Cartilha Tecnologia Social

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Instituto de Tecnologia Social



Tecnologia Social: Novos conhecimentos para um mundo melhor

Instituto de Tecnologia Social – Outubro de 2007


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A tecnologia está em tudo que fazemos ocê um café, v a m to o d n Qua iência u quanta c já imagino ndo? ia está usa g lo o n c te e m cimento te e h n o c to n Qua tão uma coisa por trás de sso dia-a-dia! no simples do

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arece exagero? Pois veja: O café foi plantado, num solo que foi provavelmente adubado, os grãos colhidos, descascados, torrados e moídos. Depois, o pó foi misturado com água quente e coado. Se você usa açúcar, lembre-se que ele é feito de cana, que foi plantada, colhida e processada para gerar seus derivados. Em cada uma dessas etapas

são utilizadas muitas técnicas, métodos, processos de produção e distribuição, máquinas, produtos, e assim por diante. São conhecimentos vindos de muitos lugares, desenvolvidos por diferentes pessoas e comunidades. Para plantar o café, por exemplo, o agricultor usa métodos tradicionais de plantio, que aprende com seus pais e avós, e também cria


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seu jeito próprio a partir deles. E há também órgãos de pesquisa que desenvolvem novos métodos, novas sementes, que são inovações na cultura do café. Na hora do preparo, há muitas maneiras, que sempre envolvem tecnologia. Algumas são tradicionais, como usar o coador de pano ou de papel, mas hoje existem máquinas elétricas que fazem o café, com ou sem coador. E para adoçar? Uns usam rapadura, outros colocam açúcar. Depois veio o adoçante sintético, e tem quem ache que qualquer adoçante estraga o sabor do café. Gostam dele puro. Se olharmos ao redor, vamos ver que ciência e tecnologia estão por toda parte. No transporte (imagine o mundo sem automóveis, caminhões,

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ônibus, trens, aviões), na comida, nas roupas, na música (desde os instrumentos musicais até os aparelhos eletrônicos), na informação (os jornais e revistas, o rádio, a televisão e a internet), e os exemplos poderiam continuar. Mas é preciso lembrar uma coisa: cada inovação provoca conseqüências. E isso nós vamos ver a seguir.


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Escolhas trazem conseqüências para todos

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odas as tecnologias provocam impactos na sociedade que precisam ser avaliados. O automóvel e o ônibus, tão úteis porque facilitam o nosso transporte, também poluem o ar que respiramos e podem causar doenças. Para que eles funcionem, usamos gasolina e diesel, que são combustíveis feitos a partir do petróleo. Quando queimados, eles emitem gás carbônico, que é um dos principais causadores de um problema muito falado hoje em dia: o aquecimento global. Já existem estudos que mostram que, nos últimos duzentos anos, o planeta está ficando mais quente, numa velocidade muito rápida. O que está acontecendo é um desequilíbrio, causado pelo crescimento da população e o nosso modo de produzir, consumir, nos deslocarmos. Enfim,

o modelo de desenvolvimento que escolhemos. A coisa funciona assim. Os carros, as queimadas em florestas, os aviões e muitas indústrias emitem gases que se acumulam na atmosfera, impedindo que o calor que chega do sol se disperse. É o chamado efeito estufa, que sempre existiu e é responsável por manter a temperatura média da Terra e, assim, a vida do jeito que a conhecemos. Mas, nos últimos tempos, aumentou demais. Estamos enfrentando um superaquecimento,


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que tem efeitos ruins para todos. Ainda é difícil saber como vai ser o futuro do clima na Terra. Mas existem projeções de deixar o cabelo em pé. Elas dizem que, se tudo continuar como está, as geleiras podem derreter e fazer o nível dos oceanos subir. Algumas áreas do planeta poderão sofrer com inundações, outras com a seca. Populações inteiras precisariam se mudar e teríamos de descobrir novas formas de combater doenças que viriam junto com as enchentes e as migrações. Os combustíveis baseados no petróleo (como gasolina e diesel) fazem funcionar boa parte dos carros, caminhões e máquinas industriais do mundo. Esta é uma fonte de energia que aumenta o problema do aquecimento global. E os efeitos? Recaem sobre todos nós. Muitos países se preocupam, hoje, em encontrar alternativas de energia “limpa”. Pesquisam e investem em novas tecnologias, que tenham menos impacto sobre o meio ambiente e a sociedade. Sabemos que existe aí uma es-

