CONSTRUÇÃO E FORMAÇÃO DE UMA PROFESSORA DE TEATRO DA COMUNIDADE RIBEIRINHA SANTÍSSIMA TRINDADE Manoela Cardoso BORGES1; Suani Trindade CORRÊA2
RESUMO: Este trabalho apresenta a minha trajetória de construção e formação enquanto professora ribeirinha da comunidade Santíssima Trindade, localizada às margens do rio Marajoí, no município de Gurupá - PA. O objetivo foi investigar e analisar os trajetos e travessias de construção e formação enquanto professora ribeirinha que sou e os aprendizados que obtive durante a minha trajetória enquanto aluna, principalmente no PARFOR/UFPA, e de professora do ensino básico de minha comunidade. Além disso, entendi que seria necessário refletir sobre a importância do teatro nessa trajetória, já que a minha formação acadêmica é uma Licenciatura em Teatro. A pesquisa desenvolvida tem cunho qualitativo e a escrita se configurou como um memorial, cuja investigação se deu a partir da análise de fotografias, anotações e conversas com moradores de minha comunidade. PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores. Trajetória de si. História de vida. Teatro. RÉSUMÉ: Cet travail présente ma trajectoire de construction et de formation en tant que professeur riverain de la communauté Santíssima Trindade, située sur les rives du fleuve Marajoí, dans la ville de Gurupá - PA. L'objectif était d'étudier et d'analyser les chemins et les passages de la construction et de la formation en tant que professeur riverain que je suis et l'apprentissage que j'ai obtenu pendant ma carrière d'étudiant, surtout au PARFOR et en tant qu'enseignant primaire dans ma communauté. De plus, j'ai compris qu'il faudrait réfléchir sur l'importance du théâtre dans cette trajectoire, puisque ma formation académique est une Licence en Théâtre. La recherche développée a un caractère qualitatif et l'écriture a été configurée comme un mémorial, dont l'enquête étaiet basées sur l'analyse de photographies, de notes et de conversations avec des résidents de ma communauté. MOTS-CLÉS: Formation des enseignants. Chemin de soi. Histoire de la vie. Théâtre.
INTRODUÇÃO Eu
sou
Manoela
Borges,
mãe,
professora
licenciada
em
Teatro
pelo
PARFOR3/UFPA. Sou moradora da comunidade Santíssima Trindade, fundada em 02 de dezembro de 1973, banhada pelo rio Marajoí, localizada no município de Gurupá - PA. Ao me debruçar nestas escritas, rememorei as tardes em que me sentava na ponte de casa para sentir o vento, ver as folhas das árvores caindo sobre mim e o rio com as águas lentas querendo se debruçar em ondas. 1
Professora de teatro; graduada em Teatro (PARFOR/UFPA); e-mail: manuzinhaborges29@hotmail.com. Professora-orientadora (PARFOR/UFPA); professora de teatro, de comunicação e expressão e de literatura; atriz e palhaça; e-mail: suani0707@gmail.com. 3 Plano Nacional de Formação Docente, programa desenvolvido pelo Ministério da Educação. 2
A partir de uma pesquisa-mergulho em minhas lembranças e memórias, elaborei este memorial4. Como Albuquerque (2007, p. 2) afirma, o “memorial, como o próprio nome insinua, é a prática de contar as suas próprias memórias”. Logo, para tal escrita, foi necessário mergulhar profundamente em meu passado-presente. O objetivo foi investigar e analisar o meu processo de construção enquanto professora ribeirinha5 que sou e os aprendizados que obtive durante a minha trajetória enquanto aluna, principalmente no PARFOR, e de professora do ensino básico de minha comunidade. Além disso, entendi que seria necessário refletir sobre a importância do teatro nessa trajetória, já que a minha formação acadêmica é uma Licenciatura em Teatro. Assim, esse memorial me ajudou a entender e a compreender o percurso que eu trilhei até o presente momento e como todas as vivências que tive foram importantes para a minha formação docente, isto porque “o memorial trabalha com o exercício de entender suas pegadas, voltar a elas, e a partir delas traçar caminhos a seguir” (ALBUQUERQUE, 2007, p. 2). Para trilhar essas pegadas, busquei mergulhar em uma metodologia de pesquisa qualitativa baseada na crítica genética. Fui aos rastros de fotografias, de anotações; conversei com moradores de minha comunidade a fim de buscar pistas históricas sobre sua formação e constituição; revi anotações que fiz em minhas apostilas e cadernos usados durante as aulas do PARFOR. Em minha escrita, espaço-tempo se misturarão, pois é impossível estas duas instâncias se separarem nesse momento de retorno ao passado e trazê-lo à tona de forma memorialística. Isto porque, Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória. Memória que é a de um espaço e de um tempo, memória no interior da qual vivemos, como uma ilha entre dois mares: um que dizemos passado, outro que dizemos futuro. Podemos navegar no mar do passado próximo graças à memória pessoal que conservou a lembrança das suas rotas, mas para navegar no mar do passado remoto teremos de usar as memórias que o tempo acumulou, as memórias de um espaço continuamente transformado, tão fugidio como o próprio tempo. (SARAMAGO, 2008).
