BEBÊAPOCALIPSE2022OUT
Nesta edição da revista, em texto que situa a produção de Despentes, a jornalista Mariana Soletti descreve o livro como uma “sátira social densa”. Nas páginas a seguir, há também uma entrevista com a curadora e um panorama de autoras em destaque na literatura francesa atual. Você ainda pode ler uma reportagem de Paula Sperb sobre uma tradição de roman ces envolvendo estrada e busca de liberdade, assim como uma análise crítica de Apocalipse bebê assinada por Tatiana Cruz.
Boa leitura!
Olá, tagger
S e há livros que se esquivam de classifi cações, o que chega agora às suas mãos certamente é um deles. Entre mistério e road trip, com temas que vão da descoberta sexual às fragilidades da sociedade francesa con temporânea, Apocalipse bebê foi publicado em 2010 pela escritora e cineasta francesa Virginie Despentes, ela mesma uma figura que desafia convenções — seu foco nos circuitos marginalizados, como o submundo do punk rock, rendeu a ela a alcunha de enfant terrible da literatura de seu país.
Nesse romance, indicado ao clube pela escritora tutsi Scholastique Mukasonga, o desaparecimento de uma jovem pertencente a uma família abastada mobiliza uma dupla nada usual de investigadoras, que parte então em uma viagem de Paris a Barcelona.
Sua opinião é muito importante Vocêecríticascadaproduzirmospararevistasvezmelhores.Temousugestões?Deixeasuaavaliaçãocompartilhesuasimpressõesnoaplicativo!tambémpodeescreverdiretamenteparanóspeloe-mailrevista@taglivros.com.br.
Capa Estúdio Tereza Bettinardi Página da loja Lais Holanda
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LIZIANE KUGLAND Revisora
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ANTÔNIO AUGUSTO Revisor
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RAFAELA PECHANSKY Publisher
GABRIEL RENNER Designer
JÚLIA CORRÊA Editora
2022OUT
Impressão Gráfica Ipsis
24 Para ir além 27 Crítica 16 Saiba mais 22 doIlustraçãomês 12 Entrevista Scholastique Mukasonga 86 Por que ler o livro O indicadolivro 4 doExperiênciamês prefácioposfácio deguia conteúdos 31 Agenda
Leia até a página 118
4 EXPERIÊNCIA DO MÊS
LEITURADEJORNADA
A investigação de Lucie e Hiena está dando resultados, mesmo com seus métodos duvidosos. O paradeiro de Valentine está próximo de ser descoberto.
É apenas o início do livro e você já sabe que a adolescente Valentine Galtan desapareceu. A sua avó vai ao encontro das detetives que contratou para descobrir o que a neta estava fazendo. Assim, descobrimos hábitos excêntricos da jovem.
Apocalipse bebê pode ter terminado, mas a experiência não! cadaaMarque concluídaparte
Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ao lado e escute o episódio de nosso podcast dedicado ao livro do mês. No aplicativo, confira também a nossa agenda de bate-papos.
Leia até a página 293 Uau! A irmã, Elisabeth, entra em cena e agora descobrimos exatamente o que Valentine estava fazendo na Espanha. Por essa você não esperava, hein?
riamos esta experiência para expandir a sua leitura. Entre no clima de Apocalipse bebê colocando a playlist especial do mês para tocar. É só apontar a câmera do seu celular para o QR Code ao lado ou procurar por “taglivros” no Spotify. Não se esqueça de desbloquear o kit no aplicativo da TAG e aproveitar os conteúdos complementares!
Estamos entrando nos dramas familiares dos Galtan, conhecendo o pai de Valentine e sabendo um pouco mais sobre a sua mãe e a sua madrasta. Os julgamentos de Valentine são válidos ou existem segredos a serem desvendados?
Leia até a página 187 De Paris, as detetives vão a Barcelona procurar por Vanessa, mãe de Valentine. Lá, descobrem um pouco mais sobre os passos da garota.
Leia até a página 93
De volta a Paris, Valentine cumpre o seu destino de um bebê apocalíptico. Um final bombástico!
C
Leia até a página 18
Leia até a página 318
O projeto de capa de foi desenvolvido pelo designer Lucas D'Ascenção, do Estúdio Tereza Bettinardi. A caligrafia e as imagens usadas remetem à rebeldia e à linguagem marcante da narrativa de Despentes. Com a colagem como recurso gráfico, buscou-se a integração dos outros materiais do kit com os principais elementos da trama.
jul fev ago mar set jan 5EXPERIÊNCIA DO MÊS 5
100% Arábica (10 g cada) torrado e moído. projeto gráfico mimo
Na difícil tarefa de vigiar uma adolescente, a detetive Lucie precisa fazer algumas pausas estratégicas: “Passo boa parte da tarde lendo, página por página, um jornal que um cliente esqueceu sobre uma das mesas enquanto pedia cafés”. Enquanto não descobrimos os desdobramentos dessa história, que tal ler e tomar um cafezinho com a protagonista durante a vigia? O mimo deste mês é ideal para isso: em uma parceria com a Cafés
Tida como um dos nomes mais importantes (e polêmicos) da literatura francesa contemporânea, a escritora e cineasta Virginie Despentes publicou Apocalipse bebê em 2010, com o qual venceu o prêmio Renaudot. Nesse romance, que tem como mote o desa parecimento de uma jovem rebelde e as buscas por seu paradeiro, a autora mescla suspense e road trip para lançar um olhar crítico à sociedade contem porânea. Com personagens imperfeitas e nem sempre virtuosas, desvela temas que vão da descoberta da sexualidade às relações familiares disfuncionais.
