Mar2018 "Só garotos"

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marรงo | 2018

Sรณ garotos


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Ao Leitor Você tem em mãos a vida de uma jovenzinha recém-chegada de Nova Jersey. Magra ao ponto de parecer quebrável, ela desembarcou esfomeada de tudo em Nova York – e sua gana de poesia, de música e de beleza tomou de assalto o universo das artes. A você, foi confiada uma história de amor e de amizade entre dois jovens em fase de autodescoberta que resultaria em uma das duplas mais célebres da Grande Maçã na década de 1970: a mãe do punk, Patti Smith, e o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Só garotos, sucesso instantâneo de público e crítica desde seu lançamento, foi a primeira incursão de Smith na prosa. Poeta, compositora, fotógrafa, cantora, a artista entregou-se a uma nova forma de contar histórias, decidida a resgatar tudo sobre seus anos com Mapplethorpe – época que coincidiu com o nascimento do punk como gênero musical transgressor e a consolidação de Nova York como epicentro da arte ocidental. Patti Smith, na verdade, estava mais do que decidida: o livro é fruto de uma promessa inquebrável. O mimo que acompanha Só garotos é outro livro: Devoção, publicação mais recente de Patti Smith e ainda inédita no Brasil, chega em sua primeira tradução para o português aos associados da TAG. Em sua estreia como contista, ela escreve sobre processos criativos, inspirações e reflexões que a tornam uma das artistas mais proeminentes deste e do último século. Boa leitura!

Equipe Tag


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N A indicação do mês

A curadora Natalia Polesso

P

Ecos da Leitura

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Nova York de Patti Smith

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D Leia depois de ler Devoção

Carol Bensimon

r!

Spoile


Sumário A INDICAÇÃO DO MÊS

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Entrevista com Natalia Polesso O livro indicado Só garotos

ECOS DA LEITURA

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Geração Beat Retratos franceses Robert Mapplethorpe, por Robert Mapplethorpe

ESPAÇO DO ASSOCIADO

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Fora da caixinha

A PRÓXIMA INDICAÇÃO

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A curadora de abril Cora Rónai


Laine Bacarol


N

A curadora Natalia Polesso

A literatura LGBTQ incentiva uma sociedade livre das barreiras de gênero, o renascimento de boas histórias e dá voz às pessoas sem atrelá-las à orientação sexual, a preconceitos nem a vernizes sociais. Mas o mais interessante nesse nicho é poder perceber, após a experiência literária, que dividir a arte em subgêneros só é necessário quando ela propõe a diversidade e confronta a perigosa “história única”, termo difundido pela escritora nigeriana Chimamanda Adichie. Em todos os outros casos, trata-se apenas de literatura. A escritora gaúcha Natalia Polesso termina de defender essa premissa com uma alfinetada: “a pessoa vai ler o livro, não transar com ele... eu acho”. Dois motivos levaram Polesso – três livros publicados e diversos prêmios na bagagem – a abordar experiências LGBTQ, direta ou indiretamente, em sua obra: o ativismo, “necessário em todos os âmbitos em que problemas precisam ser resolvidos”, e a própria trajetória de vida, matéria-prima e ponto de partida para muitos escritores. Mas no que pode acarretar escrever sobre esses temas? Encarar entrevistadores com perguntas como “Você quer escancarar o mundo lésbico?” é uma possibilidade. Suscitar uma falsa ideia de erotismo constante é outra. “Estou mais preocupada em contar histórias de vida. Os textos tratam de vários tipos de relação, desde curiosidades infantis por figuras enigmáticas ou estranhas até amo-

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res adultos e na velhice. [...] Com o tempo, fiz desse ponto de vista uma escolha estética, porque acho importante que essa experiência seja vista, reconhecida e respeitada”, contou a O Globo sobre Amora (2015), seu último e aclamado livro.

Laine Bacarol

Tão decisiva para as conquistas literárias de Polesso quanto para sua postura político-literária foi uma infância inquieta e sonhadora. O fato de não ser muito boa em português era compensado pela facilidade de inventar e contar todo tipo de histórias. Com a irmã e o irmão, montou uma equipe criativa e infatigável, pronta para testar a paciência da família – os namorados das tias costumavam ser os

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alvos preferidos. Logo viriam os cadernos recheados de poemas e anotações avulsas. Mais tarde, atualizando seu suporte, encheu o computador com mais poemas, e o blog foi uma consequência natural. Caminhando de mãos dadas com o prazer de escrever vinha o sonho de ser médica, mas o medo de agulhas e a impossibilidade de ver sangue facilitaram a escolha do curso de Letras. Polesso formou-se e concluiu o mestrado na Universidade de Caxias do Sul e o doutorado em Teoria Literária na PUCRS. Ainda na última etapa acadêmica, aos 31 anos de idade, publicou seu primeiro livro. Recortes para álbum de fotografias


