Outubro de 2015 Contos de Imaginação e Mistério
REDAÇÃO
Arthur Dambros arthur@taglivros.com.br Gustavo Lembert da Cunha gustavo@taglivros.com.br Tomás Susin dos Santos tomas@taglivros.com.br
COMERCIAL
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REVISÃO ORTOGRÁFICA
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PROJETO GRÁFICO
Bruno Miguell M. Mesquita brunomiguellmesquita@gmail.com
ILUSTRAÇÃO DA CAPA Laura D. Miguel lauradep@gmail.com
IMPRESSÃO
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AO LEITOR Há edições que se parecem com obras de arte. Contos de Imaginação e Mistério, da Editora Tordesilhas, é certamente uma delas: desde a magnífica capa, a qualidade do papel, o prefácio de Baudelaire, até as ilustrações internas. Quando Marcelo Gleiser nos recomendou os contos de Edgar Allan Poe, corremos até a editora para ver se conseguiríamos disponibilizá-la aos nossos associados. E aqui está! Tivemos até que confeccionar uma nova caixa, pois as dimensões do livro não cabiam na nossa, mas valeu a pena. O mimo deste mês, portanto, foi essa primorosa e belíssima edição, que contém as narrativas de um dos maiores contistas da história da literatura, cuja presença é obrigatória em sua biblioteca pessoal! Reservamos a indicação de Gleiser para outubro, para marcar o mês de falecimento do escritor americano. Equipe TAG
Nunca houve edição em português tão caprichada quanto esta, da jovem editora Tordesilhas. É a mais bela e completa já publicada no Brasil sobre o pai da literatura moderna. -Ronaldo Bressane, escritor, jornalista e editor brasileiro
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A INDICAÇÃO DO MÊS
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O curador: Marcelo Gleiser O livro indicado: Contos de Imaginação e Mistério
ECOS DA LEITURA
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8 Fatos curiosos de Edgar Allan Poe O outro homem Annabel Lee Poe na cultura contemporânea O Corvo Vício
A INDICAÇÃO DE NOVEMBRO
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Clóvis de Barros Filho
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Indicação do Mês
A INDICAÇÃO DO MÊS
Indicação do Mês
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O CURADOR: MARCELO GLEISER
Filho mais velho do cirurgião-dentista Isaac Gleiser e da professora Halutza Gleiser, Marcelo nasceu no Rio de Janeiro, em março de 1959. Quando tinha apenas seis anos de idade, sua mãe faleceu, e o assombro causado por esse incompreensível evento levou-o a devanear e ponderar sobre o inconcebível. “A morte entrou cedo na minha vida, e eu tentei de alguma forma continuar essa relação com ela”, afirmou Gleiser. Ainda garoto, encontrou nos vampiros o símbolo desse mistério – a ponte entre esses dois mundos, o vivo e o morto. Com nove anos de idade, costumava sair sozinho de sua casa para tomar um ônibus e ir até a biblioteca pública, onde lia e estudava a respeito do assunto – “talvez em uma tentativa de buscar formas de resgatar minha mãe”. É claro que, tão logo chegou à idade adulta, percebeu que os vampiros não lhe trariam as respostas que buscava. Abandonou os vampiros e voltou-se para a religião, mas bastou o primeiro contato com esse novo universo para Gleiser perceber que não obteria mais do que superstições; seu interesse, porém, era a Verdade, e assim migrou para a Ciência. “Nós, humanos, somos criaturas temporais – nascemos, crescemos e morremos. Tudo que existe – toda criatura viva – tem uma linha do tempo. Até pedras têm uma linha do tempo. A existência não é somente nossa, mas pertence a tudo que existe no universo. Porém, há uma diferença fundamental entre nós e todas essas outras coisas: nós estamos conscientes do tempo que está passando. Por termos uma narrativa, uma história de nossas vidas, nós somos fascinados por todas as histórias. E é interessante notar que essa ânsia por entender nossa própria história, se você continuar se perguntando – de onde eu vim, e minha família, e meu país? – todas as histórias chegam até a maior e mais importante que existe, que é o Universo e a sua narrativa.” – Marcelo Gleiser
