RIZOMAS DE RISOS E AFETOS: APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE UM NOVO FAZER CLOWNESCO DOS PALHAÇOS TROVADORES Profa. Ma. Suani Trindade Corrêa (UFPA)1 Resumo: Esta comunicação parte de uma observação inicial sobre o fazer clownesco dos Palhaços Trovadores, o qual aponta um novo modus operandi desse grupo de Belém-Pará, com 19 anos de atuação. O que é ser um palhaço trovador, ou melhor, o que seria ser o grupo Palhaços Trovadores hoje em dia? Entende-se, inicialmente, que ser Palhaços Trovadores nos dias atuais implique continuar a fazer espetáculos com todos os integrantes do grupo, cujos espetáculos são dirigidos pelo seu diretor artístico, mas também implique em gerar novo fazeres entre alguns integrantes do próprio grupo, assim como entre trovadores e outros artistas/clowns da cidade. Assim, tem-se a criação de uma teia de encenação, de novos fazeres artísticos, levando-nos a pensar em rizomas de risos e afetos clownescos, cuja tessitura vem sendo construída ao longo dos últimos quatros anos. Palavras-chave: Rizoma. Fazer clownesco. Afetividade. Palhaços Trovadores. Abstract: This communication starts from an initial observation about the clownish performance of the group Palhaços Trovadores, which points out a new modus operandi of this group from Belém-Pará, with 19 years of performance. What is it to be a troubadour clown or, rather, what would it be to be the Palhaços Trovadores nowadays? It is understood, initially, that being Palhaços Trovadores in the present day implies to continue to make spectacles with all the members of the group, whose spectacles are directed by its artistic director, but also implies in generating new acts among some members of the own group, as well as between troubadours and other artists / clowns of the city. Thus, we have created a web of staging, of new artistic works, leading us to think of rhizomes of laughter and clownish affections, whose texture has been built over the last four years. Keywords: Rhizome. Clownish performance. Affectivity. Palhaços Trovadores. Para começar... Wuo (apud BURNIER, 2009) diz que o “clown é a colherinha que mexe com o desejo da gente”. Essa colherinha começou a fazer parte do meu universo, mexendo, transformando, instigando o meu olhar sobre o mundo, sobre as pessoas, sobre mim mesma a partir de 2002. Na época, soube que o grupo Palhaços Trovadores iria ministrar uma oficina de palhaçaria. Inscrevi-me. Fiz a oficina. Vivenciei a arte clownesca. No ano seguinte, em maio de 2003, recebi um convite feito pelo diretor artístico do grupo, Marton Maués, para ser estagiária do grupo, sendo efetivada em julho do mesmo ano. Desde então, sou integrante dos
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Integrante do grupo Palhaços Trovadores desde 2003; atriz formada pelo curso de Formação de Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA; professora-orientadora do curso de Licenciatura em Teatro PARFOR/UFPA; membro colaboradora do projeto de pesquisa “Núcleo de Práticas e Linguagens Docentes” do Instituto de Educação Matemática e Científica/UFPA, sob coordenação da Profa.Dra. Isabel Rodrigues.
Palhaços Trovadores, grupo pioneiro na arte da palhaçaria em Belém do Pará e com 19 anos de atuação. Não pensava em trabalhar com o cômico; fui de uma maneira despretensiosa fazer a oficina. Mas o riso e o palhaço me absorveram de tal forma que, ao integrar este universo, passou a me revelar, a cada dia, um encantamento e um envolvimento no mundo afetuoso do palhaço, criando, portanto, um rizoma risível e afetuoso na minha vida e nas minhas relações pessoais e profissionais. O riso e o palhaço são contagiantes! Eles contaminam (no melhor sentido do termo), afetam, congregam, comungam, curam, apaixonam... “Vi um palhaço tão alegre, Tão menino. Pequenino trapezista da alegria. Tão perdido na sua arte pura, Encantando a vida durante uma só noite. Me apaixonei naquela noite... Um fim de mundo e um palhaço. No circo da minha lembrança, A vida é menina e bate palmas” (CHAVES, 2000, p. 135).
