"Frida Kahlo e as cores da vida" - Revista TAG Inéditos Jan/21

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Frida Kahlo e as cores da vida


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janeiro de 2021

COLABORADORES

FERNANDA GRABAUSKA

RAFAELA PECHANSKY

LAURA VIOLA HÜBNER

Editora-chefe

Publisher

Assistente

SOPHIA MAIA

CAROLINE CARDOSO

PAULA HENTGES

Assistente

Revisora

Designer

KALANY BALLARDIN

GABRIELA BASSO

Designer

Designer

Impressão Impressos Portão 2

Capa Amanda Cestaro


OLÁ, TAGGER “O coração quer o que o coração quer”, escreveu a poeta Emily Dickinson em 1862.

E a história que você recebe em mãos para começar este 2021 de leituras é a de um coração tão teimoso quanto livre: o da lendária pintora mexicana Frida Kahlo. Entre as agruras da vida, Frida viu cor e arte. Onde muitos viram um relacionamento turbulento e sem futuro, ela encontrou o amor de sua vida e, resoluta, fincou os pés em meio à correnteza. Mas quem é Frida Kahlo? Você com certeza já viu o rosto forte da artista estampando uma infinidade de objetos, peças de vestuário, paredes de esquinas por aí. Mas será que, além do impacto visual e das frases sobre emancipação feminina e liberdade amorosa, realmente sabemos quem ela foi? Aprofundar-se na mente de uma mulher que viveu muitas vidas em tão pouco tempo foi a empreitada corajosa de Tania Schlie, escritora alemã que assina Frida – As cores da vida sob o pseudônimo Caroline Bernard. Nesta edição, conversamos com a autora a respeito de trazer uma pessoa que existiu na vida real para o terreno da ficção, e tentamos entender quem foi essa mulher que enxergamos tanto, mas de quem sabemos tão pouco. Nosso desejo é que a história de Frida lhe inspire a ir além das platitudes do amor neste ano que começa e que você nos acompanhe em mais um ano de leituras incríveis. Feliz 2021! 3


Unboxing

MIMO 2021 finalmente chegou e um novo ciclo começa agora. Após todas as turbulências que o ano passado trouxe, temos certeza que foi uma vitória para cada um de vocês ter chegado até aqui. E, para iniciar o novo ano virando a página, é sempre uma boa ideia colocar os planos na ponta da caneta e anotá-las em uma folha em branco. Por esse motivo, o mimo do mês é um planner que, além de auxiliá-los na organização individual, os enriquecerá com histórias de escritoras que mudaram o mundo com as suas palavras. As páginas homenageiam doze autoras revolucionárias, todas ilustradas pela artista @movimento1989, que também assina a capa. Agradecemos a oportunidade de acompanhar o cotidiano de cada um de vocês nesse ano que chega!

PROJETO GRÁFICO Frida Kahlo foi, acima de tudo, revolução. Sua vida e obra, irrigadas com as dores que ela transformava em arte, a fizeram ser homenageada com filmes, exposições e peças de teatro. O projeto gráfico deste mês foi pensado para abarcar as múltiplas faces dessa artista, e foi desenvolvido pela Amanda Cestaro. Na capa do livro, a foto de Frida foi revelada em preto e branco para simbolizar seus traumas, porém, em seu entorno, há cores vibrantes que servem para evidenciar a sua capacidade de sublimar seus sentimentos com sua potência artística. A luva, feita na cor azul, tal como a casa em que Frida nasceu e morreu, traz consigo diversas interpretações populares do Sagrado Coração mexicano. Por fim, o estilo das vestimentas de Frida inspirou a capa da revista, que valoriza as cores e os padrões de repetição.


SUMÁRIO 5 O livro indicado

7 “Frida se deu o direito de ser fraca”

11 Desafio de leitura

12 Frida e a Mexicanidade

15 Os amores reais

19 “Frida ensinou com o exemplo vivo de si”

24 Próximo mês



O livro indicado

TODA A POTÊNCIA DE UM CORAÇÃO Parte história real, parte exercício afetivo, a obra do mês apresenta a vida do ícone Frida Kahlo

“Eu costumava achar que eu era a pessoa mais estranha do mundo, mas logo pensei: tem muita gente no mundo. Tem que ter alguém como eu, que se sinta bizarra e imperfeita, da mesma maneira como eu me sinto.”

