A PEQUENA LOJA DE VENENOS
MAI 2022
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OLÁ,TAGGER Olá, tagger V
ocê já se deixou levar pela curiosidade e, casualmente, descobriu um objeto, um lugar ou uma história fascinante? Ao ler o livro que chega agora às suas mãos, você terá a chance de sentir a emoção de uma experiência como essa. A pequena loja de venenos, romance de estreia da escritora Sarah Penner, une o passado e o presente a partir de uma descoberta feita por Caroline, personagem que perambula sozinha por Londres e acaba encontrando pistas que a levam a um antigo estabelecimento do século XVIII — no caso, uma botica misteriosa mantida por Nella, figura que também ganha voz na narrativa. "Minha loja, assim como meus venenos, era habilmente disfarçada. Nenhum homem encontraria o local; ele ficava escondido atrás de uma parede de prateleiras, no fim de um beco tortuoso nas profundezas mais obscuras de Londres", conta ela já no primeiro capítulo do livro. Antes de se aventurar nas páginas do romance e desvendar todos esses mistérios, sugerimos que você aproveite os conteúdos de nossa revista. A seguir, a jornalista Débora Sander propõe uma instigante apresentação da obra, Mariana Soletti escreve sobre uma Londres secreta que você pode conhecer na vida real, e Luíza Mattia aborda o uso atual de ervas e plantas empregadas nas receitas de Nella. Não deixe de ler também a nossa entrevista exclusiva com Sarah Penner, que dá detalhes de seu processo criativo e avalia a presença da temática feminista em sua obra. Boa leitura!
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Por que ler o livro
O livro do mês
Para ir além
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sumário
Experiência do mês
Entrevista Sarah Penner
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Próximo mês
riamos esta experiência para expandir sua leitura. Entre no clima de A pequena loja de venenos colocando a playlist especial do mês para tocar. É só apontar a câmera do seu celular para o QR Code ao lado ou procurar por “taglivros” no Spotify. Não se esqueça de desbloquear o kit no aplicativo da TAG e aproveitar os conteúdos complementares!
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JORNADA DE LEITURA
4 EXPERIÊNCIA DO MÊS
Vamos lá? Inicie o livro e leia até a página 91 Os segredos dos personagens dessa história podem ser mais sombrios do que uma loja de venenos escondida em Londres? Estamos só começando a descobrir!
Marque a cada parte concluída
Leia até a página 144 Nella e Eliza, Caroline e Gaynor. Em momentos de dor, não há mágica tão potente quanto o acolhimento e a partilha entre mulheres. Você tem alguma amizade assim? Comente no aplicativo! Leia até a página 171 Caramba! Caroline está mais perto do que nunca de uma realidade escondida há duzentos anos. Vamos em frente! Leia até a página 225 Quando dois tempos colidem, nem todos os envolvidos saem ilesos: o cerco está se fechando para as três protagonistas. Haja fôlego para tantas reviravoltas! Leia até a página 305 Uau, que desfecho! O que você achou de A pequena loja de venenos? Conte para os outros taggers no aplicativo e não se esqueça de marcar o alerta de spoiler!
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A pequena loja de venenos pode ter terminado, mas a experiência não!
Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ao lado e escute o episódio de nosso podcast dedicado ao livro do mês. No aplicativo, confira também a nossa agenda de bate-papos.
mimo
projeto gráfico
EXPERIÊNCIA DO MÊS
O que diferencia a cura do veneno por vezes é apenas a dose. O projeto gráfico deste mês explora a sutileza entre o belo e o macabro, inspirado nas fórmulas da personagem Nella: com um propósito nobre e ervas potentes, ela prepara receitas para finalidades um tanto sinistras. A capa, ilustrada pela leveza de um arranjo floral, pode enganar os desavisados e disfarçar o caráter sombrio de A pequena loja de venenos. Compondo com a ilustração do pintor flamengo Jan Brueghel, o Velho, estão alguns papéis empilhados. No de cima se lê o título do livro; quanto aos de trás, parcialmente ocultos, não é possível saber o que carregam, remetendo aos mistérios desvendados ao longo da trama. Outros materiais do projeto gráfico trazem o frasco usado por Nella para entregar os venenos às clientes. O pequeno item atravessa os séculos e entrelaça as histórias das três protagonistas em diferentes momentos da história.