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colha e ela diz respeito a toda a população, não importa o nível de estudo, a condição social, a raça, o gênero, se vive na cidade ou no campo. Somos desafiados a pensar soluções não só para cuidar do problema depois que ele acontece, mas para prevenir e garantir uma vida de qualidade para os nossos filhos. Essa é uma preocupação importante na hora de escolher uma tecnologia.


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Tecnologia traz impactos positivos e negativos

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tecnologia é criada em função de uma necessidade. É porque precisamos resolver um problema, ou porque queremos expandir alguma de nossas capacidades, que criamos técnicas, métodos ou instrumentos que permitem fazer coisas novas ou fazer a mesma coisa de um jeito melhor ou mais eficiente. Mas a tecnologia sempre traz impactos positivos e negativos. Quer dizer, se ela resolve um problema, ela também transforma nossa vida, como vimos no caso dos carros que produzem gás carbônico. Além de envolver riscos. Vejamos o exemplo da produção de energia elétrica. No Brasil, a maior parte da energia que usamos é produzida por usinas hidrelétricas, aproveitando que temos muitos rios com grande volume de água e com muitas cachoeiras. Além disso, têm sido descobertas novas reservas de petróleo e gás. Temos também uma pequena parte da energia produzida por usinas nucleares. Existe hoje um debate muito grande sobre as nossas fontes de

energia. A opção por um tipo de energia tem conseqüências que afetam muitas populações e o meio ambiente. Cada uma delas tem vantagens e desvantagens.

Energia hidrelétrica Tem custo baixo e é considerada uma tecnologia “limpa”, por não poluir o ar.


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Mas tem alguns impactos que precisamos saber: para construir uma usina, é preciso fazer barragens e as represas acabam desalojando grande quantidade de pessoas. Além disso, muitas usinas são construídas sem cuidados ambientais, sem escadas para subida de peixes que desovam nas cabeceiras dos rios (o que causa também um problema econômico e social, de sobrevivência para os ribeirinhos que vivem da pesca). E se as represas cobrem de água uma área de mata, a madeira apodrece e surgem muitos insetos e doenças trazidas por eles.

Energia termoelétrica Uma usina termoelétrica pode ser construída em qualquer lugar, desde que haja transporte de petróleo. Evita a necessidade de grandes redes de transmissão de energia. Em lugares pequenos e isolados, pode ser uma ótima solução. Mas é mais poluente, a energia é mais caro e o combustível usado pode acabar.

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Energia nuclear A energia nuclear também é considerada “limpa”. Mas muitos acidentes com as usinas deixam o mundo em alerta. Elas produzem o lixo nuclear, que não pode ser “jogado” em qualquer lugar, pois também causa doenças e pode matar. Milhões e milhões de barris desse lixo têm sido depositados no fundo do mar. Até hoje é um problema não resolvido. Estas são as fontes de energia mais utilizadas no Brasil hoje.

Energias renováveis Existem ainda outros tipos, como a energia do sol (solar) e dos ventos (eólica). Elas têm a grande vantagem de causar um impacto pequeno sobre o meio ambiente. O problema é que o Brasil tem pouca experiência com essas fontes e teria que aprender como montar uma estrutura nova de produção e fornecimento à população. Quais seriam as melhores opções para o Brasil, tendo em vista o impacto que causam?


