindo, nos provoca emoções. Segundo Ana Vasquez Castro (2002, p.10), o nariz vermelho é a menor máscara do mundo e “possui a grande virtude de despojar o rosto de toda defesa, mostrando o invisível, aquilo que está escondido atrás da primeira imagem aparente”. Naquele momento, senti-me como se estivesse sido ‘invadida’ e fiquei com medo porque todos iam ver o que sempre escondi dentro de mim, todos iam ver aquela criança reprimida, desajeitada e tímida. Segundo o próprio Burnier (2009, p. 209), “O trabalho de criação de um clown é extremamente doloroso, pois confronta o artista consigo mesmo, colocando a amostra os recantos escondidos de sua pessoa; vem daí seu caráter profundamente humano”. Minha preocupação maior era que todos me achariam ridícula, mas ao mesmo tempo, eu me sentia liberta de algo que me aprisionava. Aos poucos, fui sentido prazer, felicidade e um turbilhão de emoções que não cabia dentro do peito e que o ridículo já não era mais problema para mim porque, ao me ver com aquele nariz vermelho, eu me senti linda, meiga, engraçada e minha criança estava se mostrando sem medo de ser feliz.
A menina, o vestido vermelho e o nariz No mesmo dia da descoberta do nariz, prof. Marton pediu todos os materiais que iríamos precisar para a criação dos palhaços. No primeiro horário, trabalhamos com as técnicas corporais; já no segundo horário, nos pediu para providenciarmos as roupas. Cheguei a ir a um brechó, mas nada me agradou. Então lembrei que tinha um vestido em casa, que tinha sido confeccionado para ser usado em minha sala de aula no cantinho de leitura, com crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental Menor. Como as crianças não tinham interesse pela leitura, eu resolvi me vestir de boneca e trabalhar vestida com aquele vestido, o que me agradou muito porque ele era todo vermelho, confeccionado com um tecido chamado brim, com detalhes brancos, com colarinho e dois bolsos na frente. Embora as definições estejam atreladas uma a outra e sejam muito tênues as diferenças, podemos dizer que a roupa da Pimentinha, o vestido vermelho, iniciou como uma vestimenta e depois passou a ser visto como um figurino. A VESTIMENTA pode ser compreendida enquanto a veste para uma situação específica. FIGURINO é o traje utilizado em cena, seja para circo, dança e teatro,
cinema, novela, ópera, comercial, performance, videoclipe, show musical (SOUZA; FERRAZ, 2013, grifos dos autores).
Tive outras opções de roupas que poderiam ser usadas para compor a criação de minha palhaça. Contudo, já tinha aquele vestido vermelho pronto e esperando para ser usado novamente; além disso, coincidiu da cor dele ser vermelho, que é uma das cores clássicas da palhaçaria. Assim, por esses motivos, resolvi que seria ele que faria parte da matéria-prima para compor a vestimenta da minha palhaça. No dia seguinte, levei para aula o vestido, um par de meias vermelha bem comprida e um par de meias 3/4 colorida, e um par de tênis vermelho que também já tinha em casa e bastante usado. E fui fazer a experimentação. Naquele dia, eu vestia uma calça legging cinza. Fui me montando e comecei a gostar do que via; prendi o cabelo no topo da cabeça, mas puxando um pouco para a lateral. A primeira tentativa estava pronta para a avaliação do prof. Marton, porém não acabada. Fizemos todos os exercícios e os treinamentos corporais, mas vestidos com os figurinos e começamos a nos movimentar, experimentando esse novo corpo, o qual já sofria alterações no andar e no comportamento. Senti uma forte emoção, como se uma parte de mim estivesse se desvencilhando do que não fazia mais parte do meu eu natural; continuei a experimentar; a aula terminou, fui para casa, mas sentia que ainda precisava de algo que pudesse dar ‘recheio’ para aquele corpo. Em casa, comecei a vestir minha palhaça e passei algumas horas com dúvidas em frente ao espelho; vendo minha imagem refletida, observei que precisava eliminar a calça legging, mas o que vestir no lugar? Lembrei-me de um short branco fofinho que tem elásticos na cintura e nas pernas; corri para o guarda- roup; peguei o short e o vesti... nossa! A imagem que vi foi outra. O vestido com o short foi um casamento perfeito! Naquele momento, percebi que aquele corpo da palhaça começava a ter vida própria, pois já havia uma alma, a minha alma estava entranhada naquele corpo... Naquele exato momento, vi minha criança adormecida sendo expulsa para fora de mim, como se fosse um parto, uma vida para nascer, viver, para brincar, para sorrir e para contagiar as outras pessoas com sua alegria e encantamento.