DÉBORA SANDER

Recorte da revista de Frida Kahlo e as cores da vida

As palavras são de Frida Kahlo, mas dá para apostar com pouca margem de erro que você, tagger, poderia ter escrito algo muito parecido em algum ponto da vida. A frase da artista mexicana traduz uma sensação intrínseca à condição humana: a solidão naquilo que nos faz diferentes, e o desejo de reconhecer em outra pessoa os nossos sentimentos mais particulares. Nesses momentos, a arte é sempre uma poderosa aliada: Frida encontrou na pintura o alento para suas dores, e esperamos que o livro deste mês, ao conectá-lo com a obra dela, também aqueça o seu coração. Nesse romance biográfico, nosso encontro é com uma protagonista que tem uma história para além destas páginas, um ser humano real interpretado e transmutado em personagem pela autora, também sujeito da narrativa, implicada em cada palavra escrita. Em Frida Kahlo e as cores da vida, Caroline Bernard conduz o leitor pela obra que nasceu a partir da sua relação com o 7


Frida e Diego com o macaco de estimação Fulang-Chang (c. 1940) Reprodução, Museo Casa Estudio Diego Rivera y Frida Kahlo

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trabalho e a história da artista mexicana. O que lemos é resultado do cruzamento entre os afetos produzidos na autora e a realidade subjetiva de Frida – representada em seus quadros, retratada em fotos e relatada em seus diários e cartas. Seja para quem já teve contato com a história de Frida Kahlo e com sua expressividade, ou para aqueles que conhecem apenas sua figura icônica, a narrativa traz um olhar que tem a potência de transformar a relação que temos com sua obra. Frida Kahlo e as cores da vida mergulha no contexto pessoal que deu origem a cada quadro e chama o leitor a uma aproximação da artista. Em seu trabalho, Frida expressou a conexão com as raízes da cultura mexicana e com as angústias de ser mulher através de uma linguagem artística capaz de tocar a todos – independentemente da nacionalidade, etnia ou gênero. Conforme avançamos nas páginas do livro deste mês, compreendemos intimamente o encanto que Frida despertou na autora. Ao longo da narrativa em terceira pessoa, Caroline Bernard descreve as cenas, os diálogos e os pensamentos imaginados de forma criativa e sensível a partir dos fatos biográficos que constituíram a vida da artista. Nos sentimos próximos de Frida, sentimos junto com ela o peso das tragédias e das conquistas – e a chance de criar, a partir do nosso ponto de vista, uma leitura da sua existência.


Entrevista

“FRIDA SE DEU O DIREITO DE SER FRACA”

Quem busca o nome Caroline Bernard encontrará uma série de artigos em alemão a respeito da autora estreante que escreveu o livro que você recebe este mês. Mal sabem, no entanto, que Caroline Bernard é o pseudônimo da veterana Tania Schlie – esta uma autora consolidadíssima no cenário alemão. Schlie, que vive em Glückstadt, cidade às margens do rio Elba, decidiu por uma mudança de nome para iniciar uma série de romances a respeito da vida de mulheres extraordinárias que foram musas de homens famosos. Sua obra, até então, era composta de romances históricos, explorando temas como a presença feminina na resistência francesa na Segunda Guerra Mundial e a história de Hamburgo (sua cidade natal) após o conflito. Nesta entrevista, concedida por e-mail à TAG, Tania Schlie fala mais da pesquisa sobre Frida, sobre pensar com a cabeça da pintora e sobre o legado da mexicana para as mulheres de hoje.

TAG – Tania, muito obrigada por responder às nossas perguntas. Para começar: de onde veio a ideia de escrever um romance sobre Frida?