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A tecnologia a serviço do desenvolvimento

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ser humano sempre criou tecnologias, que são formas de aplicar conhecimentos, para superar problemas e melhorar sua vida. Como vimos, as tecnologias estão diretamente ligadas ao modelo de desenvolvimento escolhido, ou seja, o modo como a sociedade se organiza, os seus modos de produção, distribuição e consumo. É bom lembrar que desenvolvimento não é apenas crescimento econômico. Pode haver muito dinheiro circulando mas nas mãos de poucas pessoas, com gente passando fome, desemprego, baixos salários, gente morando mal, se alimentando mal, não tendo acesso à saúde, à educação, à cultura e ao lazer. Um país é desenvolvido não porque usa tecnologias sofisticadas e ultramodernas, mas porque encontra solução para os problemas básicos vividos por


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Tecnologia Social é o conjunto de técnicas e metodologias transformadoras, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida. Elas são desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela.

sua população e leva o acesso aos benefícios sociais para todas as pessoas. O desenvolvimento inclui a distribuição de renda, a garantia de direitos e a preservação do meio ambiente. A tecnologia criada e usada para resolver problemas e necessidades, e para promover o desenvolvimento dessa forma, beneficiando a maioria e se possível toda a população, e preservando o meio ambiente, chama-se TECNOLOGIA SOCIAL. A Tecnologia Social requer participação das pessoas para conhecer o problema que deve ser enfrentado, pensar possíveis soluções, testar, experimentar e pôr em prática aquilo que foi criado. Depois, ver o que mudou na vida das pessoas, para continuar melhorando. Um exemplo de tecnologia é o da “pedagogia da alternância”, usada nas chamadas Escolas Famílias Agrícolas. Os estudantes alternam duas semanas na escola e duas em casa. Eles

aprendem as matérias tradicionais na escola, mas vão além, e aprendem também novas técnicas agrícolas, por exemplo. Nas semanas seguintes, ficam em suas comunidades, para testar seus conhecimentos e saber mais sobre técnicas tradicionais. Voltam para a escola cheios de questões e novos aprendizados, que vão compartilhar com seus colegas e professores. Assim, vai acontecendo uma troca de conhecimentos e avanço das tecnologias usadas, de modo integrado com a vida das pessoas. É um jeito de estruturar o ensino-aprendizagem que ajuda a difundir o conhecimento e a melhorar a qualidade de vida das pessoas.


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Nossos problemas mais urgentes

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omo vimos, a ciência e a tecnologia interferem na vida de todos. No Brasil, as pesquisas que criam tecnologias novas são basicamente financiadas pelo Estado. Quer dizer: quem paga os pesquisadores é o povo. En-

tão, é justo exigir que a pesquisa sobre os temas de maior interesse social sejam estimuladas como estratégicas para o desenvolvimento humano do país. Existe um desenvolvimento permanente da


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· Segurança alimentar · Geração de trabalho e renda · Economia solidária · Educação · Saúde pública · Meio ambiente · Microcrédito produtivo · Saneamento básico · Reforma agrária · Agricultura familiar · Agroecologia · Moradia popular · Desenvolvimento Local Participativo · Tecnologia Assistiva (que visa melhorar a vida de pessoas idosas e com deficiência) · Promoção da igualdade em relação à raça, ao sexo e às pessoas com deficiência

ciência e da tecnologia, que está gerando crescimento da economia do país. Mas como esse desenvolvimento tecnológico tem contribuído para resolver os problemas fundamentais da sociedade? Podemos fazer essa pergunta em relação a muitos temas, por exemplo, os listados ao lado. Com isso, não queremos dizer que é tarefa da ciência e tecnologia dar conta de todas as questões que afligem a humanidade, mas sim que podemos ter uma visão mais crítica sobre os avanços que proporcionou até agora e reforçar que ela pode ajudar a criar soluções satisfatórias para as questões sociais.


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Quem faz Tecnologia Social?