A maquiagem - suas cores e possibilidades Na aula seguinte, experimentamos a maquiagem. Para mim, foi a parte mais difícil porque, apesar de ser feminina e muito vaidosa, não tinha habilidades com maquiagem teatral e quando via palhaços se apresentando, parecia simples fazer aquele tipo de maquiagem. Mas quando fui para a prática da experimentação, vi o quanto era difícil; não tinha noção de como fazer, porém sabia que não queria meu rosto todo branco. Então comecei a me maquiar; passei sombra branca nos côncavos dos olhos, fiz um traço com lápis preto que subia do nariz entre os olhos até as sobrancelhas; não contente, fiz um desenho tipo triângulo passando da sobrancelha e preenchi com sombra branca, contornei bastante o olhos com lápis preto, apliquei várias camadas de rímel preto à prova d’água nos cílios para que ficassem mais longos e com mais volume, passei batom preto nos lábios e desenhei uma boca com lápis preto ao redor dos lábios e preenchi com tinta vermelha. Sinceramente, parecia com a boca do Coringa, aquele personagem vilão do Batman. Para mim, estava espetacular porque a imagem que tinha de palhaço durante minha infância era essa boca grande e escandalosa. Chegou o momento de apresentarmos nossa maquiagem ao prof. Marton. Quando ele viu meu rosto maquiado... lembro da feição de horror que ele fez e falou: “Josi, tua maquiagem está horrível! Tua palhaça é meiga, delicada e feminina. Esta maquiagem está grosseira e muito masculina”. Fiquei arrasada. Ele disse para tirar e fazer outra. Mas terminei minha apresentação com aquela maquiagem, pois nosso horário de aula já estava terminando. Em casa, fiz o que ele me pediu, embora o desânimo e a frustração que me acompanhavam naquele momento fossem maiores que minha vontade de continuar tentando, mas fui lá e me vesti de palhaça; fui para frente do espelho. Para meu desespero, a situação se complicava porque sou míope e precisava tirar os óculos para me maquiar. Fiz várias tentativas e não gostava de nenhuma das maquiagens que tinha feito até aquele momento; já me sentia cansada e quase chegando a exaustão, mas não desisti e continuei. Desta vez, passei sombra branca nas pálpebras e nos côncavos dos olhos, caprichei no rímel aplicando umas três camadas, contornei os olhos com lápis preto, puxei um risco preto para baixo, pus blush vermelho nas bochechas, passei batom vermelho nos lábios e duas bolinhas brancas no cantinho da boca. Finalmente, consegui fazer a maquiagem perfeita.
É importante ressaltar que a maquiagem não é algo concebido ao acaso. Ao conceber a maquiagem, o palhaço procura ressaltar o traço do rosto mais propicio pra despertar o riso e, assim marcar a singularidade de sua personagem como também a sua própria (PANTANO, 2007 p. 54-55).