A ciência foi um caminho sem volta – nela, Gleiser não encontrou todas as respostas, mas as
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melhores que pôde obter. Mais do que isso, descobriu um método para investigar sua curiosidade, e com ele imergiu no campo da Física e da Cosmologia. Bacharelou-se em Física pela PUC, tornou-se mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor pela Universidade de Londres. Em 1991, foi morar em Hanover, nos Estados Unidos, para dedicar-se à pesquisa e ao ensino na renomada Dartmouth College. Três anos depois, o brasileiro já se tornava um dos principais cientistas do mundo, e ganhava do ex-presidente Bill Clinton o prêmio Presidential Faculty Fellows Award por seu trabalho de pesquisa em Cosmologia e por sua dedicação ao ensino. Em 1997, o cientista e professor tornou-se também escritor. Lançou no Brasil seu primeiro livro, A Dança do Universo, e passou a escrever periodicamente para a Folha de São Paulo. Um ano depois, sua obra ganhou o Prêmio Jabuti. Tendo tomado o gosto pela escrita, Gleiser lançou seu segundo livro, O fim da Terra e do Céu (2002), também vencedor do prêmio Jabuti. Seu primeiro romance veio em 2006, chamado A Harmonia do Mundo, narrando a história do famoso astrônomo Johannes Kepler (1571-1630). Nesse mesmo ano, apresentou uma série no programa Fantástico, da Rede Globo, chamada “Poeira das Estrelas”. O programa em muito lembra a série Cosmos, de Carl Sagan, e assim Gleiser passou a ser comparado com o cientista americano, por desempenhar, no Brasil, papel semelhante ao que Sagan teve em seu país: disseminar a Ciência para o público geral. Gleiser soma sete livros já publicados, sendo o mais recente A Ilha do Conhecimento (2014), em que busca mostrar, após anos em defesa da Ciência, as limitações desta.
Gleiser é a estrela mais brilhante de uma pequena constelação que consegue escrever numa língua que todos entendem. -Roald Hoffmann, Prêmio Nobel de Química
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Quando foi que a fascinação que você tem pelo sobrenatural encontrou-se com Edgar Allan Poe?
Poe entrou em minha vida no início de minha adolescência. Dos treze aos dezesseis anos li e reli sua obra completa.
Por que você gostou tanto da leitura da obra selecionada?
Poe cria mundos fantásticos, com personagens sofridos, ligando nossa realidade a uma realidade paralela e inóspita. Na época, era fascinado pelo sobrenatural, tentando achar caminhos que expandissem nossas experiências do real, do que é realidade. Na ficção de Poe, encontrei uma exploração do impossível, um encontro com outra realidade.
Se alguém lhe perguntasse “Por que eu deveria ler Poe?”, qual seria sua resposta?
O estilo de Poe, ao mesmo tempo profundamente elegante e acessível, torna sua ficção e poesia palpáveis. Seus contos despertam emoções novas, nos transportando a mundos exóticos e assustadores, criando morais essenciais para nossas vidas. Na exploração do sobrenatural, Poe amplia nossa visão do real, expandindo nossa humanidade e noção do possível. Sua leitura emociona e inspira como poucas outras.
Na ficção de Poe, encontrei uma exploração do impossível, um encontro com outra realidade.