6 POR QUE LER O LIVRO
Maggie Nelson, autora de Argonautas
“Virginie Despentes destaca-se como líder de uma geração alegremente libertária e desinibida.“ M. P., L’Express “A meio caminho entre thriller e road movie, sátira distópica e suspense.“ Augustin Trapenard, Elle “Apocalipse bebê é mais do que uma versão punk e queer do gênero noir. É uma performance em coro que joga seus leitores no coração de um espetáculo violento, com toda a sua dor, desconforto e falta de clareza.“
7POR QUE LER O LIVRO
Agentes do caos
SOLETTI*A
MARIANA
ssim como a personagem Valentine de Apocalipse bebê, Virginie Despentes é uma agente do caos. Mais do que isso, poderíamos dizer que ela é a arquiteta daquilo que suas personagens fictícias (e suas discípulas na vida real!) constroem enquanto mulheres. Despentes nasceu em Lyon, na França. Seu primeiro romance, Baise-moi, foi publicado quando ela tinha apenas 25 anos, em 1994. Uma adaptação cinematográfica do livro ganharia sucesso no âmbito underground, escancarando hipocrisias e, de forma amadora, trazendo luz a questões importantes do nosso cotidiano. Além de Baise-moi, Despentes tem livros teóricos nos quais discorre sobre suposições corriqueiras a respeito da relação da mulher com o sexo, o estupro, a pornografia, a prostituição e a violência, como Teoria King Kong (2006). Ela mesma trabalhou
É formada em Jornalismo e Letras/ Inglês pela PUCRS, cursa Letras/Português e é doutoranda em Teoria da Literatura pela mesma universidade. Trabalha com redação e revisão textual, e pesquisa literatura em língua inglesa e psicanálise.
O LIVRO INDICADO8
Virginie Despentes não tem medo de instaurar polêmicas relevantes para as teorias de gênero, que suscitam frutíferas discussões acerca do lugar da mulher no mundo
É possível que alguns leitores associem o seu nome ao do filósofo Paul B. Preciado, autor de Manifesto contrassexual (2000) e Testo junkie (2008). Preciado e Despentes foram companhei ros e viveram alguns anos juntos em Barcelona: o it couple conserva o mesmo estilo irônico ao endereçar-se à sexualidade. Despentes ainda publi cou outras obras, como Les chiennes savantes (1996), Les jolies choses (1998), Teen spirit (2002), Trois étoiles (2002) e Bye bye Blondie (2004), antes de chegar a Apocalipse bebê, publicado
como prostituta e resenhista de filmes pornô, alinhada à sua vivência no submundo punk rock. Dessa maneira, ela não tem medo de instaurar polêmicas relevantes para as teorias de gênero, que suscitam frutíferas discussões acerca do lugar da mulher no mundo — sobretudo o seu prazer.
O LIVRO INDICADO
A autora do mês, Virginie Despentes. Crédito: JF Paga/ Grasset
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originalmente em 2010. A autora também iniciou uma trilogia, Vernon Subutex (2015), que originou uma série premiada pelo Canal+.
O enredo de Apocalipse bebê soa bem simples. Valentine, uma adolescente transgressora, é vigiada por Lucie, que deve saber todos os passos da garota durante os seus dias em Paris. Um certo dia, no metrô, Lucien se distrai e Valentine desaparece. A partir desse evento, destrincham-se fatos sobre a vida da jovem e da sua família, com a ajuda nada ortodoxa de uma outra mulher controversa, a Hiena.Aconstrução da personagem principal parece simbolizar tanto o que encontramos em outros textos de Despentes quanto aquilo que ela repre senta para a crítica pós-feminista francesa. Em Baise-moi, mulheres que foram estupradas tor nam-se prostitutas assassinas, protagonizando cenas grotescas entre a dor e o prazer. Já em Teoria King Kong, também ao escrever sobre o estupro, Despentes aponta para a falta de violência relacionada a mulheres, ao passo que, aos homens, isso não é negligenciado. A pergunta é clara: “por que vocês não se defendem mais violentamente?”. Eles têm a certeza de que nunca reagiremos assim, pois somos ensinadas a “sofrer — e não fazer nada além disso”. A lógica do sofrimento e da docili dade da mulher, atrelada à sua impossibilidade de defender-se com meios violentos, é subvertida em Apocalipse bebê. A Hiena é uma mulher que não abaixa a cabeça para qualquer um. Valentine, por sua vez, é uma adolescente que transa his trionicamente, que bebe álcool em demasia, vai ao cinturão parisiense participar de rodas punk em shows de bandas cujos nomes são duvidosos. Enquanto todos se mobilizam para detê-la, de Paris a Barcelona, seja por controle parental ou religioso, ela continua em sua missão de agente do caos. Odiando todos ao seu redor a ponto de bater em seus entes queridos, a verdade é que seu caos é oriundo de um vazio que remete às suas relações familiares.
