"Verônica e os pinguins" - TAG Inéditos Fev/2022

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VERÔNICA E OS PINGUINS

FEV 2022



Olá, tagger Olá, tagger

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xiste uma tradição literária conhecida como “romance de formação” — são obras em que jovens inquietos, prestes a ingressar na vida adulta, saem para desbravar o mundo e vivenciam um verdadeiro aprendizado das emoções. No caso do livro que você recebe este mês, podemos dizer que a protagonista percorre o caminho inverso. Já madura, a octogenária Verônica McCreedy parte em uma jornada existencial para a Antártica, ao longo da qual rememora e reavalia diferentes escolhas feitas em sua trajetória. Como aqueles jovens, no entanto, ela tem a chance de ampliar seus horizontes afetivos. “Não seria uma octogenária a heroína perfeita?”, brinca, nesse sentido, a autora de Verônica e os pinguins. Em entrevista para a nossa revista, Hazel Prior avalia que o acúmulo de experiências é precisamente aquilo que torna a sua protagonista ainda mais interessante. Aliás, na conversa, ela também revela por que escolheu os pinguins — essas aves tão adoráveis — como elementos-chave de seu romance. Além da entrevista com Prior, você encontra a seguir um texto de apresentação do livro, uma reportagem sobre jornadas existenciais na literatura e uma seleção de obras que abordam a amizade entre humanos e animais. Como bem escreveu Guimarães Rosa, amá-los pode ser um “aprendizado de humanidade”, e essa parece ser uma das grandes lições de Verônica e de seus encantadores pinguins. Esperamos que eles — assim como a protagonista — conquistem você também. Boa leitura!


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QUEM FAZ

RAFAELA PECHANSKY

JÚLIA CORRÊA

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LIZIANE KUGLAND

ANTÔNIO AUGUSTO

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LUANA PILLMANN

GABRIELA BASSO

Estagiária de Editorial

Estagiária de Design

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Impressão Impressos Portão Capa Diogo Droschi


Experiência do mês Por que ler o livro

O livro do mês

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8 6 4

sumário Para ir além Entrevista com a autora

Imersão


4 EXPERIÊNCIA DO MÊS

vamos ler

Verônica e os pinguins? C

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riamos esta experiência para expandir sua leitura. Entre no clima colocando a playlist especial do mês para tocar. É só apontar a câmera do seu celular para o QR Code ao lado ou procurar por “taglivros” no Spotify. Não se esqueça de desbloquear o kit no aplicativo da TAG e aproveitar os conteúdos complementares!

Marque a cada parte concluída

O primeiro passo você já deu, agora é só terminar de ler a revista. :) Vamos lá? Inicie o livro e leia até a página 42 Já deu pra perceber que a protagonista não é uma pessoa fácil, não é mesmo? O que será que explica seu comportamento fechado? Vamos em frente! Leia até a página 99 A aventura de Verônica começou, mas não sem alguns percalços e tensões. Será que ela vai aguentar as duras condições de vida na ilha?

Leia até a página 207 Verônica já parece bem diferente daquela personagem que conhecemos nas primeiras páginas. E, pelo que acabamos de ler, há uma nova força capaz de transformá-la ainda mais. Vamos adiante? Leia até a página 277 Ok, deveríamos ter recomendado ler esses últimos capítulos com um lencinho do lado. Vamos para a reta final do livro? Leia até a página 347 Quantas mudanças! Como está seu coração ao fim dessa história? Conte suas impressões no aplicativo.