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1849
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O LIVRO INDICADO: CONTOS DE IMAGINAÇÃO E MISTÉRIO Edgar Allan Poe nasceu em 1809, em Boston, nos Estados Unidos. Em uma época em que a escrita era atividade mediocremente remunerada, Poe lutou com extrema dificuldade para merecer o título de escritor. Hoje, mais de dois séculos depois, não somente é considerado um dos primeiros escritores de reconhecimento público da América, como se tornou um dos principais e eternos nomes da Literatura. Precursor das pequenas narrativas, Poe é considerado o inventor das histórias de detetive, e renomado por seus enredos de terror e mistério, que evocam imagens de assassinos e loucos, enterros prematuros e mulheres que retornam da morte. Mestre do macabro, Edgar Allan Poe iniciou sua relação com a morbidez antes mesmo de dar seus primeiros passos. Nascido apenas Edgar Poe, segundo filho de um casal de atores, viu seu pai abandonar a família logo após seu nascimento. Aos dois anos de idade, presenciou sua mãe perecer de tuberculose, deitada à cama, enquanto tossia sangue e delirava. Aos três, foi separado de seus irmãos e adotado por sua tia, Frances, e seu marido, John Allan, de quem Edgar Poe ganhou seu nome do meio. Estudando em ótimas escolas, o garoto destacava-se pelo intelecto apurado e físico avantajado. Conta-se que, aos quinze, Poe nadou quase dez quilômetros contra a correnteza do Rio James, façanha que o tornou famoso na região de Richmond, onde viveu com a família adotiva. A vigorosa adolescência de Poe durou pouco – tão pouco quanto todas as fases felizes do escritor. A sina de Poe com a morte e o abandono não tardou a voltar: nessa época, apaixonou-se por Jane Stannerd – “o primeiro amor platônico de minha alma” –, que faleceu de câncer cerebral. Essa foi uma das vezes em que Poe poderia ter sido encontrado chorando em frente
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ao túmulo de uma mulher que amava. Anos depois, em 1831, escreveu o poema “To Helen”, em homenagem ao seu amor adolescente. O poema foi inserido na lápide de Jane.
Não fui o que os outros foram. Não vi o que os outros viram. Mas por isso, o que amei, amei sozinho. -Edgar Allan Poe A dor foi intensificada quando descobriu que sua mãe adotiva fora acometida por séria doença, e atingiu estágios de depressão profunda quando soube que John Allan, seu pai adotivo, estava traindo-a com outras mulheres. Irritado com a censura do romântico filho, John enviou Poe para a Universidade de Virgínia, com nada além de alguns dólares para o transporte. Como a escrita não lhe proporcionava retorno financeiro, buscou seu sustento em jogos de azar – e com eles afundouse ainda mais. Seu pai, embora abastado, negou-lhe novamente ajuda financeira, o que o obrigou a fugir da universidade e dos credores. Apesar da difícil situação, o sombrio episódio revigorou sua convicção: “Richmond e os Estados Unidos são muito pequenos, e o mundo será o meu palco”, afirmou Poe, em carta ao pai, em 1928. “Se você decidiu por me abandonar, despeço-me agora. Negligenciado, serei duplamente ambicioso – e o mundo ouvirá do filho que você julgou desmerecedor de sua atenção”. E foi isso que aconteceu. Convicto, Poe arrecadou dinheiro e conseguiu publicar seus primeiros poemas – alguns dos quais havia escrito com apenas quinze anos. A vida, porém, ignorou seus esforços, e enquanto o jovem escritor experimentava o fracasso comercial de seus lançamentos, sua mãe faleceu. Abandonado por dois pais, órfão de duas mães e profissionalmente mal sucedido, Poe encontrou refúgio em um novo lar: foi morar com outra tia, Maria Clemm, e sua prima, de oito anos de idade, Virgínia. Cinco anos depois, quando a prima tinha apenas treze anos, Poe, então com vinte e seis, pediu-a em casamento. O matrimônio ocorreu em segredo, e a idade da prima fora falsificada. Apesar do