Saí do quarto correndo e fui mostrar para meu esposo. Quando ele me viu, ficou encantado e disse que era a palhaça mais linda que já tinha visto. Deveria ser umas 20 horas; saí pela vila de casa porque precisava ver a reação dos meus irmãos e sobrinhos e quando me viram, se encantaram com minha palhaça! Eles também disseram que ela era uma palhaça linda, meiga e delicada. Deram-me muito apoio e percebi que minha palhaça estava quase completa porque olhava para ela e via que ainda faltava algo, mas como estava tão cansada, deixei para descobrir o que seria em sala de aula. É importante mencionar que em 2017, na disciplina Maquiagem, ministrada pelo prof. Cláudio Didimano7, a maquiagem da Pimentinha sofreu alteração nos olhos: foram acrescentados alguns riscos feitos com lápis preto nas pálpebras, e essa alteração deixou o olhar da Pimentinha mais expressivo. E o toque final... Na manhã seguinte, acordei muito desanimada, mas fui estudar. Como de costume, iniciamos a aula todos vestidos e maquiados e começamos a andar, olhar para os lados, a andar e parar, falando em blablação8; tudo isso sobre orientação e observação de prof. Marton. Ficamos por umas três horas nessas atividades; depois a turma foi dividida em vários grupos, de quatro ou cinco componentes para o próximo treinamento, os quais deveriam andar, parar até um determinado ponto e cantar uma música em francês ou em uma outra língua qualquer. Logo em seguida, prof. Marton nos olhou e falou onde tínhamos que melhorar e me pediu para colocar algo nos cabelos. Naquele momento, encontrei o que faltava; mais uma vez voltei para casa pensativa, vesti-me novamente e fui pesquisar nos meus guardados que elemento serviria; fiz tentativas diversas, pus um laço dourado - não gostei; uma rosa vermelha de plástico - também não gostei; pus uma fita branca e nada fazia sentido... Até que encontrei um acessório especial: uma caneta com uma flor de cetim amarela na ponta. Essa caneta foi um presente que ganhei de um aluno chamado João, que as vendia para ajudar sua mãe no orçamento doméstico. Comprei uma vermelha e não sei por que ele 7
Prof. da ETDUFPA. Blablação é a substituição de formas de sons que tornam as palavras reconhecíveis e a expressão vocal acompanhando uma ação, não tradução de uma frase em português. 8
me presenteou com uma caneta que tinha na ponta uma flor em cetim na cor amarela. Então eu peguei a caneta e coloquei no cabelo. Ao olhar novamente para o espelho, percebi que aquele objeto encontrado era um elemento muito especial para ser usado na vestimenta de minha palhaça. Eu me chamo... PIMENTINHA! Na manhã seguinte, apesar de não ter dormido bem porque não parava de pensar um só minuto em minha criação, fui para aula bastante animada; fizemos alongamentos e aquecimentos como de costume diário, e prof. Marton pediu para que todos vestissem suas personas clownescas. Nós nos olhávamos e perguntávamos uns aos outros se estavam gostando, pois não tínhamos espelhos grandes para nos vermos. Prof. Marton olhou um por um e chegou o momento dele perguntar o nome dos nossos palhaços. Surgiram vários, como por exemplo: Pitiú, Berinjela, Pitico e outros. Fiquei apavorada, pois ainda não tinha parado para pensar no nome que obviamente minha palhaça precisava ter. ‘Deu um branco’ em minha cabeça e não conseguia pensar em nome nenhum. Depois de muita pressão, falei que o nome da minha palhaça era Kati, em homenagem a meu sobrinho e afilhado Flávio que, quando criança, não conseguia pronunciar o nome da minha filha caçula – Karoline. Mas quando meus colegas começaram a me chamar de Kati, parecia que não era comigo que estavam falando; não gostei porque não soou bem. Terminei a aula sendo Kati, mas ao chegar em casa, revirando minha caixa de bijuteria, encontrei um pingente em formato de uma pimenta vermelha. Fiquei olhando para ele por alguns minutos e comecei a lembrar de como eu gostava e usava muito acessórios em formato de pimenta, mas não era qualquer pimenta, tinha que ser vermelha. Sou apaixonada nas pimentas vermelhas. Naquele instante, eu tive um insight: minha palhaça iria se chamar Pimentinha e assim aconteceu o batismo.