Não espanta o fato de a mãe de Valentine ter fugido para Barcelona, ou mesmo de François, pai ausente, não ter ligado muito para o sumiço da filha.
O LIVRO INDICADO10
Podemos tratar Apocalipse bebê como uma sátira social densa de um sistema burguês, que faz filhos pela obrigação de uma família nuclear, que tem bairros simpáticos onde adolescentes usam drogas escondidos, tudo isso embebido de uma misoginia não tão internalizada de playboys adolescentes. A Hiena, a detetive terceirizada por Lucie, é um grande exemplo de quem sai dessa regra: uma lésbica andrógina de caráter altamente atrevido que, nos passos da liberdade total de maio de 1968, paquera garotas e bate em garotos sem piedade.
Apocalipse bebê contém o que Virginie Despentes tem de melhor em sua produção teórica e ficcional. Com uma quantidade impressionante de personagens, não cansa o leitor com essa história talvez caótica, porque estimula o sentimento de alteridade. Com suas vozes particulares e tremores contemporâneos, justifica-se seu brilho e reduz-se sua crítica. Valentine, a agente do caos, e a Hiena, sua mentora, devem nos inspirar pela rebeldia. Mulheres do mundo, fujam.
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O LIVRO INDICADO 11
Desse pai, que é um presunçoso autor obsessivo de livros (imaginemos a qualidade deles…), às suas esposas e amantes, da avó insuportável ao primo com quem se relaciona, todas essas pessoas não se preocupam com Valentine ao ponto de que sua existência seja validada — ela é apenas uma lembrança de uma régua moral que deve ser seguida. Como resposta, ela não só os ignora mas planeja vingança.
ascida em Ruanda, a escritora tutsi Scholastique Mukasonga ficou conhecida, entre outros aspec tos, pela potência de seus relatos sobre o genocídio de seu grupo étnico, ocorrido nos anos 1990. Em A mulher de pés descalços (2017), por exemplo, ela aborda os desafios enfrentados pelas mulheres em meio às lutas fratricidas entre as etnias Tutsi e Hutu. Um belo diploma (2020), seu último livro lançado no Brasil, tem como foco a sua própria trajetória a partir da aposta de seu pai de que os estudos a salvariam dos horrores de seu país. Desde 1992, Mukasonga vive na França, onde se firmou como escritora e ativista da diáspora negra. Atenta à cena literária do país, foi integrando júris de diferentes premiações que entrou em contato com a obra de Virginie Despentes. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à TAG, ela dá mais detalhes da escolha de Apocalipse bebê, destaca suas impressões sobre os personagens da obra e também revela alguns de seus novos projetos.
Curadora do mês, a escritora tutsi Scholastique Mukasonga destaca as qualidades da produção de Virginie Despentes e compartilha as suas impressões sobre Apocalipse bebê
É editora na TAG. Jornalista formada pela UFRGS, é mestranda em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP. Antes, foi repórter cultural do Estadão e colaboradora do portal Fronteiras do Pensamento.
JÚLIA CORRÊA*N
“
ENTREVISTA12
A Hiena parece ser a porta-voz de Virginie Despentes”
Como você entrou em contato com o trabalho de Virginie Despentes? Qual você considera a impor tância dela na literatura francesa atual?
O Festival de Livros e Música de Deauville busca, com o seu prêmio literário, “homenagear um autor para quem a música é uma questão criativa”. Em 2016, fui membro do júri. Entre os dez livros finalistas, estava A vida de Vernon Subutex (Volume 2), de Virginie Despentes. Ela havia recebido o prêmio Renaudot em 2010 por Apocalipse bebê, e os dois primeiros volumes de sua trilogia Vernon Subutex foram um sucesso imenso. Não via como esse prêmio poderia aumentar a notoriedade dela, mas a maioria dos jurados votou a seu favor. Será que ela viria para receber seu prêmio? Virginie, de fato, compareceu à entrega, e eu fiquei encantada com o paradoxo: aquela que passou por todas as fases da marginalidade e as descreveu em seus livros (psiquiatria, alcoolismo, drogas, prostituição, comunidade punk etc.) foi coroada por uma das praias mais elegantes da França, famosa por seu cassino, seus palácios, seu hipódromo, suas luxuosas vilas… Alguns esperavam sem dúvida uma daquelas declarações estrondosas que se costuma fazer. Contentou-se em declarar que era escritora e não tinha o dom de falar em público. Eu admirei muito Virginie.
ENTREVISTA 13
A curadora do mês, ScholastiqueMukasonga.