Para este mês, propomos um combo literário e cinematográfico! Fechamos uma parceria com a MUBI, plataforma de streaming com catálogo focado em filmes clássicos e contemporâneos. Os associados da TAG ganham 60 dias de acesso gratuito. Para complementar a experiência, o mimo desta edição será uma pipoca Mais Pura sabor caramelo e flor de sal. Um kit recheado, não é mesmo?
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A PEQUENA LOJA DE VENENOS
“Uma estreia marcante, ousada e bem-sucedida!” Kate Quinn, autora best-seller do New York Times
“O romance de estreia de Sarah Penner é uma fascinante obra de mistério, assassinato, confiança e traição.” NPR
“A escrita é cativante, divertida e com a quantidade certa de imaginação para me manter envolvida do começo ao fim.” Morgan Murrell, BuzzFeed News
POR QUE LER O LIVRO Com uma premissa curiosa — e muito original —, o romance de estreia da escritora norte-americana Sarah Penner é fruto de ampla pesquisa sobre ervas farmacêuticas e remédios caseiros utilizados nos séculos XVIII e XIX pelos antigos “boticários”. Como sugere o título, uma pequena loja de venenos é o centro da narrativa em uma trama com toques feministas que costura a história de mulheres de uma Londres do passado com a jornada de uma jovem historiadora movida pela curiosidade. Sucesso imediato entre o público e a crítica, o livro ganhará tradução em mais de 11 línguas ao redor do mundo.
8 O LIVRO DO MÊS
Possibilidades além da dor DÉBORA SANDER*
Em A pequena loja de venenos, você será apresentado a três corajosas personagens femininas que encontram formas de fortalecer umas às outras enquanto encaram as próprias sombras E, aquele Que não morou nunca em seus próprios abismos Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas Não foi marcado. Não será exposto Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema. MANOEL DE BARROS
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Débora Sander é jornalista formada pela UFRGS e cursa pósgraduação em Direitos Humanos na PUCRS. Passou por projetos como o Fronteiras do Pensamento e a Bienal de Artes Visuais do Mercosul. Hoje, colabora regularmente com a Arquipélago e com a TAG Inéditos.
s palavras de Manoel de Barros dão corpo poético à ambígua e quase indescritível sensação que marca os grandes momentos de virada na vida de cada um de nós. Em algum ponto, todos passamos por situações em que se torna mais incômodo evitar o vazio do que explorá-lo. Resta convidar nossos fantasmas para sentar conosco à mesa e confiar nos caminhos que essa aventura pode desenhar. Com sorte, encontramos pela estrada pessoas dispostas a visitar nossos abismos e compartilhar os seus. Abismos habitados e já explorados perdem, afinal, o poder de nos assustar. Essa reflexão poderia partir de qualquer uma das protagonistas do livro que você acaba de receber. Em A pequena loja de venenos, você será apresentado a três corajosas personagens femininas que encontram formas de fortalecer umas às outras enquanto encaram as próprias sombras. Nella é uma boticária que, em fins do século XVIII, mantém uma loja secreta nos fundos de um depósito em uma viela estreita de Londres. No esconderijo, a personagem produz e vende venenos muito bem disfarçados a mulheres
"Em algum ponto, todos passamos por situações em que se torna mais incômodo evitar o vazio do que explorá-lo."
