Fev2017 "O xará"

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FEVEREIRO de 2017 O xarรก


TAG Comércio de Livros Ltda. Rua Sete de Abril, 194 | Bairro Floresta | Porto Alegre - RS | CEP: 90220-130 (51) 3092.0040 | contato@taglivros.com.br REDAÇÃO Arthur Dambros arthur@taglivros.com Gustavo Lembert da Cunha gustavo@taglivros.com Maurício Lobo mauricio@taglivros.com REVISÃO Antônio Augusto da Cunha Fernanda Lisbôa

PROJETO GRÁFICO Bruno Miguell M. Mesquita bruno.miguell@taglivros.com Gabriela Heberle gabriela@taglivros.com ILUSTRAÇÃO DA CAPA Gisele Oliveira giseleboliveira@gmail.com IMPRESSÃO Impressos Portão

EQUIPE Álvaro Englert Ariel Belmonte Bruna Kafrouni Bruno Moutinho Caroline Boeira Celina Raposo César Junior Daniel Romero Dione Rosa Douglas Bolzan Eduardo Schneider

Guilherme Karkotli Gustavo Karkotli João Pedro Dassoler Luísa Andreoli Maria Eduarda Largura Marina Brancher Pablo Valdez Rodrigo Antunes Suya Castilhos Tomás Susin Vinícius Goulart Vinícius Reginatto


Ao Leitor “Para todos os membros da TAG, obrigada pela leitura! Com carinho, Jhumpa.” Essa é a dedicatória inscrita na folha de rosto de cada um dos exemplares dos associados da TAG. Outra edição exclusiva, desta vez com um recadinho da própria autora. Quando falamos que os kits de 2017 estariam especiais, não estávamos nos referindo apenas ao projeto gráfico dos livros ou à mudança na box! Enquanto no mês passado recebemos a visita de Nikos Kazantzákis,

um autor já consagrado, em fevereiro Martha Medeiros nos deu a oportunidade de conhecer uma autora contemporânea de talento impressionante. O xará encanta desde a primeira página, e certamente trará a Jhumpa o merecido reconhecimento pelos leitores brasileiros. E a autora veio acompanhada de um gigante da literatura: Nikolai Gógol, tão celebrado ao longo das páginas do livro deste mês, tornou fácil a escolha do mimo, uma edição da L&PM personalizada para o clube, como se saído da própria história.



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Povoar a solidão A curadora: Martha Medeiros O livro indicado: O xará

Dicionário culinário

Nikolai Gógol

Intérprete de males

Capas

A curadora: Marina Colasanti


Povoar a solidão Crônica retirada do livro Doidas e santas (2008), de Martha Medeiros

um tumor que invade um órgão vital. Ah, se todos os tumores pudessem ser curados com amigos. Uma pessoa que não fez amigos não teve pela sua vida nenhum respeito. Nossa solidão é nossa casa e necessita abrir horários de visita, hospedar, convidar para o almoço, cozinhar com afeto, revelar-se uma solidão anfitriã, que gosta de ouvir as histórias das solidões dos outros, já que todos possuem seus descampados.

Se nossa solidão pudesse ser visualizada, ela seria um vasto campo abandonado, um estádio de futebol numa segunda-feira de manhã. Dói, mas tem poesia. Talvez seja por aí que devamos reavaliá-la: no reconhecimento do que há de belo na sua amplitude. A solidão não precisa ser aniquilada, ela só precisa de um sentido. Eu não saberia dizer que outra coisa mais benéfica para isso do que livros. Uma biblioteca com mil volumes é um exército que não combate a solidão, mas a ela se alia.

A solidão não precisa se valer apenas do monólogo. Pode aprender a dialogar, e deve exercitar isso também através da arte. Há sempre uma conversa silenciosa entre o ator no palco e o sujeito no escuro da plateia, entre