MINHA INFÂNCIA E O RIO MARAJOÍ COMO TRAVESSIA Eu nasci às margens do rio Marajoí, interior da cidade de Gurupá – PA. Sou filha de ribeirinhos, trabalhadores rurais; minha mãe se chama Célia da Costa Cardoso e meu pai se 4 5
O memorial foi meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Pessoa que reside nas proximidades, nas margens dos rios.
chamava Manoel Nazareno Magalhães Borges. Nasci no dia 29 de janeiro de 1994. Tem um momento de meu nascimento que minha mãe sempre me conta: quando minha avó estava fazendo o parto dela, a lamparina apagou e eu nasci no escuro. Minha mãe deu à luz e eu vim às escuras. Assim, quando surgem as dificuldades em meu caminho, penso naquele momento de meu nascimento, mas logo mudo o percurso dos pensamentos e procuro não ver isso como uma barreira que me impeça de lutar e seguir em frente com meus sonhos, afinal, como qualquer ser humano, sou sonhadora e a cada dia fortalece e desperta novas esperanças em mim, esperanças essas que me sustentaram durante toda a minha vida. Desde criança trabalho. Isso se deu devido meu pai ter falecido quando minha mãe estava grávida de mim, com apenas seis meses. Éramos dez filhos, então se tornou muito difícil para ela nos sustentar sozinha. Alguns de meus irmãos foram morar com outras famílias. Depois de alguns anos, minha mãe se casou novamente e a vida melhorou para ela, pois meu padrasto era muito legal com ela e com meus irmãos. Aos oito anos, fui morar com meus padrinhos; eles tinham dois filhos homens e uma filha mulher. Morei com eles até os 12 anos, até que um dia, saí dizendo que iria passar as minhas férias com minha família e não voltei mais. A saudade de mãe e meus irmãos era grande. Sempre fui cheia de sonhos; vindo de uma família muito humilde, sonhava em concluir meus estudos para poder ajudar minha família. Por isso, fui morar com uma família conhecida de minha mãe, que tinha condição financeira melhor a me oferecer. Fui morar com essa família e passei um ano com ela. Um dia, surgiu a possibilidade de ir morar em outra cidade; de imediato pensei se iria conseguir me separar da minha família, mas também pensei nas possibilidades de melhorar de vida, na qualidade do ensino que era totalmente diferente do interior, quem sabe seria a chance que eu estava tendo para poder ajudar minha família. Naquela época, tinha apenas 13 anos. Então fui morar em Santana, no estado do Amapá. Mas ao chegar, já me deparei com uma situação totalmente diferente do que esperava; comecei a trabalhar nos serviços da casa e depois de um ano comecei a cuidar de duas crianças (quase da mesma idade). Trabalhava como doméstica, babá e ainda tinha que estudar. Tal situação prejudicou muito os meus estudos porque, quando eu chegava da
escola, não encontrava tempo para estudar e fazer as lições. Cuidava das crianças durante o dia e algumas vezes no decorrer da noite, quando os pais estavam trabalhando. Durante três anos e meio, foram poucas as vezes que falei com minha mãe; meus patrões sequer perguntavam se eu queria ou não visitar minha família, pois eles sabiam muito bem que eu não iria voltar. Eu superei muitas coisas, porque pensava na minha mãe – ela queria que eu estudasse. Mas eu retornei... Retornar para meu lugar, meu interior foi maravilhoso... Poder sentir o vento no rosto