Nos 14 anos de trabalho com os Palhaços Trovadores, venho desenvolvendo o papel de atriz-palhaça, porém outras atividades surgiram e passei a desenvolvê-las: acrobacia, malabarismo, secretaria, gerenciamento das mídias sociais na internet, coordenadora de projeto. Mas, paralelo a essa vida artística, passei a desenvolver meu olhar acadêmico e minhas pesquisas versaram sobre o fazer artístico dos Palhaços Trovadores. Não tive como fugir do riso trovadoresco. Assim, graduei-me pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em Letras/Língua Francesa. Meu Trabalho de Conclusão de Curso intitulado Palhaços Trovadores e Molière: a construção de uma personagem feminina discorreu sobre a construção da personagem Angélique na montagem O hipocondríaco dos Palhaços Trovadores (2006), uma adaptação de O doente imaginário do dramaturgo francês Molière. E de 2009 a 2011, enveredei-me pelo Mestrado em Letras/Estudos Literários da UFPA, e minha dissertação recebeu o título De O avarento de Molière a O mão de vaca dos Palhaços Trovadores: o texto teatral em processo. O estudo proposto foi o de analisar os caminhos percorridos pelo texto teatral em um processo de montagem e adaptação. E eis que me proponho a andarilhar novamente por caminhos trovadorescos e me proponho a investigar um novo fazer clownesco dos Palhaços Trovadores, grupo que vem mantendo um trabalho ininterrupto, desde sua fundação em novembro de 1998.
Palhaços Trovadores... quem são? Sob a impulsão de um desejo, Marton Maués começou uma investigação sobre a arte clownesca. Tal investigação se transformou em um desejo que aumentou cada vez mais e se transformou em uma grande paixão. E assim nasceu o grupo Palhaços Trovadores, em 08 de novembro de 1998. Uma paixão arrebatadora, que tem nos Palhaços Trovadores, grupo que dirijo desde sua fundação, seu porto seguro. É com os Palhaços Trovadores que me realizo enquanto artista criador de cena nesta cidade de Belém do Pará e é com e para o grupo que eu crio e exercito o meu pensamento sobre esta criação, que eu trabalho a formação técnica dos atores-palhaços que compõem este coletivo artístico, que eu capto, combino e articulo elementos vários, principalmente dos folguedos populares, para compor o que hoje eu chamo de Poética da Recorrência: série de procedimentos expressivos que compõem o modo próprio que nós, os Trovadores, utilizamos para fazer teatro com palhaços (MAUÉS, 2012, p. 1).
Assim, o grupo surgiu, tornando-se o pioneiro na arte da palhaçaria em Belém do Pará, tendo uma dramaturgia, uma poética que caminha em duas tradições: o palhaço e os folguedos populares. O grupo busca promover em seus trabalhos o encontro entre as pessoas e sua cultura, com a criação de espetáculos vivos, coloridos, alegres e líricos, misturando o jogo clownesco, os malabares e as canções, apresentados em espaços e lugares públicos (ruas e praças), assim como em teatros. “O palhaço com sua arte, e os folguedos, com sua diversidade cromática, são os componentes principais da dramaturgia dos Palhaços Trovadores” (MAUÉS, 2004, p. 11). O repertório do grupo é composto de 16 espetáculos2; alguns são apresentados de acordo com o calendário cultural da cidade e outros aproveitam apenas elementos dos folguedos e a poética do grupo, sendo apresentados em qualquer época do ano. Atualmente, o grupo é formado pelos seguintes integrantes: Adriano Furtado (Geninho), Alessandra Nogueira (Neguinha), Antônio do Rosário (Black), Cleice Maciel (Pipita), Isac Oliveira (Xuxo), Marcelo David (Feijão), Marcelo Villela (Bumbo Tchelo), Marton Maués (Tilinho), Romana Melo (Estrelita), Rosana Coral (Bromélia), Sonia Alão (Pirulita), Suani Corrêa (Aurora Augusta).
Nesta sua trajetória, o grupo teve a oportunidade de trabalhar com outros artistas da cidade. Desde a sua fundação, o grupo já detinha parceria de trabalho, a exemplo da professora e artista Wlad Lima3, nos espetáculos Sem peçonha eu não trepo nesse açaizeiro4 e 2
Para maiores informações sobre os espetáculos dos Palhaços Trovadores, acesse o site do grupo: https://palhacostrovadores.wordpress.com. 3 Doutora em Artes Cênicas - UFPA/UFBA; atriz, encenadora, diretora teatral; professora dos cursos de Licenciatura Plena em Dança e em Teatro da UFPA e dos Cursos Técnicos de Formação de ator e de Cenografia da Escola de Teatro e Dança da UFPA.
O boi do Romeu no curral da Julieta5. Em 2006, o grupo se arriscou a adaptar um clássico do dramaturgo francês - Molière: O doente imaginário6 e convidou o artista Aníbal Pacha7 para trabalhar o cenário e o figurino do espetáculo. Tal parceria se repetiu em outras montagens do grupo: O avarento (também de Molière)8, O menor espetáculo da Terra (Aníbal atuou como diretor) e A vingança de Ringo9.