A solidão costuma ser tratada como algo deslocado da realidade, como

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o pintor em seu ateliê e o visitante do museu, entre o escritor e o seu leitor desconhecido. Ah, os livros, de novo. De todos os que preenchem nossa solidão, são os livros os mais anárquicos, os mais instigantes. Leia, e seu silêncio ganhará voz. Às vezes tratamos nosso isolamento com certa afetação. Acendemos um cigarro na penumbra da sala, botamos um disco dilacerante e aguardamos pelas lágrimas. Já fizemos essa cena num final de domingo – tem dia mais solitário? É comum que a gente entre na fantasia de que nossa solidão daria um filme noir, mas sem esquecer que ela continuará conosco amanhã e depois de amanhã, deixando de ser charmosa e nos acompanhando até o supermercado. Suporte-a com bom humor ou com mau humor, mas não a despreze. Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância. Em vez de tentar expulsá-la, habite-a com espiritualidade, estética, memória, inspiração, percepções. Não será menos solidão, apenas uma solidão mais povoada. Quem não sabe povoar sua solidão também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão, escreveu Baudelaire. Ah, os livros, outra vez.

foto: Cicero Rodrigues

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foto: Cicero Rodrigues


A curadora: Martha Medeiros

vre, sem pressões ou compromissos profissionais.

Nascida em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no ano de 1961, Martha Medeiros é cronista, poeta e romancista. Seus vinte e quatro livros atingiram a impressionante marca de um milhão de exemplares vendidos, tornando-a um dos nomes mais conhecidos da literatura brasileira contemporânea, e suas crônicas podem ser lidas nos jornais Zero Hora, O Globo e Diário Catarinense.

Anos depois, formou-se em Comunicação Social e trabalhou por cerca de quatorze anos como publicitária em agências, nos setores de criação e redação. Em 1985, Strip tease foi publicado junto a uma coleção de prestígio na época, Cantadas literárias, da editora Brasiliense, que lançou artistas importantes como Leminski, Ana Cristina Cesar, Alice Ruiz e Caio Fernando Abreu. Estimulada pela boa repercussão do livro – e pelo próprio ímpeto criativo –, Martha lançou outras duas coletâneas de poesia. Nada que a convencesse a largar tudo para se dedicar integralmente à literatura.

Aos dezesseis anos, com uma máquina de escrever e influenciada por poetas como Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e seu conterrâneo Mario Quintana, arriscava os primeiros versos, preocupada apenas em escrever de forma li-

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“Achei que ia ser para sempre assim: a poesia como uma espécie de hobby e a propaganda a minha profissão”.

obra que já ultrapassou as cinquenta edições. “Escrevo sobre assuntos cotidianos com um vocabulário acessível, sem nenhum hermetismo, o que atrai o leitor”, reflete Martha Medeiros sobre seu sucesso. “Ao mesmo tempo, não há banalidade: quase sempre escolho temas ligados à psicologia, à complexidade da nossa existência e dos nossos sentimentos, e não há quem não se identifique com isso.” A autora revela influências diversificadas: “Costumo dizer que não foram apenas os escritores que estimularam o meu amor pelas palavras, mas também artistas como Chico Buarque, Caetano, Rita Lee, Gal Costa, Jorge Ben, Ney Matogrosso, Cazuza e tantos outros”.

As coisas começaram a tomar outros rumos quando decidiu se mudar com o então marido para o Chile, em 1993. Com tempo ocioso, voltou a produzir: “Dei início a textos mais longos e opinativos. Não tinha onde publicá-los, era apenas um exercício pessoal, para não enferrujar. Sem me dar conta, estava escrevendo minhas primeiras crônicas”. Ainda em solo chileno, recebeu a visita de um amigo jornalista, que levou consigo, na volta, alguns textos de Martha, a serem encaminhados para o jornal porto-alegrense Zero Hora. Quando a autora voltou ao Brasil, junto à notícia de que um de seus textos seria publicado veio o convite para escrever regularmente para o periódico. Foi quando tudo começou. “No início não era nem uma coluna, era um texto solitário. Daí os leitores gostaram, pediram mais um, mais um… Então, eu fui na onda.”

Martha prefere manter uma vida tranquila e com horários flexíveis no lugar do estrelato e da constante presença na mídia. Não abre mão de estar com a família, com os amigos, namorar, ir ao cinema, viajar. “Viver é mais importante do que trabalhar, e é por pensar assim que busquei uma atividade que me desse muito prazer e liberdade.” Um trabalho prazeroso, no entanto, também tem seus momentos ruins: “Por um lado, é absolutamente sensacional, porque quem não quer trabalhar em casa, fazer seus horários, ter seus prazos, gerenciar a própria carreira sem nenhuma limitação e atingindo o público? E a parte negativa, a associo mais à internet. Porque, aí, sim, você