novamente... Lembro-me muito bem que, sempre que eu viajava, quando o vento forte batia em meu rosto, pedia para ele levar para bem longe tudo aquilo de ruim que estava acontecendo em minha vida. Sentir novamente as águas que me jogaram para muito longe, águas essas que, com muito sacrifício, me trouxeram de volta, me enxaguando/banhando de amor, de alegria em poder retornar à minha família, ao meu lugar... Lembro muito bem que me senti livre; senti vontade de gritar, me senti como um pássaro livre para voar sem medo de ser feliz... A praia da minha canção O vento... O rio que nem é azul Nem corre E sim tem ondas como o mar. O vento... A chuva na minha ilha é diferente, Ela vem do horizonte. Sempre vem de lá, Da direita da enseada, Avançando pela praia Como um rio vertical. O vento... De onde ele vem? Vem da praia. Vem do mato. Vem da minha lembrança, Do aceno da minha mão. (CHAVES, 2000, p. 42)
Vento, quem te trouxe até mim? Não sei de onde veio e nem para onde vais.... Assim me senti ao ler o poema Mosqueiro da escritora Lilia Chaves (2000); senti uma sensação muito forte, porque não é exatamente o meu rio, mas é como se fosse; viajei nos pensamentos, passei pelas enseadas do Marajoí... Passei pelas praias em maré seca, nas ondas dançantes durante as chuvas e ventos.
COMUNIDADE SANTÍSSIMA TRINDADE E A EDUCAÇÃO RIBEIRINHA A comunidade Segundo Pinto e Victória (2015, p. 24220),as comunidades ribeirinhas geralmente apresentam nomes de Santos, os quais assumem a figura de padroeiro do local. Isso caracteriza um ponto de junção cultural, social e política través das famosas festas do padroeiro. Tal perspectiva de se nomear comunidades ribeirinhas com nomes santos não se mostrou diferente na comunidade Santíssima Trindade, pois a mesma recebeu um nome de cunho religioso. Assim, todos os anos, no mês de maio, acontece o festejo da padroeira Santíssima Trindade. É um acontecimento que não mobiliza somente as pessoas que habitam nela, mas também pessoas de outras comunidades, tais como: Santa Ana, Cristo Rei, Santo Antônio, São Sebastião, Divino Espirito Sato, Santa Maria, São Tomé, Santa Cruz do Amazonas, São José das Areias (todas com nomes santos). O santo padroeiro, festejado por ribeirinhos, por moradores de uma vila rural ou por habitantes de uma pequena cidade, assume a função de simbolizar a localidade. Nesse caso, a festa torna-se a comunidade festejando a si mesma (COSTA, 2011). Tal encontro propicia aos moradores dessas comunidades que revejam seus amigos, e os familiares se reencontram. Durante as nove noites de festejo, cada noitário (morador e/ou família da comunidade) se responsabiliza em oferecer o jantar para as pessoas presentes na festividade. O primeiro dia de festejo se inicia com o levantamento do mastro que é um ritual feito para que as pessoas que passam pela frente da capela vejam o mastro levantado, assim elas saberão que a comunidade está em festa. E todas às noites, a partir das 20h, acontece a celebração da novena em honra à Santíssima Trindade; após a celebração acontece o arraial denominado ”leilão”, onde são leiloados os donativos doados pelos devotos da padroeira e muitos feitos pelas pessoas da comunidade. E o término do festejo se encerra com a procissão fluvial denominada meia lua e em seguida há a derrubada do mastro.
