Ago2015 "A estrada"

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Agosto de 2015 A Estrada


REDAÇÃO

Arthur Dambros arthur@taglivros.com.br Gustavo Lembert da Cunha gustavo@taglivros.com.br Tomás Susin dos Santos tomas@taglivros.com.br

COMERCIAL

Álvaro Scaravaglioni Englert alvaro@taglivros.com.br Pablo Soares Valdez pablo@taglivros.com.br

REVISÃO ORTOGRÁFICA

Antônio Augusto Portinho da Cunha Adriana Kirsch Trojahn

PROJETO GRÁFICO

Bruno Miguell M. Mesquita brunomiguellmesquita@gmail.com

ILUSTRAÇÃO DA CAPA Laura D. Miguel lauradep@gmail.com

IMPRESSÃO

Gráfica Impressos Portão

TAG Comércio de Livros Ltda.

Rua Celeste Gobbato, 65/203 - Praia de Belas. Porto Alegre-RS. CEP: 90110-160 contato@taglivros.com.br


AO LEITOR

É

neste mês que, além do Dia dos Pais, a TAG comemora um ano de existência. Foi em agosto de dois mil e quatorze que a primeira remessa de kits foi enviada ao nosso primeiro grupo de associados – esses nomes que estão preenchendo a página seguinte! Para comemorar essa data, reservamos para agosto a indicação de David Eagleman à TAG. A narrativa revela um mundo devastado por uma grande catástrofe, deixando órfãos de qualquer interação social um pai e seu filho. Tal como esse ambiente devastado é o romance de Cormac McCarthy: nada nele restou que não seja o essencial. O autor privou o leitor de qualquer ruído que pudesse prejudicar o som dessa relação paternal. Não há mudanças frequentes de cenários ou grande número de personagens. Nesse mundo assolado, nesse romance devastado, o que resta? A relação íntima, levada ao extremo, de um pai com seu filho, enquanto enfrentam, juntos, o nada. Equipe TAG


Adriana Kirsch Trojahn | Amanda Rodrigues E. Silva | Ana Gabriela Veiga | Arthur Dambros | Beatriz Scaravaglione | Bruno Miguell Mendes Mesquita | Caio Koehler Sant'anna | Camilo Franzoni Nunes | Carlos Alberto Elmiro | Caroline Berlese Dourado | Cassia Nonato da Silva | Cássio Augusto Oliveira | Daniel Arcari Romero | Daniel Campelo | Eduardo Arthur Comerlato | Eduardo Müller Avila | Elenice Maria Pedrotti | Eliana Rodrigues Piloto Lopes | Everton Glicerio Eickhoff | Ezenilda dos Santos Rabelo | Graça Paim | Gustavo Lembert da Cunha | Ivanise Susin dos Santos | Ivete Maria Zasso Crauss | Izabel Cristina Santos | Jesner Marcos Escandolhero | João Pedro Stephanou | Julia Schuh dos Reis | Karen Lembert da Cunha | Laura D. Miguel | Laura Martins Lima | Luciana Kirsch Trojahn | Luciane Aparecida Chiovitti | Luísa Andreoli da Silva | Magda Gomes de Garcia | Marcelo Dziobczenski | Margarita Suarez Lopes | Maria Manoella da Cunha | Marilene Pitrez Salis | Marilia Queiroz Silva | Naomi Saito Nemeth | Pedro Henrique Schonarth | Rafael Bethiol Maçãs | Ramiro Sanchez Ferreira | Ricardo C. B. Carvalho | Roberto Fagundes Moraes | Ronaldo Roberto Martorano | Tomás Susin dos Santos | Torben Friedrich Rizzo | Veronica de Carvalho Bazoni | Adriana Kirsch Trojahn | Amanda Rodrigues E. 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A INDICAÇÃO DO MÊS

04 09

O curador: David Eagleman O livro indicado: A Estrada

ECOS DA LEITURA

14 15 16 18

McCarthy, Faulkner e a Arte de Escrever Joseph Pulitzer O Cowboy de Hollywood Pais e Filhos