O Baile Enluarado dos Palhaços de Breves Após seis dias de tentativas e descobertas, finalmente chegou o dia mais esperado por todos: foi exatamente no dia 30 de janeiro de 2016 que fomos à rua, em um grande
cortejo para exibirmos nossos palhaços para a população brevense. Nós nos reunimos na Escola Odizia Correa, onde estávamos estudando. Foi muita emoção, pois todos estavam vestidos de clown, cada um na sua peculiaridade e aquela saída foi a primeira manifestação clownesca em nossa cidade. Quando as pessoas nos viram, ficaram felizes e nos seguiam sem saber de fato o que estava acontecendo e nem para onde íamos; simplesmente nos seguiam. Preparávamo-nos cantando as canções Flor minha flor, Peneirei fubá, de autoria do folclore mineiro, as quais nós aprendemos no decorrer da disciplina enquanto estávamos no processo criativo porque a criação é assim, observada no estado de contínua metamorfose. O crescimento e as transformações que vão dando materialidade ao artefato que passa existir, não ocorrem em segundos mágicos, mas ao longo de um percurso de maturação. O tempo do trabalho é o grande sintetizador do processo do criador. A concretização das tendências se dá exatamente ao longo desse processo permanente de maturação (SALLES, 2011, p. 40).
O cortejo continuava; saímos pela Avenida Rio Branco, rua principal da cidade de Breves; íamos felizes, cantarolando, pulando, com enorme sorriso espalhando alegria por onde passávamos. Ao passar em frente a uma obra, os operários pararam para nos prestigiar e, quanto mais andávamos, mais pessoas se juntavam para nos acompanhar. Eu me sentia muito feliz; a sensação era de que tinha voltado a ser criança e que podia fazer qualquer travessura; falava com as pessoas sem receio! Meu coração transbordava de tanta felicidade. A caminhada foi longa, mas prazerosa e finalmente chegamos ao nosso destino: a Praça do Operário. Para nossa surpresa, quando chegamos, ela estava lotada com uma plateia linda que nos esperava. Ao nos aproximarmos do centro da praça, as pessoas fizeram um círculo em volta, esperando o momento certo de interagir com os palhaços de Breves. Quando falei “Boa noite, sou a palhaça Pimentinha”, meu coração parecia que ia sair pela boca, foi uma explosão de sentimentos... senti vontade de chorar, não de medo, mas de tanta felicidade! Após o término das intervenções individuais, iniciamos com o roteiro das apresentações. Todos participaram e foi visível a felicidade nos rostos dos pais, vendo seus filhos brincando e participando de um momento mágico em nossa cidade; as crianças saltitavam de alegria.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao realizar essa pesquisa, que consistiu em percorrer os rastros de criaçãonascimento de minha palhaça Pimentinha, pude mergulhar em minhas memórias na tentativa de buscar minha criança adormecida, a qual veio com tanta força, ardente de desejos e de sonhos. Também percebi o quanto é doloroso o processo de construção de uma palhaça, pois exige uma dedicação enorme; o desconhecimento de técnicas, as dificuldades encontradas na corporeidade de cada exercício, os treinamentos incansáveis levando a exaustão, tudo me fez sentir na pele as dores dessa criação. Aquela colherinha mencionada na introdução de meu memorial mexeu tanto comigo a ponto de eu desejar acrescentar mais uns ingredientes em minha pesquisa, isto porque pretendo dar continuidade e levar a Pimentinha para o mestrado; tenho um desejo incontrolável de levar a Pimentinha para a área da pedagogia, sinto o desejo e a necessidade de criar um espaço para ministrar oficinas de palhaços para as crianças, mas para que isso aconteça, faz-se necessário muito estudo e dedicação para que a Pimentinha possa sair por aí, espalhando novas sementinhas e despertando o desejo para esse ser esplêndido da comicidade palhacesca. No período de nascimento/construção da Pimentinha no ano de 2016, não foi possível aprender outras técnicas do universo clownesco, como malabares, tocar alguns instrumentos, manuseios com balões etc., mas sinto necessidade de aprender essas e outras técnicas, pois é sempre bom o palhaço ter em sua mala um repertório com técnicas variáveis. Contudo, nesse intuito de busca e aperfeiçoamento do clown pessoal, tive a oportunidade de participar de uma oficina intitulada O palhaço pessoal, ministrada por Bruno Toneli, o palhaço Arco Iris (de Belo Horizonte/MG), nos dias 23 a 24 de novembro de 2017, na Casa dos Palhaços, sede do grupo Palhaços Trovadores (de Belém/PA). A oficina teve uma metodologia mais filosófica com objetivo principal de instigar a autorreflexão dos palhaços participantes, por meio de perguntas-chave, tais como: Como é o seu palhaço? Como é o andar do seu palhaço? Qual o movimento de cumprimentar do seu palhaço? Como mexe o corpo desse palhaço? Como você se diverte com o seu palhaço? De onde vem o riso?