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uando o governo resolveu investir em obras para facilitar o convívio da população do Sertão nordestino com a seca, encontrou uma tecnologia muito útil para isso: existiam técnicas de fazer cisternas para armazenar a água que sobra no período das chuvas, desenvolvidas por gente que conhecia muito bem como é viver na região. A Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) já difundia um modelo bastante bom de cisterna. Então, aproveitando um conhecimento, o governo pôde investir mais depressa nesse projeto como alternativa para solucionar este problema. E mais: foi possível usar o trabalho de pessoas do próprio local, que participaram de um processo educativo e assumiram a gestão coletiva dos projetos. Este é um exemplo de tecnologia com um grande efeito social, que melhora a vida das pessoas. E quem é que criou isso? Pessoas que uniram o conhecimento tradicional, sua experiência de vida na região, e conhecimento científico, para saber desenhar a cisterna com os materiais mais adequados e menos caros.


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Este é um bom exemplo de Tecnologia Social, porque, além de resolver um problema, uniu o saber do povo com o de pesquisadores formados nas universidades, trabalhando no governo ou em ONGs. É bom a gente se lembrar disso: quem faz ciência e tecnologia não são só os cientistas, os pesquisadores das universidades e das indústrias. Todos nós fazemos, de algum modo. Quando produzimos e usamos os conhecimentos para resolver um problema, quando inventamos jeitos novos de usar equipamentos e desenvolvemos técnicas e métodos, quando nos organizamos de um modo inovador, estamos criando tecnologia, desde que esse conhecimento possa ser organizado e passado para outras pessoas, outras comunidades. Podemos dizer que a Tecnologia Social é uma ponte entre um problema e sua solução. Ela tem que ser feita de forma consciente, a partir de um problema, com uma meta e de um modo que a

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Certas tecnologias demoram a ser apropriadas pelo povo, mas outras são criadas e passam a ser usadas imediatamente. A penicilina, por exemplo, foi criada como solução para a cura de várias doenças e seu uso se expandiu rapidamente. Foi um grande benefício social, apesar de ter efeitos colaterais.

população não seja só usuária, mas participe dela, entenda como usar um conhecimento para resolver um problema ou satisfazer uma necessidade. Mas Tecnologia Social não são só produtos ou equipamentos, mas também novos processos ou métodos de trabalho, novos serviços que beneficiam a população, novos modos de organizar e de administrar. Uma professora que, no seu dia-a-dia, percebe a dificuldade de alguns alunos, pode mobilizar seus conhecimentos para desenvolver um jeito diferente de ensinar, que seja mais eficaz para a necessidade que identificou. Quer dizer, está criando tecnologia.


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Chamamos de atores todas as pessoas, movimentos sociais, organizações ou conjunto de pessoas que têm um papel importante na sociedade. A Tecnologia Social não pertence a nenhum ator ou a um grupo de atores. Mas uma parte deles desenvolve e pratica mais esse modo próprio de pensar e fazer as coisas. Eles vêm se dedicando há muito tempo a produzir conhecimentos de soluções inovadoras para as necessidades e as demandas da nossa população. Destacam-se comunidades de povos indíge-

Fonte: www.asabrasil.org.br

nas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas (como os seringueiros e coletores de castanhas), pescadores, agricultores familiares, assentados de programas de reforma agrária, universidades, sindicatos e centrais sindicais, os poderes públicos, cooperativas, empresas (por meio de seus departamentos de responsabilidade social) e movimentos populares. Um exemplo de tecnologia que tem hoje um papel muito importante é o computador. Ele é


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usado o tempo todo para gerar e fazer circular a informação e o conhecimento. Saber usar essa tecnologia pode ser fundamental para que uma pessoa se sinta incluída em muitos espaços da sociedade. Pode ser até um requisito para conseguir emprego.

Vivemos hoje numa sociedade que exige que tenhamos cada vez mais conhecimentos. A base para se adquirir conhecimento é a educação. Uma pessoa bem formada e informada tem mais condições de tomar decisões, de conhecer, dominar e usar novas tecnologias. Essa “distribuição” de conhecimento funciona mais ou menos como a distribuição de renda. Não basta dar um pouco de dinheiro para as pessoas, é preciso criar condições para que elas sejam capazes de produzir e ter renda própria, não precisando mais de receber dinheiro de projetos sociais. Da mesma maneira, é preciso também que haja inclusão das pessoas no processo de produção e troca de conhecimentos.