FERNANDA GRABAUSKA

Tania Schlie – A questão talvez deveria ser: por que não escrever um livro sobre Frida? Frida Kahlo é um dos ícones mais destacados do mundo. Ela se tornou um símbolo da mulher que quer alegria e autorrealização na vida. Nunca aceitou limitações sobre o que mulheres deveriam ou não fazer, o que a torna um exemplo para todas as mulheres. 9


Como foi a pesquisa para a obra?

Já conhecia Frida por meio de exposições e pela biografia de Hayden Herrera (Frida – A biografia), que eu li nos anos 1980. Eu reli o livro e fui a Londres ver a exposição de pertences particulares de Frida, com seus vestidos, batons, espartilhos... isso me deu um primeiro olhar da vida pessoal dela. Depois, fui ao México ver a casa e o estúdio. Tive a tremenda sorte de passar uma hora sozinha por lá, o que me fez imaginar cenas muito íntimas. Me impressionou como você entremeou excertos da Frida real, como diários e cartas, com seu insight a respeito de como ela pensaria ou reagiria a determinadas situações. Como foi o exercício de trazer uma pessoa real para a ficção?

Obrigada pelo elogio! Digamos que eu li quase tudo o que encontrei sobre a vida de Frida e estudei as pinturas dela, que muitas vezes são autobiográficas. Quanto mais estudava Frida, mais me sentia encorajada a imaginar diálogos e monólogos internos. Como escritora, duas coisas são essenciais: primeiro, você precisa saber o máximo possível sobre seu personagem principal; segundo, você precisa ter o poder da imaginação, de se colocar nos sapatos dele. Espero sinceramente não ter feito dano algum a Frida. Sempre me perguntei: ela faria isso? Ela realmente pensaria assim? Estudando o relacionamento de Frida e Diego, vendo o quão turbulenta era a dinâmica entre eles, pergunto: por que você acha que ela era tão ligada a ele? Mesmo que possamos entender Frida ao longo do livro, não consegui entender por que ela continuava a voltar para ele.

Primeiramente, Frida admirava Diego como pintor, e depois se apaixonou profundamente por ele como homem. Na época, ela era muito jovem e tinha pouca ou nenhuma experiência para apoiá-la. Depois, quando 10


precisou admitir para si que ele tinha outras mulheres – incluindo a irmã dela! –, ela tentou deixá-lo. Mas, eventualmente, encontrou uma maneira de ficar ao lado dele: ela tinha o trabalho, a pintura e os próprios amantes. Diego foi importante para ela e para o trabalho dela. Ele acreditava nela como pintora, a encorajou a ir a Nova York e Paris para exposições. E, importante lembrar, ele não conseguia viver sem ela, o que dava a ela um certo poder sobre ele. Francamente, acho que Frida teve momentos de fraqueza ao deixar Diego fazer o que fez com ela, mas isso a torna muito humana. Ela se deu o direito de ser fraca. De alguns anos para cá, o rosto de Frida está em todos os lugares, de xícaras a pôsteres e tudo o mais. Você crê que as pessoas conhecem Frida, no entanto? O que você pensa dessa superexposição da imagem dela?

Definitivamente acho que ela é supercomercializada e que não merece isso. Ninguém merece. Só posso esperar que todos esses pôsteres, xícaras, sapatos e camisetas levem algumas pessoas a procurar as pinturas de Frida ou um pouco mais sobre a biografia dela. Mas devo admitir que um bom amigo me deu um travesseiro com o rosto de Frida estampado. Eu o coloquei no sofá e olho para ele todos os dias. E qual você pensa que é o legado de Frida para as mulheres de hoje?

Tenha um sonho, um objetivo de vida, e tente segui-lo. Mas, ao mesmo tempo, não seja escrava desse conceito. Deixe-se tomar o caminho longo, se for necessário. Você planeja escrever outros livros sobre figuras históricas?

Uma pergunta maravilhosa! Permite que eu fale a respeito de outra mulher que admiro desde que tinha 20 anos: Simone de Beauvoir. De muitas maneiras, Frida e 11


Simone são parecidas. E, além disso, são contemporâneas: Frida nasceu em 1907 e Simone, em 1908. Ambas desviaram do caminho que família e sociedade designaram a elas. Ambas mostraram a milhões de mulheres – eu inclusa – o quão libertador, recompensador e, às vezes, árduo pode ser trilhar o próprio caminho, mas que sempre vale a pena fazê-lo. Estou muito orgulhosa de estar escrevendo um livro sobre Simone de Beauvoir, que sai em 2021. Obrigada por conversar conosco e por nos trazer uma leitura tão incrível! Você quer mandar uma última mensagem para os associados da TAG?