Bruno nos falou que o ingrediente mais difícil na construção do palhaço é a imaginação e que a palhaçaria é a personificação da poesia em ação. A oficina me ajudou a entender mais sobre a busca desse clown pessoal, que temos que nos arriscar sem medo de errar, como palhaça eu posso fazer o que eu quiser, pois esse ser cômico tem o poder de transformar vidas em magia. Falando um pouco sobre a mulher-palhaça... andando em passos lentos na tentativa da descoberta da minha palhaça, muitas vezes me senti confusa, solitária e sem respostas para muitas perguntas feitas anteriormente; tenho a impressão que tais respostas só irei obter a partir do momento em que eu me propuser a participar de outras oficinas para que meu trajeto de construção seja multiplicado de aprendizado. Sinto que a Pimentinha ainda está em processo de construção e sei que é preciso que ela apareça para o mundo, para as crianças, que esteja em um palco, nas ruas; sem ser pretensiosa, sinto que as pessoas precisam dela, assim como ela também precisa das pessoas, do palco, das crianças, das ruas para se sentir viva. Sinto-me perdida ainda! Como continuar e (re)começar? Bom... Eu sou uma mulher em busca da minha palhaça! Por fim, é necessário mencionar que durante o processo de criação da palhaça Pimentinha e da escrita deste memorial, houve momentos de choro, de risos, de fracassos e de sucessos, mas houve também a plenitude ao ver que uma figura clownesca chamada Pimentinha havia sido criada, assim como chegar ao fim da escrita desse memorial. Os dois atos criativos em que eu estive mergulhada foram experiências únicas e inexplicáveis, e eles me servirão de base para futuros estudos e continuidade a respeito do mundo da palhaçaria.
REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Ana Paula Trindade de. Memórias e memoriais: entrelaçando a história de ensino de arte à história de nossas vidas. In: Congresso Nacional de Federação de Arte Educadores do Brasil, 17, 2007, Florianópolis. Anais do XVII CONFAEB - Congresso Nacional de Federação de Arte Educadores do Brasil e IV Colóquio sobre o Ensino de Arte. Florianópolis: CONFAEB, 2007. Disponível em:<http://www.ppgdesign.udesc.br/confaeb/comunicacoes/ana_paula_albuquerque. pdf>. Acesso em: 11 nov. 2017. BURNIER, Luís Otavio. A arte de ator: da técnica a representação. 2. ed. Campinas, SP: Unicamp, 2009. CASTRO, Ana Vasquez. El Clown, esse ser único. In: Revista do Lume. n. 4,
Campinas. Unicamp, março, 2002. PANTANO, Andréia Aparecida. A personagem Palhaço. São Paulo: Editora UNESP, 2007. SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: 5. Ed. Intermeios, 2011. SOUZA, Anderson Luiz de; FERRAZ, Wagner. O trabalho do figurinista: Projeto, Pesquisa e Criação. 1ed. Porto Alegre: INDEPIn, 2013.