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sem gente (2013) reúne textos em prosa líricos e sobretudo poéticos; pequenos contos despreocupados com o rigor técnico refletindo o momento emocional e as grandes inspirações literárias de Polesso, como Cortázar e Caio Fernando Abreu – cujas obras já estão “impregnadas” no seu DNA. No início de 2015, a escritora aventurou-se na poesia com Coração à corda, apesar de ainda não se considerar uma poeta de fato. “Não sei dizer se escrevo poesia, sei dizer que escrevi um livro de poesia e que tenho muitos arquivos e rabiscos poéticos guardados. Mas eu acredito que para escrever poesia há que se exaurir as palavras, depois descansá-las, depois repeti-las de um jeito diferente. Eu ainda estou aprendendo isso.” Amora, publicado também em 2015, pode ser considerado um divisor de águas na carreira de Polesso, proporcionando à autora reconhecimento nacional com o Prêmio Jabuti 2016 na categoria Contos e Crônicas. Concorriam com ela escritores como Luis Fernando Verissimo, Rubem Fonseca, Luiz Eduardo Soares e Antonio Carlos Viana. “Conhecendo o trabalho das escritoras e dos escritores que figuravam entre os finalistas, pensei que ali entre os dez já estava a minha imensa alegria e comemoração. Quando saiu o resultado, demorei alguns minutos para entender.” Para escrever Amora, Polesso revisitou e distorceu seu passado,

apropriou-se de histórias alheias, buscou novos relatos e elaborou tocantes histórias de relacionamentos homoafetivos. Para o coletivo digital Mulheres que Escrevem, contou: “Fiquei por meses e meses ao redor dessas mulheres. Quis conhecê-las, saber tudo sobre elas, para que, então, elas me contassem sobre sua vida”. O processo de reescrever histórias próprias e alheias para Amora enriqueceu o léxico amoroso da escritora, como explicou em entrevista ao jornal Pioneiro:

“É uma expressão necessária para mim, é parte da minha vida. É parte de como eu me relaciono com o mundo, com as pessoas, e eu não quero que esse fator seja apagado. Ele é importante. As relações não acontecem num ambiente amorfo, num fundo branco infinito, mas num espaço-tempo existente, que é o mundo, e o mundo está cheio de lésbicas, gays, trans etc.”. A indicação de Polesso para o mês de março conversa com temas recorrentes na vida da escritora: arte e transgressão. Só garotos (2010) pegou-a de surpresa e foi uma leitura arrebatadora.

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Laine Bacarol

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N

Entrevista Natalia Polesso

Você já era fã de Patti Smith antes de ler Só garotos? Como outras artes – música, fotografia etc. – permeiam sua escrita e seu olhar sobre a literatura? Natalia Polesso – Eu gostava de Patti Smith, porque amigos gostavam de Patti Smith. Mas ler Só garotos me deixou totalmente apaixonada por essa mulher. É uma história de vida incrível. Fiquei muito impressionada com o modo como ela se comprometeu com a arte, desde sempre. Além disso, esse encontro dela com o Robert Mapplethorpe me fez pensar em quantas vezes na vida encontra-

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mos parceiros ou parceiras assim tão genuínas? Eu não sei responder direito como a música influencia a minha escrita, na verdade, eu raramente escrevo com música de fundo, mas quando o faço, é de uma lista de músicas que eu vou alterando e compondo há alguns anos, até já sei a ordem delas! Isso me deixa segura, num ritmo confortável. Mas preciso estar usando fones, fones grandes, não aqueles que a gente enfia na orelha! Quanto à fotografia, meu primeiro livro se chama Recortes para álbum de fotografia sem gente, meus pais eram fotógrafos, tenho fotógrafos na família, minha irmã, meu pai, minha


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mãe, meu irmão são todos superfotogênicos. Eu não. E não sei se tenho algum talento para registrar imagens. Porém, a ideia de trabalhar palavras que compõem imagens inusitadas me agrada muito. Meio prosa poética, meio narrativa onírico-delirante, trabalhar encontros improváveis, como o de açucenas com olhos-de-sogra. Quais aspectos do livro mais fisgaram você? Natalia – É uma história fascinante, vertiginosa. Patti Smith é uma excelente narradora. Eu abri o livro na casa de uma amiga e parei cem

páginas depois, porque precisava ir embora. E ir embora significava sair da excitante e efervescente Nova York dos anos 1960–70, era voltar de Paris e de São Francisco, e eu não estava muito contente com a volta. Saí da casa dela com o livro e um mundo embaixo do braço. Além de um imenso mapa na cabeça. Ficava tentando imaginar todos aqueles acontecimentos no tempo e no espaço. As descrições dos protagonistas, suas roupas, seu desejo de fazer arte, sua fome repartida, seus encontros. A cidade, no imaginário daqueles jovens, impulsionada por uma grande produção cultural, na música, na literatura e nas artes,

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nomes de grandes artistas que reconhecemos se conectando com a vida intensa de Patti e Robert. Assim como Patti Smith, você também escreve poesia. O que lhe fascina no gênero? Quais são seus poetas preferidos? Natalia – Não sei dizer se escrevo poesia, sei dizer que escrevi um livro de poesia e que tenho muitos arquivos e rabiscos poéticos guardados. Mas eu acredito que para escrever poesia há que se exaurir as palavras, depois descansá-las, depois repeti-las de um jeito diferente. Eu ainda estou aprendendo isso. Talvez o que me fascine na poesia seja exatamente o aprendizado que ela proporciona. Quando nós lemos um poema que nos diz alguma coisa, ele nos toca em lugares que desconhecemos. Então, passamos a ser maiores, mais amplos. Poesia para mim é isso: expansão. No momento, meus poetas e minhas poetas favoritas são as contemporâneas. Nossa! Como essa gente está fazendo coisas lindas! Cito aqui três, de um mar de poetas maravilhosos: Angélica Freitas, quem muito me inspira com sua poesia forte e cheia de humor; Marília Garcia, pela geografia poética que me entrega sempre; e Marco de Menezes, que tem a capacidade de encapsular imensidões em seus versos. Qual é a importância de um livro com a temática de Amora receber um prêmio como o Jabuti, no sen-