Obrigada por ler meu livro. Aproveite seguir um pouco da vida de Frida e tente viver a sua própria. Viva la vida!

A ESTANTE DA AUTORA O primeiro livro que você leu: realmente não sei. Talvez tenham sido os contos de fada dos Irmãos Grimm, ou a série do Colégio Santa Clara, de Enid Blyton. O livro que você está lendo: Writers and lovers, de Lily King. O livro que mudou a sua vida: Mulheres, de Marilyn French. O livro que você gostaria de ter escrito: Das verborgene Wort, de Ulla Hahn. Hahn é uma autora alemã 12

que escreveu sobre o amadurecimento de uma garota católica na Alemanha pós-guerra.

O último livro que te fez chorar: O buda no sótão, de Julie Otsuka. O último livro que te fez rir: Der Laden, de Erwin Strittmater. O livro que você dá de presente: Os meus livros, ou livros de culinária. O livro que você não conseguiu terminar: Zonas úmidas, de Charlotte Roche.


DESAFIO DE LEITURA 21 dias para um novo hábito

O começo de um novo ano é o momento de repensarmos nossa rotina e a utilização de nosso tempo. O que você gostaria de fazer diferente daqui em diante? Nosso convite é para que, em 2021, você se conecte com a leitura de uma nova forma. Se você já é assíduo na leitura, esta pode ser a hora de se aventurar por novos gêneros literários. Se ainda não lê tanto quanto gostaria, esperamos que fazer parte do clube seja um incentivo para tornar a leitura cada vez mais parte do seu cotidiano. Você já ouviu falar que, para adquirir um hábito, são necessários 21 dias de repetição? Ao se comprometer com uma tarefa por esse período, fica mais fácil permanecer firme no propósito. Então, vamos começar! No primeiro dia, prepare seu ambiente de leitura: deixe o celular em outro cômodo (ele tem a capacidade de tirar sua atenção, mesmo no silencioso), encontre um horário e local confortáveis e tenha seu livro em mãos. Para receber mais dicas, acesse taglivros.com/ desafio1livropormes Por que queremos ler mais em 2021? Para além de atingir metas, propomos que seu ano novo marque a criação ou transformação do hábito que mais amamos cultivar: o mergulho em uma boa experiência literária.

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Realismo de sonho

FRIDA E A MEXICANIDADE Cria da Revolução Mexicana, a pintora levou uma vida política turbulenta em paralelo ao fazer artístico

DÉBORA SANDER

Autorretrato com vestido de veludo (1926) Reprodução, Museo Frida Kahlo 14

A literatura é uma forma incrível de viajar para outros tempos e espaços, e de aprender História sob outra perspectiva. Clássicos como Os Miseráveis, de Victor Hugo, Guerra e Paz, de Liev Tolstói, e O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo, tornaram-se quase tão relevantes para a compreensão cultural de seus contextos históricos quanto os próprios livros didáticos. A caixinha deste mês te leva para conhecer um pouco sobre o México pós-revolucionário, marcado pela popularidade crescente da ideologia socialista e pelos desdobramentos internacionais da Revolução Russa. Entender esse pano de fundo nos aproxima das perspectivas artística, política e pessoal de Frida Kahlo. Nascida em 1907, Frida tinha apenas três anos quando a Revolução Mexicana começou, em 1910. Na infância, testemunhou as movimentações nos arredores da Cidade do México e, na vida adulta, foi influenciada pela efervescência da cultura mexicana, que ganhou espaço após a revolução. A artista tinha forte identificação com este episódio histórico, a ponto de afirmar que tinha nascido no ano de 1910, junto com o movimento.