EXPERIÊNCIA DO MÊS 5

projeto gráfico No primeiro encontro de Verônica com os pinguins, ao chegar à Antártica, suas roupas vermelhas contrastam com a multidão de aves preto e branco. Essa foi a inspiração para o projeto gráfico do kit deste mês, que ficou a cargo do designer mineiro Diogo Droschi. Na capa, como não poderia ser diferente, estão as estrelas da festa: os pinguins. Eles aparecem com um cachecol, um gorro e uma bolsa vermelhos, que simbolizam a octogenária Verônica McCreedy. O fundo em tons de azul remete ao gelo da Antártica, cenário da história. O título e o nome da autora, em preto e vermelho, compõem com as cores das penas dos pinguins e dos acessórios da protagonista. Na capa da revista, os bules e as xícaras aludem ao hábito mantido por ela de tomar chá. Já na luva, buscou-se criar uma grande textura a partir da aproximação dos pinguins.

mimo Chamando nossa atenção para a vida dos pinguins na Antártica, o livro do mês nos ajuda a refletir sobre as mudanças climáticas globais. A protagonista, Verônica, também mostra a importância de repensarmos velhos hábitos. Por isso, o mimo simboliza essas reflexões: enviado em parceria com a marca Beegreen, o canudo de aço inox é um incentivo ao consumo de produtos menos descartáveis e mais duráveis — em resumo, um convite à preservação da natureza. Conheça outros itens em beegreen.eco.br

OUVIR PODCAST

Verônica e os pinguins pode ter terminado, mas a experiência não!

Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ao lado e escute o episódio de nosso podcast dedicado ao livro do mês. No aplicativo, confira também a nossa agenda de bate-papos.

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Verônica e os pinguins

Wendy Wax, autora de My Ex-Best Friend’s Wedding

“Eu amo esse livro. Inflexível, teimosa, engraçada e comovente, Verônica é uma heroína improvável que vai capturar o seu coração.”

Hazel Prior

“Uma acalentadora e espirituosa jornada de autoconhecimento. Hazel Prior prova que nunca é tarde demais para se tornar a pessoa que você deveria ser."

Trisha Ashley, autora de Twelve Days of Christmas

“Uma história gloriosa e afirmativa sobre a vida. Li em apenas um dia. Eu vou comprá-lo para muitas pessoas este ano!” Clare Mackintosh, autora de Hostage

POR QUE LER O LIVRO Com uma escrita leve, fluida e cheia de humor, Hazel Prior entrega um livro perfeito para aqueles que gostam de se sentir “abraçados” pela leitura. Escolhido pelo Richard & Judy Book Club, o livro nos apresenta a história de Verônica, uma mulher de 86 anos que vê no contato com os pinguins a chance de ser uma pessoa melhor.



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Uma chance ao inesperado DÉBORA SANDER*

Na ampla e luminosa paisagem narrativa de Verônica e os pinguins, não falta espaço para que os personagens e os leitores encontrem suas potências de transformação

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Débora Sander é jornalista formada pela UFRGS e cursa pós-graduação em Direitos Humanos na PUCRS. Passou por projetos como o Fronteiras do Pensamento e a Bienal de Artes Visuais do Mercosul. Hoje, colabora regularmente com a Arquipélago Editorial e com a revista da TAG Inéditos.

poiler: você não vai gostar da protagonista desse livro. Ok, talvez isso não seja totalmente verdade, mas é provável que seu primeiro encontro com ela seja um pouco incômodo. Verônica McCreedy tem 86 anos e há muito vê seus dias seguirem a mesma rotina pacata e solitária em uma mansão no litoral da Escócia. Se você a conhecesse na vida real, ela não faria questão de ser simpática e provavelmente não pouparia comentários sutis e espinhosos sobre seus modos, hábitos ou aparência. A gente sabe que não dá muita vontade de conhecer alguém assim — e nossa protagonista também sabe, o que talvez explique sua insistência em se mostrar pouco amigável e manter-se sozinha, como ela acredita ser melhor. Mas a história que você está prestes a ler fala de um momento em que Verônica finalmente dará uma chance a si mesma e ao inesperado — e apostamos que você também vai encontrar boas surpresas no virar de cada página. Há décadas munida de uma carcaça de crítica e controle, a octogenária rompe o marasmo de seus dias quando abre uma antiga caixa, lacrada desde sua adolescência. Memórias de outro tempo revelam uma Verônica esquecida há setenta anos nas linhas de um diário e dentro de um medalhão. Disfarçadamente arrebatada por esse encontro