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tido de ampliar a representatividade LGBTQ? Natalia – A importância é esta mesma: ampliar a representatividade. Não só em termos de identificação das leitoras, o que por si já é muito importante, mas em termos de diversificar a produção de literatura. Há uma pesquisa ampla e essencial, coordenada pela professora Regina Dalcastagnè na UnB, que aponta o perfil tanto do escritor quanto das personagens na literatura brasileira. Analisados quase 700 romances, de 383 escritores, lançados entre 1965 e 2014, o resultado mostrou que mais de 70% dos autores são homens, 90% brancos e pelo menos a metade veio do Rio de Janeiro e de São Paulo. Sobre as personagens, mais de 80% são heterossexuais. Quero dizer, quando é que vou me ver retratada em um romance? Outro dia, em um evento da feira do livro em Porto Alegre, uma estudante de ensino médio me disse assim: “Eu achava que só gostava de ler fanfiction, mas, na verdade, gosto de encontrar identificação com as personagens, depois que li o Amora, vi que curtia literatura!”. Fico feliz e emocionada quando Amora topa com tantos leitores carinhosos por aí, que me retornam e-mails, mensagens e diálogos em encontros como este. Mas fico também pensando que é preciso continuar produzindo algo que seja relevante e que trate de algo importante para mim, a ser partilhado com outras pessoas.


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O que você diria para os mais de 20.000 associados que estão prestes a adentrar no mundo de Patti Smith, muitos pela primeira vez? Natalia – Só garotos não é um livro para quem se interessa pela carreira artística de Patti e Robert apenas. Peguem na mão da tia Patti e deixem que ela guie vocês através do tempo, dos espaços e da sua imaginação prodigiosa. Parte sobre história da arte contemporânea, parte sobre história da música, com a literatura fazendo uma bela conexão, acima de tudo, você vai ler sobre duas pessoas extraordinariamente criativas, apaixonantes, com uma visão romântica, mas também dura da vida, apreciadores de Blake, Baudelaire, Genet, Rimbaud, dos Beats, Burroughs, Ginsberg, de Duchamp, Warhol, Coltrane, The Doors, The Rolling Stones, entre muitos outros. O livro está descrito como uma biografia. Eu duvido um tanto. Mas me digam, qual vida recontada não cruza um pouco com o campo da ficção? Entre polaroides e rabiscos, entre a angústia e a vontade, estas páginas contam uma história de companheirismo, beleza e talento.

Laine Bacarol

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S O livro indicado Só garotos

De todas as cerimônias de entrega do Prêmio Nobel de Literatura, a de 2016 será lembrada como uma das mais comoventes. O recluso Bob Dylan, primeiro músico na história a receber a honraria, não compareceu, como prometido. Representando o compositor, Patti Smith prestou uma homenagem com uma interpretação de A hard rain’s a-gonna-fall, escrita por Dylan em 1962. Com menos de dois minutos de apresentação, a cantora quase septuagenária parou. Ouviu-se de sua voz, embargada e vacilante, um pedido de desculpas. “Estou tão nervosa”, disse, e de imediato os presentes reagiram com uma salva de palmas entusiasmada. Recomposta, Smith cantou até o fim, ainda mais emotiva, para aplausos ainda mais demorados. Nada foi tão apropriado para aquele momento quanto o tributo da amiga de longa data que, assim como Bob Dylan, exerce influência crescente nos campos da arte e da política. E, também como Dylan, Patti Smith pode ser considerada uma lenda viva, que inspira as gerações contemporâneas justamente porque seu objeto de devoção é atemporal. Nascida em 1946, em Chicago, Smith cresceu em uma monótona Nova Jersey e logo compreendeu na própria natureza uma inevitável propensão à arte – que, estava claro para ela, não poderia ser estimulada naquele lugar. É bastante provável que na cidade onde a acusaram de comunismo por ler Rimbaud ela teria tolhida sua trajetória de

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cantora, artista visual, poeta, compositora e tantas outras atividades.

surpreendidos poucos segundos depois de a agulha deslizar sobre o disco, testemunhando as históricas palavras de Smith: “Jesus died for somebody’s sins... but not mine”.

Sobre os detalhes que a levaram de menina interiorana para principal poeta do movimento punk nova-iorquino, não cabe discutir aqui: a Sua relação com a religiosidade obra que chega ao associado neste – mais precisamente, com a espimês trata precisamente dessa traritualidade – é um emblema de seu jetória. Para uma leitura mais rica e vínculo com a arte: livre de quaispotencialmente quer dogmas. Em interpretativa, “Ao devotar sua vida à performances, entretanto, pode procura um esarte em todas as suas tado permanenser oportuno formas, Patti Smith descobrir quem te de transe e é Patti Smith, demonstrou o quanto elevação espiriquais são suas tual, visualizande rock’n’roll existe conquistas e do a arte como na poesia e o quanto seu legado, ou material sacro. mesmo o motivo Apesar de algude poesia existe no que levou a armas letras pasrock’n’roll. Patti tista a escrever síveis de serem Smith é um Rimbaud rotuladas como Só garotos como pagamento de hereges por cocom amplificadores. uma promessa locar em xeque Ela transformou o para o fotógrafo algumas conjeito que uma geração tradições crisRobert Mapplethorpe, sua pritãs, Patti Smith inteira se veste, meira paixão e frequentemente pensa e sonha.” também protarelaciona a forJúri do Prêmio Nobel gonista da obra. ça da arte com uma aproximaHá quem diga que Horses (1975), do ção ao “Criador”. Patti Smith Group, marcou a transição do rock para o punk. O disco – Experimentação e irregularidaque combina rock’n’roll com poesia de nos lançamentos caracterizam declamada de forma pioneira – prisua carreira, que sofreu uma pausa mava pelas letras, uma alternância premeditada a partir do casamenentre drama e ironia pronunciada to com o ex-guitarrista da banda com energia e arrogância juvenis. MC5, Fred Smith, em um relacioEntre as influências da obra, ounamento que gerou dois filhos e um vem-se Jimi Hendrix, Jim Morrison longo período de reclusão e dedicae Lou Reed. Não bastasse a postução familiar. Dois trágicos eventos, ra insolente da jovem na capa, seus entretanto, desencadearam uma primeiros ouvintes ainda seriam montanha-russa nos capítulos se-