Um novo modus operandi dos Palhaços Trovadores? Neste início de um novo percurso acadêmico, observei que, nos últimos quatro anos, uma nova bifurcação foi traçada pelo grupo: em um caminho, seus integrantes passam a desenvolver processos em que somente dois ou três estão presentes e a direção artística fica em suas mãos (e não mais nas de seu diretor artístico, Marton Maués). Assim temos:
Quer bolacha? (Palhaços Trovadores, 2015): Em cena, veremos o palhaço Black (Antônio do Rosário) num ar descontraído e brincalhão, o qual estará em seu quarto com seus amigos: o público, que é convidado a entrar no universo desse palhaço. Entre brincadeiras, risos e palhaçadas, Black vai transitando em suas lembranças e saudades, nos revelando algumas histórias de três figuras familiares: D. Maria (mãe), Seu Raimundo (pai) e Seu Luís (tio). Direção: Suani Corrêa;
Querem caferem?10 (Palhaços Trovadores, 2015): o espetáculo faz uma trajetória das experiências vividas pela atriz-palhaça Romana Melo, sociabilizando o seu prazer em cozinhar, a relação com a mãe, com o alimento e com a palhaçaria, na perspectiva de desnudar o que quer com o teatro, trazendo ao universo da cozinha onírica, três personagens totalmente envolvidas com o prazer de cozinhar: a atriz e nutricionista, a palhaça Estrelita e o palhaço Uisquisito (todos são a própria Romana Melo). O espetáculo é rico em memórias e elementos de sua vida, temperado com aroma de café. Direção: Alessandra Nogueira.
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Utilizando trovas e canções populares, aborda o universo dos mitos e lendas amazônicos (uirapuru, boto, iara, boiuna), através de cenas engraçadas e líricas. Ano: 1998. 5 Adaptação de uma das mais famosas obras de Shakespeare, Romeu e Julieta, para o universo do folguedo popular do boi-bumbá em Julieta é a Catirina do Boi Capuleto e Romeu um „tripa‟ apaixonado. Ano: 1999. 6 A adaptação se chamou O hipocondríaco. 7 Integrante do grupo In Bust Teatro com Bonecos; Prof. Me. da Escola de Teatro e Dança da UFPA. 8 A adaptação se chamou O mão de vaca e estreou em 2010. 9 Espetáculo mais recente do grupo, cujo texto é do circo-teatro. Estreia: 2016. 10 O memorial do processo de criação desse espetáculo foi apresentado e defendido em 2016 junto ao PPGARTES UFPA (mestrado em Artes), sob título Embutidos Gastronômicos de Estrelita e Uisquisito: Memorial e Poética Cênica de uma Palhaçaria Agridoce, com autoria da própria Romana Melo.
Em outro caminho, um único integrante do grupo passa a estabelecer uma relação mais próxima com outros artistas-clowns da cidade, assinando a direção de seus espetáculos. Neste caso, temos:
Brincanças (Grupo Engrenagem)11: É um espetáculo em que mostra a relação vivida por dois palhaços de personalidades completamente diferentes: Dois de Paus (Kevin Braga) e Lilica Tricia Tri Tri (Patrícia Zulu). Ano de estreia: 2013. Direção do palhaço trovador Marcelo Villela;
Amor, Amor (Coletivas Xoxós)12: espetáculo solo da palhaça Bilazinha (Andréa Flores) sobre um sentimento tão cômico quanto indefinido, sob o olhar de uma palhaça que não se cansa de ser boba, (re)vivendo paixões e deixando-se levar por elas, embalada pelos sons que a vida e o rádio lhe oferecem. Ano de estreia: 2014. Direção do palhaço trovador Marcelo Villela;
Um show de fuleragem (Dirigível Coletivo de Teatro)13: Depois de uma longa turnê pela Europa, o palhaço Bolonhesa (Rodolpho Sanchez) retorna ao Brasil e convida o público a conhecer as esquetes que fazem sucesso no exterior! O espetáculo é a síntese do artista de alto nível, bailarino de grandes performances, músico aclamado que Bolonhesa é. Ano de estreia: 2016. Direção do palhaço trovador Marton Maués;
26 tons de verde (Engrenagem)14: A partir do treinamento e estudo do uso da cor como indutor para o processo de entendimento e criação para a comédia, o palhaço Bocó (Igor Moura) apresenta cenas com base nesse esverdeado mundo divertido e lúdico que gira interna e externamente no mundo clown. As cenas foram e são construídas a partir da visão clownesca do palhaço, ao utilizar a cor verde para chegar ao riso. Ano de estreia: 2016. Direção do palhaço trovador Marton Maués.