O LIVRO DO MÊS
que precisam desesperadamente se livrar de homens que as feriram. Em 1791, muito antes de as mulheres conquistarem qualquer direito de abandonar ou se proteger de relações ruins, Nella oferece às clientes o que lhes parece ser sua única saída. A boticária pratica seu ofício sombrio em um espaço herdado da mãe, que também era boticária, mas trabalhava com receitas de cura. Seguindo limites e regras éticas que ela mesma estabeleceu, Nella procura se assegurar de estar fazendo um bem na medida em que ajuda outras mulheres a acabar com suas aflições — o que não a livra de uma considerável amargura que cresce dentro dela a cada nova vítima de seus venenos. Em um dia de trabalho, a personagem é surpreendida pela chegada de uma cliente bem mais nova do que ela está acostumada a receber: Eliza, uma menina de doze anos que trabalha como criada para uma família rica, vai à loja de venenos a pedido de sua senhora. Inocente como qualquer criança, Eliza também é especialmente esperta e curiosa e se encanta pela mágica das formulações de Nella. Decidida a se aproximar, a menina investe toda a sua graça e obstinação para transpor as barreiras afetivas que encontra na boticária. No decorrer da história, Nella e Eliza distraidamente tornam-se amigas, construindo um vínculo que revela formas tão imperfeitas quanto verdadeiras de cuidado e afeto entre mulheres. A chegada da pequena Eliza é decisiva para aplacar o coração endurecido de Nella. Por outro lado, a menina acaba cometendo um erro que coloca em risco a segurança delas e das clientes. Para completar o trio de personagens cativantes que vão acompanhá-lo neste mês, a última das protagonistas é Caroline, uma turista norte-americana na Londres dos dias atuais. Inesperadamente sozinha durante uma viagem de dez anos de casamento, ela busca processar seus sentimentos e compreender seus verdadeiros desejos para o futuro enquanto lida com o luto em um quarto de hotel vazio. Caroline
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carrega a frustração de uma carreira precocemente interrompida como historiadora. Sem nada a perder e movida por sua veia investigativa, a personagem se envolve em uma espécie de caça a objetos antigos no rio Tâmisa. Um pequeno frasco azul a conecta à história de uma boticária que vendia venenos no final do século XVIII. Entusiasmada, ela inicia pesquisas na internet e na Biblioteca Britânica e mergulha cada vez mais fundo em um mistério de dois séculos que desvela suas camadas de complexidade à medida que a própria Caroline lida com os desdobramentos surpreendentes de seus problemas pessoais. Romance de estreia da escritora norte-americana Sarah Penner, A pequena loja de venenos se debruça sobre temas como traição, solidão, maternidade, abuso e ressentimento — fontes persistentes de angústia feminina através dos séculos. Mas a autora também joga luz sobre a força encontrada nas relações entre mulheres de todos os tempos para enxergar possibilidades além da dor. Em entrevista ao site Katie Couric Media, Sarah Penner — que integra a Historical Novel Society e a Women’s Fiction Writers Association — definiu A pequena loja de venenos como uma obra de realismo mágico. “Todos nós já estivemos em situações em que sentimos que parecia ter algo estranho agindo sobre nossas vidas; uma leitura certeira de horóscopo, um encontro ao acaso entre duas pessoas, uma sombra estranha do outro lado da sala que não conseguimos explicar. Essas coisas acontecem todos os dias na vida real, e escritores podem brincar com essa ironia e ampliá-la na ficção”, afirmou a autora. Quando nossos sonhos desmoronam diante dos nossos olhos, por onde começamos a construir algo novo? Nas páginas de seu primeiro romance, Penner parece apontar a coragem como um ponto de partida possível: para reconhecer frustrações, sentir o que é preciso sentir, abraçar o acaso, vislumbrar caminhos e inventar novos sonhos.
PARA IR ALÉM
Uma Londres escondida MARIANA SOLETTI*
A pequena loja de venenos é um convite para se vislumbrar uma imagem menos usual da capital inglesa, com estabelecimentos que remetem ao passado ou resistem à passagem do tempo
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Mariana Soletti é formada em Jornalismo e Letras/Inglês pela PUCRS, cursa Letras/Português e é mestra em Teoria da Literatura pela mesma universidade. Trabalha com redação e revisão textual e pesquisa sobre literatura em língua inglesa e psicanálise.