Educação na comunidade Santíssima Trindade Sobre a educação de minha comunidade, posso dizer que durante muito tempo, as aulas funcionaram em barracões comunitários, onde o professor não era somente professor, pois o mesmo fazia merenda, limpava o local de estudo. Ele trabalhava com turmas multisseriadas, ou seja, um professor lecionava em uma turma com mais de uma série, o
que era a realidade daquela época. Em relação às escolas ribeirinhas, Mota Neto (2004) afirma que elas possuem condições precárias, tanto físicas quanto pedagógicas (apud MENDES et al., 2008, p. 81). Tal realidade ainda é frequente e eu vivi isso durante a infância. Como não tínhamos professores específicos para cada série, não havia outra escola, então tivemos de aceitar aquela situação. As precariedades que encontrávamos dentro de nossa escola se refletiam no fato de não ter sala de aula adequada, não haver conforto em relação a banheiros, na falta de pontes, cozinha... O ambiente não era propício para se trabalhar, principalmente, com crianças, pois se tratava de um barracão aberto. Diante daquela problemática educacional que a nossa comunidade apresentava, os moradores se mobilizaram para ir até Gurupá no intuito de fazer reivindicações, pois entrava e saia prefeito e nada da comunidade ser atendida. Assim, depois de muita luta, a comunidade conseguiu ser contemplada com a construção de um prédio escolar. Então foi necessária a realização de concursos públicos e a pedido dos pais, a escola e os alunos, na época, ganharam um professor para cada turma. Aos poucos, os alunos da comunidade foram concluindo o ensino fundamental e se deslocaram até à cidade de Gurupá para concluir o ensino médio. E foram esses alunos que conseguiram concluir seus estudos que se tornaram os professores na própria escola onde tudo começou. Diante disso tudo, eu me pergunto: qual a importância da comunidade Santíssima Trindade para a E.M.E.F. Santíssima Trindade? A resposta é: Toda! A importância da comunidade para a escola é devido ao fato da escola ter sido uma conquista um tanto sofrida, mas que foi uma luta dos moradores, pais de alunos e alunas que almejavam ter uma escola adequada para seus filhos estudarem. Eles não só lutaram pelo prédio escolar, mas sim por professores, barqueiros, merendeiros e serventes.
O PROCESSO RIBEIRINHA
DE
CONSTRUÇÃO
E
FORMAÇÃO
DA
PROFESSORA
A oportunidade de ser professora surgiu quando eu tinha concluído o Ensino Médio. Meu irmão, na época, era coordenador da comunidade onde ele morava (lugar onde eu
nasci e passei parte da minha infância), então ele lançou a proposta para que eu trabalhasse na escola como professora diante dos pais dos alunos em uma reunião de avaliação. Ele relatou a minha situação e de minha mãe. Como eu era da comunidade, os moradores aceitaram a proposta dele; além disso, minha família toda morava lá, logo se tornou mais fácil para conseguir o trabalho. Então, no ano de 2013, eu comecei a trabalhar com a turma do 1º ano do Ensino Fundamental, com a disciplina de Educação Geral. Foi uma vivência muito boa, porque trabalhar com crianças foi muito gratificante, não senti nenhuma dificuldade; apesar de não ter ainda nenhuma experiência de sala de aula, mas me entreguei totalmente àquele trabalho. Nos anos seguintes, continuei exercendo a docência na escola de minha comunidade: no ano letivo de 2014, atuei com uma turma de multissérie, com os 1º e 2º anos do ensino fundamental; já no ano de 2015, voltei a trabalhar com a turma de 1º ano; no ano seguinte (2016), voltei a trabalhar com a turma de 2º ano; em 2017, assumi a Educação Infantil. Porém, mesmo exercendo a docência e construindo a minha formação de professora na prática em si, eu sentia falta e necessidade de ter uma formação adequada à profissão, ou seja, fazer uma graduação na área docente. Acreditava que fazendo uma universidade, eu estaria mais preparada para as minhas aulas. Assim, procurei fazer um curso de nível superior.