A INDICAÇÃO DE SETEMBRO

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Gregorio Duvivier


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Indicação do Mês

O CURADOR: DAVID EAGLEMAN Durante a Copa do Mundo de 2014, em uma cena praticamente ignorada pelas emissoras de televisão, Juliano Pinto, de 29 anos, protagonizou um grande marco para a neurociência no Brasil. Paraplégico, utilizando-se de um exoesqueleto, Juliano pôde mover suas pernas com os comandos de seu próprio cérebro, dando seu primeiro chute em uma bola de futebol. Foi também um pontapé em direção à visibilidade da neurociência no Brasil, apresentando as potencialidades dessa área e abrindo portas antes impensáveis – como o desenvolvimento de uma “interface cérebro-máquina”, proposta do projeto Andar de Novo, do cientista brasileiro Miguel Nicolelis. A neurociência tem, no mundo, David Eagleman como um de seus grandes expoentes. De tempos em tempos, a vida dota alguns cientistas de incrível capacidade comunicativa. Foi assim com Carl Sagan, que além de prestigioso cientista, popularizou a ciência e, principalmente, o pensamento nos anos 80. Eagleman o faz com a neurociência: além de seu exímio trabalho como pesquisador, traduz para o público geral o que há de mais avançado nesse campo por meio de suas obras, palestras e entrevistas. Quando o presidente Obama anunciou investimentos de quase três bilhões de dólares em projetos neurocientíficos, o New York Times procurou Eagleman para questioná-lo: o que nosso cérebro pode nos ensinar? Por que neurociência?


Indicação do Mês

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A INDICAÇÃO DO MÊS

Aqui está o porquê. Imagine que você é um alienígena olhando para a Terra. Sua espécie nada sabe sobre os humanos, sem falar em como interpretar as interações entre sete bilhões de pessoas em redes sociais complexas. É impossível decifrar as características de cada cultura e a relação entre a economia das nações. Parece simplesmente um pandemônio. E o mesmo acontece com o cérebro. Nós somos os alienígenas desse “universo”, e o cérebro é ainda mais complicado. David Eagleman


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Indicação do Mês

A robótica surgiu prometendo avanços inimagináveis; hoje, segundo as expectativas do passado, deveríamos ter robôs nos auxiliando nas mais diversas tarefas. O que deu errado? Para Eagleman, basta observarmos o funcionamento do cérebro para percebermos onde esbarramos. Se tirarmos a bateria de um aparelho celular, ele para de funcionar: o desenvolvimento de nossos dispositivos funciona a partir de uma lógica linear e divisionada, em que cada parte tem sua função. Nosso cérebro não funciona dessa forma; sua complexidade acaba por ocultar uma capacidade: “quando uma criança com epilepsia perde parte de seu cérebro em uma cirurgia, a parte que permaneceu automaticamente adapta-se para assumir a responsabilidade do que foi perdido. Da mesma forma, quando um animal quebra uma perna, seu cérebro adapta-se para coordenar suas passadas e permanecer caminhando”. O cérebro é único, funcionando em uma totalidade não divisionada. Quando percebemos essa complexidade e a estudamos a partir da neurociência, novas portas se abrem. Pessoas que sofreram desordens neurológicas, perdas de tecido cerebral ou derrames eram frequentemente diagnosticadas como casos insolúveis. Hoje, quem perdeu o tecido cerebral do hemisfério esquerdo pode reaprender a utilizar a linguagem e a se comunicar; podemos interferir no ciclo da dopamina para tratar viciados em drogas; e, com o auxílio de um exoesqueleto conectado ao seu cérebro, um paraplégico já pode até chutar uma bola de futebol. Quando pequeno, David Eagleman teve seu interesse pela ciência despertado a partir do momento em que caiu do telhado de sua casa e intrigou-se com a percepção do tempo de cada um. Ao tornar-se cientista, decidiu testar sua tese: recrutou voluntários e, junto a eles, atirou-se de um prédio de quarenta e cinco metros de altura, medindo a noção temporal de cada um a partir dos sinais neuronais. Foi a primeira de muitas excentricidades que motivaram as pesquisas responsáveis por tornar Eagleman reconhecido no campo científico.