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O cidadão participa e aprende

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articipação é uma palavra que tem que estar presente em qualquer coisa classificada como Tecnologia Social. Essa participação acontece tanto nas decisões quanto na hora de pôr a mão na massa. Tudo tem que ser feito de maneira democrática, nada de uns decidirem o que deve ser feito e os outros obedecerem. Na hora de decidir, a população tem de participar na construção do seu destino, e opinar sobre o que deve ser feito. Na hora de trabalhar também. A população participa das atividades, do planejamento, do acompanhamento e da avaliação de tudo, junto com os especialistas. Com essa participação, as pessoas aprendem

muito mais do que a simples execução de uma tarefa. Quando decidem, elas estão tendo um crescimento político, no sentido de saber que são cidadãs e que têm o direito de escolher seu


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passam a entender melhor o que é o Estado e a cobrar dele as suas obrigações. Quer dizer, a pessoa fica mais consciente do que é ser um cidadão ou uma cidadã, sabe quais são seus direitos (e cobra esses direitos) e também os seus deveres, que cumpre pra valer.

A importância das decisões

caminho. Quando acompanham atividades de planejamento, de execução de um trabalho, de métodos e de técnicas, estão também tendo um aprendizado de tudo que se relaciona a isso. E

Esse sentimento de cidadania torna-se ainda mais forte quando nos interessamos e participamos de questões nacionais, tentando interferir nas decisões que podem beneficiar ou prejudicar o país que nossos filhos e netos herdarão. Por exemplo: a adoção de um modelo de agricultura. Pode ser agricultura familiar ou empresarial, o agronegócio, ou um modelo misto. Os efeitos sociais e econômicos são muito diferentes conforme o modelo escolhido. E mais: se privilegiarmos a monocultura de produtos para exportação será positivo para o país? Será bom apoiar os madeireiros e a substituição de florestas por pastos e plantações? Devemos incentivar, acompanhar ou rejeitar experiências com transgênicos?


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As características da Tecnologia Social Mesmo sabendo o que é Tecnologia Social, podemos ficar em dúvida quando vemos uma técnica ou um método sendo aplicado ou criado para resolver um problema. Então vamos ver algumas coisas que têm que estar presentes para um método, técnica produto, processo ou modo de organização ser considerado Tecnologia Social.

1. A Tecnologia Social (TS) é desenvolvida e aplicada com o objetivo de promover transformações sociais, para tornar a sociedade mais justa e diminuir a exclusão. Muitas vezes, o problema está mais no modo de usar do que na tecnologia em si. Por exem-

plo: se num lugar um monte de gente vive de fazer artesanato de couro e alguém cria uma máquina que produz muito mais, podendo ven-


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der mais barato, e só ele tem essa máquina, de forma que os artesãos não possam competir com ele e tenham que parar de fazer artesanato, não é Tecnologia Social. Se essa mesma máquina for acessível a todos ou for usada de modo coletivo, aí ela pode ajudar a melhorar a qualidade de vida e promover a inclusão social naquela comunidade.

2. A Tecnologia Social tem o objetivo de atender a uma demanda ou necessidade social. Mas é também um modo de fazer as coisas que traz as pessoas para dentro do processo. No desenvolvimento e aplicação de uma tecnologia dessas, é preciso ouvir todos os setores da sociedade, e fortalecer as comunidades para que todos expressem suas opiniões. Não vale conversar com duas ou três pessoas e achar que a gente sabe o que o povo precisa. E não vale também “fugir” de certas realidades. Para um problema ser resolvido, ele tem que ser encarado de frente.