Crédito: WikimediaActuaLitté/
Você vive na França há muitos anos. Em que medida você acredita que Apocalipse bebê reflete a situação do país, levando em conta conflitos sociais, políticos e mesmo religiosos?
Na sua opinião, quais são as principais qualidades de Apocalipse bebê?
Como abordar esse livro? Não espere nada do título e também não acredite que estamos lidando com um thriller, quando à primeira vista tudo poderia levar a acreditar. O enredo: a busca por Valentine, uma garota desaparecida (fugitiva, sequestrada?). Os personagens principais: o clássico conjunto de dois detetives — como Sherlock Holmes e Dr. Watson —, Lucie Toledo e a chamada Hiena, que assume a liderança na investiga ção, mas que é mais como um James Bond feminino, sempre segura de si, não relutante em usar violência, conquistadora de garotas. De fato, a busca que leva o leitor de Paris a Barcelona é o pretexto para uma série de retratos coloridos e especialmente sombrios. O retrato de François Galtan, pai de Valentine, é parti cularmente feroz com os escritores frustrados. Depois de um primeiro romance promissor, seus livros gradu almente caíram na indiferença e “teve ele próprio que escrever, com pseudônimos, algumas frases de elogio sutilmente críticas em fóruns e blogs literários” sobre seus livros. Yacine, o primo de Valentine, um pequeno líder de gangue da cidade que, diz sua mãe, “na escola, não escuta nada do que dizem. Essa cultura aí não é para eles. Não se pode fazê-la entrar à força na cabeça deles. A educação dos franceses de origem”. Vanessa, mãe de Valentine, de origem norte-africana, lamenta que nunca teve “a oportunidade de sentir a felicidade de poder ser racista”. Deixo aos leitores o prazer de descobrir os retratos ferozes que o talento de Virginie Despentes pinta, com o cuidado de não revelar o final improvável, imprevisível, explosivo, o cúmulo da ironia.
A descrição das mazelas e dos marginalizados da sociedade está muito na tradição da literatura francesa, e não acho incongruente comparar Virginie Despentes
ENTREVISTA14
Meu próximo livro, Sister Deborah, será lançado pela Gallimard no dia 13 de outubro. No final de setem bro, estarei, se a Covid permitir, em Nova York e Boston para a publicação de Kibogo pela minha editora, Archipelago Books. Espero, no próximo ano, poder voltar ao Brasil, onde tantos leitores me demonstram sua fervorosa lealdade.
a um autor clássico um tanto negligenciado que, no século XVII, pintou os males de seu tempo: refiro-me a Jean de La Bruyère e seu Les caractères (1688). A Hiena, cujo nome verdadeiro nunca saberemos e que reaparecerá na trilogia de Vernon Subutex, parece ser a porta-voz da autora. Em seu ensaio Teoria King Kong, Virginie Despentes defendeu uma sexualidade “sem gênero”; disse que queria alcançar uma forma de força que não é nem masculina nem feminina, que impressiona, apavora, tranquiliza. Uma capacidade de dizer não, de impor seus pontos de vista, de não se esquivar. Através da metáfora do King Kong, ela pretendia buscar uma sexualidade antes da distinção de gêneros como se impôs politicamente no final do século XIX. King Kong está além do feminino e do masculino. A Hiena, que entra na investigação e cativa a colega tímida, é o protótipo dessa super mulher defendida na utopia de Virginie Despentes. A Hiena mistura harmoniosamente características femininas e masculinas: “Uma mulher de cabelos pretos e curtos está sentada no sofá. Pernas abertas. Como um cara. Não como uma vagabunda, mas como um homem mesmo”; por outro lado, “ela gostava de meninas”. E depois há o estilo, com o francês como é falado em seus muitos dialetos urbanos. Podem dizer, como dizem diante de um quadro de Picasso, que todo mundo poderia fazer o mesmo, mas, acredite, não é fácil trazer a linguagem falada para dentro do espartilho da palavra escrita. A tradutora deve ser muito corajosa!
ENTREVISTA 15
Pode nos falar de seus novos projetos? Lançará livros em breve?
É formada em Jornalismo e Letras/ Inglês pela PUCRS, cursa Letras/Português e é doutoranda em Teoria da Literatura pela mesma universidade. Trabalha com redação e revisão textual, e pesquisa literatura em língua inglesa e psicanálise.
16 SAIBA MAIS
Autoras francesas de não ficção estão fazendo sucesso mundialmente. Agnès Poirier, escritora, roteirista e jornalista para diversos veículos de comu nicação, como o The Guardian, escreveu uma como vente biografia da Catedral de Notre-Dame, cujo incêndio em 2019 culminou em discussões fervorosas
Conheça outras escritoras francesas que, assim como Virginie Despentes, mostram-se atentas às questões da contemporaneidade e da vida feminina MARIANA
ASOLETTI*
literatura escrita por mulheres na França tem um histórico de genialidade. Poderíamos começar citando o êxito de Simone de Beauvoir com obras como Memórias de uma moça bem-comportada, Os mandarins e A mulher desiludida, ou a produção de Marguerite Duras, considerada uma das principais vozes femininas da literatura do século XX na Europa. No entanto, o processo de conhecer essa literatura deve dar espaço à contemporaneidade e a autoras que conseguem captar seus tempos e trazê-los à tona através da linguagem empregada, da construção de personagens verossímeis e da perpetuação do cenário francês, presente no imaginário ocidental como um charmoso espaço caótico.