Reprodução, SF Moma

A Revolução Mexicana inaugurou a onda de movimentos sociais do século XX. Foi caracterizada pela luta camponesa por reforma agrária, liderada por Pancho Villas e Emiliano Zapata sob o lema "Terra e Liberdade". Em seus sete anos de duração, o movimento passou por uma série de reviravoltas e culminou na Constituição de 1917, a primeira do mundo a garantir uma série de direitos sociais e trabalhistas. Uma das marcas do pós-revolução foi a chamada mexicanidade, que reconectou a população com as raízes, a história, a gastronomia, as cores e o folclore dos povos tradicionais do México. No início da década de 1920, o governo de Alvaro Obregón convocou a classe artística – entre eles Diego Rivera, precursor do muralismo mexicano – para preencher as paredes de prédios públicos com símbolos da cultura nacional. Foi neste contexto que Frida Kahlo ingressou na Escuela Nacional Preparatoria, em 1922, sendo profundamente influenciada pela mexicanidade e pelos ideais da Revolução. A ideologia socialista vivia o auge da sua popularidade na época, com a Revolução Russa em 1917 e a criação da União Soviética em 1922. Em 1925, Frida sofreu o acidente de bonde que mudou sua vida. Com graves fraturas e pouca mobilidade durante os dois anos seguintes, ela encontrou na pintura uma forma de expandir sua restrita realidade. Assim ela começou a pintar com os materiais de seu pai e um cavalete adaptado à cama. Em 1928, a artista se filiou ao Partido Comunista, o que a permitiu se aproximar da classe artística do país e de Diego Rivera. O decorrer das disputas políticas na União Soviética ao longo da década tornou mais complexas as relações de Frida e Diego com seus companheiros de partido, resultando na expulsão de Diego do Partido Comunista Mexicano em 1930 por sua afinidade com os ideais trotskistas. Em 1937, o casal recebeu no México Leon Trotsky e sua esposa, Natalia Sedova, exilados e fugindo das perseguições de Stalin. O exílio no país marcou os anos finais da vida do líder soviético, assassinado por um enviado de Stalin em 1940. 15


As duas Fridas (1939) Reprodução, Museu de Arte Moderna do México

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Paralelamente, no âmbito da arte, o surrealismo ganhava cada vez mais espaço. Em 1938, o líder do movimento, André Breton, conheceu Frida Kahlo durante uma viagem ao México e, no mesmo ano, a artista fez sua primeira exposição individual em Nova York. Na ocasião, Breton escreveu o texto introdutório da mostra. Em 1939, ele organizou uma nova exposição do trabalho de Frida em Paris. A mostra Mexique foi um marco do seu reconhecimento na Europa. Pouco tempo depois, ela se tornou a primeira artista mexicana a ter uma obra exposta no Museu do Louvre. Em 1940, Frida participou da Exposição Internacional de Surrealismo, na Cidade do México. Apesar das constantes associações com o movimento, ela nunca se enxergou como surrealista, e afirmava não pintar sonhos, mas sim sua própria realidade. Em 1953, um ano antes da sua morte, Frida teve sua primeira exposição individual no México.


História

OS AMORES REAIS Frida Kahlo está longe de ser a única figura notória a aparecer nas páginas que você lerá neste mês. Sua trajetória cruzou com a de importantes figuras da história da Arte e da Política, tanto em relações profissionais quanto pessoais. Conheça algumas personalidades célebres que você vai encontrar na narrativa de Caroline Bernard:

Guillermo Kahlo Fotógrafo e pintor, o pai de Frida foi provavelmente sua primeira influência artística, além de cultivar com ela uma relação de afeto e proximidade. Nascido na Alemanha, Guillermo Kahlo migrou para o México aos 19 anos e casou-se com Matilde Calderón y González, mexicana de ascendência indígena com quem teve quatro filhas, incluindo Frida. Tornou-se fotógrafo por influência do avô de Frida, seu sogro, que já exercia a profissão. Junto com ele, produziu uma coleção de fotos das arquiteturas indígena e colonial, marcando os cem anos da independência mexicana. Guillermo foi o primeiro fotógrafo oficial do Patrimônio Cultural do México, e seu reconhecido trabalho encontra-se na Fototeca Nacional. Ele foi o responsável por muitos dos retratos de Frida que conhecemos hoje, e compartilhou com ela seus conhecimentos sobre o processo fotográfico e sobre a arte mexicana. 17


