Mosteiro de S. Salvador de Grijó
Comemoramos este ano os 1100 anos da fundação deste importante monumento, verdadeiro ex-líbris de Grijó e que, ao longo da história, tem sido um elemento agregador da história de toda uma vasta região a ele associada.
Com origens anteriores à fundação de Portugal, o mosteiro de Grijó assume-se como uma peça de extrema relevância na história civil e eclesiástica do nosso país. Desde cedo se afirmou como uma comunidade monástica importante despertando o interesse e proteção de grandes famílias nobres, reis e do próprio papa como se pode verificar nas inúmeras benesses que foi usufruindo ao longo da sua história.
Do ponto de vista histórico possui um valor inegável. Os seus vestígios e documentos contam mais de mil anos de História. Foi um dos mais importantes senhorios eclesiásticos do Norte de Portugal. O seu poder, projeção, influência e importância têm reflexo direto no seu cartório. Desta produção destacam-se o Baio Ferrado, O Livro Preto, A Crónica do mosteiro de Grijó, O Tombo e o Livro das Campainhas entre muitos outros.
Ao longo da sua história o mosteiro teve um papel muito importante junto das populações, não só a nível religioso, mas também de carácter assistencial aos viajantes, pobres e doentes. Este mosteiro possuía uma Botica fabulosa recheada de medicamentos, como se pode comprovar pelo seu inventário, que conjuntamente com a sua enfermaria acudiram as populações enfermas. Os cónegos regrantes de Santo Agostinho eram uma grande força inovadora na componente pastoral e assistencial, que os diferenciou das restantes congregações.
O mosteiro de Grijó foi evoluindo, quer patrimonialmente quer artisticamente, com inúmeras realizações levadas acabo em diversas épocas e por diversos membros da sua comunidade. Deveremos agradecer a todos os que engrandeceram este mosteiro a nível religioso e cultural ao longo destes 1100 anos e que nos deixaram tão vasto e rico património.
O mosteiro de Grijó continua nos dias de hoje a ser um marco no panorama da nossa cultura. Com um grande conjunto de atividades que mantêm regularmente, exposições, recriações, concertos, recuperação e valorização do seu património bem como a realização de obras artísticas relevantes, vai mantendo este espírito de engrandecimento ao longo destes 1100 anos.
O Mosteiro é um atrativo da sua população e de outras freguesias. Muitas pessoas escolhem o mosteiro para celebram ali os seus casamentos, batismos e outras festividades, dada a história e beleza do edifício.
Origens do Mosteiro de S. Salvador de Grijó
As condições económicas, sociais e políticas são difíceis e precárias no território portucalense entre o séc. VII e o séc. X. Contudo é neste ambiente de razias e violências, com destaque para as de Almançor que, em 987 vem até ao Douro, que se fundam numerosos mosteiros com um património geralmente pobre e comunidades de monges muito reduzidas.
Estes pequenos mosteiros surgiram mercê do incentivo e do patrocínio de grandes famílias nobres locais que pelas suas doações proviam-nos do necessário para a sustentação e crescimento de uma comunidade e dos serviços religiosos.
É neste contexto que surgem dois irmãos: Guterres e Ausindo Soares que, no início do séc. X, em 912, edificaram uma pequena igreja numa quinta que o seu irmão, Nuno Soares, lhes tinha dado para o efeito. Como a igreja era pequena passou a ser conhecida por “Eclesiola” ou seja igrejinha. Foi esta primitiva igrejinha que viria a dar o nome ao sítio em que foi construída e ao futuro mosteiro de Grijó.
Muito pouco se sabe de Grijó nesta fase embrionária uma vez que o mosteiro não passava de um pequeno refúgio onde se tinham reunido em comunidade uma série de homens e mulheres (muitos destes primitivos mosteiros eram inicialmente dúplices) A comprovar este facto temos a ata da fundação do Mosteiro de Grijó, cujo desígnio comum era o serviço religioso. A falta de coesão e de uma hierarquia interna capaz de sustentar a comunidade religiosa é denunciada pela (quase) inexistência de documentos.
Igreja de Lourosa Oliveira do Hospital construída no ano 912Fundação do Mosteiro de Grijó
Aos poucos juntaram-se outros membros surgindo a necessidade de se edificar um convento em 922 como se pode constatar pela ata de fundação existente no Baio Ferrado. No ano de 938 dá-se a eleição do primeiro abade, deste mosteiro de Grijó, que recaiu sobre um dos seus fundadores, Guterres Soares. A este se seguiu o seu irmão Ausindo Soares e em 1090 um sobrinho, D. Paio Soares.