Agnès Poirier, autora de livro sobre a Catedral Notre-Dame.de
Crédito:Divulgação
Um olhar para a sociedade
Canção de
Crédito: Huslage-KochHeike
Ao falar de fic ção, Leïla Slimani talvez seja o nome mais conhecido da literatura prêmiores.escritacontemporâneafrancesapormulheVencedoradoGoncourtem2016,aautorade
sobre Mesclandoaetnocentrismocultural,preservaçãoreligião,eisençãofiscaldedoaçõesmilionárias.ojornalismoliterárioàpesquisaacadêmica,essaéumahistoriografiade850anosparamostraraforça
Springora,Vanessaautorade consentimento.O
Crédito: Jindřich Nosek
Leïla GoncourtvencedoraSlimani,doem2016.
17SAIBA MAIS
do espaço litúrgico no dia a dia francês, para além da fé e da arquitetura. Vanessa Springora, com O consentimento, obteve grande sucesso. A autora conta a história da própria adolescência, quando conheceu o premiadíssimo escritor Gabriel Matzneff. Então com 50 anos, ele começou a buscá-la na frente da escola e levá-la a quartos de hotel. Com o passar do tempo, ela percebeu a estridente relação de poder entre os dois e conseguiu deixá-lo. A publicação do livro desatou uma polêmica nos meios literários franceses sobre a condescendência com que Matzneff foi tratado ao longo da década: mais de três editoras ainda publicavam seus livros, em que ele se gabava da conquista de adolescentes, pouco antes do lança mento do testemunho. Aos 83 anos, Metznoff ainda é um homem livre, e ganhou o prêmio Renaudot em 2013. No entanto, o livro de Vanessa surtiu resulta dos materiais na legislação francesa. Por meio de sua luta, a França prolongou de 20 para 30 anos o prazo de prescrição para crimes sexuais cometidos contra menores, a contar da maioridade, a fim de facilitar a repressão a esses atos.
Crédito: Boyan Topaloff
ninar explora em seus livros mais célebres a relação das mulheres com o meio, desper tando desconforto em seus leitores ao abordar caracterís ticas inusuais para a construção da feminilidade, princi palmente da mater nidade. Por mais que Canção de ninar seja o seu livro mais famoso no Brasil, seu romance de estreia, No jardim do ogro, já abordava tal temática: a lascívia de Adèle, comparada às suas skills de mãe organizada e dedicada, demons tra-se compulsiva, e o prazer, desde as primeiras páginas que descrevem as relações sexuais, está em segundo plano para uma temporária sensação de descontrole juvenil. Levar as mulheres ao limite talvez possa definir as duas obras.
Com a adaptação do livro O acontecimento sendo exibida nas salas de cinema do Brasil, outro nome que ganha cada vez mais notoriedade nas estantes brasileiras é o de Annie Ernaux. O acontecimento fala sobre o episódio em que Ernaux teve de abortar na França, nos anos 1960, quando o procedimento ainda era ilegal. Suas obras, em geral, tendem a focar em descrições intimistas e confessionais dos acontecimentos. Mas a primeira pessoa do singular, aqui, desemboca em discussões sobre a sociedade francesa, mesclando o relato pessoal com reflexões socioló gicas. Os anos, aliás, é tido como uma “auto biografia sociológica”, posto que a memória pessoal mistura-se à memória coletiva até o seu limite. O lugar segue o mesmo pre ceito: denota uma espécie de “arte do desencontro” dentro da própria casa, com um pai iliterato e uma
Annie sociológicas.reflexõespessoalmesclaErnauxrelatocom CatherineCrédito: Hélie/ Gallimard
18 SAIBA MAIS
Muriel conhecidaBarbery,pelolivro A elegância do ouriço.
Delphine de Vigan, como Annie Ernaux, ganhou adaptações cinematográficas de seus livros, como Baseado em fatos reais, de 2015. Vencedora dos prêmios Goncourt e Renaudot, a autora aposta em livros cujos enredos são enigmáticos e desconfor táveis, trazendo um quê de macabro para retratar episódios usuais na vida de um ser humano. Les heures souterraines, sem tradução para o português, aposta nessa fórmula. Yasmina Reza, roteirista e dramaturga consolidada, tam bém escreve roman ces: Babylone , de 2016, foca em um assassinato e nas correntes obscuras da domesticidade e do casamento. De certa forma, o thril ler é mais introspec tivo do que o usual para o gênero, assim como nas produ ções de Vigan.