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esquisito relacionamento devido à diferença de idade e ao vínculo familiar, Poe encontrou em Virgínia um amor verdadeiro e uma relação afetiva sólida que sempre lhe fora negada. A felicidade de sua vida privada passou, lentamente, à sua vida profissional. Enquanto mantinhase como editor e crítico literário, Poe passou a escrever prosa – O manuscrito encontrado em uma garrafa (1833), um de seus primeiros contos, ganhou um prêmio literário e, apesar de ter rendido míseros cinquenta dólares, deulhe espaço no mundo editorial, possibilitando outras publicações. Nos anos subsequentes, escreveu diversos poemas e contos, entre eles Berenice (1835), Ligeia (1835), A Queda da Casa de Usher (1839) e William Wilson (1839), que fazem parte da obra enviada neste mês. Reuniu seus contos e publicou Histórias Extraordinárias, que, apesar do insucesso financeiro, é hoje apontada como um marco da literatura norte-americana. Fugindo de seu usual estilo, lançou um romance – A Narrativa de Arthur Gordon Pym, em 1838 – que teve uma continuação escrita por Júlio Verne, fã de Poe, chamada An Antarctic Mystery (1897). Na década de quarenta, Poe apresenta C. Auguste Dupin, o primeiro detetive da ficção, protagonista do conto Os Assassinatos da Rua Morgue (1841) e O Mistério de Marie Rogêt (1842), que inspirou Sir Arthur Conan Doyle a conceber Sherlock Holmes. “Onde estavam as histórias de detetives antes de Poe soprar o sopro da vida nelas?”, questiona Doyle. “Cada uma de suas histórias de detetives é a raiz da qual toda uma literatura se desenvolveu”. Nessa época, apesar de ainda estar longe de obter seu sustento com suas publicações, Poe usufruía de crescente reconhecimento no mundo editorial – suas ferozes críticas percorriam a América e enervavam os autores, alvos de suas análises. Enquanto isso, sua vida afetiva provia, talvez pela primeira vez, o apoio e o conforto de que tanto necessitava. Mas em 1842 um novo tormento devastou a vida de Poe. O lenço branco que Virginia usava para cobrir a boca quando tossia apresentou pigmentos avermelhados. Depois de ter perdido a mãe biológica e a adotiva para
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a tuberculose, Poe sabia o que aquilo significava. A sentença de sua esposa havia sido dada, e a sua também: mais uma vez, haveria de contemplar a lápide de uma mulher amada. “A ‘Morte Vermelha’ devastava havia muito tempo o país. Nenhuma pestilência jamais fora tão fatal, ou tão hedionda”, é como inicia um dos mais impactantes contos de Poe, escrito nessa mesma época: A Máscara da Morte Vemelha (1842). Cercada pela morte e pela tuberculose, tal qual o próprio autor, a história narra a angústia de um príncipe que se tranca junto a seu povo, em seu próprio castelo, na tentativa de mantêlo longe da terrível enfermidade.
Poe aventurava-se pelos porões e pelas catacumbas, pelas mais terríveis passagens subterrâneas da alma humana. Ele ecoava o horror de sua própria catástrofe. -D.H. Lawrence Poe escreveu a maior parte dos demais contos que compõem a obra enviada neste mês enquanto vivenciava o inferno de sua vida privada, nos agonizantes anos em que observava a deterioração de sua amada. No triste descompasso de sua vida, o sofrimento atingiu o ápice junto ao sucesso de sua produção literária: em 1845, pouco antes do falecimento de sua esposa, publica o poema O Corvo, sucesso imediato, que finalmente reconheceu Poe como fenômeno literário mundial – o poema, com tradução de ninguém menos que Machado de Assis, encontra-se nos Ecos desta revista. Dois anos depois da morte de Virgínia, Poe é encontrado jogado nas ruas de Baltimore, delirante, vestindo roupas que não eram suas. Levado ao hospital, não teve condições de explicar o ocorrido, e faleceu deixando sua própria vida como a maior de suas histórias de mistério. Registros médicos foram perdidos, e a causa da morte permanece oculta – o que restou são suas últimas palavras agonizantes, “Senhor, por favor, ajude minha pobre alma”. Como frequentemente acontece com grandes artistas à frente de seu tempo, Edgar Allan Poe foi
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ganhando reconhecimento póstumo, à medida que o mundo assimilava a grandiosidade do que produzira. Sua primeira publicação – Tamerlane and Other Poems – inicialmente ignorada, teve um de seus originais leiloado pelo valor de mais de meio milhão de dólares, preço recorde pago por uma obra da literatura americana. A Associação de Escritores dos Estados Unidos nomeou seus prêmios para livros de mistério de “Edgars”.