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com o passado, a protagonista pede para que sua governanta, Eileen, investigue a existência de algum parente vivo, na esperança de descobrir alguém para destinar sua abundante fortuna. Ao saber que tem um neto morando a poucas horas de distância, prontamente ela viaja para conhecê-lo. Patrick, aos 27 anos, tem em comum com a avó uma história de solidão e desamparo, mas seu contexto de vida é contrastante: ele mora sozinho em um pequeno apartamento e se vira para pagar as contas com o auxílio do Estado e um trabalho informal. O encontro é um desastre: insatisfeita com os modos de Patrick e ofendida com os questionamentos do neto, Verônica vai embora acreditando que a aproximação foi um erro. De volta à rotina, enquanto assiste a documentários sobre o meio ambiente, ela descobre que um projeto de preservação de pinguins na Antártica está sob risco de interrupção. Admirada com a graça e a resiliência das aves, a protagonista resolve destinar sua herança para o financiamento do projeto. Verônica faz as malas e, obstinadamente, encara a longa jornada até Locket Island, onde pretende ver de perto o trabalho dos cientistas e, é claro, os pinguins que pretende salvar. A interação humana logo se mostra para ela um desafio maior do que as baixas temperaturas — mas nesse ambiente hostil, onde pinguins precisam de cooperação e vínculos para sobreviver, Verônica tem muito a aprender com as aves e com os três pesquisadores sobre compartilhar os dias, as refeições, as preocupações e o cuidado. Pouco a pouco, o caráter fantástico do enredo revela sua forte simbologia. "Para qualquer parte que olho, há interação entre um pinguim e outro. Todos parecem muito à vontade em sua comunidade. Eles se dão bem de uma maneira que nunca consegui com meus companheiros humanos", reflete a protagonista. Na ampla e luminosa paisagem narrativa de Verônica e os pinguins, não falta espaço para que os personagens e os leitores encontrem suas potências de transformação.


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Curiosamente, o inusitado enredo de Verônica e os pinguins foi inspirado em uma história próxima da autora, a britânica Hazel Prior: há muitos anos, uma amiga da escritora perdeu o marido e, em meio ao luto, decidiu viajar pelo mundo para fotografar pinguins em seus habitats naturais. Segundo Prior, esse método incomum de lidar com a perda a levou a refletir sobre o poder de cura da natureza.

A autora do mês, Hazel Prior Wild Planet Trust

Hazel Prior, aliás, é exemplo vivo das possibilidades de reinvenção que a vida pode apresentar. Escritora e harpista, ela desenvolveu os dois ofícios já na vida adulta e desempenhou diversas outras funções até assumir essas atividades em nível profissional. “Tocar harpa e escrever um livro eram dois sonhos que eu nunca imaginei que se tornariam realidade. Comecei a estudar harpa quando era uma jovem adulta e realmente me dediquei. Demorou muito para que eu me