inguém duvida da grandeza de Londres, cidade que guarda segredos tão especiais quanto a porta encontrada por Caroline Parcewell, personagem do livro do mês, em uma das ruelas escondidas da sua zona central. Para quem conhece a cidade somente pelos seus pontos turísticos mais famosos, como o Big Ben e o Palácio de Buckingham, a leitura de A pequena loja de venenos é um convite para se vislumbrar uma imagem menos usual da capital inglesa, com seus fascinantes estabelecimentos que remetem ao passado ou resistem à passagem do tempo. As boticas, hoje em dia, foram ressignificadas para boutiques onde pessoas procuram por produtos de skincare e artigos de perfumaria raros, geralmente personalizados por profissionais acostumados a lidar com a elegância de produtos que seguem a moda antiga. Serviços assim podem ser encontrados na Liberty, uma das maiores lojas de departamento de luxo no West End de Londres desde 1875. A Penhaligon's, fundada em 1870 pelo barbeiro e perfumista da rainha Vitória, oferece perfumes em charmosos frascos de vidro vitoriano, sendo a loja mais antiga do distrito de Covent Garden. Algumas boticas menores, como a The Apothecary Skincare Store, em King's Cross, oferecem serviço de clínica de dermatologia, função muito diferente da desempenhada por Nella no romance de Sarah Penner.
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É em King's Cross, bairro eternizado pela existência da Plataforma 9 ¾, do universo Harry Potter, onde o sentido da palavra "boticária" transforma-se em diversão e drinks pós-trabalho. Em uma das ruas em frente à famosa estação, o bar Hokus Pokus Alchemy Lab oferece coquetéis inspirados no uso de vegetais e seus compostos botânicos para curar doenças. Localizado no famoso Megaro Hotel, suas "receitas" são inspiradas pelas ideias de um médico do século XIX, Dr. James Morison. Caso a ideia seja conhecer de perto as propriedades de compostos botânicos como os estudados por ele, os Reais Jardins Botânicos de Kew, mais conhecidos como Kew Gardens, estão entre os mais célebres (e antigos) jardins botânicos do mundo, formados por arboretos e estufas dirigidos por naturalistas de renome mundial. Embora afastado do centro de Londres, é um passeio imprescindível, que guarda histórias em cada explicação das plantas, como a cúrcuma (turmeric), cujo papel na medicina tradicional chinesa e indiana é ser usada como anti-inflamatório e ajudar na digestão. Essas e outras curiosidades são minuciosamente exploradas no jardim, tal como um museu. Um dos seus mais importantes jardins foi inaugurado em 1987 pela princesa Diana, e assim foi nomeado Princess of Wales Conservatory. Vale a pena conferir! O Lounge Bohemia, no bairro cool de Shoreditch, segue a mesma linha do Hokus Pokus Alchemy Lab. No cardápio, não está especificada qual é a bebida base de cada drink, apenas os ingredientes que o acompanham. A experiência de estar no bar se resume a uma quest para descobrir do que é feito o que se está bebendo. Cada uma das bebidas é apresentada como poções mágicas, sendo as reações físicas e químicas demonstradas àqueles que as esperam ansiosos para tirarem fotografias. Evidentemente, os atendentes perguntam sobre preferências e alergias.
PARA IR ALÉM
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© Sébastien Ardoui
CECIL COURT © Secret Lond on
FLEET STREET © Eric Parry
Mas nem todos tiveram as melhores intenções com a medicina na Londres antiga. Ao passear pelo bairro de Stepney Green, perto de Whitechapel (onde Jack, o Estripador fez a maioria de suas vítimas!), há uma enorme placa em um dos seus prédios antigos: "Daren Bread — Best for Health". A verdade é que o padeiro adulterava o seu produto com químicos tão tóxicos quanto os de A pequena loja de venenos, como alúmen e giz, com o intuito de aumentar o peso dos seus pães. No século XIX, os moradores de Londres estavam acostumados a comer alimentos adulterados assim, antes de quaisquer legislações sobre o tema. Difícil não associarmos às substâncias contestáveis que, na ficção de Penner, são introduzidas à rotina de homens por Nella e Eliza. Mapas como os que auxiliaram Caroline Parcewell a entender a Londres do século XVIII podem ser encontrados na pequena Cecil Court, que conta com mais de vinte livrarias e antiquários no coração da cidade, a poucos minutos da agitação de Leicester Square. As fachadas das lojas remetem a tempos mais pretéritos, como os da nossa botica literária. De certa forma, ao entrar na ruela, se faz uma viagem no tempo em meio a letreiros e restaurantes de fast food espalhados pelas imediações. A busca de Caroline por um tempo diferente une as histórias das mulheres no livro. Quem viajar a Londres terá a oportunidade de criar uma caça àquilo que mais lhe interessa, sempre de acordo com as suas preferências, mas inexoravelmente ligada a gerações e gerações de histórias como as de Bear Alley, o escondido beco nas imediações de Fleet Street.