Martha pôde entender, enfim, que a sua percepção do cotidiano, das relações e dos sentimentos humanos agradava ao público. O sucesso ficou cada vez maior, e com ele o número de exemplares de livros vendidos. Entre seus trabalhos de maior relevância e popularidade, destacamos a coletânea de crônicas Trem-bala (1997), Divã (2002), romance adaptado para peça de teatro, filme e série de televisão, e Feliz por nada (2010),

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perde o controle do seu trabalho”. A escritora incomoda-se com o fato de que, por diversas vezes, textos seus foram publicados em fragmentos, descontextualizados, alterados e até mesmo creditados a outros autores. Um dos casos mais insólitos foi quando atribuíram a Pablo Neruda um texto de Martha; a confusão foi tamanha que o trabalho acabou sendo publicado em um livro em espanhol. “Uma vez, estava em casa num domingo, e toca o telefone: era um repórter querendo que eu desse um depoimento sobre o que estava acontecendo na Itália. Eu digo: ‘O que está acontecendo na Itália?’. Um político importante de lá [o premier Romano Prodi, em janeiro de 2008] tinha renunciado porque havia sido ‘pressionado’ com esse texto meu, mas que foi lido em plenário como se fosse do Neruda.”

foto: Cicero Rodrigues

O livro que a TAG envia neste mês chegou às mãos de Martha sem que ela tivesse informações a respeito da obra ou de sua autora, o que, segundo ela, aumentava o risco de ser abandonado se não a fisgasse logo de cara. Não foi o que aconteceu: “Sou uma autora apaixonada por viagens, e certos livros, como O xará, são excelentes portões de embarque também. Espero encontrar os amigos da TAG a bordo, desfrutando este delicioso passeio”.

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O livro indicado: O xará

lia e pelos amigos em momentos de maior intimidade. Nilanjana, nessas situações, era chamada de Jhumpa.

No dia 11 de julho de 1967, na cidade de Londres, o casal de imigrantes indianos Tapati e Amar Lahiri acompanhava o nascimento de sua primeira filha, Nilanjana Sudeshna Lahiri. A estadia em terras britânicas da menina cuja família veio de Calcutá, capital do estado de Bengala Ocidental, não durou muito: Amar, o pai, conseguiu um emprego como bibliotecário na Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, e aos dois anos ela já morava do outro lado do oceano.

“Os nomes de criação são um resquício persistente da infância, um lembrete de que a vida nem sempre é tão séria, tão formal, tão complicada.” – Trecho retirado do livro O xará

A prática do daknam não é comum nos Estados Unidos, onde se tem o costume de dar apelidos que apenas simplificam o primeiro nome: Margareth vira Maggie, Nicholas se torna Nick. Mas a herança bengali era fortemente sustentada pela fa-

Na terra de seus pais, seguindo a tradição bengali, os recém-nascidos recebem dois nomes, um oficial e uma espécie de apelido, cujo termo original é daknam, utilizado pela famí-

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mundos simultaneamente, no caso de seus filhos. Quanto mais velha eu fico, mais consciente estou de que tenho, de alguma forma, um senso de exílio herdado dos meus pais.” Jhumpa estudou no Barnard College – faculdade de artes liberais para mulheres –, graduando-se em Literatura de Língua Inglesa. Em seguida, ingressou na Universidade de Boston, onde realizou o Mestrado em Língua Inglesa, Escrita Criativa e Literatura Comparada, além do Doutorado em Estudos da Renascença. Ainda que tenha desenvolvido interesse pela escrita durante a infância, seu ingresso no universo literário na condição de escritora começou mais tarde. “Depois que eu saí da faculdade e me vi lá fora no mundo, alguma coisa começou a mudar em mim... Um lento, hesitante despertar artístico. Era algo secreto, assustador.”

mília de Jhumpa, especialmente por Tapati, sua mãe, que organizava viagens frequentes a Calcutá, em uma tentativa de impedir que a tradição indiana se perdesse na filha. “Eu não ia para Calcutá como turista nem como moradora – uma posição valiosa para uma escritora.” Pronunciar “Jhumpa” em lugar de “Nilanjana” era uma tarefa mais fácil para os professores americanos da menina, o que contribuiu para que o nome de criação se tornasse, de certa forma, o oficial. Ser chamada pelo daknam, no entanto, a constrangia e provocava incertezas quanto a sua identidade; o fato de estar em constante trânsito e absorvendo costumes contrastantes ajudou a moldar a percepção de Jhumpa sobre o mundo, sobre as pessoas e principalmente sobre si mesma. “A questão da identidade é sempre muito complicada, especialmente para aqueles que são culturalmente deslocados, como imigrantes, ou para aqueles que cresceram em dois