Delphine de Vigan enigmáticosenredoscria desconfortáveis.e
Uma batalha interna entre classes acontece com a concierge culta em A elegância do ouriço, de Muriel Barbery. A autora franco-marroquina, muito conhe cida por esse romance, explora questões existencia listas com a personagem Paloma, adolescente que, desiludida, pensa em cometer suicídio ao completar 13 anos de idade. Há muitas referências literárias que enriquecem A elegância, também como uma autofa gia da própria autora, que denuncia as desigualdades de capital cultural entre os estratos sociais franceses.
Crédito: Pascal Victor
Yasmina Reza é dramaturgaroteirista, e romancista.
filha intelectual. As diferenças, difíceis de se atenuar até mesmo no campo dos valores, acompanham as trans formações da França, sobretudo levando em consideração aqueles que viveram ou não os episódios da Segunda Guerra Mundial e a invasão hitlerista.
Crédito: JouandeauDelphine
19SAIBA MAIS
Gabriel Renner é designer e infografista de jornais e revistas, trabalhou para diversos veículos do sul do Brasil, como Zero Hora, Diário Gaúcho e Grupo Editorial Sinos. Também faz charges diárias nos jor nais NH, VS e Diário de Canoas. @rennergabriel
A pedido da TAG, o artista interpretou uma passagem do livro do mês: “No dia seguinte, a Hiena me espera na frente de casa. Desta vez, ela está dirigindo um 4x4 cinza metálico, não entendi de onde tirou aquele monstro. Atravessamos Paris lentamente, nesse carro tenho a impressão de estar em uma carruagem, é muito alto, e dá vontade de cumprimentar os pedes tres com um leve aceno, como faria o papa ou a rainha da Inglaterra. France Gall canta, Si, maman si, si, maman si, fazia muito tempo que não ouvia aquela música. [...] A Hiena dirige em silêncio, absorta nos seus pensamentos, ela está sentada longe do volante, com os braços estendidos”.
22 ILUSTRAÇÃO DO MÊS
Ilustração do mês
Se você ainda não leu o livro, feche a Revista nesta página. A seguir, você confere conteúdos indicados para depois da leitura da obra.
m certo momento da trama de Apocalipse bebê, de Virginie Despentes, a personagem Lucie pensa: “Tinha esquecido que adoro andar de carro, sair de Paris e olhar o asfalto escorrer para baixo do para-brisa. Rapidamente, campos e bosques ladeiam a estrada”.
Crítica literária e jornalista. S.epós-doutoradoFezemLetrasnaUFRGSédoutoraemLetraspelaUCS.FoirepórterdaFolhadePauloeVeja.
Narrativas de estrada e a busca por liberdade
Gênero dominado majoritariamente por personagens masculinos, a ficção de estrada tem protagonistas mulheres na literatura contemporânea de Virginie Despentes e Carol Bensimon
E
24 PARA IR ALÉM
PAULA SPERB*
Em Apocalipse bebê, as personagens passam por transformações importantes após a viagem de Paris a Barcelona. As detetives particulares Lucie e Hiena, que buscam pela adolescente desaparecida Valentine, sofrem mudanças internas após a experiência vivida em seu destino final. A viagem de carro de volta a Paris é como um símbolo que consolida essas transformações vividas pela dupla.
O gênero “narrativa de estrada” abrange diferentes tipos de narrativas — sejam elas romances ou filmes, de ficção ou não ficção — que, como indica o próprio nome, possuem a estrada como expressão de uma jornada que é muitas vezes interior.
Se nem tudo o que ocorre na trama se desenrola na estrada, é a estrada que liga Paris a Barcelona e, portanto, conduz as personagens aos fatos que impactarão suas vidas. A estrada simboliza aquilo que repercute tanto íntima como socialmente na realidade de Lucie e da Hiena. Essa característica é o que faz com que Apocalipse bebê seja também, entre outras definições possíveis, um romance de estrada.
Autora de Todos nós adorávamos caubóis (2013) — um romance de estrada que já foi livro do mês da TAG —, Carol Bensimon explica que o gênero está relacionado com a busca por uma alternativa às convenções sociais, em que a estrada representa a liberdade. “Quando a pessoa está na estrada, ou em qualquer viagem, existe uma ideia de que as regras da vida dita normal não se aplicam do mesmo jeito, como um certo anonimato que faz com que as pes soas se permitam mais quando estão viajando”, diz.
De fato, é no cinema que o gênero de narrativa de estrada se consolida. “É um gênero transmidiático onipresente no repertório da contemporaneidade”, conforme explica Helena González Fernández, pro fessora da Universidade de Barcelona, no artigo “Romance de estrada: memória afetiva e sexualidade em Carol “QuandoBensimon”.fuiescrever Caubóis, eu tinha bem mais referência de filmes de estrada do que propriamente livros de estrada. Naquele momento, óbvio, eu tinha uma referência muito forte em Thelma & Louise
Crédito: Reprodução
25PARA IR ALÉM
Thelma & Louise, filme de 1991, paradigmas.quebrou
Para a escritora, seria possível remeter o conceito até mesmo à Odisseia, de Homero. Na epopeia, Odisseu (ou Ulisses) faz uma viagem de volta para Ítaca após a Guerra de Troia. “Mas não enxergo tão longe assim”, pondera Bensimon. “Enxergo o romance On the Road, de Jack Kerouac, como funda dor moderno do gênero”, explica. Escrito em 1957, o livro conta a história de dois amigos que viajam pelos Estados Unidos. A obra é referência de contracultura até os dias de hoje e foi transformada em filme pelo diretor brasileiro Walter Salles em 2012.