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O QUE AINDA SE VÊ DA ÉPOCA DE A PEQUENA LOJA DE VENENOS EM LONDRES
DD BERRY BROS. & RUnes © Robin Sto
FORTNUM & MASO N © Amanda Slater
É possível visitar a Londres de Nella e Eliza em estabelecimentos como o Berry Bros. & Rudd. Esse é fornecedor da família real de vinhos raros e destilados desde o tempo do rei George III, em 1760. A loja, a propósito, está localizada perto do Palácio de Buckingham, entre o Green Park e o St. James' Park. Já a chapelaria mais antiga do mundo, a Lock & Co. Hatters (estabelecida em 1676), vende todos os tipos de chapéus possíveis, para toda e qualquer ocasião. A Fortnum & Mason, nascida em 1707 e localizada no disputado distrito de Mayfair, vende chás atemporais e doces cujas receitas são antiquíssimas. Você pode não só tomar um chá da tarde como reservar uma mesa em requintados restaurantes, como o The Parlour. A loja também conta com venda de perfumaria, beleza, acessórios para casa, souvenirs e joias. Por fim, para você, amante de literatura, a parada mais obrigatória é na Hatchards, a livraria mais antiga de Londres, localizada no coração de Piccadilly. Desde 1797, seus vários andares são palcos de eventos literários, coleções de livros raros e mandados reais concedidos pela rainha Elizabeth II, o príncipe de Gales e o duque de Edimburgo. Talvez, na Hatchards, você encontre um outro livro com um outro desafio sobre Londres, a cidade que nunca se esgota.
HATCHARDS © Hatchards
ENTREVISTA
“Meu objetivo principal é a originalidade” JÚLIA CORRÊA*
Autora do mês, Sarah Penner fala sobre a concepção de A pequena loja de venenos, destaca as questões feministas levantadas pelo livro e revela as dinâmicas de seu processo criativo Como surgiu a ideia de criar uma narrativa centrada em uma loja de venenos? Logo que tive a ideia para o romance, imaginei uma mulher — uma boticária — trabalhando em uma loja secreta em um beco de Londres. Mas eu queria que ela tivesse algo de sinistro, e isso rapidamente me levou para o caminho do veneno. Prendi-me a essa ideia inicial ao longo da escrita. A palavra “boticária” é sugestiva, evoca uma vitrine à luz de velas, com janelas guilhotina, paredes cobertas de almofarizes, pilões e inúmeras garrafas de vidro. Há algo sedutor, até encantador, no que pode estar dentro dessas garrafas: poções que enfeitiçam, curam, matam. Tentei desenvolver esse encantamento dentro da história para realmente fazer os leitores se sentirem dentro de uma antiga botica. Júlia Corrêa é editora na TAG. Jornalista formada pela UFRGS, é mestranda em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP. Antes, foi repórter cultural do Estadão e colaboradora do portal Fronteiras do Pensamento.