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guintes de sua vida. As mortes do marido e de seu irmão, em 1994, tão repentinas quanto devastadoras, vieram como um fardo pesado demais para ela. Longe dos palcos e sem dois de seus grandes amores, foram os amigos Michael Stipe, da banda R.E.M., e o poeta Allen Ginsberg que a convenceram a retomar sua carreira. Após o baque, Patti ressurgiu triunfante, lançando álbuns, apresentando-se ao redor do mundo e enveredando por outros caminhos: a partir da década de 1990, tornou-se politicamente ativa, participando de eventos antiguerras e escrevendo canções de protesto que jogam luz sobre diversos incidentes mundiais. Em 2011, explorou sua relação com a fotografia na exposição Camera Solo. Ainda que a veia musical tenha se tornado publicamente a grande marca de Patti, ela nem ao menos imaginava um envolvimento tão profícuo com a guitarra e o microfone. Seu desejo mais intenso era enveredar pelos mágicos labirintos da poesia. Muito jovem, descobriu em Arthur Rimbaud a salvação para o marasmo de Nova Jersey e, a partir de então, aumentou seu contingente de heróis: William Blake, Charles Baudelaire, John Keats, Jean Genet...

Não há dúvida que a poesia foi a grande aliada e principal suporte de Patti Smith – assim como sua entrada para o mundo da música. Concomitantemente aos álbuns do Patti Smith Group, foram publicadas coletâneas como Babel (1978) e Auguries of innocence (2005), algumas delas acompanhadas por fotografias e desenhos. Já a estreia na prosa foi tardia, mas sua qualidade surpreendeu apenas a quem não conhecia a artista. A mais recente dessas obras, Devoção (2017), é o extraordinário mimo deste mês. Linha M, de 2015, é um relato tocante de diversos acontecimentos de sua vida, com destaque para os momentos que sucederam a perda de Fred Smith. Porém, a obra de maior impacto, cuja solidez e lirismo configuraram-na instantaneamente como uma das melhores contadoras de história da atualida-

“Devotei tanto dos meus devaneios de garota a Rimbaud. Rimbaud era como meu namorado.” Patti Smith

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de e que ainda lhe rendeu diversos prêmios, é a que chega ao associado neste mês. Original pela forma narrativa crua e empática com que narra a história da amizade entre Patti Smith e Robert Mapplethorpe, Só garotos é um insight dos anos formativos que fizeram da garota deslocada de Nova Jersey uma artista plural e mãe do punk. Depois de introduzir seus últimos momentos com Robert, Patti traz uma passagem singela, epítome de sua espiritualidade, ocorrida ainda na infância. Quando o leitor se dá conta, os sonhos da narradora já são grandes demais para uma vida tradicional, e ela desembarca na maior metrópole americana, aberta para o acaso e convicta de que seus dias na Terra só terão valor se forem dedicados de corpo e alma à arte. Não poderia ser mais precioso e fortuito o encontro com Robert, companhia ideal para aquele período. Instantaneamente conectados,

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começam um relacionamento que em um primeiro momento adquire contornos românticos, mas que logo prova ser uma amizade genuína, que duraria até a morte de Mapplethorpe por complicações do HIV, mais de vinte anos depois – antes de sua partida, Patti prometeu que contaria em um livro tudo sobre aqueles inesquecíveis anos juntos. Robert era tão artista quanto Patti naquela etapa – desconhecido e sem um tostão no bolso –, mas ambicioso, carismático e profano. Seria apenas uma questão de tempo para que o casal, em um processo tão calculado como natural, adentrasse os universos que vibravam nas mesmas frequências. Seja no seleto grupo de amigos de Andy Warhol ou nos imortais Hotel Chelsea e CBGB, Patti e Robert testemunharam os principais episódios da arte dos anos 1960 e 1970 em Nova York – boa parte deles pode ser encontrada em Só garotos, narrada pela poeta com humor, honestidade e devoção a todos os personagens que tocaram sua vida.


“A prosa de Smith é ácida, mordaz e instigante. Poderia ser de outra forma? Este livro, uma

história e um elogio e uma oferenda, é tão lírico quanto tudo que ela já fez. É uma ampla pincelada que captura a essência do que Nova York foi naquela era ilustre. Mas, mais

importante, ‘Só garotos’ é um retrato honesto e íntimo de um ho-

mem que rapidamente viria a se tornar

um dos fotógrafos

mais eminentes dos Estados Unidos,

contado da perspectiva que só um livro

de memórias pode

Amy Hanson, crítica literária

Lucas Rossi

oferecer.”