Em 1997, Lahiri foi aceita no Fine Arts Work Center, um estimado centro que apoia artistas emergentes e consagrados, concedendo-lhes residência e permitindo que tenham tempo para trabalhar exclusivamente em sua obra. No período de um ano, Jhumpa publicou contos em diferentes periódicos como The New Yorker e Agni, obtendo reconhecimento da crítica especializada. Em 1999, lançou sua primeira obra, Intérprete de males, coletânea de contos que exploram as temáticas com que a autora tem maior intimidade, como o choque de culturas, o exílio, o não pertencimento,

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“O livro me ganhou imediatamente. Sou interessada por tudo o que envolve a criação de uma identidade, e O xará deixa qualquer um sem chão.” – Martha Medeiros

a adaptação. Sua estreia não poderia ter sido melhor: o livro recebeu o Prêmio Pulitzer de Ficção do ano 2000, o que a deixou surpresa e, de certa forma, angustiada, pois Jhumpa sabia que tudo o que publicasse a partir daquele momento seria minuciosamente escrutinado pela crítica.

que decidiria o “nome bom” do bebê – o nome oficial, usado socialmente –, descobrem que “a América” não pode esperar, e um nome deve ser logo registrado na maternidade. Apanhados de surpresa, os pais decidem pelo nome Gógol, a princípio um nome de criação, um daknam, uma homenagem do pai ao célebre escritor russo Nikolai Gógol.

Sem se prender ao formato que lhe trouxera sucesso na estreia, Jhumpa partiu para o romance. Em 2003, lançou O xará, obra que a TAG envia em edição exclusiva neste mês.

Nascido e criado em solo americano, Gógol tem problemas para encontrar uma identidade própria, vivendo entre costumes herdados dos pais e da comunidade indiana com a qual se relaciona, ao mesmo tempo em que observa a cultura americana ao redor, reproduzida por ele e por seus amigos. Ainda que não se sinta completamente distante de suas raízes, Gógol não demonstra interesse em viver da mesma forma que os pais. O fato de não se reconhecer em cultura alguma o incomoda, a começar pelo exótico nome russo.

Logo nas primeiras páginas, acompanhamos a trajetória de Ashoke e Ashima Ganguli, indianos de Calcutá que se mudam para os Estados Unidos no final dos anos sessenta. Ao chegar a uma terra tão diferente da sua, o casal, em especial Ashima, que chega ao novo continente sem perspectivas de trabalho, passa a enfrentar os típicos conflitos dos imigrantes: sentimentos de inadequação, isolamento, desconforto. Logo após o nascimento do primeiro filho, o choque entre culturas se torna ainda mais evidente: enquanto esperam por uma carta da avó de Ashima,

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“Ser estrangeira é um espécie de gravidez eterna – uma espera perpétua, um fardo constante, um sentimento contínuo de indisposição.”

O xará ainda viria a ganhar uma adaptação cinematográfica em 2006, no Brasil intitulada Nome de família, da diretora indiana Mira Nair, bem recebida por público e crítica. Depois de suas duas primeiras obras, Jhumpa publicou a coleção de contos Terra descansada (2008) – com o título retirado de uma passagem de A letra escarlate, de Nathaniel Hawthorne – e o romance Aguapés (2013), finalista do Man Booker Prize e do National Book Award. Em 2012, mudou-se com o marido e seus dois filhos para Roma, depois de vinte anos estudando o italiano e sentindo irremediável obsessão pela língua. Na Itália, parou de ler e falar inglês quase completamente – um período que durou cerca de três anos.

– Trecho do livro

Embora seja uma obra ficcional, O xará foi inspirado na vida da própria Jhumpa Lahiri e de pessoas com quem conviveu. Sua sensibilidade desperta no leitor imediata empatia pelos personagens, retratados com realismo e delicadeza. A temática da experiência do imigrante nos é apresentada em O xará por meio de uma narrativa fluida, com sutis recortes do cotidiano da família Ganguli e com a busca de Gógol por se reconhecer como indivíduo em uma sociedade completamente estranha aos seus pais, suas origens, seu passado.