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sentisse confortável com o instrumento, especialmente a ponto de tocar em público, mas eu amei todo o processo. Algo parecido aconteceu com a escrita. Sempre gostei de escrever e lembro de dizer pros meus colegas de escola que eu escreveria um livro um dia. Esse dia não chegou até meus quarenta e tantos anos!”, afirmou Prior em entrevista ao site Superyacht Stories. Hoje, a autora de Verônica e os pinguins performa como solista e integra o Foxwillow Trio ao lado de outros dois instrumentistas. Antes de lançar Ellie and the Harpmaker (2019), seu romance de estreia, ela teve contos publicados em revistas literárias e venceu uma série de concursos de escrita no Reino Unido. “O mais incrível sobre as histórias são as verdades profundas que elas podem transmitir ao mesmo tempo que proporcionam entretenimento. Criar personagens e situações é um processo maravilhoso de descoberta para mim. Quando estou trabalhando, muitas vezes me surpreendo com uma nova percepção. Me sinto privilegiada por ter a oportunidade de compartilhar essas ideias e pensamentos íntimos com meus leitores. Como a música, a escrita é uma forma de comunicação muito profunda e pessoal”, pontua. A história é narrada em perspectivas alternadas entre Verônica, Patrick, postagens de blog, mensagens de e-mail e páginas de diário. Ao desvelar as emoções complexas que compõem as personalidades dos personagens, a autora explora temas como velhice, depressão, luto e desamparo, equilibrando a densidade desses assuntos com uma atmosfera acolhedora e afirmativa, mostrando que os caminhos para reinventar quem somos estão sempre abertos quando ousamos nos deslocar — olhar para o passado, para dentro de nós, para a imensidão da natureza, para os olhos de outra pessoa ou para a experiência de uma espécie diferente. Quem esperaria encontrar alento para as dores de uma vida na região mais gelada do globo?


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Jornadas de autoconhecimento PAULA SPERB*

Romance de Hazel Prior é mais um exemplo literário em que a natureza e a solidão colocam a existência humana em perspectiva e instigam transformações

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Paula Sperb é crítica literária e jornalista. Tem pós-doutorado em Letras na UFRGS e é doutora em Letras pela UCS. Foi repórter da Folha de S. Paulo e VEJA.

ma voz completamente original. Assim é a literatura de Hazel Prior, autora de Verônica e os pinguins. Tal originalidade é possível, entre outras razões, graças ao uso criativo de três narradores da história. Assim, o leitor vai completando o enredo ao somar cada uma das vozes em um coral que canta a mesma música, mas em tons diferentes. Outro aspecto que torna o romance uma leitura apetitosa é a mistura entre o humor — Verônica garante que sua memória é impecável porque sabe recitar Hamlet, mas não lembra que pediu para que sua governanta retirasse todos os espelhos da casa — e pitadas de existencialismo. Justamente por ser uma combinação entre elementos que, em um primeiro momento, podem parecer não combinar, não temos nesse livro aquele existencialismo amargo. Ou seja, o existencialismo propriamente dito, que ganhou força no cenário intelectual após o fim da Segunda Guerra Mundial, colocando um humano desamparado diante do questionamento da própria existência. O que temos é um existencialismo doce e irresistível como uma sobremesa. Na velhice, Verônica revisará toda a sua vida, desde a feliz infância na Inglaterra até os dias de solidão em uma mansão na Escócia. Entre um ponto e outro, sua caminhada é dramática. Nós, leitores,


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ALERTA ER! DE SPOIL

ficamos então a par de uma bagagem emocional nada leve de se carregar e que a obrigará a encarar uma série de episódios para se reencontrar consigo mesma e com seu único familiar vivo. Por isso, Verônica embarca em uma jornada existencialista. Nada mais propício do que o isolamento de tudo e de todos junto à natureza. O cenário escolhido? A Antática congelante e inabitada, exceto por cientistas em expedição, e animais em seu habitat, como os pinguins, nova obsessão de Verônica. É no isolamento das geleiras que ela perceberá a importância do convívio, mesmo que com estranhos, e da afetividade após tantas tragédias pessoais. “Morar juntos, comer juntos, discutir juntos, dormir juntos. É isso, percebi. É isso que dá propósito a suas vidas. Esse ‘juntos’ que tem faltado na minha própria vida”, reflete a personagem durante sua jornada existencial. Uma pessoa madura que busca isolamento na natureza para refletir sobre sua vida também está presente no romance O farol da solidão, do escritor Alcy Cheuiche. Curiosamente, aves migratórias também estão presentes na trama. Se na obra de Prior os pinguins motivam Verônica a iniciar sua jornada, no livro de Cheuiche são as andorinhas do mar que retirarão o personagem Carmelo de seu isolamento. Como diz o título, Carmelo vive em um farol isolado na região de Mostardas, no Rio Grande do Sul, onde aves migratórias vindas do Hemisfério Norte fazem sua parada de descanso antes de seguirem para locais como a Antártica e a Patagônia. “Faz sentido essa comparação entre os dois romances. No meu livro, tentei mostrar que ninguém foge da vida. Ninguém consegue, mesmo quando se isola, mesmo com todas as razões para isso. Porque a vida vai te buscar. A vida é um bem precioso que a gente não pode desperdiçar”, explica Cheuiche à TAG.