O mosteiro de Grijó é no seu início o tipo de mosteiro familiar: uma propriedade que passava de pais para filhos. Com o decorrer dos tempos a casa conventual acabou por se tornar exígua para albergar os que lá se queriam acolher. Soeiro Fromarigues, filho de Nuno Soares, o Velho, procede à reedificação de um novo templo em 1093. O bispo de Coimbra, D. Crescónio, consagra, nesse mesmo ano a 3 de outubro, o mosteiro a S. Salvador. Logo ali na festa da sagração, Soeiro Fromarigues, ratificou publicamente a doação de grandiosos legados a este mosteiro. Esta obra foi continuada pelos seus sucessores que continuaram a engrandecer o mosteiro. Seu filho, Nuno Soares doou várias terras ao mosteiro. A viúva de Soeiro Fromarigues, Elvira Nunes, doou-lhe terras e o padroado das igrejas de Argoncilhe, Perosinho, Travanca e Travessô.
Cópia da Ata de Fundação do Mosteiro de Grijó retirada do Livro Cartulário Baio Ferrado, guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e publicado por Robert DurantCoutos do Mosteiro de Grijó
“Carta de Couto” pode definir-se como uma carta de foro e privilegio, um documento do rei ou senhor a criar um domínio fundiário, isto é, uma terra imune e isenta para instituições eclesiásticas. A sua área era delimitada por marcos e divisões.
Em 22 de Maio de 1128 D. Teresa concede a este mosteiro o Couto de Grijó. Esta medida, não tendo nada de anormal para a época, testemunha o desejo da condessa, que tinha criado muitos inimigos com a sua política, assegurar aliados nesta região e recompensar a fidelidade de Nuno Soares. Nesse mesmo ano D. Afonso Henriques obtém a importante vitória da batalha de S. Mamede contra os partidários de D. Teresa. Este futuro monarca, mais tarde, irá doar ao mosteiro de Grijó a vila de Brito, atual S. Félix da Marinha , em 1139 e a vila de Tarouquela, atual Vilar do Paraíso, em 1142.
Nos seus três Coutos o mosteiro exercia a sua autoridade civil e eclesiástica. A posse destes coutos e jurisdição neles exercida pelo convento foram, sucessivamente, confirmadas por vários monarcas portugueses e Pontífices.
A jurisdição secular que o Mosteiro tinha nos seus coutos compreendia apenas as causas cíveis, uma vez que, as criminais pertenciam à justiça do Porto. Contudo, quando dentro de um destes coutos se cometesse qualquer crime, as autoridades estranhas ao Mosteiro não podiam prender o criminoso. Nestes casos, era costume fazer-se uma deprecada ao Prior de Mosteiro. De seguida, o juiz dos coutos capturava o delinquente, levando -o até fora dos limites do território isento, entregando-o à autoridade competente. Pelos privilégios concedidos ao Mosteiro por D. Pedro I e confirmados por D. João III, nem o próprio corregedor da comarca do Porto tinha direito de entrar nos coutos para exercer a sua autoridade. Querendo fazer citações, devassas arrestos ou qualquer outro ato de justiça, o Corregedor tinha de chamar fora do isento o indivíduo processado e então podia exercer o seu poder. Mais tarde, estabeleceu-se o uso de entrada desses magistrados nos coutos de Grijó, uma vez em cada três anos.
A administração da justiça secular era exercida pelo Ouvidor, que era o Prior-Mor do convento, o Juiz dos coutos, que julgava as ações cíveis; os Jurados; dois Almotaceis, o Porteiro e os Quadrilheiros. Estes últimos de eleição popular que auxiliavam o juiz nos diversos ramos de administração. Havia, ainda, um Escrivão do tribunal.
O Mosteiro tinha jurisdição episcopal sobre os seus coutos e igrejas, não conhecendo por superior senão o Papa.