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Muito porque eram duas mulheres na estrada, que era uma coisa bastante incomum”, diz Carol. Dirigido por Ridley Scott, Thelma & Louise (1991) quebrou o paradigma do gênero de narrativa de estrada ao ser protagonizado por duas mulheres. “Normalmente, é o homem branco viajando”, compara Bensimon. Na obra da autora, também são duas mulheres, Cora e Júlia, que viajam pelo interior do Rio Grande do Sul.
A estrada também pode ser um espaço de liber dade para experimentar e exercer uma identidade sexual, tema que aproxima Apocalipse bebê de Todos nós adorávamos caubóis. No romance de Despentes, a personagem Hiena identifica-se com naturalidade como lésbica, enquanto Lucie descobre sua sexuali dade na viagem e em tudo que dela decorre. Lucie acaba fazendo outra viagem de carro e nela constata sua mudança: “depois de cinco minutos do lado de fora, eu me sentia realmente bem. Quanto mais íamos em frente, mais luz havia, e cada vez mais eu tinha a impressão de deixar o pior para trás”.
On the Road, de Jack ganhouKerouac,adaptaçãocinematográfica.
PARA IR ALÉM26
Crédito: Reprodução
A
É jornalista e especialista em Literatura Brasileira pela UFRGS. É poeta, letrista e colagista @fabulario.collage,noautoradolivro Na minha casa há um leão (Editora Zouk, 2021). Como pesquisadora, criou o mapa global de abrir voz de mulheres no @1minuteslam.Instagram
TATIANA CRUZ*
Todo mundo sabe, mas não custa repetir aqui, a título mais de reafirmação simbólica, que, por definição, o apocalipse é uma grande revelação, a divulgação de um grande conhecimento. Na Bíblia, é o céu se abrindo para a verdade celestial, o Armagedom, a luta final entre Deus, os pecadores terrestres e o Diabo, culminando com a extinção do mundo que conhe cemos. No livro de Virginie Despentes, o apocalipse pode assumir várias interpretações, é claro, mas há
CRÍTICA 27
pocalipse bebê é uma declaração de amor à ficção, em tudo o que a ficção carrega, mesmo quando a ficção é uma bomba instalada dentro da vagina de uma adolescente, que manda um dos pontos turísticos mais icônicos de uma das mais importantes capitais do mundo pelos ares. Mesmo quando a ficção explode parte da Cidade Luz. Mesmo quando a ficção desfigura o retrato da sociedade ocidental contemporânea sem poupar nenhuma geração. Mesmo quando a ficção é uma road trip guiada por uma heroína lésbica feminista entre guetos de esquerda, LGBT+, punks nazistas, imigrantes muçulmanos, expatriados em Barcelona e esnobes da classe alta de Paris.
Despentes mergulha na mente de personagens muito divergentes, trazendo à tona perspectivas políticas e culturais inflamáveis, que ela narra como um grito, num fôlego só
O que vem depois do apocalipse?
A autora coloca Lucie Toledo — se não a personagem mais perdida da ficção contemporânea, certamente a pior detetive particular da história dos romances — como a voz que costura a obra. E, ao fazer isso, Despentes reforça a vocação da sua literatura — algo que a acompanha em outros de seus romances — de elevar a protagonistas personagens coadjuvantes. Entramos, assim, na mente de alguém que não se leva muito a sério, que não sabe o que quer da vida e que, na casa dos 30, parece mais uma adolescente. “O tamanho da bagunça me desanima. Eu contemplo a possibilidade de pedir demissão. Mas é melhor me demitirem, por causa do seguro-desemprego”. A honestidade da personagem é a primeira aproximação que temos a esse cast de pessoas quebradas. E o fato de Lucie nutrir um distanciamento sarcástico do entorno nos permite, como leitores, enxergar do ponto de vista dos que se encontram à margem: “Os garotos seguem para a aula. São vazios, barulhentos e animados demais. Silhuetas intercambiáveis. Não me interesso muito por eles. Eles também não se interessam por mim, não entro no campo de visão deles. Esse é meu ponto forte: sou dispensável.”
CRÍTICA28
uma alegoria muito marcante na destruição operada pela adolescente Valentine. Nessa espécie de Juízo Final de Despentes, a filha explode o mundo do pai, o pai e, de certa forma, o próprio patriarcado, engrossando o coro das vozes femininas que vamos encontrando, na cola das detetives protagonistas, ao longo do romance.