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É justamente o que acontece com Verônica. Mesmo isolada em sua casa na Escócia, “a vida vai buscá-la”. Depois, isolada com pinguins e um trio de cientistas na Antártica, a vida vai buscá-la novamente por meio de seu neto, Patrick. É o que ocorre também com o personagem Carmelo. Aposentado e vivendo em um farol, “a vida vai buscá-lo”. A aparição das aves migratórias mortas na praia faz com que ele saia desse isolamento. Além de escritor, Cheuiche consagrou-se como professor de oficinas de formação de escritores em Porto Alegre. Da sua experiência, cita outros três livros em que os protagonistas passam por jornadas existenciais. Em dois deles, a natureza e a solidão estão presentes, colaborando para colocar a existência humana em perspectiva: O velho e o mar (1952), de Ernest Hemingway, e Robinson Crusoe (1719), de Daniel Defoe. “A saga do pescador Santiago em O velho e o mar também se trata disso, diz tudo ali. Já Robinson Crusoe fica isolado e recria a vida sem se deixar destruir, consegue sobreviver plantando trigo com poucas sementes e depois fazendo seu pão. É uma lição fantástica”, comenta Cheuiche. O terceiro livro é o clássico Os miseráveis (1862), de Victor Hugo. “Jean Valjean também é um personagem em jornada existencial. Ele passa vinte anos preso, submetido a trabalho forçado, por ter roubado um pão para matar a fome. Disso surge seu retorno, de como foi difícil fazer todo esse caminho”, acrescenta.


ENTREVISTA 15

"Nos tornamos mais interessantes conforme ficamos mais velhos" RAFAELA PECHANSKY*

Hazel Prior conta como foi a escrita de Verônica e os Pinguins, fala de sua conexão com a natureza e revela o encanto que sente pela protagonista de seu livro

Rafaela Pechansky ama livros desde pequena. Foi uma das primeiras associadas da TAG, em 2014, e trabalha no clube desde 2018. Atua como publisher, publicando os livros em parceria com editoras brasileiras e na liderança de decisões editoriais dos clubes.

O que a inspirou a escrever um livro sobre a jornada existencial de uma senhora de 86 anos? Eu sou sortuda por conhecer muitas pessoas mais velhas que tiveram a atitude surpreendente de nunca achar ser tarde demais para a vida ou para o aprendizado. Entre elas, um homem que começou a fazer paraquedismo por volta dos oitenta e uma mulher que se interessou em aprender a tocar harpa aos noventa! Eu os admiro muito. Essas pessoas podem ser incomuns, mas nos mostram como nunca paramos de aprender ou de viver novas aventuras. Cada ano que vivemos soma-se ao nosso rico banco de experiências, ao nosso repertório de memórias. A conclusão lógica é de que nos tornamos mais interessantes conforme ficamos mais velhos — então não seria uma octogenária a heroína perfeita? Comecei a pensar em como nossa sociedade é negativa em relação ao envelhecimento, e quantos livros são escritos sobre pessoas na casa dos vinte anos, quase como se não existisse vida depois disso, então decidi escrever uma história com uma heroína mais velha, com uma história gigante em seu passado, mas que ainda tem muito a aprender.