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11 6 4

57 68

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33 7

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Nova York de Patti Smith

2 2 19

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ECOS DA LEITURA

3

St

1 ’s

Scribner

Muitas andanças de Patti Smith por Nova York não pe reram longas distâncias, mas perpassaram capas e l das de livros. Um dos seus primeiros trabalhos for por exemplo, foi na Livraria Scribner’s, situada e antigo edifício neoclássico projetado por Ernest F arquiteto americano conhecido pelo estilo beaux-ar prédio era a sede da editora independente Scribner, dada em 1846, que publicou autores admirados pela a ta, como F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway. S foi contratada após ser demitida de outra livraria, vendera um colar para Robert Mapplethorpe, com que

... adorava passear uma antiga ilha com praia para o oceano At Brooklyn a apenas alg metrô. Lá, Patti e Robe píer, comeram cachorrotografados por um senho xão. A foto icônica do zada em algumas ediçõ

Coney Island

2 20


...costumava discutir sobre seus poemas e trabalhos artísticos. Robert também foi o principal incentivador de seu trabalho, encorajando-a a realizar sua primeira declamação poética. Patti fez a leitura pública na St. Mark’s Church in-the-Bowery, segunda igreja mais antiga de Manhattan, construída no fim do século XIX. No dia da apresentação, embora Smith ainda não soubesse, algumas pessoas da plateia estariam ligadas à sua carreira por muito tempo, como Andy Warhol...

ch t Mark’s Chur

ercorlombarmais, em um Flagg, rts. O , funartisSmith , onde em...

... que realizou o documentário Chelsea girls, sobre o Hotel Chelsea, onde Patti Smith e Robert Maplethorpe dividiram o mesmo quarto durante a década de 1970. Inaugurado em 1883 e considerado patrimônio cultural de Nova York, o Chelsea recebeu visitas ilustres. Em seus aposentos, Arthur Miller escreveu três romances, Edith Piaf dormiu algumas noites, e Janis Joplin compôs canções. O hotel foi uma espécie de convergência artística que abrigou, entre outros, Mark Twain, Stanley Kubrick e Jane Fonda. Para o Chelsea, alguns músicos dedicaram suas canções, como Leonard Cohen, Bon Jovi, Bill Morrissey e Bob Dylan...

em Coney Island, célebre vista da tlântico, ligada ao gumas estações de ert caminharam pelo -quente e foram foor e sua câmera-caicasal foi imortaliões de Só garotos.

Chelsea

4 21

Hotel


City Max’s Kansas

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... Len como gui reira at no bar Blue Gormandi ficou co onde se S

... que costumava ir à noite no bar Max’s Kansas City, mas não só ele, como também Nico, The Velvet Underground, David Bowie, Alice Cooper e muitos outros. O Max’s foi um importante ponto de referência para diversas produções artísticas desde 1965, ano em que abriu suas portas. Lá, figuras do pop, punk e new wave jantavam lagosta com bife e fumavam na calçada. No Max’s, durante os últimos dias do ano de 1973, Patti fez seu primeiro trabalho regular como cantora, ao lado de...

... que prestigiou Patti Smith quando ela tocou pela primeira vez com o baterista Jay Dee Daugherty no bar The Bitter End, em 1975. Fundado em 1961 por Fred Weintraub e gerenciado por Paul Colby, é conhecido como o bar de rock mais antigo da cidade. Durante a década de 1960, quando não tinha licença para a vender bebida alcoólica, Colby comprou o clube ao lado e o nomeou The Other End, onde o público poderia tomar uma forte dose de uísque. Derrotado pela concorrência, Weintraub vendeu The Bitter End em 1974, e então Paul transformou os dois bares em uma única referência do mundo da música nova-iorquina. Em seu palco, apresentaram-se Stevie Wonder, Neil Young, James Taylor e Lady Gaga. 22

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Th


ECOS DA LEITURA

CBGB & OMFUG

nny Kaye, que acompanhou a cantora itarrista desde o início da sua carté a época em que começaram a tocar CBGB & OMFUG (Country, Bluegrass, es and Other Music For Uplifting izers). O clube mítico de Nova York onhecido como o berço do punk rock, e apresentaram Blondie, Television, Sex Pistols e tantos outros.

he Bitter End

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Acesse a playlist pelo código ao lado ou pelo link bit.ly/sogarotos e descubra a atmosfera musical que acompanhou Patti Smith nos anos 1960 e 1970!

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ECOS DA LEITURA

Geração Beat A Geração Beat surgiu do encontro de três jovens estudantes na Universidade Columbia, em Nova York. Em 1943, Allen Ginsberg começou seu primeiro ano na faculdade e logo conheceu Jack Kerouac e William Burroughs.

1939-1945

O movimento se instaurou em uma sociedade marcada por valores tradicionais e conservadores que sustentavam a prosperidade econômica da América Pós-Segunda Guerra Mundial.

1947-1991

Contudo, essa tranquilidade se transformaria em uma ansiedade paranoica gerada pelo medo do que era considerado “antiamericano”, visto que o país estava prestes a entrar no período da Guerra Fria.

Em oposição a esses valores, os escritores Beat ecoaram um grito de rebeldia valendo-se de diferentes estilos e temas literários. O termo beat, presente no falar das ruas, significa “quebrado, pobre, sem domicílio”, reforçando o mito da geração perdida. O movimento cultural, artístico e social independente figurou como símbolo de resistência ao materialismo, à ordem e às convenções preestabelecidas.