Essas encenações foram realizadas entre Trovadores e Trovadores, como também entre Trovadores e outros artistas de Belém do Pará. A partir de uma observação inicial, percebo a criação de uma teia de encenação, de novos fazeres, levando-me a pensar na criação e na tessitura de rizomas de risos e afetos clownescos.
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Release cedido pelos integrantes em 2016. Release cedido pela atriz em 2016. 13 Release disponível em: <https://www.coletivodirigivel.com/show-de-fuleragem>. Acesso em: nov.2017. 14 Release disponível em: <http://www.guiart.com.br/posts/espetaculo-26-tons-de-verde-de-grupo-engrenagem/>. Acesso em: nov. 2017. 12
Sobre rizoma, o conceito tem origem na biologia e representa aqueles tipos de extensões subterrâneas do caule, para armazenamento de nutrientes, que se alongam horizontalmente, mas que não são raízes nem tubérculos (PETIT LAROUSSE, 1965). Estas extensões do caule em um platô formam a imagem de um emaranhado de linhas conectadas, onde não se distingue início, fim e núcleo fundante ou central, a imagem são de linhas que se propagam ad infinitum, cada uma comportando o seu próprio devir. Deleuze & Guattari (2000, p. 37) afirmam que um rizoma está sempre a caminho. Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. [...] o rizoma é aliança, unicamente aliança. Assim, nessa investigação inicial, percebo o intermezzo dessas conexões estabelecidas pelos Palhaços Trovadores entre si e com os outros artistas da cidade, criando, portanto, rizomas de risos de afetos. Teríamos, portanto, um novo modus operandi, o qual aponta para um novo modo de ser Palhaços Trovadores. O que é ser um palhaço trovador, ou melhor, o que seria ser o grupo Palhaços Trovadores hoje em dia? Talvez, ser Palhaços Trovadores nos dias atuais implique continuar a fazer espetáculos com todo o grupo, dirigidos pelo diretor Marton Maués, mas também implique em gerar novos fazeres entre alguns integrantes do próprio grupo15, como também entre trovadores e outros artistas da cidade. Logo, ao gerar esses fazeres, tem-se a construção de uma teia, de uma rede de relações, rede de afetos, rede clownesca sendo tecida. Acrescento ainda que, ao criar essas relações de risos e afetos, os Palhaços Trovadores passam a viver o outro, a sentir o outro e vice-versa. Neste sentido, à luz das teorias do sociólogo francês Michel Maffesoli, entendo o grupo Palhaços Trovadores como uma tribo urbana – a tribo dos palhaços – e como um homo eroticus. O fenômeno das tribos urbanas se constitui nas diversas redes, grupos de afinidades e de interesses, laços de vizinhanças que estruturam nossas megalópoles. Assim, os Palhaços Trovadores passam a configurar uma tribo urbana de palhaçaria, a qual iniciou lá em 1998, e foi agregando, ramificando-se até os dias atuais. A metáfora tribo para Maffesoli (2006, p. 37) nos permite dar conta do processo de desindividualização e do papel de cada pessoa; aqui reconhece a ideia da “persona”, da
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O grupo sempre se constituiu com um número grande de integrantes. Na maioria dos espetáculos do grupo, todos os integrantes estão presentes.
máscara que pode ser mutável e que integra, sobretudo, numa variedade de cenas, de situações que só valem porque são representadas dentro de uma tribo. Existe essa fluidez desses tempos pós-modernos que faz com que essas novas tribos se congreguem. O autor chama essa multiplicidade de “paradigma estético”, no sentido de vivenciar ou de sentir em comum. Só existe na relação com o outro (MAFFESOLI, 2006, p. 37). O princípio de individuação, de separação, estes, pelo contrário, são dominados pela indiferenciação, pelo perder-se em um sujeito coletivo, o que ele chama de “neotribalismo” (novo tribalismo). A sociedade é constituída por diversos tribalismos - esportivos, hedonistas, religiosos, musicais, tecnológicos -, sendo uma “comunidade emocional” ou “nebulosa afetiva” (p.39) que vai exprimir-se numa sucessão de ambiências, de sentimentos, de emoções típicas da sociedade moderna de acordo com o ethos (conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres...) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região) comunitário. O tribalismo refere-se a uma vontade de “estar junto”, onde o que importa é o compartilhamento de emoções em comum. Sobre o homo eroticus, temos em Maffesoli (2014)16 uma distinção entre ele e o homo economicus. O homo economicus encarnava os últimos séculos, centrados na produção e no crescimento econômico, na mercantilização das trocas, toda uma vida voltada para a acumulação do patrimônio. Já o homo eroticus, caracterizado como o indivíduo pós-moderno, não se define por seu status social ou profissional, seu nível econômico e de formação, mas essencialmente por sua relação com o outro. É este relacionismo que constitui a sua característica essencial: eu vivo e sinto pelo e graças ao outro. Podemos inferir que cada indivíduo e cada objeto estão repletos de potencialidades, que só se realizarão de acordo com os encontros com outros objetos exteriores, promovendo saltos, rupturas e conexão com outros devires, com outras linhas, produzindo os agenciamentos (SOUZA, 2012). Então não seria esse o desejo dos Palhaços Trovadores, ao se entrelaçar consigo e com os artistas da cidade, o de produzir novos saltos, novos aprendizados, fomentar sonhos, afetos?