Tradução JÉSSICA KILPP

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Qual a sua relação com os animais? Sente uma conexão especial com pinguins? Por que os escolheu como elementos-chave da trama? Eu gosto muito de vida selvagem como um todo e gosto especialmente de animais. Eu tenho um gato laranja grande em casa que é muito amado, e está sempre comigo quando estou escrevendo. Também sou fascinada por pinguins, mas é um fascínio mais recente. Uma amiga me inspirou a usá-los nesse romance, ela ama muito pinguins e, após a morte do marido, decidiu amenizar o luto com uma missão inspiradora: tirar fotos de todas as espécies de pinguins existentes na natureza. Eu sempre acreditei no poder que a natureza tem de curar, mas minha amiga me fez pensar sobre o poder redentor que os pinguins, em particular, podem ter. É impossível olhar para um pinguim e não sorrir, e sinto que essas aves tão peculiares têm muito a nos ensinar sobre coragem, sobre ter entusiasmo diante de infortúnios, pois é claro que os pinguins são os primeiros a sofrer quando o gelo da Antártica derrete. Então tive a oportunidade de trazer para o livro uma mensagem implícita sobre as mudanças climáticas. Ao longo do livro, temos acesso a muitas informações valiosas sobre pinguins. Que tipo de pesquisa você fez para basear a parte científica da história? Viajou para a Antártica? Foi muito prazeroso pesquisar essa parte do livro, mas não visitei a Antártica. É absurdamente caro viajar para lá, mas talvez seja uma coisa boa que esse continente permaneça, de certa forma, intocável por humanos. Além de questionar minha amiga sobre suas viagens em busca de pinguins e estudar as fotos incríveis que ela tirou, li diversos livros e varri a Internet em busca de mais informações. O site British Antarctic Survey foi especialmente útil, pois descreve pesquisas científicas feitas na região e inclui centenas de blogs escritos pelos cientistas


ENTREVISTA 17

que trabalham por lá. Também tive a oportunidade de visitar alguns pinguins de verdade em um centro de vida marinha localizado na costa sul da Inglaterra. A equipe foi muito generosa ao compartilhar diversos fatos e anedotas peculiares, incluindo detalhes sobre como criar um filhote de pinguim. Inclusive, lá fiz amizade com um pinguim chamado Yoyo.

ALERTA ER! DE SPOIL

O livro apresenta personagens muito bem desenvolvidos, os quais tornam a história ainda mais doce e, ao mesmo tempo, profunda. Qual personagem você mais gostou de criar? Eu adorei escrever todas as personagens, mas a minha favorita, sem dúvida, foi a Verônica McCreedy. A sua voz chegou a mim logo no início, e eu podia imaginá-la em detalhes, vividamente — suas bolsas, seus jogos de chá e suas caminhadas pela beira do mar, carregando uma pinça para recolher o lixo; a forma como olha para as pessoas; a forma como pensa e fala. Eu adorei conhecer os diferentes elementos dessa personagem e descobrir o seu passado, que tanto a formou como pessoa. Também foi muito adorável quando ela insistiu em resgatar o Pip, o bebê pinguim, e pôde finalmente revelar o seu lado mais gentil. Esta é a primeira vez que um livro seu será traduzido no Brasil. Como se sente em relação a isso? Poderia enviar uma breve mensagem para os leitores brasileiros que irão descobrir o seu trabalho agora? Sim! Muito obrigada pelo convite! Estou muito empolgada que esse livro será publicado no Brasil e desejo muito que todos gostem dos meus personagens e apreciem a história. Eu mesma sempre recorro aos livros em tempos difíceis, então espero que minha própria escrita os faça sorrir e traga mais brilho aos seus dias.