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ECOS DA LEITURA

Allen Ginsberg (1926–1977) começou a escrever poesia com mais intensidade durante a faculdade, paralelamente às aflições em relação à sua homossexualidade reprimida, considerada crime na época. Em 1955, o autor realizou a primeira leitura pública do seu poema, Uivo (1956), um grito colérico contra o conformismo, escrito segundo o ritmo da respiração e da conversa. O poema foi inspirado no estilo eloquente e romântico de William Blake, Arthur Rimbaud e na síncope urbana do jazz be-bop que tocava nos clubes do Harlem, que ele frequentava com o resto da turma beat.

Jack Kerouac (1922–1969) ficou conhecido como “O Rei dos Beats”, embora ele recusasse o termo. Nascido em uma família de imigrantes católicos franco-canadenses, Jack começou a escrever diários desde cedo, misturando um tipo de expressão criativa vinculada a pensamentos e ideias desorganizadas. Após ter largado a universidade e a marinha, Kerouac lançou-se em uma escrita espontânea que culminou na publicação de On the road (1957), um livro com apenas um parágrafo de trinta e seis metros, redigido em somente três semanas.

William Burroughs (1914–1997) nasceu em uma família aristocrata americana, cujas expectativas para o futuro do jovem foram contrariadas pelo seu caráter boêmio e desregrado. Em função de seus problemas com a polícia pelo uso de drogas, o escritor partiu com sua família para o Texas, onde colecionou armas e acabou atirando sem querer em sua esposa, matando-a. Condenado por homicídio culposo e expulso do país, William instalou-se em Tânger. Em 1959, publicou Almoço nu, em que utilizou a técnica cut-up, por meio da qual reformulava o texto após recortar e misturar os fragmentos.

Patti Smith, Allen Ginsberg e William Burroughs

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ECOS DA LEITURA

Retratos franceses Em Só garotos, assim como em Devoção, Patti Smith expõe uma relação muito íntima com Rimbaud, Baudelaire e Genet, escritores franceses. Não por acaso, de acordo com Patti, Jean Genet e Robert Mapplethorpe apresentam diversas semelhanças: desde a adolescência, os dois reivindicaram uma existência marginal e rebelde, assim como foram obcecados pelo perfeccionismo e pela beleza. Genet, escritor, poeta e dramaturgo, nasceu em 1910, em Paris, e foi abandonado pela mãe logo após seu nascimento. Seu primeiro roubo ocorreu aos 10 anos, e desde então viveu uma série de fugas, e passou por diversas prisões, nas quais escreveu seu primeiro romance Nossa senhora das flores (1943). Em 1986, morreu em um quarto de hotel em Paris, do mesmo

modo como havia vivido: errante, sozinho e sem domicílio fixo. Anos mais tarde, Genet obteve status de autor consagrado, teve sua obra adaptada para a ópera, publicado por grandes editoras e apresentado na Comédie Française, teatro muito prestigiado na cultura francesa. Ficou conhecido principalmente pelas suas peças, das quais destaca-se Os negros (1958), um símbolo de resistência contra o colonialismo francês. Charles Baudelaire foi referência para a obra e história pessoal de Patti Smith. Nascido em Paris, em 1821, Charles perdeu seu pai aos

Charles Baudelair e

Jean Genet 26


ECOS DA LEITURA

seis anos e nunca aceitou o segundo casamento da mãe. Em consequência da pressão familiar, deixou seu estilo de vida boêmio na França para embarcar em direção à costa do oceano Índico, na ilha Maurício. Próximo do classicismo, romantismo – chegou a traduzir Edgar Allan Poe – e simbolismo, Baudelaire foi um representante da modernidade. Escritor de uma época em que a função da literatura centrava o debate crítico, o autor distanciou a poesia de seu caráter moral e a direcionou para o conceito do Belo, não da Verdade. Ainda que tenha publicado apenas um livro que, segundo ele, tinha um tamanho muito parecido com o de um azulejo, as poucas páginas de As flores do mal (1857) fizeram enorme sucesso após sua morte. Arthur Rimbaud foi um confidente imaginário que acompanhou Patti Smith ao longo de toda sua vida. Um dos principais poetas

franceses do século XIX, Rimbaud nasceu em Charleville, em 1854, e começou a escrever aos 15 anos. Apesar de seus êxitos escolares perceptíveis, principalmente nos estudos do latim, conta-se que um dos seus professores anunciara seu destino: afirmou que nada além do banal surgiria em sua cabeça e que ele seria ou um gênio do bem ou do mal. Aos 20 anos de idade, cheio de ideias marginais e contra a burguesia, deixou o mundo da poesia e partiu em busca de aventura no Egito, período sobre o qual escreveu cerca de 180 cartas. Toda sua obra poética foi produzida em apenas seis anos, durante uma época de verdadeira encarnação do tal gênio sobre o qual o professor profetizara. Sua primeira edição de Poesia completa foi publicada em 1895.