Indicação do Mês

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Atualmente, um dos temas de interesse do cientista é a sinestesia, condição que provoca a mistura dos sentidos – “quando alguém enxerga o som ou sente o gosto das cores”. Em 2009, lançou o livro Wednesday is Indigo Blue sobre o assunto, e o prefácio foi escrito por Dmitri Nabokov, que compartilhou com o pai, o grande escritor Vladimir Nabokov, a condição de sinestésico. Um ano depois, atingiu reconhecimento internacional com seu livro de ficção A Soma de Tudo, traduzido para vinte e cinco idiomas, no qual contrasta conhecimentos científicos com o pensamento contemporâneo, tratando de temas como a religião, a criação do homem, o mistério da existência humana e os múltiplos sentidos da vida e da morte. Seu mais recente sucesso é Incógnito, best-seller lançado no Brasil em 2013.

David Eagleman talvez seja a melhor combinação de cientista e escritor de ficção dos dias de hoje. -Stewart Brand

David Eagleman nasceu em 1971, filho de um médico e uma bióloga, no Novo México, Estados Unidos. Antes de obter o PhD em neurociência, estudou literatura. Hoje, entre outras funções, dirige o laboratório de neurociência da Baylor College of Medicine, e é fundador do Centro de Neurociência e Legislação, onde busca contribuir para as decisões sobre legislação, crimes e métodos de reabilitação.


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Indicação do Mês

O dia perfeito é aquele no qual estou no meu quarto, sentado em frente a uma folha de papel em branco. Esse é o paraíso. É a perfeição, e qualquer outra coisa é perda de tempo. Cormac McCarthy

Fernando Sabino


Indicação do Mês

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O LIVRO INDICADO: A ESTRADA Cormac McCarthy nasceu em 1933, no pequeno estado de Rhode Island, no nordeste dos Estados Unidos. Desde criança, quando costumava brincar com as palavras, passou a exercitar a paixão pelo ofício que o coloca entre os principais escritores americanos da atualidade, constantemente mencionado como candidato ao Prêmio Nobel de Literatura. McCarthy iniciou sua carreira como romancista com The Orchard Keeper, publicado em 1965. O manuscrito que enviou para a editora acabou caindo nas mãos de Albert Erskine. Editor responsável pelas publicações de William Faulkner, autor do livro enviado aos associados em janeiro de 2015, Erskine soube reconhecer o talento do novato McCarthy, e continuou com o autor por vinte anos após essa primeira publicação. Apesar da crítica positiva que seus primeiros trabalhos receberam, somente vinte anos mais tarde, com a publicação de Meridiano de Sangue, o autor passou a ganhar o reconhecimento que merecia. Eleito um dos cem melhores romances de língua inglesa escritos entre 1923 e 2005, e comparado com outras obras-primas como Moby Dick, de Herman Melville, e Enquanto Agonizo, de William Faulkner, Meridiano de Sangue descreve o mundo brutal do Velho Oeste americano da metade do século XIX, na fronteira entre o Texas e o México, cenário de diversas obras de McCarthy.

Acabei no Velho Oeste porque sabia que ninguém havia escrito sobre isso. Além da Coca-Cola, outra coisa mundialmente conhecida são os cowboys, mas ninguém os levou a sério nos últimos duzentos anos. Pensei que esse seria um bom tema. E foi. -Cormac McCarthy


10 Indicação do Mês

Alguns anos depois, na década de noventa, McCarthy publicou Todos os Belos Cavalos (1992), bestseller imediato que ganhou o National Book Award e foi transformado em filme na virada do milênio. Ainda na década de noventa, o autor publicou A Travessia (1994) e Cidade das Planícies (1998), encerrando a sequência que chamou de Trilogia da Fronteira. Depois de sete anos sem publicar novos livros, o cowboy da literatura voltou com Onde os Velhos não Têm Vez (2005), logo transformado no ganhador do Oscar de Melhor Filme, o quase homônimo Onde os Fracos não Têm Vez, e agraciado com outros setenta e cinco prêmios ao redor do mundo.