No ano de 2015, lançou o livro de não ficção In altre parole (“Em outras palavras”, tradução livre), escrito originalmente em italiano. A obra, uma “autobiografia linguística”, explora a relação da autora com o novo idioma e também reflete o desejo de livrar-se da obrigação de escrever em inglês, de estar sempre sob os holofotes, como se quisesse resgatar a sensação de começar outra vez, ao mesmo tempo em que se aventura em uma nova forma de expressão, desconhecida, que não lhe pertence: “Não era para eu estar fazendo isso. Eu deveria estar escrevendo romances em inglês so-

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bre imigrantes indianos. Eu não fiz isso. Talvez eu nunca mais o faça. Eu acho que o que venho verdadeiramente procurando enquanto pessoa, como escritora, como uma pensadora, como uma filha, é liberdade. Essa é minha missão”. Novamente nos Estados Unidos, Jhumpa passou a dar aulas de Escrita Criativa na Universidade de Princeton. No final de 2016, lançou o livro The clothing of books, outra obra de não ficção, na qual a autora discorre sobre as artes gráficas criadas para livros, analisando relações entre autor e designer, texto e imagem, arte e comércio. Jhumpa Lahiri e a literatura têm uma ligação apaixonada, sofrida, inquieta; sua obra revela uma autoconsciência em desenvolvimento, uma busca pela libertação do eu, que muitas vezes não se compreende. Ainda que conserve inseguranças e curiosidades típicas de alguém que se apaixona diariamente pelo que faz, a autora ressalta o esforço e a dedicação na realização de seus livros sem esquecer-se da essência de suas motivações: “Escrever é trabalho. Eu tendo a ter dúvidas enquanto o faço. Mas sei que, se eu não escrevo, sinto como se algo não estivesse certo dentro de mim e com o mundo. Escrever é parte vital da minha existência e do jeito que penso e experimento a vida”. Ah, os livros, outra vez.

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ECOS da leitura



Dicionário culinário

Jhumpa Lahiri lembra que, para sua mãe, cozinhar “era sua jurisdição” e “seu segredo”. Ao longo da leitura de O xará, deparamo-nos com inúmeros pratos indianos preparados por Ashima e sua família, nomes

estranhos como luchi, biryani, payesh, que recheiam nosso imaginário e nos deixam com água na boca. Selecionamos alguns para que você possa se arriscar na cozinha quando entrar no clima do livro!

Biryani

prato vegano preparado com arroz, vegetais e especiarias

Samosa

espécie de pastel indiano, tradicionalmente recheado com batata, cebola, ervilha e outros vegetais

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Curry de cordeiro

mistura de especiarias feita à base de pó de açafrão-da-terra, cardamomo, coentro, gengibre, cominho, casca de noz-moscada, cravinho, pimenta e canela

Luchi

pão ázimo (sem fermento) frito, feito com farinha e manteiga clarificada

Payesh

feito com arroz cozido, trigo, polvilho ou vermicelli com leite e açúcar

Sandesh

doce de paneer (queijo caseiro indiano) recheado

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Nikolai Gógol pertencente ao Império Russo, mas que hoje localiza-se na Ucrânia. Apesar de ter absorvido muito da tradição ucraniana, Gógol sempre escreveu em russo.

Gógol Ganguli recebeu seu nome como homenagem de seu pai, Ashoke, ao seu ídolo literário, Nikolai Gógol. O capote, enviado como mimo deste kit, é o conto preferido de Ashoke, considerado por Jhumpa Lahiri “uma história fantástica. O livro me assombra tanto quanto assombra o personagem de Ashoke”. Por sua grande relevância ao longo das páginas de O xará, dedicamos este Eco ao enigmático escritor, considerado um vanguardista da literatura russa.

Autor de clássicos como O nariz, Almas mortas e O inspetor geral, exerceu influência direta em escritores russos como Tchékov e Dostoiévski – que chegara a afirmar que “todos nós saímos do capote de Gógol” –, além de nomes da literatura mundial como Kafka e Sartre. Suas obras aproximam-se esteticamente do realismo fantástico, são recheadas de sátiras e críticas à sociedade russa e aos vícios da condição humana e contam histórias de personagens caricatos por meio de um olhar de escárnio, cômico, que zomba de

Nascido no longínquo ano de 1809, Nikolai Gógol tem, curiosamente, nacionalidade ambígua: tanto Rússia quanto Ucrânia reivindicamna pelo fato de seu nascimento ter ocorrido num território na época