O homem e sua obra, ambos ocupam um lugar importante na história da fantasia, pois Poe criou um gênero diferente, sem precedentes, e, me parece, levou o segredo consigo. Podemos chamá-lo de ‘chefe da escola da estranheza’. -Júlio Verne O gênero criado por Poe é o triunfo de sua imaginação sobre suas agonias, que usou a escrita como instrumento para lidar com o perverso mundo. Em William Wilson, a briga do narrador com sua própria consciência. Em O Coração Denunciador, os diálogos internos de um assassino à mercê de seu próprio sentimento de culpa. O Enterro Prematuro leva o leitor à angústia de um enterrado vivo. Assassinatos, enterros, torturas, medos e aflições – sentimentos vividos por protagonistas paranoicos, que revelam seus vieses geralmente através de uma narração em primeira pessoa, em contos concebidos com a intensidade delirante de um louco e o cálculo de um matemático, onde a primeira palavra é escrita já sabendo qual será a última. Em suas narrativas, o leitor sente como se “houvesse tocado o fio de uma pilha galvânica” – expressão frequentemente utilizada pelo autor – em uma leitura fluida e intensa, repleta de exclamações e travessões, que prende o leitor em sua poltrona, de onde não sai até finalizar o conto. Contos de Imaginação e Mistério é uma das mais primorosas edições que encontramos do autor, condizente com a magnitude da obra nela contida, para trazer aos associados o melhor da prosa do mestre Edgar Allan Poe.
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Ecos da Leitura
ecos da leitura
Ilustração: Henry Clarke
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8 FATOS CURIOSOS DE ALLAN POE
O BIGODE É difícil imaginar Poe sem seu tradicional bigode. Mas você sabia que foi assim que o escritor viveu a maior parte de sua vida? Somente nos anos sombrios que precederam sua morte, quando se encontrava em profunda melancolia, Poe adotou seu visual que hoje lhe é característico.
ESCREVENDO COM ÁCIDO O critico literário James Russel Lowell dizia que seu colega Edgar Allan Poe era “o mais distinto, filosófico e destemido crítico que tem escrito nos Estados Unidos”, sugerindo que ele usava “ácido, ao invés de tinta, em sua caneta”. Certa vez, Poe acusou o famoso poeta Henry Wadsworth Longfellow de ser “um determinado imitador e habilidoso adaptador de ideias de outros”, o que levou diversos leitores a se revoltarem contra Poe, no que ficou conhecido como “Guerra Longfellow”.
ALÉM DA LITERATURA William Friedman foi um dos principais criptologistas da América, responsável por decifrar códigos de máquinas durante a Segunda Guerra Mundial. Friedman iniciou sua carreira inspirado em “O Escaravelho de Ouro” – 18º conto da obra do mês –, no qual Poe, criptógrafo amador, dotou alguns de seus personagens de técnicas criptográficas para decifrar mistérios.
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O CRÍTICO TAMBÉM FOI CRITICADO Apesar dos numerosos elogios, Edgar Allan Poe não passou unânime pela crítica. Sobre seu poema O Corvo, William Butler Yeats condenou-o: “hipócrita e vulgar, e sua execução um mero truque rítmico”. Ralph Waldo Emerson disse não ter visto “nada de relevante nele”. Aldous Huxley criticou o exacerbado lirismo de Poe, escrevendo que a composição literária do escritor “cai na vulgaridade por ser ‘muito poética’ – o equivalente a usar um anel de diamantes em cada dedo”.
POE ADORAVA GATOS No quarto conto do livro deste mês, o célebre O Gato Preto, o narrador maltrata impiedosamente seu animal de estimação. Ao contrário do que a história pode fazer pensar, o escritor adorava animais. Ele mesmo tinha uma gata – que ele nunca maltratou! – chamada Catterina, e Poe frequentemente escrevia seus contos com ela sobre seus ombros. Conta-se que, alguns dias após a morte do autor, Catterina não resistiu à ausência de seu dono e também faleceu.