Um dos pontos altos do livro é justamente essa polifonia. Tem sempre muita gente em cena e muita gente falando. Em época de streaming, parece que embarcamos em uma série. Frases curtas e de grande poder descritivo, humano e espacial, possivelmente ativadas pela experiência da autora no cinema, como diretora e roteirista, abrem trechos que mais parecem episódios, com atores dialogando em uma voz muito autêntica e convincente. Despentes explora per sonagens do século XXI, do nosso tempo. São perdedores, quase todos. Imperfeitos mas interessantes, bordeando os limites dos papéis femininos tradicionais, do controle na era da internet, do sistema de classes europeu, das divisões de raça e política, e de uma cultura jovem que parece carecer de crenças e se vê facilmente manipulada por autoridades obscuras. Esse elenco aparece em toda a sua vulnerabilidade, sem autopiedade, e é costurado na trama em um texto sarcástico e delicioso.
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Em um grande momento como romancista, Despentes mergulha na mente de personagens muito divergentes, trazendo à tona perspectivas políticas e culturais infla máveis, que ela narra como um grito, num fôlego só. E o final desse noir estranho e atraente, que às vezes chega a parecer leve e provocar risadas, cai mesmo como uma bomba. Habituada a apresentar mulheres em vingança a qualquer custo, a autora nos faz sair de Apocalipse bebê com uma estranheza que é tam bém o próprio retrato do contemporâneo, de quem está dentro do próprio tempo, no arco da ação e sem bola de cristal. Ao explodir o pai, ao deixar um poema-manifesto chamando para si o atentado, a adolescente acaba colocando holofotes sobre o mesmo, que ganha, depois de morto, o que nunca teve em vida: um sucesso internacional. Se era o Juízo Final, para o patriarcado, parece que o Armagedom não aconteceu. O que vem depois do apocalipse, então?
CRÍTICA30
À medida que Lucie avança na procura pela menina rica, outras vozes tomam assento, e Despentes busca um narrador que parece ingressar na consciência dos sujeitos, com uma descrição que mimetiza a vida dos personagens. É o caso, por exemplo, da atenção dada ao pai da desaparecida. O texto fica mais arrastado, com frases mais longas e uma dramaticidade quase pedante, apresentando-nos a François Galtan, um romancista sem sucesso, vaidoso e extremamente boçal com as mulheres: “Está desgastado. A fuga da filha lhe provou isso. Ela o abandonou, e ele, no fundo, não está nem aí. [...] Só as mulheres continuam a reanimar sua consciência plena, de tempos em tempos, como admiráveis sereias que o retêm junto aos prazeres da vida”. Ou aqui, quando o foco narrativo muda de ritmo e de linguajar e se dirige à Hiena, uma violenta cobradora de dívidas europunk lésbica que tem a reputação de encontrar pessoas, uma espécie de Lisbeth Salander, a heroína do escritor sueco Stieg Larsson: “Elas ficam radiantes que a Hiena as deixa fazer suas bobagens em paz. Dois dias atrás, no meio das sapatonas, Lucie não ficava cinco minutos sem precisar ir ao banheiro para se refrescar, de tão desconfortável que estava. [...] As héteros são todas parecidas, elas dizem ‘dessa água não beberei’ quando ninguém lhes perguntou nada, aí elas pulam no meio das suas pernas para chupar sua buceta sem nem dar tempo de você reagir. Para darem uma pausa nos peludos, coitadas”.
Guia de perguntas sobre Apocalipse bebê
AGENDA 31
A autora do livro do mês é um importante nome da literatura espanhola contemporânea. Aguarde um romance potente, que vem sendo classificado como um “épico da vida feminina”, oferecendo também uma imersão no passado recente da Espanha, do final da ditadura franquista até a explosão do feminismo. A curadoria é de Giovana Madalosso.
Para quem gosta de: literatura espanhola, temas feministas, história Escritocontemporâneaporumautor isra elense, o livro gira em torno das aventuras de dois adolescentes pelas ruas de uma Jerusalém subterrânea. Entre o mistério e a fábula, o que se lê é um romance cativante e cheio de sensibi lidade. A indicação foi feita por uma escritora que volta a ser curadora do clube: a também israelense Ayelet Gundar-Goshen.
Para quem gosta de: literatura mistérios,israelense,fábulas
1. Quais são as suas impressões sobre o estilo narrativo de Virginie Despentes?
2. Lucie ganha a parceria da Hiena na busca por Valentine. O que você achou da dinâmica entre as duas?
5. O que você achou do final do livro? Considera que há alguma simbologia por trás desse desfecho?
4. Em que medida você acredita que as disfunções familiares impactam a trajetória de Valentine?
dezembro
encontros TAG:
novembro vemaí
3. A jornada de Lucie acaba envolvendo um processo de autoconhecimento. Leia a matéria da página 24 e avalie a forma como a aventura na estrada influencia essas transformações da personagem.
– BOM DIA, TRISTEZA, FRANÇOISE SAGAN
“Sobre esse sentimento desconhecido cujo tédio, cuja doçura me inquietam, hesito em usar o nome, o belo e profundo nome de tristeza. É um sentimento tão completo, tão egoísta que quase me envergonha, ao passo que a tristeza sempre me pareceu digna.”