Diego Rivera O homem que veio a ser marido de Frida Kahlo já tinha uma longa e respeitada trajetória como pintor quando a conheceu. Diego começou cedo seus estudos na Escola de Belas Artes de San Carlos, aos dez anos de idade. Entre a adolescência e a juventude, ele viveu por 14 anos na Europa estudando artes, e lá teve contato com figuras como Picasso, Dalí, Miró e Gaudí. Ao voltar para o México em 1921, fundou o Sindicato dos Pintores e iniciou o Movimento Muralista Mexicano, que defendia a democratização da arte e questionava o caráter elitista das pinturas de cavalete. Ao longo da vida, Diego produziu milhares de desenhos e quadros, além de murais no México, Estados Unidos, China e Polônia. Militante político, ele participou da fundação do Partido Comunista Mexicano em 1919 e sempre trazia em seus murais episódios da história revolucionária do país e do mundo.

André Breton Breton foi um escritor francês, líder do Movimento Surrealista. Começou sua carreira na Medicina e, após ter contato com as teorias de Sigmund Freud sobre o inconsciente, passou a questionar as convenções sociais e literárias. Integrou o movimento Dadaísta e, mais tarde, foi autor do Manifesto Surrealista, marco histórico do movimento, propondo a expressão do inconsciente em lugar da primazia da razão. André Breton era comunista, entusiasta das ideias de Rimbaud, Marx e Trótski e defensor de uma arte revolucionária e independente. Conheceu Frida Kahlo em 1938, durante uma viagem ao México, e foi peça importante em suas duas primeiras exposições individuais, em Nova York e Paris. 18


Lucienne Bloch Artista suíça radicada nos Estados Unidos e filha do compositor erudito Ernest Bloch, Lucienne começou seus estudos em artes aos 14 anos, em Paris. Destacou-se por seu pioneirismo com esculturas em vidro, mas produziu trabalhos artísticos em diversas técnicas e suportes durante sua carreira. Foi também aprendiz de Diego Rivera, quando ele e Frida moravam nos Estados Unidos, e desenvolveu uma forte amizade com ela. Fez a única foto existente do mural de Rivera no Rockefeller Center, que acabou sendo destruído por divergências políticas. Também foi uma das principais fotógrafas de Diego e Frida. Junto com seu marido Stephen Pope Dimitroff, pintou mais de 50 murais para instituições religiosas, escolas, hospitais e empresas.

Anita Brenner Intelectual mexicana radicada nos Estados Unidos, dedicou sua vida a estudar a arte, a cultura e a história de seu país. Trabalhou como escritora, jornalista, fotógrafa, historiadora, antropóloga e crítica de arte, engajada na divulgação da cultura mexicana para os norte-americanos. Cunhou o termo “renascimento mexicano”, caracterizando o resgate das raízes culturais do México após a revolução. Autora de obras como Idols Behind Altars, sobre a história da arte mexicana, e The Wind that Swept Mexico, primeiro livro a relatar os eventos revolucionários a partir de uma perspectiva mexicana. Foi amiga próxima de Frida, especialmente nos períodos em que ambas viveram nos Estados Unidos. 19


Tina Modotti Fotógrafa italiana, migrou para os Estados Unidos com a família na adolescência e, na vida adulta, para o México. Foi também modelo, atriz e ativista política. Junto com o parceiro e fotógrafo Edward Weston, abriu um estúdio na Cidade do México e viajou pelo país documentando sua cultura ao fotografar pessoas e lugares para o livro Idols Behind Altars, de Anita Brenner. Sua obra se tornou um símbolo revolucionário. Fez muitos retratos de mulheres indígenas e camponesas e de trabalhos dos muralistas mexicanos, inclusive de Diego Rivera. Recepcionou em sua casa a festa de casamento de Diego e Frida. Filiou-se ao Partido Comunista em 1927, e foi deportada do México em 1930 durante a campanha anticomunista. Passou a década seguinte na União Soviética, dedicada à militância, e atuou como voluntária na Guerra Civil Espanhola.