Escrever é difícil. Você sempre tem essa imagem da perfeição, que você sabe que não vai atingir, mas ainda assim permanece tentando. Sempre tenho a esperança de que hoje eu vou fazer algo melhor do que tudo que eu já fiz até agora. -Cormac McCarthy Em 2006, um ano após o lançamento de Onde os Velhos não Têm Vez, McCarthy surpreendeu ao abandonar o Velho Oeste e publicar A Estrada, seu mais recente romance. Um ano após ter sido lançado, A Estrada foi condecorado com o Prêmio Pulitzer, na categoria ficção. Sucesso de público e crítica, a obra ocupou, em 2010, a primeira posição no ranking do jornal The Times dos cem melhores livros publicados após a virada do século. O filme homônimo, lançado em 2009, teve Viggo Mortensen no papel principal, conhecido por representar Aragorn em Senhor dos Anéis. O estilo de escrita de McCarthy é peculiar. A sensação que temos ao ler o livro é que sua escrita adaptou-se às necessidades de seus personagens: escassa, objetiva, reduzida ao essencial. Alega preferir sentenças simples, pontos finais e letras maiúsculas. Dificilmente utiliza vírgulas, e em nenhum momento insere travessões nos pequenos diálogos do livro. O narrador, em terceira pessoa, nunca se refere aos


Indicação do Mês

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personagens principais com seus nomes. O homem é ele e seu filho é o menino.

Quem ia imaginar que o Comitê Avaliador do Pulitzer ia se apaixonar por uma história pósapocalíptica com quase nenhum diálogo? É óbvio por que isso aconteceu. Uma leitura memorável em todos os sentidos. -David Eagleman Em um futuro não muito distante, o planeta encontra-se totalmente devastado. As cidades, transformadas em ruínas, e as florestas, em cinzas. A causa do apocalipse é desconhecida. Alguns poucos sobreviventes lutam por sua vida contra o frio e a fome. Entre eles, um homem e seu filho, carregando um carrinho de compras que guarda pouco mais do que velhos cobertores, alguns alimentos e um resquício de esperança, que buscam a salvação sem saber, no entanto, o que encontrarão ao longo da estrada. E como saberiam, em um mundo que a eles quase nada deixou? Entre a esperança e a desesperança, restou apenas a caminhada em direção ao sul. Mas o que há no sul, aguardando-os, e o que há ao final do livro, aguardando-nos? A cada passo, os personagens encontram pouca coisa além do nada, e a apreensão acerca da própria existência é transmitida ao leitor. O nada aumenta a percepção do tudo – e o tudo, para os personagens, era um ao outro; “cada um o mundo inteiro do outro”. A relação entre o pai e o filho é o que se sobressai às cinzas, capaz de emocionar e levar os leitores às lágrimas. A Estrada foi escolhido pela apresentadora Oprah Winfrey como livro recomendado do seu clube de leitura. A seu pedido, McCarthy concedeu sua primeira e única entrevista para a televisão, justificando que “em vez de ficar pensando e falando sobre como escrever um livro, prefere estar elaborando um”. Questionado se imaginava qual destino entregaria aos personagens quando iniciou a obra, rapidamente respondeu que “não fazia a mínima ideia de onde a história iria parar”. Sabia, porém, onde ela começou.