Patronos do Mosteiro de Grijó
No seu início, o mosteiro estabeleceu relações com os diversos poderes personificados pelas principais figuras da nobreza local: os irmãos Guterres Soares e Ausindo Soares, o casal Soeiro Fromarigues e Elvira Nunes e o filho destes, Nuno Soares. Estes foram os nobres que marcaram a fundação e primeiro desenvolvimento do mosteiro. A história desta família confunde-se com a do cenóbio. É graças a ela que o mosteiro é renovado e as doações começam a afluir, reedifica-se um novo templo. É esta família também que efetua uma dezena de aquisições de propriedades para o mosteiro, deixando, em testamento, um quinto dos seus bens ao mosteiro. Em 1128, Nuno Soares conseguiu da condessa D. Teresa a imunidade de um vasto território em torno de Grijó. Em 1132 o bispo de Coimbra isentou a igreja de Grijó da jurisdição episcopal. Nesse mesmo ano a família patronal legou ao Mosteiro todos os direitos que tinha sobre a respetiva igreja e mais oito templos. Estavam, a partir daqui, reunidas todas as condições para que o Mosteiro de S. Salvador pudesse crescer e transformar-se num verdadeiro senhorio.
Se por um lado era bom o mosteiro ter cada vez mais patronos nobres, por outro levantava um problema, nomeadamente a nível dos gastos que o mosteiro tinha com os direitos de comedoria e aposentadoria, cavalaria e casamento com estes fidalgos. No séc. XIV a família patronal tinha atingido o número de 125 pessoas. O mosteiro de Grijó procurou soluções para se libertar do peso económico que os naturais representavam nas suas finanças. Sobrecarregados pelos patronos, que cresciam exponencialmente, tentavam conseguir dos monarcas medidas que regulassem os deveres e os direitos de ambas as partes. Apesar de já, com D. Afonso III e D. Dinis, se terem tomado medidas no sentido de libertar o mosteiro da opressão e abusos da família patronal certo é que só com D. Pedro I e, essencialmente, com o prior D. Afonso Esteves é que se concretizaram muitas destas aspirações nomeadamente pela feitura do Livro das Campainhas em 1365. A realização da reunião capitular em Grijó determinou a feitura do tombo e nele estão enumerados os 215 naturais do mosteiro.
Os elevados gastos que o mosteiro tinha para com os seus patronos são prova da importância e extraordinária influência que os cónegos de Grijó tinham no território das então dioceses de Porto e Coimbra.
Igrejas do padroado do Mosteiro Grijó
O Mosteiro de Grijó deteve o direito de padroado de várias igrejas. Este direito carateriza-se por um conjunto de regalias dos quais se destacam: o direito de apresentação, isto é, a nomeação do pároco dessa igreja e o direito de cobrar da instituição tutelada um conjunto de direitos fiscais.
Os Papas confirmaram essa jurisdição eclesiástica em troca de um certo senso a que o Mosteiro ficou obrigado a pagar à Santa Sé
Igrejas do padroado de Grijó:
Santa Maria de Gulpilhares (c. Vila Nova de Gaia) .
Santa Maria de Maladas (fr. Mozelos, c. Santa Maria da Feira)
Santa Maria de Vagos (c. Vagos)
Santa Marinha de Cortegaça (c. Ovar)
S. Cipriano de Paços de Brandão (c. Santa Maria da Feira)
S. Jorge de Caldelas (c. Santa Maria da Feira)
S. Mamede da Gândara (fr. Anta, c. Espinho)
S. Mamede de Serzedo (c. Vila Nova de Gaia)
S. Martinho de Anta (c. Espinho)
S. Martinho de Argoncilhe (c. Santa Maria da Feira)
S. Martinho de Mozelos (c. Santa Maria da Feira)
S. Martinho de Travanca (c. Oliveira de Azeméis)
S. Miguel de Duas Igrejas (fr. Romariz, c. Santa Maria da Feira)
S. Miguel de Arcozelo (c. Vila Nova de Gaia)
S. Miguel de Milheirós (c. Santa Maria da Feira)
S. Miguel de Travassô (c. Águeda)
S. Paio de Oleiros (c. Santa Maria da Feira)
S. Paulo de Maçãs de Dona Maria (c. Alvaiázere)
S. Salvador de Perosinho (c. Vila Nova de Gaia) –
S. Tiago de Silvalde (c. Espinho)
São Salvador de Lordelo (c. Paredes)
Regrantes de Santo Agostinho
Regrantes
Quando os monges se organizaram em comunidades, tornou-se necessário regular a vida económica, a hierarquia entre os seus membros, as obrigações e os direitos de cada um, para que a comunidade prosseguisse como um todo harmónico. O mosteiro de Grijó aderiu, em 1132 à Regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. No entanto a sua relação com a Regra do bispo de Hipona deve ser muito anterior, como se pode comprovar por referências em vários documentos.