OS FATOS DO CASO DO SR. VALDEMAR Assim como Orson Welles, em 1938, convenceu seus ouvintes em uma transmissão radiofônica de que a Terra estava sendo invadida por marcianos, também Edgar Allan Poe confundiu seus leitores: após o lançamento de Os Fatos do Caso do Sr. Valdemar, quinto conto do livro enviado pela TAG, em que narra um médico na tentativa de salvar o paciente da morte através da hipnose, diversos leitores escreveram para o autor na crença de que se tratava de uma história verídica, tão realista era sua narração.
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BALTIMORE RAVENS Dias antes de sua morte, encontraram Poe jogado ao chão das ruas de Baltimore, nos Estados Unidos. Em sua homenagem, o time de futebol americano da cidade recebeu o nome de Baltimore Ravens – além do nome, o corvo (Raven) é também o mascote do time.
ESTOU BÊBADO, SR. PRESIDENTE Em 1842, buscando sair da miséria financeira, Edgar Allan Poe obteve uma reunião com o presidente dos Estados Unidos, John Tyler, para pedir-lhe um emprego no governo. No dia da entrevista, apresentou-se alcoolizado, vestindo seu casaco ao contrário e completamente despenteado. Para sua sorte, o filho do presidente interceptou-o minutos antes da entrevista, e sugeriu-lhe que fosse embora e voltasse em outro dia. Dizem que, quando voltou para a entrevista, Poe apareceu um pouco menos alcoolizado, mas ainda assim estragou tudo: em vez de aproveitar a chance para conseguir o emprego, teria tentado aproveitar a situação para vender assinaturas de sua revista, pedindo contatos ao presidente. Resultado: não conseguiu as assinaturas e muito menos o emprego.
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O OUTRO HOMEM Um homem de pouco mais de vinte e cinco anos, entre sorrisos, brincava carinhosamente com sua esposa em um parque nova-iorquino. Sentados na grama, escorados em uma árvore, com livros e mais livros sobre as pernas, ele a ajudava nos estudos de álgebra. Levantaram-se para brincar de pula-sapo – aquela brincadeira em que um agacha-se com as mãos nos joelhos, enquanto o outro vem correndo por trás e, apoiando-se nas suas costas, salta por cima. A jovem agachouse e, quando o homem saltou, suas pernas rasgaram o fundilho de sua calça, em um som que fez a menina cair em gargalhada. Apesar de embaraçado, bochechas rosadas de vergonha, o homem acompanhou-a em sua carinhosa risada. Exaustos, caíram no gramado, abraçados. O casal era Edgar Allan Poe e sua esposa Virginia Clemm, em um registro de um lado da vida do escritor que poucos associam à sua imagem, frequentemente difamada por biógrafos maldosos e inimigos literários. Alguns poucos fatos de sua vida, inflamados pelo imaginário criado a partir do teor dos contos que escrevia, transformaram Poe num apostador em jogos de azar, beberrão de aparência macabra, andarilho noturno, frequentador de tavernas e amante da morbidez. Mais que isso, Poe era também outro homem – um poeta inocente e pueril, que lutava com o perverso mundo para manter acesos seus ideais. Nessa batalha, muitas vezes perdida, o sensível Poe sofria com as pancadas que a vida lhe desferia, e acabava usando o álcool, mas também a poesia e os contos macabros, para tentar amenizar a dor.
Nós inventamos histórias de terror para nos ajudar a lidar com as histórias verdadeiras. -Stephen King
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ANNABEL LEE
It was many and many a year ago In a kingdom by the sea, That a maiden there lived whom you may know By the name of Annabel Lee; Edgar Allan Poe
Foi há muitos e muitos anos já, Num reino de ao pé do mar. Como sabeis todos, vivia lá Aquela que eu soube amar; Tradução de Fernando Pessoa
Annabel Lee foi o último poema escrito por Edgar Allan Poe, e publicado pela primeira vez no dia 9 de outubro de 1849, dois dias após sua morte. O poema narra a morte de uma mulher amada – tema que Poe considera “o mais poético do mundo” – e foi, provavelmente, inspirado em sua falecida esposa Virgínia Eliza Clemm Poe. Mais de um século depois, o poema inspirou Vladimir Nabokov em seu maior clássico, Lolita (1955). No romance, o professor de meia idade Humbert Humbert se apaixona por Annabel Leigh, uma jovem de apenas doze anos de idade. O amor entre eles, porém, nunca foi consumado, devido à morte prematura de Annabel. Originalmente, o título do romance não seria Lolita, mas “The Kingdom by the Sea”, referente à segunda estrofe do poema de Poe – que é citado diversas vezes durante o romance.