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Indicação do Mês

Quatro anos antes, o autor levou seu filho caçula, então com oito anos de idade, a El Paso, no Texas. Durante uma noite, enquanto seu filho dormia no hotel, McCarthy abriu a janela e olhou ao horizonte. Enquanto observava a cidade, onde nada se movia, ocorreulhe o pensamento de como esse cenário estaria em cinquenta ou cem anos, “então simplesmente imaginei um incêndio sobre a montanha, e o cenário apocalíptico começou a se desenhar em minha cabeça”. Olhou para dentro do quarto, viu seu pequeno garoto dormindo e resolveu escrever algumas páginas. Mais tarde, percebeu que não foram apenas algumas páginas, e sim um livro; e sua história era sobre aquele homem, que olhava pela janela, e seu pequeno filho, John Francis McCarthy, a quem o livro é dedicado.


Indicação Ecos da do Leitura Mês

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ecos da leitura

Além do mesmo editor, McCarthy e Faulkner tinham em comum o modo como encaravam o processo de escrita. No primeiro eco deste mês, mostraremos essa semelhança entre os dois escritores. Um ano depois de ter publicado a obra, Cormac McCarthy foi condecorado com o Prêmio Pulitzer – mas o que é, e qual é a origem, desse renomado prêmio? O terceiro eco traz a resposta. O cowboy de Hollywood – é assim que o autor de A Estrada é conhecido no mundo do cinema, e o segundo eco explica o porquê. O amor paternal não serviu somente como inspiração para o livro enviado deste mês, mas para diversas outras grandes obras – não apenas da Literatura, mas de todas as artes. Os demais ecos de agosto trazem as contribuições da Literatura, do Cinema, da Poesia e da Música para rechear o Dia dos Pais. Equipe TAG contato@taglivros.com.br

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Ecos da Leitura

McCarthy, Faulkner e a arte de escrever No início de sua vida como escritor, Cormac McCarthy foi apadrinhado por Albert Erskine, editor que havia sido responsável pelas publicações de William Faulkner. McCarthy partilha com Faulkner não apenas o editor, mas também a opinião a respeito do processo que gera um bom livro. Quando questionado por Oprah Winfrey se escrevia todos os dias, metodicamente, ou apenas quando surgia inspiração, referenciou Faulkner, que declarava:

Eu escrevo somente quando estou inspirado. Felizmente, me inspiro todos os dias às nove horas da manhã. -William Faulkner Para McCarthy, escrever é coisa séria, e ele busca a inspiração sentado em frente a uma folha em branco. Constrói todo novo livro com a intenção de que seja sua obra-prima, dedicando longos períodos à elaboração de cada um deles. Suttree, romance lançado em 1979, por exemplo, levou aproximadamente 20 anos para ser lançado. “Não estou interessado em escrever pequenas histórias”, afirmou McCarthy. “Qualquer coisa que não tenha custado anos de sua vida e lhe conduzido ao abismo do suicídio dificilmente merece ser feito.”


Ecos da Leitura

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Joseph Pulitzer

Quero ajudar a atrair a essa profissão jovens talentosos e de caráter, e ajudar aqueles que já estão engajados no jornalismo a adquirirem elevados graus de treinamento intelectual e moral. Joseph Pulitzer

Assim como outros tantos grandes escritores ao redor do mundo, Cormac McCarthy foi condecorado com o Prêmio Pulitzer pela publicação de A Estrada. Afinal, o que é e onde surgiu esse renomado prêmio? Nascido na Hungria em 1847, Joseph Pulitzer mudou-se ainda jovem para os Estados Unidos, onde passou a trabalhar como carregador de malas e garçom. Entre um emprego e outro, frequentava a biblioteca para estudar inglês e Direito. Certo dia, desviou a atenção de seus livros para dois homens que jogavam xadrez ao seu lado. Percebendo uma jogada mal pensada, Joseph fez um comentário indicando o erro. Impressionado com a perspicácia do garoto, o homem interrompeu o jogo para conversar com o jovem húngaro, que saiu da biblioteca com uma proposta de emprego. Naquele momento, Joseph dava o primeiro passo de sua brilhante carreira no jornalismo – em poucos anos, passou de repórter iniciante a proprietário do jornal de maior circulação nos Estados Unidos, The World. Pulitzer enxergava no jornalismo um método investigativo para explorar as verdades do mundo e levá-las às pessoas. Colocando-se ao lado do cidadão, investigou a corrupção do governo, denunciou apostadores ilegais e ajudou a condenar milionários sonegadores de imposto. Em famoso caso, o jornal The World expôs um pagamento fraudulento de quarenta milhões de dólares do governo federal americano a uma empresa francesa. Em resposta, o Estado acusou o jornal de difamação à honra do presidente Theodore Roosevelt e do banqueiro J. P. Morgan, e exigiu retratação. Pulitzer, ao contrário, aprofundou as investigações, até que o tribunal se visse obrigado a retirar as acusações, em uma das grandes vitórias da liberdade de expressão. Em outubro de 1911, aos 64 anos, praticamente cego e com graves problemas de saúde, Joseph Pulitzer faleceu. Deixou, porém, não apenas o exemplo de seu caráter, mas o famoso Prêmio Pulitzer, criado para preservar esse espírito e elevar a profissão de jornalista. Ao longo do tempo, outras categorias foram criadas, e a Literatura ganhou prêmios para Poesia e para Ficção, que teve Cormac McCarthy como autor condecorado em 2007.