Nickolas Muray Autor de grande parte dos retratos de Frida, o fotógrafo húngaro-americano foi amante da artista durante dez anos e permaneceu seu amigo após o fim do envolvimento romântico, até ela morrer, em 1954. Nickolas começou a carreira com um pequeno estúdio fotográfico em sua casa em Nova York, e logo começou a trabalhar para a revista Harper’s Bazaar. Consagrou-se como retratista de celebridades e teve suas imagens publicadas em veículos como Vanity Fair, Vogue e The New York Times. Trabalhou também como fotógrafo publicitário e como professor de fotografia na Universidade de Nova York. 20


Entrevista

“FRIDA ENSINOU COM O EXEMPLO VIVO DE SI” DÉBORA SANDER

Tudo o que se pode dizer sobre a existência de alguém é um recorte possível de incontáveis nuances que qualquer ser humano carrega em si. Frida Kahlo usou a pintura para traduzir seu mundo interior, borrando as fronteiras entre arte e vida privada e, por isso mesmo, são muitas as lentes possíveis para analisar sua trajetória. Para entender melhor a dimensão artística de Frida, conversamos com a professora Anelise Valls.

TAG – A obra de Frida frequentemente é associada a uma vida de sofrimento e à relação conturbada com Diego enquanto fatores centrais, mas sabemos que a relevância artística dela vai além desse viés. Qual foi a contribuição cultural e política da arte de Frida Kahlo? Anelise Valls – Magdalena Carmen Frida Kahlo Calderón, ou simplesmente Frida, como é popularmente conhecida, reúne em uma só pessoa um corpo de trabalho múltiplo e completamente sensível. Em pinturas e esculturas, fotografias, vídeos, documentos, desenhos, cartas, e até no diário íntimo da artista, encontramos uma poética (e imagética) que é de um talento plástico original e importante, sobretudo para o universo feminino, com autorretratos a partir de eventos de sua vida que nos permitem uma conexão afetiva. 21


A professora Anelise Valls Arquivo pessoal

Sua produção e existência vão muito além da relação amorosa com Diego. Frida transmitiu suas múltiplas identidades. Elas se expandem desde sua origem – filha de um imigrante alemão-húngaro e de uma mexicana católica de ascendência indígena – e seguem pela arte folclórica mexicana – colecionava objetos de arte popular como cerâmicas decoradas, tecidos bordados, brinquedos infantis e pinturas devocionais de ex-devotos; passando por ancestralidade – alinhou-se com as populações indígenas marginalizadas da América Central e as comunidades rurais de seu país, retratando tal personificação da pura mexicanidad; a paixão pela Revolução Mexicana e pelo comunismo, um orgulho nacional e o conhecimento de formas de arte aparentemente intocadas por tradições europeias, bem como seus vínculos com movimentos e comunidades maiores de artistas. Frida fez parte dos Cachuchas – um grupo informal que se rebelava contra tudo o que era conservador, pregava peças e discutia filosofia. 22


A popularidade de Frida no contexto contemporâneo tornou sua imagem talvez mais reproduzida do que seu próprio trabalho artístico, adaptada a uma estética pop e mercantilizada. Como você enxerga essa transformação? Quais novas nuances a relevância de Frida Kahlo ganhou com o passar dos anos?