Minha formação em Teatro pelo PARFOR/UFPA Quando eu soube que as inscrições para os cursos do PARFOR da UFPA estavam abertas, fiquei muito feliz, pois eu queria me inscrever para cursar História. Sempre sonhei em ser professora de História, mas quando disseram que não haveria turma dessa área em Gurupá, eu fiquei triste. Mas para não perder a oportunidade da formação superior, eu me matriculei no curso de Artes Cênicas. Confesso que fiquei curiosa em saber se eu iria ser contemplada, se passaria na seleção; estava ansiosa para saber como seriam as aulas e, graças a Deus, eu fiquei dentro do quadro dos selecionados. Na época, eu estava grávida e quando começamos a estudar, minha bebê estava com poucos dias de nascimento.
Foi muito bom o primeiro módulo porque a primeira disciplina que estudamos foi Trajetória do ser com o professor Alberto Silva. Durante a semana das aulas6, eu pude perceber que realmente eu estava no lugar certo. De início, eu não consegui fazer a apresentação da minha trajetória de vida devido a emoção que tomou conta de mim... Minha trajetória pulsa(va) muito forte em mim... No curso de Teatro do PARFOR/UFPA, tivemos muitas disciplinas, tanto teóricas quanto práticas. Todas elas foram importantes para a construção e formação de professora que vim a me tornar, mas para a escrita desse memorial, vou me deter nas experiências dos estágios, pois foram disciplinas que nos fizeram ir à sala, ministrar aulas de teatro. Mas essas aulas foram planejadas anteriormente à suas ministrações, ou seja, houve todo um pensar sobre currículo, planejamento, os espaços formais e não-formais, formação docente etc. Estágio I O planejamento do Estágio I foi voltado a atender o público de crianças de 03 a 05 anos. Aconteceu no segundo semestre do ano de 2016 e ministrei as aulas na escola de minha comunidade. Mas trabalhei com uma turma que não era a minha. Foi uma experiência maravilhosa porque eu não tinha nenhuma relação com a Educação Infantil. Apesar de me sentir maravilhada com a possibilidade, eu senti uma responsabilidade muito grande, porque seriam elas, as crianças, as primeiras a viverem comigo o que eu teria aprendido durante os anos de formação no PARFOR. Então, como estava com o planejamento em mão para me ajudar a discutir os conteúdos que eu propus dentro do projeto, coloquei em prática as aulas que já tinha elaborado. Fiquei muito feliz porque a cada momento, os alunos queriam mais e mais aulas, foi então que eu lancei a proposta para que eles encenassem uma peça teatral de uma lenda local ou de um conto clássico (já havia ensinado à turma o que seria uma lenda local e o que seria um conto clássico). Então, eles me falaram que queriam apresentar a lenda do boto, porque lá no rio Marajoí existe muito boto. Eu pedi que eles ficassem à vontade para dividirem os personagens. A cada dia, antes do final da aula, eu reunia com eles para fazer o momento do ensaio (foram duas semanas de ensaio) e foi criado figurino para cada personagem. Durante 6
Cada disciplina (ou módulo) do PARFOR é cursada durante uma semana, nos horários da manhã e tarde, de segunda a sábado.