16 Ecos da Leitura

O cowboy de Hollywood A relação de Cormac McCarthy com o cinema é íntima. Com quatro livros transformados em filme, é considerado o cowboy preferido de Hollywood. Porém, não é apenas com suas obras que o autor contribui para as telinhas. Além de romancista, McCarthy é dramaturgo e roteirista. Já escreveu duas peças teatrais, entre elas The Sunset Limited, posteriormente levada à televisão pela HBO, com participação de Samuel L. Jackson e Tommy Lee Jones. Além disso, roteirizou O Conselheiro do Crime, filme lançado em 2013, dirigido por Ridley Scott e estrelado por Penélope Cruz, Cameron Diaz, Javier Bardem e Brad Pitt. Esse, porém, não foi o primeiro roteiro para o cinema escrito por McCarthy. Onde os Velhos não Têm Vez foi inicialmente escrito como tal, porém, quando o autor apresentou o roteiro a algumas pessoas, não houve interesse, sob o argumento de que “isso nunca funcionaria”. McCarthy, então, decidiu transformar a história em um romance que, ironicamente, foi levado posteriormente às telas e ganhou quatro premiações no Oscar e dois Globos de Ouro. Espírito Selvagem

Lançamento: 2000 Adaptação de: Todos os Belos Cavalos (1992), Direção: Billy Bob Thornton

Onde os fracos não têm vez

Lançamento: 2007 Adaptação de: Onde os velhos não têm vez (2005) Direção: Irmãos Coen

A Estrada

Lançamento: 2009 Adaptação de: A Estrada (2006) Direção: John Hillcoat

Child of God

Lançamento: 2013 Adaptação de: Child of God (1974) Direção: James Franco


Ecos da Leitura

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18 Ecos da Leitura

Pais e filhos: Livros

Não foi somente para A Estrada que o amor paternal serviu como inspiração: esse livro é apenas um em uma longa história de grandes obras da Literatura sobre pais e filhos. Selecionamos algumas delas para você desfrutar neste mês especial do Dia dos Pais.

Carta ao pai (1966) Franz Kafka Em 1919, Franz Kafka, insatisfeito com a fria recepção paterna diante do anúncio de seu noivado, escreveu ao pai, o comerciante Hermann Kafka, uma longa e pungente carta, que nunca foi enviada ao destinatário. Nela, o filho expõe a nu toda a sua mágoa em relação ao pai autoritário, que ele chama, alternadamente, de tirano, regente, rei e Deus. Publicada postumamente, a carta transformou-se em documento perene na literatura universal.


Ecos da Leitura

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Quase Memória (1995) Carlos Heitor Cony Do escritor brasileiro membro da Academia Brasileira de Letras Carlos Heitor Cony, Quase Memória é o livro que marcou sua volta à literatura, depois de vinte anos sem publicações. Considerada sua obra de maior relevância, começou a ser escrita quando o autor recebeu um embrulho sem remetente. Percebeu que a letra era de seu pai, falecido há dez anos. O objeto inesperado desencadeia lembranças de sua infância e a elaboração do livro vencedor do Jabuti de melhor livro do ano de 1996.