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POE NA CULTURA CONTEMPORÂNEA Júlio Verne engendrou uma sequência para o romance O Relato de Arthur Gordon Pym. Nabokov inspirou-se no autor para escrever Lolita. Até o time de futebol americano de Baltimore teve seu nome – e seu mascote – inspirado em Edgar Allan Poe. O escritor americano deixou sua marca nos mais diversos campos – até na criptografia! –, e permanece objeto de admiração ainda hoje. Separamos algumas de suas mais recentes influências para mostrar que Edgar Allan Poe ainda está por aí, em todos os lugares.
NO CINEMA: O CORVO Mais de cem adaptações cinematográficas foram inspiradas nas obras de Edgar Allan Poe – três delas somente com o título O Corvo. A mais recente foi lançada em 2012, com direção de James McTeigue. O filme, que tem John Cusack no papel de Edgar Allan Poe, ficcionaliza os últimos dias de vida do escritor americano.
NAS SÉRIES: THE FOLLOWING Na aclamada série The Following, o agente do FBI Ryan Hardy (Kevin Bacon) investiga um assassino em série que comete seus crimes inspirado por histórias de Poe. Não raro ele deixa pistas como a palavra nevermore (referência ao poema O Corvo), ou retira os olhos das vítimas – que seriam portais para a alma, segundo Poe. Joe Caroll (James Purefoy), o assassino, é ex-professor de literatura, especialista na obra do escritor.
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NO DESENHO: OS SIMPSONS E BATMAN Diversas foram as referências a Poe na série Os Simpsons. Em um episódio em homenagem ao Halloween, Homer está no papel de narrador do poema O Corvo, enquanto seu filho Bart aparece no papel da ave. Homer não foi o único: até o Batman , em uma minissérie em desenho animado chamada Batman: nevermore, de 2003, precisou juntar-se a Edgar Allan Poe para desvendar alguns assassinatos.
NA MÚSICA O conto Os Assassinatos de Rue Morgue é referenciado em “Just Like Tom Thumb’s Blues”, de Bob Dylan, e “Murders in the Rue Morgue”, de Iron Maiden. Lou Reed lançou o álbum conceitual chamado “The Raven”. Quando os Beatles compilaram imagens de seus heróis para a capa de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts”, lá estava Poe, no centro da fila, no topo da imagem. Essas foram apenas algumas das incontáveis aparições de Poe na música.
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O CORVO Tradução: Machado de Assis
Os poemas de Edgar Allan Poe não tiveram espaço nas páginas de Contos de Imaginação e Mistério, dedicadas à sua prosa. Para que você não deixe de conhecer o mais célebre de seus poemas, trouxemos O Corvo para a nossa revista.