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3. A tecnologia tem que ter relevância social, e funcionar de verdade. O que a gente acha importante não é o que é mais caro, mais chique, nada disso. É o que faz efeito de verdade e ajuda a melhorar as condições de vida de uma comunidade ou de todo um povo. Por exemplo: o soro caseiro, feito de água, açúcar e sal, resolve o problema da desidratação infantil e não custa quase nada. Isso não significa que Tecnologia Social é só “coisa barata”. Pode ser cara também. Uma vacina que tenha custado caro para ser desenvolvida e resolva um problema de saúde também é tecnologia de relevância social.

4. O látex tirado das seringueiras é transformado em borracha. Os seringueiros desenvolveram técnicas de coleta de látex que não prejudicam a floresta. Com consciência, eles desenvolvem formas cada vez mais adequadas de tirar seu


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sustento da mata, produzir mais e melhor, comercializar os produtos... Isso é o que se chama exploração sustentável da floresta. Os filhos dos seringueiros de hoje, os netos e os bisnetos deles poderão utilizar a mesma floresta, porque ela não é destruída. Esta é uma característica da Tecnologia Social: ela tem que ser sustentável. E isso vale não só em relação ao meio ambiente. A sustentabilidade econômica também é importante. A tecnologia tem que se sustentar, ou porque tem um custo muito baixo ou insignificante, ou porque entra no mercado e gera renda, ou então porque o governo considera que ela seja importante e investe nela como parte de políticas públicas.

5. Tecnologia Social inova, quer dizer, traz novidade ou aperfeiçoamento. Pode ser novidade no modo de produção, no beneficiamento do produto etc. E também inova no modo das pessoas se organizarem para escolher a tecnologia que consideram mais adequada para solucio-

nar um problema coletivo, no modo participativo como uma pesquisa é desenvolvida, e assim por diante.

6. Com uma Tecnologia Social, a gente entende o que faz e qual vai ser o resultado do seu uso. Sabemos o que fazer passo a passo, em cada momento. Como já foi dito, a Tecnologia Social é uma ponte entre uma necessidade e a solução. Ela tem uma finalidade social e o maior número possível de pessoas deve ter acesso a ela. Um exemplo: uma comunidade produz algodão mas vende barato e vive mal, e sente necessidade de usar melhor esse algodão que produz para melhorar de vida. Aí, cria um tear e passa a tecer o algodão, dar trabalho para muita gente e ganhar mais. A população aprende a construir, usar e fazer a manutenção do tear. Toda a comunidade melhora suas condições de vida. Fazer o tear e tecer o algodão foi uma ponte entre a necessidade da popula-


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ção que vivia mal e a solução de beneficiar esse algodão e tirar maior proveito dele.

7. Se um cientista fizesse uma descoberta maravilhosa, um remédio que curasse a malária, por exemplo, mas fosse uma coisa tão cara que só os ricos pudessem utilizar... isso ajudaria a solucionar os problemas sociais de correntes da doença? Para ser Tecnologia Social, é preciso que ela seja acessível, que o povo possa usar e, de preferência, se apropriar dela. A população tem que saber os impactos que ela tem. Se puder produzir por conta própria, melhor ainda.

8. A “educação” deve estar presente o tempo todo. Quer dizer, o conhecimento de todo o processo de produção e uso de um determinado bem ou de um método de produção é uma questão importante para a Tecnologia Social. Quanto mais aprendermos sobre uma

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tecnologia, tanto melhor, mais aumentam as chances de que ela tenha um uso social. Claro que existem coisas que dependem de um conhecimento técnico e especializado, que apenas alguns têm. Mas, como são coisas que afetam também a vida de outras pessoas, os técnicos têm a obrigação de “traduzir” aquilo numa linguagem que os outros entendam. Só assim pode haver diálogo e decisões tomadas de maneira democrática.