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Afeto transformador PAULA SPERB*

Como os pinguins do romance de Hazel Prior, animais sensibilizam pessoas na vida e na ficção

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Paula Sperb é crítica literária e jornalista. Tem pós-doutorado em Letras na UFRGS e é doutora em Letras pela UCS. Foi repórter da Folha de S. Paulo e VEJA.

elegante octogenária Verônica McCreedy, protagonista do livro do mês, não revela de imediato sua personalidade fascinante. Inicialmente, ela deixa transparecer apenas suas manias, como manter todas as portas fechadas, e seu mau humor com a governanta, Eileen. Verônica chega à velhice morando sozinha em uma mansão na Escócia, onde assistir a um programa noturno na televisão sobre a natureza é parte da sua rotina. Seus dias são ocupados ainda por caminhadas na praia e pausas para seu adorado chá do tipo Darjeeling. Justamente enquanto assiste ao programa, ela fornece ao leitor uma importante chave de interpretação da sua transformação. Para ela, a atração “demonstra de várias maneiras como os animais são muito mais sensíveis do que os humanos”. A grade do canal é modificada e Verônica passa a assistir, no mesmo horário, a um programa sobre pinguins, aves que ela logo percebe que são adoráveis. “Odeio pensar que essas aves nobres e atraentes podem desaparecer do planeta”, reflete. Além de humanizar a ficção, animais têm o potencial de trazer benefícios à saúde, integrando diferentes tipos de terapia. Estudos científicos mostram que bichos domésticos podem colaborar com tratamentos de condições como autismo, câncer e acidente vascular cerebral (AVC). Em Verônica e os pinguins, a transformação da personagem é ainda mais visível quando ela se aproxima de um filhote de pinguim. “Estou petrificada, como se estivesse conectada ao bebê pinguim. Eu sinto seus sentimentos: o frio, a confusão, a solidão, a perda”, confessa. A seguir, confira produções que abordam a relação entre humanos e animais.


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VIDAS SECAS Uma das personagens mais importantes da literatura brasileira consta nessa obra clássica de nosso Modernismo: Baleia, a cadelinha da família de retirantes nordestinos. De Graciliano Ramos, o livro foi escrito em 1938.

ATYPICAL Disponível na Netflix, a série gira em torno de Sam, um menino com traços de autismo que, assim como Verônica, encanta-se com a Antártica e os pinguins. A partir dessa paixão, ele estabelece metáforas entre a vida marinha e a sua própria existência.

RELATOS DE UM GATO VIAJANTE Da escritora japonesa Hiro Arikawa, o livro aborda a emocionante amizade entre um gato, que também é narrador da história, e o jovem Satoru, seu tutor. De 2017, a obra remete a outro romance emblemático envolvendo felinos: Eu sou um gato, de Natsume Soseki.

O CHAMADO DA FLORESTA Inspirado em livro de Jack London e estrelado por Harrison Ford, o filme mostra um homem que, isolado em uma floresta após a morte do filho, encontra Buck, um cão que foi sequestrado da casa onde vivia. Juntos, eles buscam encontrar o seu lugar no mundo.


20 PRÓXIMO MÊS

março

vem aí

A autora do livro do mês propõe uma ousada reconstrução histórica, centrada em uma mulher cuja trajetória representa outras tantas silenciadas ao longo dos séculos. Criada em uma família rica em Séforis, com ligações com o governante da Galileia, a protagonista é uma figura rebelde e ambiciosa que se aproximará de ninguém menos do que Jesus Cristo. Para quem gosta de: ficção histórica, tramas feministas

abril

Alerta de autor brasileiro! O livro do mês nos faz embarcar em uma trama cheia de reviravoltas no interior do Rio de Janeiro, em uma pequena cidade chamada Ubiratã. Nosso protagonista volta à cidade natal para investigar um suposto caso de suicídio ligado a uma peça de teatro. Esse retorno traz à tona memórias que ele ainda está lutando para apagar — mas que também são a chave para solucionar esse mistério. Para quem gosta de: mistérios, literatura brasileira, histórias LGBTQIA+



“Se procurar bem, você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida.” – CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


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