Arthur Rimbaud 27


Robert Mapplethorpe,

ECOS DA LEITURA

“Um lugar perfeito para crescer e tão bom quanto para deixar.” Assim Robert Mapplethorpe descreveu Floral Park, Nova York, região suburbana onde nasceu na primeira segunda-feira de novembro, em 1946. Terceiro filho de uma família católica de seis crianças, desde pequeno, demonstrou interesses artísticos, colorindo desenhos e fazendo colares para sua mãe. “Fico nu quando desenho. Deus segura minha mão e cantamos juntos.” A forte relação entre Robert e o catolicismo familiar, considerado demasiado conservador, era pouco ligada às crenças, mas sim à religião onipresente em sua vida. Robert era obcecado pelo Belo e pela perfeição, assim como era fascinado pela iconografia religiosa, misticismo, obscurantismo e paganismo. “Se eu tivesse nascido 100 ou 200 anos atrás, poderia ter sido escultor, mas a fotografia é um jeito muito rápido de ver, de fazer escultura.” Em 1963, antes da fotografia, Robert iniciou seus estudos no Instituto Pratt, no Brooklyn, onde tinha aulas sobre pintura e escultura. Na época, os trabalhos de Joseph Cornell e Marcel Duchamp eram suas principais inspirações para colagens e instalações com objetos religiosos e recortes de revistas. “Eu não gosto em particular da palavra ‘chocante’. Eu estou procurando o inesperado. Eu estou procurando coisas nunca vistas antes...” Robert interessou-se cada vez

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ECOS DA LEITURA

mais por BDSM (bondage, disciplina, sadismo e masoquismo), produzindo fotografias que, apesar de impressionarem seus admiradores atuais, não houve, na época, melhor palavra para defini-las do que “chocante”. Imerso em um universo underground, o artista recebeu notoriedade e provocou assombro a tal ponto que sua exposição na Galeria de Arte Corcoran, em 1989, foi cancelada pelo conteúdo homoerótico e sadomasoquista. “Venda flores ao público... coisas que eles podem colocar em seus muros sem serem contrariados.” Contudo, ainda que a obra de Robert seja considerada controversa, ao fotografar tanto Patti Smith quanto nus masculinos sadomasoquistas, seu único objetivo era atingir a perfeição pela forma. A perspectiva clássica da arte como objeto estético impulsionou seu desejo de trabalhar com luz e exposição na fotografia de flores. Contrariando as críticas conservadoras, Robert optou por defender uma possível sexualidade orgânica da natureza. “Arte é uma declaração precisa do tempo em que ela foi feita.” Ao longo dos anos 1980, o artista produziu imagens que ao mesmo tempo desafiavam e aderiam aos parâmetros artísticos clássicos. Durante o período, ele conheceu Lisa Lyon, a primeira fisiculturista a ganhar o campeonato mundial da categoria. Em seguida, os dois trabalharam durante muitos anos, realizando retratos, estudos e até um livro – Lady, Lisa Lyon (1983).

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ESPAÇO DO ASSOCIADO

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Fora da caixinha

Dois associados da TAG resolveram transcender as experiências literárias das obras que receberam em novembro e dezembro. Em diferentes lugares do globo, ambos buscaram estimular os cinco sentidos nos espaços descritos pelos autores e vivenciados pelos seus protagonistas. Com as experiências além-páginas, puderam observar os espaços e aposentos e viver daqueles raros momentos em que se mesclam ficção e realidade.

Darwin Nascimento Oliveira, associado de Fortaleza, visitou o internato pelo qual Rachel de Queiroz circulou durante a infância, na capital cearense, e que virou cenário importante de As três Marias, obra

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enviada em novembro. Tirou fotos, vasculhou documentos da menina Rachel e de suas amigas Odorina Castelo Branco e Alba Frota – inspirações para as outras duas Marias do romance – e registrou a experiência em seu canal de YouTube Seleção Literária. Thiago Bischoff Müller, de Porto Alegre, viajou para Barcelona e levou os amigos para conhecer a Praça do Diamante, a mesma praça que a protagonista e narradora Natalia – ou Colometa – visitava na obra homônima de Mercè Rodoreda, enviada em dezembro. Chegando lá, também fez os seus registros. Ao lado, os depoimentos e fotografias dos dois.


ESPAÇO DO ASSOCIADO

Olá, sou associado do clube TAG há apenas dois meses. Recentemente li As três Marias da minha conterrânea Rachel de Queiroz, um livro até então desconhecido pra mim, pois só ouvia falar muito por cima dessa obra. Adorei o livro, e como criei recentemente um canal no YouTube, resolvi aproveitar a prazerosa experiência TAG, e complementar com informações das três alunas reais que inspiraram a autora nesse romance. Fui diretamente no internato onde se passa parte da história do livro, que ainda hoje existe aqui em Fortaleza/CE, e pude conhecer um pouco mais sobre esse romance. Gostaria de agradecer-lhes por essa experiência completa que vocês me proporcionaram. Sem essa edição de novembro, certamente eu não teria conhecido tantos detalhes da Rachel de Queiroz, uma escritora tão próxima do cotidiano cearense e, por que não, brasileiro. :))) Muito obrigado.”

Boa noite, pessoal da TAG. Estava planejando uma viagem para Barcelona quando vi que o tema de dezembro da TAG era a respeito da Guerra Civil Espanhola. Esse foi o empurrão que eu precisava para finalmente assinar a TAG, o que estava pensando fazia meses. Enfim, fui a Barcelona e convenci meus amigos a irem comigo para a Praça do Diamante para vermos o abrigo antiaéreo e lá tirei fotos com o livro. Não sei se alguém já fez isso, mas achei legal e, se vocês quiserem, eu gostaria de compartilhar as fotos desse momento com vocês. Abraços.”

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LEIA DEPOIS DE LER

Este espaço foi pensado para você retornar à leitura da revista depois de ter terminado o livro. Aqui, mensalmente, um dos colunistas do nosso blog - taglivros.com.br/blog - irá produzir um texto especialmente para você analisar de forma mais complexa a obra.

Spoiler!