Boa parte da história é ambientada na Londres do século XVIII. Quão desafiadora foi a pesquisa histórica feita por você? Quanto aos boticários, como foi o processo de pesquisa sobre a rotina e os instrumentos desses profissionais? Pesquisar os diversos remédios caseiros e de ervas para essa história foi uma tarefa demorada mas divertida. Passei algum tempo na Biblioteca Britânica vasculhando antigos manuscritos e
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16 ENTREVISTA
A ESTANTE DA AUTORA O primeiro livro que você leu: Where the Red Fern Grows, de Wilson Rawls O livro que você está lendo: The Paris Apartment, de Lucy Foley O livro que mudou a sua vida: Grande magia, de Elizabeth Gilbert O livro que você gostaria de ter escrito: The Paris Wife, de Paula McLain O último livro que a fez chorar: O último sopro de vida, de Paul Kalanithi O último livro que a fez rir: Vermelho, branco e sangue azul, de Casey Mcquiston O livro que você dá de presente: The Diamond Eye, de Kate Quinn O livro que você não conseguiu terminar de ler: A mulher de branco, de Wilkie Collins
diários de farmacêuticos, revisei farmacopeias digitalizadas e estudei extensivamente alguns casos famosos de envenenamento dos séculos XVIII e XIX. Fiquei surpresa com o número de plantas e ervas que são altamente tóxicas, e fiquei fascinada ao ler sobre os remédios engenhosos, embora ineficazes, usados pelos antecessores dos farmacêuticos atuais. Uma das descobertas mais interessantes (e inesperadas!) ocorreu no início da minha pesquisa. Hoje, a toxicologia forense está avançada e os médicos legistas podem rapidamente detectar venenos em tecidos humanos durante uma autópsia. Mas essa ciência não existia até meados do século XIX, quase cinquenta anos depois da minha história. Assim, os anos de 1790 eram a época perfeita para que uma boticária como a que criei tivesse uma loja secreta. Ela conseguia “se safar”, digamos assim, de uma forma que já não seria possível cinco décadas depois. O livro mostra atitudes extremadas de mulheres que sofriam nas mãos de homens, subvertendo, de algum modo, a ideia de passividade comumente atribuída a elas no passado. Caroline representa a conexão com os tempos atuais. O que um arco temporal tão amplo como esse, unindo mulheres de épocas tão distintas, tem a nos dizer sobre a evolução das conquistas femininas? Tanto no século XVIII quanto no presente, as mulheres de A pequena loja de venenos têm muito a superar. A Londres do século XVIII não era um ambiente amistoso para as mulheres — se não fizessem parte da realeza ou da classe alta, era improvável que seus nomes fossem registrados, muito menos lembrados, pela história. A boticária do meu romance se propõe a mudar isso e busca preservar os nomes — e os legados — das várias mulheres de classe média ou baixa que visitam sua loja. De modo semelhante, na narrativa atual, a personagem principal está abalada com a recente traição do marido e precisa fazer uma
ENTREVISTA
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profunda busca interior pelo seu antigo eu. É uma história de autodescoberta, que se desenrola conforme ela descobre o segredo da boticária. Isso serve para mostrar que as mulheres de hoje enfrentam muitos dos mesmos desafios (como traição, não receber crédito) enfrentados por outras mulheres ao longo da história.
Tradução: ANA BEATRIZ FIORI
A autora do mês, Sarah Penner Laura Foote
Você pode nos contar mais sobre o seu processo criativo? Tem planos de lançar um novo livro em breve? Meu objetivo principal é a originalidade. Quero escrever histórias que os leitores considerem originais, diferentes de tudo que já leram. Uma das razões pelas quais decidi escrever A pequena loja de venenos foi saber que não havia nada assim na ficção comercial contemporânea. Há vários livros de ficção sobre boticários, mas certamente nenhum deles é uma mulher assassina em série! Da ideia inicial às edições finais, o processo de cada história é diferente. Já escrevi rascunhos inteiros para só depois reformular a premissa principal, e já fiz o oposto, isto é, comecei com uma premissa forte e depois escrevi o rascunho a partir dela. Ainda estou evoluindo como escritora e tenho realmente muito a aprender, mas gostaria de chegar a um momento em que conseguisse escrever uma ideia interessante, desenvolver um resumo a partir dela e então fazer um rascunho a partir do resumo, sem grandes desvios. Esse processo em três etapas atrai meu lado mais estruturado e produtivo. Mas, na realidade, às vezes precisamos ir testando cenas e capítulos iniciais para descobrir qual voz ou ponto de vista funciona melhor. E, sim, já estou preparando um novo livro! Deve ser lançado no início de 2023.