Os cónegos regrantes assumem uma nítida rotura com os modelos tradicionais monásticos, apresentados até ao séc. XII, assentes no primado da contemplação espiritual e da clausura. Os regrantes, apesar da vivência e valorização do recolhimento, e vida contemplativa, tinham uma ação virada para a sociedade e é aí que reside a sua grande força inovadora.
A sua componente pastoral aliada a uma forte vertente assistencial diferenciam-nos das restantes congregações. A vivência do cónego regrante era vocacionada para a pregação caridade e a assistência ao próximo. O domínio litúrgico caracterizava se pelor rigor dos ofícios corais e da Eucaristia. Pregação e sacerdócio são dois lemas que impunham ao cónego regrante a obrigatoriedade de uma formação escolar aprofundada. Por isso, dispunham de bibliotecas especializadas nas diferentes áreas do saber (teologia, direito civil e canónico e medicina) e também de scriptoria para atividade de cópia e de escrita de manuscritos, particularmente brilhante nos séculos XII e XIII.
Quanto à questão assistencial, os cónegos regrantes revelam, a este nível, um papel preponderante, com a fundação de albergarias e enfermarias e a assistência a peregrinos, pobres, doentes e viajantes.
Scriptorium
Os mosteiros eram verdadeiros centros de saber e cultura. Possuíam ricas bibliotecas com livros manuscritos, reproduzidos e iluminados no scriptorium, por monges copistas, que desta forma, salvaram e mantiveram uma herança cultural de séculos.
Entre as escolas capitulares do século XII deparamos com o Mosteiro de Grijó como um dos núcleos mais importantes, em que os monges copistas nos deixaram documentos significativos para o estudo dos primórdios da nossa cultura. Neste mosteiro produziram-se documentos que nos contam mais de mil anos de História. Entre estes poderemos destacar: “Cartulário Baio Ferrado”, “Livro Preto”, “Livro das Campainhas, “Tombo do Prior D. Afonso Esteves” e ainda a “Crónica do Mosteiro de Grijó”.
No Capítulo V da Regra de Santo Agostinho é determinado que:
“Os livros devem pedir-se todos os dias à hora estabelecida; quem os pedir a outra hora não seja atendido.”
Botica
BoticaA farmácia conventual teve, ao longo dos tempos, um enorme prestígio. Eram famosas as boticas dos cónegos regrantes de Santo Agostinho, de Lisboa (S. Vicente de Fora), de Coimbra (Santa Cruz) e Grijó (S. Salvador).
A primeira farmacopeia escrita por um boticário português, D. Caetano de Santo António, cónego regrante de Santo Agostinho, boticário do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e, depois no de S. Vicente de Fora, em Lisboa. A obra intitulava-se “Farmacopeia Lusitana” (1704), sendo uma referência fundamental para o ensino da Farmácia.
O Mosteiro de Grijó teve uma das mais famosas farmácias conventuais como se pode verificar pelo inventário, realizado em 1770, aquando da sua extinção. Nesse inventário constam centenas de medicamentos, dos mais avançados para a época, o que nos permite apreciar o nível científico e técnico dos monges boticários de Grijó. Para além dos medicamentos, este inventário vário mobiliário e utensílios utlizados para o seu fabrico.
Os frades de Grijó cultivavam, para além de inúmeras plantas medicinais, a papoila branca para obterem o ópio, substância utilizada como anestesia nas amputações dos membros.
Segundo a Regra de Santo Agostinho especifica que: “se houver um padecimento físico não visível, acredite-se plenamente no servo de Deus quando diz que se sente mal; mas se há dúvidas sobre o tratamento que ele deseja, consulte-se o médico.(...) O cuidado dos doentes, dos convalescentes, dos que sofrem de qualquer fraqueza, mesmo sem febre, esteja confiado a um só encarregado, para que ele mesmo peça na despensa o que entender necessário a cada um.”
Memórias do Mosteiro de Grijó
Membros da comunidade educativa da Escola Básica Júlio Dinis deram vida, em maio de 2010, aos Claustros deste Mosteiro recriando a Botica conventual, o Scriptorium e a Sala do Capítulo.
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