Devoção Carol Bensimon u vi Patti Smith cantar com seus E filhos na igreja de Saint-Germain-des-Près, em Paris, quase

dez anos atrás. Lembro do contraste poderoso que era tudo aquilo – a perfomance de Because the night dentro da igreja, as pessoas repetindo o refrão, rock ‘n’ roll pulsando em um lugar normalmente tão silencioso e sagrado. Saí depois pelas ruas na noite de Paris, e era difícil separar Patti de todo o resto, daquela cidade que me emocionava tanto, embora eu tivesse chegado atrasada nela. Tinha perdido Céline, Camus, Beauvoir e Sartre, tinha perdido Toulouse-Lautrec e os impressionistas de Montmartre, o atropelamento de Roland Barthes, tinha perdido os americanos expatriados gravitando ao redor da Shakespeare & Company original e, mais tarde, os poetas beats no número 9 da Rue Gît-le-Cœur. Na Nova York do fim dos anos 1960, Patti Smith não perdeu quase nada. É o que as memórias contidas em Só garotos – uma homenagem ao seu ex-companheiro Robert Mapplethorpe – deixam eviden-

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te. O livro compreende sobretudo o período que vai de 1966 a 1975, época em que Patti e Robert estavam tentando se encontrar como artistas. Por suas páginas, desenha-se uma Nova York vibrante, por onde transitam figuras como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Andy Warhol e Jim Morrison. Patti Smith é a garota tímida que vê tudo isso acontecendo. Pelos quartos do mítico Hotel Chelsea, onde ela mora por um tempo, circulam artistas de vanguarda e sem grana, que se escondem do gerente Stanley Bard ou tentam pagar suas dívidas com arte. Mais tarde, Patti criará laços com Sam Shepard, Lou Reed, Allen Ginsberg e William Burroughs. Não é pouca coisa para uma menina que, por muitos anos, precisou decidir no cara ou coroa se ia comprar comida ou material para desenho. Como um testemunho apaixonado de uma época muito emblemática na música e na arte, a leitura de Só garotos já valeria a pena. Mas o livro que Patti Smith escreveu para uma das pessoas mais importantes de sua trajetória é muito mais do


LEIA DEPOIS DE LER

que isso. O processo de construção desses dois artistas é o que há de mais fascinante na obra. Você conhece Patti Smith como a líder de uma banda de rock, certo? Foi essa posição, afinal de contas, que a alçou à fama. Mas a garota Patti de vinte anos queria desenhar, depois queria ser poeta. Seu primeiro violão foi um presente, um tanto tardio, do dramaturgo Sam Shepard, em 1971. “O que me chamou a atenção foi um velho Gibson preto 1931, um modelo da Depressão”, ela conta. “O corpo havia rachado e sido consertado atrás, e os pinos das tarraxas estavam enferrujados. Mas alguma coisa naquele violão tocou meu coração.” Assim como Patti, Robert Mapplethorpe passou por diversas formas de expressão até encontrar certo reconhecimento pela fotografia. E tudo começou com uma máquina Polaroid emprestada. Em resumo, havia uma grande energia criativa nessas duas pessoas, uma energia transbordante, que vazava para diversos campos da arte. Antes de meados dos anos 1960, talvez esses campos fossem mais compartimentados e independentes. Após o surgimento da Factory de Andy Warhol, no entanto, tudo havia mudado para sempre. Ao menos em Nova York.

amorosa se quebra. No início, os dois trabalham lado a lado, às vezes explorando temas semelhantes. Patti sempre acreditara no talento de Robert, talvez mais do que no seu próprio, como sugere essa passagem: “Ele usou três das fotos da cabine em que eu usava um chapéu de Maiakóvski, e cercou-as de borboletas e anjos de toile de Jouy. Eu sentia, como sempre, um prazer imenso quando ele me usava como referência em um trabalho, como se através dele eu pudesse ser lembrada”. Quando Patti Smith faz suas primeiras aparições em público, elas são repletas de hesitações. Em determinado momento, a artista chega a sugerir que conquistou mais respeito na cena nova-iorquina apenas porque mudou o corte de cabelo (nunca saberemos se ela tem ou não razão). Fato é que, tão logo Patti começa a ler seus poemas, as pessoas passam a reconhecer seu talento. No fim, é ela a estrela que desponta. Uma estrela humilde, generosa e extremamente leal a sua arte e aos amores de sua vida.

Talvez o mais bonito do livro seja perceber e ir acompanhando de que maneira a arte de Robert alimenta a de Patti, e vice-versa. Há uma comunhão intensa, que se mantém mesmo quando a relação

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A PRÓXIMA INDICAÇÃO

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A curadora de abril Cora Rónai

A indicação de abril é fruto das leituras de Cora Rónai, jornalista, escritora e fotógrafa carioca. Atualmente colunista do jornal O Globo, Rónai é reconhecida como pioneira do jornalismo de tecnologia. Em maio de 2014, foi incluída entre as dez principais inovadoras brasileiras pela ZDNet, uma das mais importantes publicações de tecnologia do mundo.

Estados Unidos do século XIX. Uma jovem sonha, como todos os outros escravos, com a liberdade. Em meio a uma rotina de violências e punições desumanas, ela se encontra com um escravo recém-chegado, que mostra a ela um plano para fugir. Com a obra, seu autor recebeu os proeminentes prêmios Pulitzer e National Book Award.

O livro indicado remonta a crueldade do período escravocrata dos

“Inesquecível. Para quem gosta de romances, de leituras eletrizantes e consegue se confrontar com o racismo, com a violência do passado e com suas longas raízes no presente.” 34


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“A nossa pálida razão esconde-nos o infinito” – Jean Nicolas Arthur Rimbaud


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