os ensaios, eles já queriam ensaiar com os figurinos, essas coisas de crianças, um querendo fazer melhor que o outro e isso me deixava muito feliz, pois eu via a ansiedade de cada um para se apresentar logo. Durante esse estágio, um momento foi muito significante para mim enquanto professora: as crianças pediram para eu não sair mais da turma deles, porque se eu saísse, eles não iriam se apresentar. Como eu comentei anteriormente, a turma do estágio não era a minha e, ao final do estágio, eu teria de deixá-los. Então eu fiquei sem saber o que fazer porque eu poderia enganá-los, dizendo que ficaria, mas não faria isso. Então eu perguntei porque eles haviam gostado de mim. E eles responderam porque eu os abraçava, dava atenção para eles, me preocupava com eles, com suas mães, seus “maninhos” (irmãos). Isso foi muito forte. Uma ação muda tudo. No dia da apresentação final, eles foram bem responsáveis porque todos se fizeram presentes e todos cumpriram com o seu papel. Foi uma felicidade sem tamanho, pois cada um conseguiu, do seu jeito, cumprir sua tarefa. Percebia neles o quanto estavam felizes. A professora deles também ficou muito feliz com o resultado e indagou como eu consegui fazer com que eles apresentassem um espetáculo, pois eram um tanto tímidos. A resposta para a indagação da professora regular pode ser tida a partir do pensamento de Reverbel, a qual diz que O teatro faz com que a criança se divirta e permite o alcance da plenitude da dimensão sócio/cultural com o desenvolvimento, auto expressão, podendo imitar a realidade brincando e aprofundando a descoberta nas primeiras atividades, rica e necessária, no auxílio do processo de eclosão da personalidade e do imaginário que constitui um meio de expressão privilegiado da criança (REVERBEL, 1997).
Além disso, para mim não foi tão difícil devido ao planejamento pedagógico que foi elaborado, especialmente, para atender àquelas crianças. E ao concluir meu estágio, os alunos não queriam que eu voltasse para assumir minha turma, porque eles queriam que eu ficasse na turma e trocassem a professora deles. [Risos]. Bom, essa experiência vai ficar para toda minha trajetória como professora, especialmente de teatro.
Estágio II Relatar a minha experiência do estágio II na escola São José das Areias é algo maravilhoso, pois foi onde mergulhei profundamente para dar o meu melhor aos alunos, agora do ensino médio. O fato de me colocar diante dos jovens, adultos, mães e pais de
família que atuavam na turma, foi completamente diferente do estágio I. De início, tive um pouco de dificuldade porque dentro da turma havia pessoas muito tímidas, mas nada que não pudesse ser superado. A cada atividade (jogos teatrais – percepção de espaço, espelho (cada um vai copiando a máscara proposta pelo colega), relaxamento, voz) que era proposta a eles, percebia-se o esforço de cada um em querer aprender e a fazer. Isto por que Todo exercício teatral trabalha com a necessidade de ajudar a compor a personagem, criar confiança, dar sensibilidade, expressar-se melhor tanto pela voz, como pela face, pelo corpo ou até pelo jeito de olhar e também da discussão e decisão em grupo, coisa muito interessante de ser conseguida pelo professor em sala de aula (GRANERO, 2011).
Ao término de cada aula, era feita uma roda de conversa e os relatos que os alunos faziam eram muito emocionantes, pois todos que estiveram lá, estudando naquela turma, eram pessoas sonhadoras, assim como eu já fui um dia, quando sonhava em concluir meus estudos. Todos falavam a mesma coisa: poder concluir os estudos e quem sabe cursar uma universidade. Eles diziam se espelhar em nosso grupo que aplicava o estágio II, pois nós também éramos do Marajoí, éramos ribeirinhos, todos filhos de trabalhadores rurais. Depois de ouvir os alunos, nós, professores, propusemos a eles a proposta de apresentar um trabalho como resultado do nosso estágio. Eles aceitaram. Quando reunimos nos grupos para montar o resultado do trabalho, os alunos se mostraram muito felizes por terem a certeza que o teatro não era exatamente aquilo que pensavam, de ser apenas uma distração. Era algo além. Esse pensar sobre o teatro foi interessante, pois eles puderam entender a importância do teatro, que é uma atividade que propicia muitos benefícios, a pessoa se torna mais crítica, se conhece cada vez mais. Neste sentido, A atividade teatral apresenta um valor pedagógico de fundamental importância na vida do jovem. Com o contato com o teatro, o aluno pode desenvolver um espírito crítico, fortalecer sua autoestima e autoimagem. Possibilita que o aluno vivencie uma atividade gratificante e prazerosa (MORAIS, 2016).