Patrimônio (1991) Philip Roth O livro que a TAG enviou aos associados no mês de maio também não poderia ficar fora desta lista. Patrimônio retrata os sentimentos de um filho com seu pai à beira da morte – mas não um filho qualquer. O autor, considerado um dos melhores escritores vivos, é tido como recluso e rabugento por muitos críticos, mas nessa obra abre seu coração em relatos íntimos, com uma narrativa simples e envolvente.


20 Ecos da Leitura

Pais e filhos: CINEMA

À Procura da Felicidade (2006) Baseado na história real de Christopher Gardner, narrada em livro homônimo, o filme mostra um pai e seu pequeno filho, de cinco anos, lutando pela sobrevivência financeira. Abandonado pela mulher e despejado de seu apartamento por inadimplência, os dois apoiam-se em seu amor durante a busca de um futuro melhor. Os atores que protagonizam o filme são Will Smith e seu próprio filho.

A Vida é Bela (1997) Guido é separado de sua esposa e enviado a um campo de concentração com seu pequeno filho, Giosué, em 1939. Para preservar seu frágil filho de tamanho horror, Guido transforma o absurdo em um grande jogo, fazendo com que seu filho pense que estão participando de uma brincadeira. Vencedor de três Oscars, o filme tornou-se um dos grandes clássicos do cinema ao narrar a linda relação de um pai que mantém aceso o coração de um filho em um cenário que tenta apagá-lo com sofrimento e violência.


Ecos da Leitura

Pais e filhos: POESIA As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis sobre um fundo de manchas já da cor da terra - como são belas as tuas mãos pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos… Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida. E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predileta, uma luz parece vir de dentro delas… Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste alimentando na terrível solidão do mundo, como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento? Ah, como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos! E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas… essa chama de vida – que transcende a própria vida… e que os Anjos, um dia, chamarão de alma. As Mãos de Meu Pai – Mário Quintana

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22 Ecos da Leitura

Pais e filhos: MÚSICA Acalanto - Dorival Caymmi É tão tarde A manhã já vem, Todos dormem A noite também, Só eu velo Por você, meu bem Dorme anjo O boi pega Neném; Lá no céu Deixam de cantar, Os anjinhos Foram se deitar, Mamãezinha Precisa descansar Dorme, anjo Papai vai lhe ninar: "Boi, boi, boi, Boi da cara preta Pega essa menina Que tem medo de careta Não é por acaso que esta canção de Dorival Caymmi lembra uma cantiga de ninar. A melodia foi feita para colocar sua filha, Nana, para dormir e, anos mais tarde, ela cantou a música com o pai.


Ecos da Leitura 23

Pais e filhos - Legião Urbana É preciso amar as pessoas Como se não houvesse amanhã Porque se você parar pra pensar, Na verdade não há. Me diz por que o céu é azul Me explica a grande fúria do mundo São meus filhos que tomam conta de mim Eu moro com a minha mãe Mas meu pai vem me visitar Eu moro na rua, não tenho ninguém Eu moro em qualquer lugar Já morei em tanta casa que nem me lembro mais Eu moro com meus pais. Conta-se que a canção, composta por Renato Russo, foi inspirada na história de uma menina que se suicida após discussões e desentendimentos com seus pais.

O filho que eu quero ter - Toquinho e Vinícius de Moraes É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem. A música, lançada em 1974 por Toquinho, composta pelo desejo de ter um filho, ficou famosa principalmente na voz de Chico Buarque, que, além de cantor, é renomado escritor. Chico, aliás, já é um dos exemplos de duplas literárias formadas entre pais e filhos escritores.