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suas desgraças. Jhumpa Lahiri, cuja escrita se difere bastante da de Gógol – “explicitamente cômica, mais grotesca e absurda do que a minha tende a ser”, segundo ela –, admira enormemente a obra do escritor: “Sem a inspiração de Nikolai Gógol, sem seu nome e sua escrita, meu romance nunca teria sido concebido. Nesse sentido, o livro realmente veio do capote de Gógol.”

caturização e o “riso que mascara o choro”, recursos estilísticos que permeiam sua obra, seriam um indício de suas frustrações e incapacidades. Outro aspecto relevante da persona de Gógol era sua educação fortemente religiosa, acompanhada por questionamentos morais e éticos e um medo patológico da morte e do castigo. Suas fixações e convicções místicas acabaram por atormentá -lo. No fim da vida, ele apresentou sintomas de demência e atitudes autodestrutivas – em um momento de crise, o autor teria ateado fogo em manuscritos inéditos, entre eles a suposta sequência de Almas mortas. Seu comportamento autodepreciativo culminou em sua morte, causada por dias sem se alimentar.

Em O nariz, conto satírico, o autor aposta na fantasia ao narrar o caso de um oficial de São Petersburgo cujo nariz decide abandonar o rosto e ter vida independente; na peça de teatro O inspetor geral, situações cômicas denunciam a corrupção política, a impunidade e a passividade da população; o romance Almas mortas, provavelmente sua maior obra, apresenta uma visão crítica do sistema semifeudal existente à época, com servos vivendo em regime de escravidão; no conto O capote, de onde saiu a epígrafe de O xará, desventuras de um homem simples, sem grandes talentos, de personalidade vazia e sem aspirações, vivendo em meio a uma Rússia burocrática, superficial e hipócrita.

Agora que você recebeu O capote, como se entregue pelo próprio Ashoke Ganguli, poderá conhecer um pouco do universo de um dos ídolos literários de Jhumpa Lahiri.

Longe dos livros, o autor apresentava uma personalidade complexa; solitário, tinha dificuldades em relacionar-se amorosamente – alguns de seus biógrafos apontam, inclusive, para o fato de ele nunca ter amado e que, por isso, teria conhecido apenas um lado da vida. A constante cari-

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INTÉRPRETE DE MALES JHUMPA LAHIRI

preferidos de Oprah Winfrey. E você sabe o que acontece quando Oprah recomenda: mais de quinze milhões de exemplares foram vendidos ao redor do mundo. No Brasil, infelizmente, chegou sem muito alarde.

Difícil finalizar a leitura de O xará e não se sentir tentado a ler outras obras de Jhumpa Lahiri. Sua técnica narrativa, limpa, elegante, ao mesmo tempo em que surpreende pela qualidade descritiva, envolve o leitor do início ao fim. Uma boa pedida para continuar no universo de Jhumpa é Intérprete de males. Como se não bastasse ter recebido o Prêmio Pulitzer de Ficção do ano 2000, a coletânea de contos foi escolhida a melhor estreia pelo The New Yorker e ainda entrou para a lista de livros

O título já desperta curiosidade: o que seria um “intérprete de males”? Quando lemos o conto homônimo, entendemos que se refere ao protagonista, um indiano responsável por traduzir os sintomas de seus compatriotas para um

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muito mais interessante do que as pessoas que contratam seu serviço; como Christopher Isherwood, descreve um homem cujo fascínio pela proprietária da casa que aluga aumenta à medida que a conhece melhor. Nenhuma das histórias, entretanto, é trabalho de aprendiz. Lahiri revisita esses cenários com tramas surpreendentes, inserindo “uma vida imprevisível em cada página, e o leitor se encontra finalizando cada conto com o desejo de que pudesse passar um romance inteiro com os personagens. Seus enredos são construídos com a mesma elegância de um cálculo matemático”.

médico que domina apenas o inglês. O título pode ser, também, uma brincadeira com o fato de a própria autora descrever ao longo dos nove contos as angústias e aflições de indianos com uma cultura completamente diferente da sua. Assim como em O xará, histórias de pessoas próximas à autora serviram de inspiração para a obra. O protagonista do último conto, por exemplo, é um homem que emigrou da Índia para a Inglaterra, e de lá para os Estados Unidos. Assim como Amar Lahiri, pai de Jhumpa. O jornal americano The New York Times destaca que a escritora bebe da fonte de mestres das histórias curtas: como Raymond Carver, escreve sobre um casal que já não se suporta e não sabe o que fazer a respeito; como Ernest Hemingway, retrata o guia turístico que se mostra

foto: Reuters

Adquirimos alguns exemplares para oferecer em nossa loja por um preço especial para associados! A partir do mês de março, o livro estará disponível em loja.taglivros.com.