Nós, professores do estágio, nos sentimos contentes ao ver o resultado que obtivemos daquele grupo de alunos, pois eles mesmos escolheram a peça que iriam apresentar e eu fiquei apenas os orientando e trabalhando as técnicas teatrais. Ao montarem suas cenas, alguns alunos ficaram um tanto tímidos, pois nunca tiveram a oportunidade de
apresentar nenhum espetáculo para as pessoas. Porém, o resultado foi muito bom porque eles aprenderam o que repassamos a eles. Depois da apresentação, fizemos nossa última roda de conversa. Cada um falou a respeito do nosso trabalho, que ficaram felizes em conhecer um pouco mais sobre a disciplina de teatro, da forma como ela nos possibilita a trabalhar com nossos alunos. O relato da professora também foi de suma importância para nós. Ela relatou que nosso grupo contribuiu muito para com a turma dela, pois ela percebeu a mudança deles, principalmente no corpo. Aqui se faz necessário relatar o comportamento de um aluno, o Fabiano, que tivemos durante o estágio. Ele era muito tímido, ficava de cabeça baixa, nas apresentações de trabalho com a professora, sempre se escondia atrás dos colegas. E por conta de nossa aula de teatro, ele mudou sua postura, até a sua voz, que tinha um volume baixo, fazendo com que quase não se ouvisse o que ele falava, mas no dia da apresentação teatral, a voz dele estava alta, o corpo dele apresentava postura adequada do personagem, ele conseguiu passar, a partir da interpretação, a ideia do personagem. Assim, segundo Santos (2012): O teatro é um importante recurso didático pedagógico para o desenvolvimento do indivíduo, dando suporte para sua trajetória na vida social, cultural, proporcionando experiências novas que pode contribuir para o crescimento integral do mesmo sobre vários aspectos (SANTOS, 2012).
Nós,
professores-estagiários,
não
fazemos
avaliação,
mas
durante
o
desenvolvimento do estágio, os alunos foram avaliados pela professora deles tendo como parâmetro o desempenho individual nas aulas de teatro que ministramos. Os alunos mais veteranos, em especial o senhor Wiglafe, pediram que o nosso grupo voltasse para aplicar oficinas em suas comunidades, pois eles gostaram de nossa metodologia de ensino. É importante dizer que estruturamos o planejamento do estágio II baseado nos PCNS de Artes, além de autores, tais como Koudela (Jogos Teatrais, 2013), Reverbel (Um caminho do Teatro na Escola, 1997), Spolin (Jogos teatrais para sala de aula: um manual do professor). Baseados nesses autores e nos materiais que tínhamos para trabalhar com a turma do ensino médio, procuramos levar até eles o conhecimento sobre o teatro de acordo com o que aprendemos durante o curso de Teatro do PARFOR.
Estágio III O estágio III foi desenvolvido em um espaço não-formal. Havia um planejamento, mas a execução ficaria em aberto. A proposta seria de chegar à comunidade São Sebastião e fazer um diagnóstico com os moradores, em especial com o grupo de jovens que escolhemos trabalha. O que eles queriam discutir? Quais os problemas que eles estavam passando? Essas e outras perguntas nortearam nosso ensino que teria mais uma vez o teatro como palco. Esse estágio no ensino não-formal se assemelhou aos outros estágios descritos anteriormente, no que concerne a disponibilidade dos alunos, a ansiedade em querer conhecer o teatro e também a nós, como professores de teatro. Além disso, percebi uma realidade dos jovens em querer algo melhor, querer alguma mudança na juventude, essa perspectiva de transformação social para o bem da comunidade. E eu, enquanto professora atuando em um espaço não-formal, mudei meu comportamento, fui “outra” professora, já que as experiências anteriores foram em espaços formais. O que posso dizer sobre isso, na tentativa de rememorar esse processo, é que me senti totalmente à vontade devido ter vivenciado a experiência dos estágios I e II. Mas ao fazer o estágio III, e ministrar aulas de teatro em um espaço não-formal, dei-me conta que estava com uma responsabilidade muito grande, contudo me fortalecia em saber que a partir do teatro, eu estava ajudando àqueles jovens, fazendo com que eles olhassem para o futuro de forma diferente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Viver é seguir um fio de vida tramado com outros muitos fios simultâneos que se tornam „visíveis‟ nas ressonâncias e nos interstícios de cada trajetória (KREMER, 2003, p. 221)