9. “O homem é bem formado, é ele que sabe das coisas.” Quantas vezes ouvimos isso de gente que acha que o nosso conhecimento não vale nada! Mas se a gente reparar, por exemplo, na medicina popular, veremos que as coisas não são assim. Muitas vezes dizem que uma tal planta considerada medicinal não cura nada, mas depois os cientistas pesquisam e acabam fazendo com elas remédios que seriam os mesmos da sabedoria popular, só que com um processo de produção

diferente. Por isso, nos processos em que encontramos Tecnologia Social, a idéia é não fragmentar e sim unir os conhecimentos. O diálogo entre o saber popular e o que chamam de “saber técnico” ou científico é uma característica da Tecnologia Social.

10. Você já ouviu falar que uma pessoa é mais conhecida do que nota de um real? Pois é, se a gente puder falar assim de uma tecnologia, que ela também “é mais conhecida do que nota de um real”, é um bom sinal. O ideal de uma tecnologia que resolva problemas reais da população é que todo mundo a conheça e saiba usar. Por isso, vale todo tipo de divulgação. Publicações, internet, rádio, folhetos e até o tradicional boca-a-boca.

11. Participação, essa é uma palavra que deve ser posta em prática a todo momento. Quanto maior


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for a participação em todos os momentos, para produção, aplicação e uso de alguma tecnologia, melhor. Todos devem participar do planejamento, do acompanhamento, da avaliação... Numa certa época, em São Paulo, havia mutirões para construir conjuntos habitacionais em que todo mundo participava de todas as fases. Para definir como seriam as casas, todo mundo dava sua opinião. Um arquiteto fazia então o projeto, mas com as orientações do grupo que faria o mutirão e que iria morar lá. E se decidia em assembléia geral, se o projeto estava bom. Depois, havia uma associação controlada pelo grupo que recebia verbas da prefeitura e em seguida dava-se para algumas pessoas a função de comprar material, mas estas pessoas tinham

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que prestar contas a todo mundo, tanto sobre o valor como a qualidade dos materiais. Aí começava a construção. Quem não sabia trabalhar como pedreiro, aprendia com quem sabia e assim por diante, até as casas serem entregues com uma boa festa, como os trabalhadores merecem. E os moradores continuaram unidos, decidindo tudo em conjunto. Este é um bom exemplo de participação, desde o começo até a avaliação de todo o projeto.

12. Deste mesmo exemplo dos mutirões, a gente pode retirar mais uma característica da Tecnologia Social: democracia e cidadania. Os “usuários” (que eram ao mesmo tempo os


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“produtores”) viveram um processo democrático o tempo todo. Eles decidiram coletivamente. Entenderam bem e criaram um processo de desenvolvimento da cidadania, quer dizer, de entender seu papel na sociedade e no mundo. Se nos encontrarmos hoje com pessoas que participaram desses mutirões, veremos que eles se contentam por ter resolvido um problema deles, de moradia, mas não pararam nisso. Eles passaram a entender de Política com P maiúsculo, a entender melhor o mundo, perceber as injustiças e querer acabar com elas. Essa é uma bela qualidade da Tecnologia Social: dar uma visão maior às pessoas, de modo que elas percebam com mais clareza que o mundo pode ser mudado para melhor. E que isso depende da participação de todos. Afinal, como diz um velho ditado, uma andorinha só não faz verão. Ou, como diz outro, um cateto sozinho é comida de onça. Quer dizer, sozinhos, não temos condição de enfrentar “a onça”, aquilo que nos ameaça. Mas se nos juntarmos teremos força para lutar de maneira mais eficiente por um mundo melhor e mais justo.


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INSTITUT O DE INSTITUTO TECNOL OGIA SOCIAL TECNOLOGIA Endereço: Rua Rego Freitas, 454, cj. 73 República – CEP: 01220-010 São Paulo - SP Tel/fax: (11) 3151-6499 e-mail: its@itsbrasil.org.br www .itsbrasil.org .br www.itsbrasil.org .itsbrasil.org.br Direção editorial Irma Passoni Jesus Carlos Delgado Garcia Textos Mouzar Benedito Ilustrações Ohi Revisão Beatriz Rangel Maurício Ayer Edição de arte Tadeu Araujo Impressão Gráfica New Way


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