Jhumpa Lahiri recebendo a Medalha National de Humanidades do Presidente Barack Obama (2014)

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Capas A mais recente obra lançada por Jhumpa Lahiri intitula-se The clothing of books, até o fechamento desta edição sem tradução para o português. Nele, a autora analisa o conceito visual dos livros e como a afeta enquanto leitora e escritora. Segundo Jhumpa, as capas escolhidas para suas obras “acabam se tornando parte” dela mesma.

Após o lançamento do livro, sua preocupação com a escolha artística para a capa dos livros passou a ser objeto de interesse. Apresentamos neste Eco cinco das capas preferidas de Jhumpa e comentários justificando sua escolha, extraídos de uma contribuição da autora para o jornal The New York Times.

Aulas de filosofia de Simone Weil (1933) edição de 1999 “Os livros da série Piccola Biblioteca vêm em diferentes tonalidades, mas os elementos nunca mudam. É rigorosa mas convidativa, sem adornos mas também misteriosa.”

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Lunch Poems

Summers’s End

de Frank O’Hara (1964) “Uma capa elegante e vibrante, na qual a tipografia serve como imagem – poucos elementos, dimensões reduzidas, total harmonia.”

de R. D. Skillings (2016) “Um impressionante retrato do autor, descalço, pintado pela artista Jane Koga em 1969. Quem não ficaria intrigado?”

Orlando

Contos

de Virginia Woolf (1928) edição de 1978 “Um design original de Vanessa Bell, irmã da autora, que combina tipografia e imagem. Divertido, porém sóbrio, abstrato, mas absolutamente único.”

de Nikolai Gógol (1949) edição de 1957 “Uma encantadora ilustração de Edward Gorey, que captura totalmente o espírito da obra. Eu amo o preço no canto e a maneira como a saia envolve a coluna.”

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Espaço do Leitor Se Jorge Luis Borges considerava que o paraíso deveria ser uma espécie de biblioteca, foi o cantinho da TAG no paraíso de nossos associados que procuramos decorar em dezembro do último ano,

quando enviamos as letrinhas em 3D. Selecionamos algumas entre as inúmeras “shelfies”* compartilhadas nas redes sociais para que você conheça o recanto de outros membros do clube.

@ataldaxulia

@linegonzaga

*Brincadeira entre selfie (foto tirada de si mesmo) com shelf, (estante, em inglês)

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@thiagofb84

Simone dos Santos

@walmolin

Compartilhe a sua shelfie ou outas fotos relacionadas ao clube no Instagram e no Facebook com a #taglivros.

@douglas6647

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“A autora não apenas deu uma participação maior às mulheres na literatura, ela foi uma estudiosa do gênero. Sua escrita é impecável.”

A indicação de

– Marina Colasanti

O livro indicado pela escritora Marina Colasanti para o mês de março traz uma dezena de contos fantásticos, inspirados em histórias antigas que sobreviveram aos séculos e já receberam inúmeras adaptações. Neste caso, porém, não estamos falando de releituras, e sim de novas narrativas, com diferentes possibilidades e outra perspectiva: a da mulher. Já imaginou se a Chapeuzinho Vermelho e o lobo estivessem em iguais condições? Ou se a Bela não temesse a Fera? Na obra, a premiada autora britânica, conhecida por abordar temáticas subversivas, contrasta elementos tradicionais dos contos de fadas – que habitualmente descrevem personagens femininas como frágeis e desamparadas – com protagonistas fortes e impositivas. De forma inventiva, irreverente, por vezes perversa e obscura, deu vida nova a histórias cujos significados tradicionais já pareciam normatizados na nossa sociedade. Publicado no final da década de 70, o livro recebeu uma nova tradução e introdução, ambas de autoria da escritora Adriana Lisboa e exclusivas para a TAG.

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Jรก conhece nossa nova loja? Acesse loja.taglivros.com


“A literatura dos Estados Unidos sempre foi imigrante.” – Salman Rushdie


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