Kremer diz que o ato de viver seria um fio de vida; assim eu teci um fio durante essa minha construção de professora, porque comecei a estudar no interior, e depois estes fios me lançaram à cidade de Gurupá; depois, fui lançada a outra cidade, Santana (AP); e retornei à minha cidade e comunidade. Mesmo com as ondas e ventos muito fortes, não deixei esse fio romper, consegui construir laços de sabedorias em cima dele, fui me fortalecendo e consegui concluir meu ensino médio e o ensino superior. “[...] ao reconstruir a sua história, o narrador tece, continuadamente, passado e
futuro, observa-se em transformação e reinventa o que está sendo e fazendo em/da sua vida” (PASSEGGI, 2007, p. 35). O curso de teatro chegou à minha vida para fazer isso, aprender e repassar o que aprendi, pois eu seria muito ingrata se me acomodasse com tantos conhecimentos que obtive durante esses quatro anos. Além disso, percebi a mudança de meu corpo dos idos de 2013, quando iniciei a docência, para o corpo de agora, o da professora que passou pelo ensino superior, passou pelos estágios. Percebo a forte a pulsação do teatro em mim. Ao rememorar esse processo de construção de minha vida como professora, pude perceber a mudança daquela professora do ano 2013 para a professora de hoje. O curso de Licenciatura em Teatro do PARFOR/UFPA foi um acontecimento que me ajudou a melhorar muito como professora e como mãe. Porque foi dentro do curso, com as oficinas de contação de histórias e jogos teatrais, que renasceu essa criança que mora dentro de mim, e com isso, pude repassar esses aprendizados aos meus filhos, brincando com eles, como também aos meus alunos.
REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Ana Paula Trindade de. Memórias e memoriais: entrelaçando a história do ensino de arte à história de nossas vidas. In: Congresso Nacional de Federação de Arte Educadores do Brasil, 17, 2007, Florianópolis. Anais do XVII CONFAEB - Congresso Nacional de Federação de Arte Educadores do Brasil e IV Colóquio sobre o Ensino de Arte. Florianópolis: CONFAEB, 2007. Disponível em: <http://www.ppgdesign.udesc.br/confaeb/comunicacoes/ana_paula_albuquerque.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2017. CHAVES, Lilia. E todas as orquestras acenderam a lua. Belém: Secult, 2000. COSTA, Antônio Maurício Dias da. Festa de santo na cidade: notas sobre uma pesquisa etnográfica na periferia de Belém, Pará, Brasil. In: Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 6, n. 1, p. 197-216, jan.- abr. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v6n1/a12v6n1.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2018. GRANERO, V. V. Como usar o teatro na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2011. MENDES, Leila et al. A prática docente em uma escola ribeirinha na Ilha do Marajó. In: Revista Educação, 2008. MORAIS, Elineide Lemos da Costa. O Teatro na Escola de Educação Infantil: a experiência do Centro Educacional Pingo de Gente em Gurupi-To. 2016. 47f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Artes Cênicas). Instituto Federal do Tocantins –
Campus Gurupi, 2016. PASSEGGI, Maria da Conceição. Memorial de formação: entre a lógica da avaliação e a lógica da (auto) formação. In. Revista Presente. Nº 57, Ano 15, nº 2. Salvador: CEAP. 2007. PINTO, Fabiana de Freitas; VICTÓRIA, Claudio Gomes da. Educação Indígena e Educação Ribeirinha: singularidades e diferenças, desafios e aprendizagens no contexto amazônico. 2015 REVERBEL, O. Um caminho do teatro na escola. São Paulo: Scipione, 1997. SANTOS, A. N. dos. O Teatro e suas contribuições para educação infantil na escola pública. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP Campinas – 2012. SARAMAGO, J. Palavras para uma cidade. 2008. Disponível em: <http://caderno.josesaramago.org/1253.html>. Acesso em: 14 nov. 2017.