A ascensão de Frida à proeminência no imaginário popular, ao longo dos anos 1980 e em diante, coincidiu com a ascensão da política de identidade. Seu empoderamento, sua vulnerabilidade, seu gênio, sua força, seus triunfos, suas lutas, sua iconografia pessoal, seu sexo e sua vida amorosa ressoam, variavelmente de uma forma vaga. Há um reconhecimento crescente em sua figura que avança para além dos meros estereótipos, e a localiza com singularidade dentro da história da arte, como herança racial e culturalmente mista, destacando seu legado como artista e mulher política. Pesquisadores revisitam narrativas sobre seu trabalho e vida e há novos contornos que se desenham, por exemplo: seus compromissos políticos, que cresceram no final de sua vida – ela se juntou a um protesto contra a derrubada do presidente democraticamente eleito da Guatemala pelos Estados Unidos nos dias antes de sua morte, não muito depois de ter sua perna amputada; leituras feministas a partir de seu tratamento radical do corpo feminino nesta época; e, ainda, seu embasamento nas tradições artísticas do México, visto nos artefatos votivos e pré-colombianos que ela colecionou e que povoaram a paisagem de sua imaginação. Sua presença desafiava um mundo centrado nos homens. Qual foi o papel de Frida Kahlo na trajetória de outras mulheres artistas de sua época?

Era uma época em que poucas mulheres mexicanas tinham a oportunidade de se expressar, o campo da arte tinha menos abertura ainda à presença feminina. Os autorretratos e os temas de Frida encorajaram muitas 23


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mulheres a olharem para si, a assumirem seus corpos, crises, conflitos, existências. Frida motiva a experimentar a si e a romper fronteiras pessoais para criar no mundo e com o mundo. É sobre sermos únicos e nos permitirmos habitar as áreas que quisermos. Frida não se encaixa propriamente em nenhum movimento de sua época. O México estava às voltas com uma força dos pintores muralistas, e ela produzia "fora" do circuito, a partir do lado de "dentro", do seu universo interior, que era sua força motriz. Ela provoca uma ruptura na linha divisória que separa o público da esfera estritamente privada, e isso é de uma influência imensa. Frida abriu caminhos, descortinou um universo de possibilidades, ensinou com o exemplo vivo de si. Desde o início, na Escuela Preparatoria, Frida era minoria: poucas mulheres frequentavam instituições de ensino. Ela foi também uma das primeiras mulheres latino-americanas a ser reconhecida e admirada mundialmente. Herda-se de Frida a rebelião contra os cânones da arte para explorar psique, imaginação e simbolismos. As artistas contemporâneas a Frida a viam como possibilidade de estabelecer seus próprios padrões.

Para conhecer mais O instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, tem uma exposição virtual sobre o legado de Frida entre as surrealistas no México. Confira em: (ainda vou encurtar o link) https://www.institutotomieohtake.org.br/exposicoes/ interna/frida-kahlo-conexoes-entre-mulheres-surrealistas-no-mexico 25


Próximo mês

NO PRÓXIMO MÊS Em uma vizinhança consumida pelo tráfico de drogas, duas irmãs se encontram em situações opostas. Uma vive nas ruas para sustentar seu vício. A outra caminha aquelas mesmas quadras durante sua ronda como policial. Mesmo que as duas não se falem mais, a preocupação é latente – até que um assassino começa a matar mulheres vulneráveis naquele distrito. Alternando uma caçada obstinada pelo criminoso no presente com relatos da infância e da adolescência das irmãs, o livro acelera e acalma o coração: trata-se de um suspense forte, mas também de um tratado sobre laços de amor que persistem não importa o que a vida imponha.

“Assim como ocorre com os melhores romances de crime, seu escopo desafia os limites do gênero; é drama familiar, história e comentário social amarrado no formato instigante de um boletim policial.” – The Guardian “É um livro que nervosamente torce, revira e subverte as expectativas do leitor até suas últimas páginas.” – The Washington Post “Tem todos os livros de um mistério impossível de largar, mas tem algo mais: um narrador que lhe conduz a lugares inesperados e o surpreende até o fim.” – The Oprah Magazine 26


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VICH nasceu na Arg entina em 196 3 e trabalhou como arquite to até 2002, qua ndo foi convidado par a roteirizar o seriado argentino Los Simuladores. Desde então, tem se dedicad o em tempo integral às carreiras de rote irista, escritor e professor. O jardim de bronze é o seu primeiro romance pub licado, que mar ca também o início da saga de suspense pro tagonizada por Fabián Dan ubio.

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“Quem diria que as manchas vivem e ajudam a viver? Tinta, sangue, cheiro (...). O que faria eu sem o absurdo e o fugaz?” – Frida Kahlo


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