24 Ecos da Leitura

Pais e filhos: ESCRITORES

Erico Verissimo e Luis Fernando Verissimo Romance e contos se misturaram na família Verissimo: o pai, Erico, um dos principais romancistas da história da Literatura brasileira, escritor de O tempo e o Vento, e seu filho, Luis Fernando, grande contista e cronista da literatura contemporânea.

Sérgio Buarque de Holanda e Chico Buarque Chico Buarque não é somente um dos reis da nossa música popular, mas aclamado escritor, com destaque para obras como Budapeste (2003) e O Irmão Alemão (2014), seu mais recente lançamento. Chico é filho de Sérgio Buarque de Holanda, um dos mais importantes historiadores brasileiros. Foi também crítico literário, jornalista e escritor, tendo publicado diversas obras, entre elas Raízes do Brasil (1936), considerada por muitos o maior clássico da historiografia e da sociologia brasileiras.


Ecos da Leitura 25

Stephen King, Joe Hill e Owen Hill Stephen King, um dos maiores escritores de livros de mistério, despertou nos filhos o amor pelo suspense desde quando eram jovens. Na foto ao lado, toda a família brinca fantasiada para o Halloween. Não é à toa que os dois seguiram o exemplo do pai e escreveram livros de terror!

Mário Prata e Antônio Prata O escritor Mário Prata, que foi curador da TAG no mês passado, também figura na lista. Mário, que ostenta cerca de oitenta títulos, em mais de cinquenta anos de carreira, é pai de Antonio Prata, que foi nomeado, em 2012, como um dos vinte melhores escritores nacionais com menos de quarenta anos.


26 Ecos da Leitura

Espaço do Leitor #taglivros

Reunimos algumas fotos que foram publicadas por associados no Instagram, que retratam desde o momento mágico da chegada dos kits até os diferentes ambientes em que os livros da TAG lhes foram companheiros.

Eleonora, Renata e Laura mostraram que livro vai bem com tudo, seja com vinho, chá ou até mesmo chimarrão!


Ecos da Leitura 27

Aline entrou na brincadeira da neve que embalou o kit de abril, e colocou até o pinguim enviado em fevereiro para decorar! A Paula fez questão de mostrar a bolacha de chopp com a frase “Beba livros e embriague-se de letras”, enviada no nosso kit de maio. No Rio, até Carlos Drummond de Andrade deu uma conferida na nossa revista de fevereiro!


28 Indicação de Setembro

A INDICAÇÃO De SETEMBRO

O livro que escolhi fala do poder da literatura. Toda narrativa é transformadora, para quem escreve e para quem lê. GREGORIO DUVIVIER,

Escritor e comediante, reconhecido por seu trabalho no Porta dos Fundos. FOTO: Renato Parada

Escrito no início dos anos 2000 por um dos grandes autores norte-americanos da atualidade, o livro conta a história de um escritor que, após meses hospitalizado, enfrenta dificuldades para retomar seu ofício. Um dia, ao passear pelas ruas de Nova York, compra um encantador caderno azul, que inesperadamente faz as palavras voltarem a fluir. Enquanto acompanhamos o conto que o personagem escreve, como se as palavras tivessem o poder de interferir no futuro, passamos a perceber uma estranha relação entre aquela história e os dramas da vida do próprio narrador – que passa a tomar rumos inesperados. Uma narrativa veloz e envolvente, onde a ficção invade a realidade para nos alertar para o poder das palavras. Deleite garantido aos amantes da escrita: são livros e mais livros, por todos os lados; uma obra escrita por um apaixonado por livros para quem é também apaixonado por eles, e encontrará nos associados da TAG seus leitores perfeitos. Informações completas a respeito do curador do mês e do livro recomendado podem ser encontradas em www.taglivros.com.br ou então na revista do próximo mês. Caso já tenha lido o livro, envie e-mail para contato@taglivros.com.br para conhecer as alternativas.


Indicação de Setembro 29

Esse foi o kit de setembro de 2014, com a indicação do americano Daniel Pink. Caso queira adquirir algum de nossos kits passados, envie e-mail para contato@taglivros.com.br!


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-Padre AntĂ´nio Vieira -


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