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Em entrevista cedida ao jornal O GLOBO.
Por fim... Faz-se pertinente dizer que lançar o olhar de pesquisadora sobre uma matéria da qual tenho intimidade, da qual vivencio há 14 anos, não é uma tarefa muito fácil, pois como distanciar-se de um objeto a ser estudado, analisado, do qual você é parte integrante? Entretanto, esta aproximação íntima com o objeto permite um olhar mais apurado. Assim, sigo como uma artista-pesquisadora-participante. Portanto, a partir desse olhar mais íntimo, dou mais um passo na tentativa de traçar um percurso que possa delinear mais um fazer artístico dos Palhaços Trovadores, agenciado de uma nova forma. Silva (2010, p. 15) afirma que “pesquisar é fazer vir à tona o que se encontra, muitas vezes, praticamente na superfície do vivido”. Mas, às vezes, por estarmos absortos, envolvidos, não enxergamos o que está por trás, por dentro, entranhado nessas relações. Por isso “a pesquisa traz à luz o que está encoberto por alguma sombra, (...) permanece invisível por causa do excesso de familiaridade ou de alguma deficiência do olhar do observador” (SILVA, 2010, p. 14). Logo, proponho-me a fuçar e revelar o que permanece encoberto nesses processos rizomáticos de risos e afetos, operando a investigação de poéticas dos envolvidos nessa teia, respeitando as singularidades de cada um. Segundo Kastrup e Passos (2013), o acesso à dimensão processual dos fenômenos que investigamos indica, ao mesmo tempo, o acesso a um plano comum entre sujeito e objeto, entre nós e eles, assim como entre nós mesmos e eles mesmos. O acessar esse plano comum é o movimento que sustenta a construção de um mundo comum e heterogêneo. É neste fluxo que eu pretendi e pretendo me lançar, investigando, mergulhando nesses novos fazeres clownescos que se desmontam, se conectam, se modificam, se entrelaçam, se afetam.
Referências BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação. 2.ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009. CHAVES, Lilia. E todas as orquestras acenderam a lua. Belém: Imprensa Oficial, 2000. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol. 1, Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000. KASTRUP, Virginia; PASSOS, Eduardo. Cartografar é traçar um plano comum. In: Fractal, Rev. Psicol., v. 25 – n. 2, Maio/Ago. 2013, p. 263-280. MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos. Editora: Forense, 2006.
MAUÉS, Sérgio Moreira. Palhaços Trovadores: uma história cheia de graça. 2004. 132f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004. ____________________. Criação Pública: o desvelar da póetica dos Palhaços Trovadores em “O Mão de Vaca” 2012. Tese (Doutorado em Artes Cênicas). Universidade Federal do Pará/Universidade Federal da Bahia (Dinter). Belém/Salvador, 2012. O GLOBO. Michel Maffesoli: 'O tripé pós-moderno é criação, razão sensível e progressividade' (entrevista). 2014. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/livros/michel-maffesoli-tripe-pos-moderno-criacao-razaosensivel-progressividade-14496249#ixzz46o9tNyEP>. Acesso em: 5 maio 2016. PETIT LAROUSSE. Paris: Librairie Larousse, 1965. SILVA, Juremir Machado da. O que pesquisar quer dizer: como fazer textos acadêmicos sem medo da ABNT e da CAPES. Porto Alegre: Sulina, 2010. SOUZA, Rodrigo Matos de. Rizoma deleuze-guattariano: representação, conceito e algumas aproximações com a educação. In: Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação. Número 18: maio-out/2012, p. 234-259.