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Ervas venenosas LUÍZA MATTIA*
Conheça algumas das plantas empregadas pela boticária nas receitas e suas aplicações atuais na indústria farmacêutica
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Luíza Mattia é jornalista formada pela UFRGS e pós-graduada em Cultura Digital e Redes Sociais pela Unisinos, além de ter estudado Marketing na Ohio University, EUA. Já colaborou para veículos como o Estadão e é apaixonada por beleza.
uitos remédios bons são venenosos se ministrados em grandes quantidades ou quando preparados de determinadas maneiras.” Assim a protagonista Nella explica à jovem Eliza ao ser questionada sobre a herança de seu trabalho. A loja, que antes pertencia à mãe da boticária, é um dos centros da obra. Como fala Nella, a dose e a forma com que cada um dos ingredientes é utilizado em suas receitas muda tudo — transformou até mesmo a sua própria história. Um dos tantos pedidos que chegavam à botica veio de Frederick: algo para sanar as cólicas insuportáveis da sua suposta irmã. O homem recebeu tintura de agripalma para curar a dor da moça, mas a mesma planta que salvou uma mulher destruiu a vida de outra. Os compostos criados pela boticária são peças-chave na narrativa, pois é a partir das receitas que são formadas importantes conexões e também é através de uma das cartas de súplicas deixadas no barril de cevada que Nella conhece Eliza. A personagem carrega consigo o legado da mãe, mas agora, além de tratar enfermidades, ela ajuda mulheres a se vingarem de homens que lhes faziam mal. E é aí que entram os venenos de Nella, fórmulas desenvolvidas com plantas e outras substâncias que remetem aos chamados fitoterápicos. Medicamentos tão comuns quanto os convencionais, os fitoterápicos são produzidos com matérias-primas de origem vegetal. As plantas
SAIBA MAIS
foram, por séculos, a base da terapia medicamentosa e hoje estão amplamente presentes na indústria farmacêutica e até mesmo na rotina das pessoas. No Brasil, os fitoterápicos são regulamentados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e alguns até oferecidos pelo SUS. Ao longo da obra, diversos nomes são citados por Nella, escolhidos para compor suas receitas. A seguir, conheça um pouco mais sobre os ativos manipulados pela boticária e sua aplicação nos dias de hoje, de acordo com Ana Flávia Marçal Pessoa, coordenadora do curso de especialização em Fitoterapia e Plantas Medicinais da EEP – HCFMUSP (Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
VALERIANA Atua no Sistema Nervoso Central (SNC) como ansiolítico, tranquilizante e hipnótico leve. A planta é empregada no tratamento de insônia, ansiedade e estresse. ACÔNITO É uma planta tóxica usada em medicamentos homeopáticos, de forma muito diluída, como sedativo e descongestivo em caso de febre. DEDALEIRA Extremamente venenosa, a planta pode causar paralisia e morte súbita. Dela é extraída a digitalina, base de muitos medicamentos cardiotônicos. É empregada no tratamento de arritmia ou insuficiência cardíaca. BELADONA Usada para tratar problemas digestivos, asma, cólicas gastrointestinais ou menstruais e dores biliares. Um de seus componentes, a atropina, está presente em medicamentos oftalmológicos para dilatação da pupila.
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vem aí
Que tal um thriller vira-páginas? O livro do mês mostra que ninguém é o que parece. Nesse que é o debut de uma autora best-seller do New York Times, conhecemos uma jovem grávida que, ao frequentar aulas pré-natais, torna-se amiga de uma mulher inconsequente que abalará a sua rotina. Para quem gosta de: thrillers, leituras vira-páginas, grandes reviravoltas
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Prepare-se para fortes emoções! O livro do mês de aniversário da TAG é uma ficção histórica tocante e envolvente. Em meio a acontecimentos trágicos, acompanhamos trajetórias de mulheres fortes e resilientes em uma trama mobilizada por temas como o amor, o pertencimento e a busca de liberdade. Para quem gosta de: ficção histórica, dramas, personagens femininas fortes
“Quando se sente dor no coração, raras vezes é por uma única razão, principalmente quando já se amadureceu um pouco, porque qualquer tristeza pode apelar para as reservas do passado.” – AMOR, DE NOVO, DORIS LESSING