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Em certo dia, à hora, à hora Da meia-noite que apavora, Eu, caindo de sono e exausto de fadiga, Ao pé de muita lauda antiga, De uma velha doutrina, agora morta, Ia pensando, quando ouvi à porta Do meu quarto um soar devagarinho, E disse estas palavras tais: “É alguém que me bate à porta de mansinho; Há de ser isso e nada mais.” Ah! bem me lembro! bem me lembro! Era no glacial dezembro; Cada brasa do lar sobre o chão refletia A sua última agonia. Eu, ansioso pelo sol, buscava Sacar daqueles livros que estudava Repouso (em vão!) à dor esmagadora Destas saudades imortais Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora. E que ninguém chamará mais. E o rumor triste, vago, brando Das cortinas ia acordando Dentro em meu coração um rumor não sabido, Nunca por ele padecido. Enfim, por aplacá-lo aqui no peito, Levantei-me de pronto, e: “Com efeito, (Disse) é visita amiga e retardada Que bate a estas horas tais. É visita que pede à minha porta entrada: Há de ser isso e nada mais.” Minh’alma então sentiu-se forte; Não mais vacilo e desta sorte
Falo: “Imploro de vós, — ou senhor ou senhora, Me desculpeis tanta demora. Mas como eu, precisando de descanso, Já cochilava, e tão de manso e manso Batestes, não fui logo, prestemente, Certificar-me que aí estais.” Disse; a porta escancaro, acho a noite somente, Somente a noite, e nada mais. Com longo olhar escruto a sombra, Que me amedronta, que me assombra, E sonho o que nenhum mortal há já sonhado, Mas o silêncio amplo e calado, Calado fica; a quietação quieta; Só tu, palavra única e dileta, Lenora, tu, como um suspiro escasso, Da minha triste boca sais; E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço; Foi isso apenas, nada mais. Entro coa alma incendiada. Logo depois outra pancada Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela: “Seguramente, há na janela Alguma cousa que sussurra. Abramos, Eia, fora o temor, eia, vejamos A explicação do caso misterioso Dessas duas pancadas tais. Devolvamos a paz ao coração medroso, Obra do vento e nada mais.” Abro a janela, e de repente, Vejo tumultuosamente Um nobre corvo entrar, digno de
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antigos dias. Não despendeu em cortesias Um minuto, um instante. Tinha o aspecto De um lord ou de uma lady. E pronto e reto, Movendo no ar as suas negras alas, Acima voa dos portais, Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas; Trepado fica, e nada mais. Diante da ave feia e escura, Naquela rígida postura, Com o gesto severo, — o triste pensamento Sorriu-me ali por um momento, E eu disse: “Ó tu que das noturnas plagas Vens, embora a cabeça nua tragas, Sem topete, não és ave medrosa, Dize os teus nomes senhoriais; Como te chamas tu na grande noite umbrosa?” E o corvo disse: “Nunca mais”.
Como se essa palavra escassa que ali disse Toda a sua alma resumisse. Nenhuma outra proferiu, nenhuma, Não chegou a mexer uma só pluma, Até que eu murmurei: “Perdi outrora Tantos amigos tão leais! Perderei também este em regressando a aurora.” E o corvo disse: “Nunca mais!” Estremeço. A resposta ouvida É tão exata! é tão cabida! “Certamente, digo eu, essa é toda a ciência Que ele trouxe da convivência De algum mestre infeliz e acabrunhado Que o implacável destino há castigado Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga, Que dos seus cantos usuais Só lhe ficou, na amarga e última cantiga, Esse estribilho: “Nunca mais”.
Vendo que o pássaro entendia A pergunta que lhe eu fazia, Fico atônito, embora a resposta que dera Dificilmente lha entendera. Na verdade, jamais homem há visto Cousa na terra semelhante a isto: Uma ave negra, friamente posta Num busto, acima dos portais, Ouvir uma pergunta e dizer em resposta Que este é seu nome: “Nunca mais”.
Segunda vez, nesse momento, Sorriu-me o triste pensamento; Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo; E mergulhando no veludo Da poltrona que eu mesmo ali trouxera Achar procuro a lúgubre quimera, A alma, o sentido, o pávido segredo Daquelas sílabas fatais, Entender o que quis dizer a ave do medo Grasnando a frase: “Nunca mais”.
No entanto, o corvo solitário Não teve outro vocabulário,
Assim posto, devaneando, Meditando, conjeturando,
Ecos da Leitura 25
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava, Sentia o olhar que me abrasava. Conjeturando fui, tranquilo a gosto, Com a cabeça no macio encosto Onde os raios da lâmpada caíam, Onde as tranças angelicais De outra cabeça outrora ali se desparziam, E agora não se esparzem mais. Supus então que o ar, mais denso, Todo se enchia de um incenso, Obra de serafins que, pelo chão roçando Do quarto, estavam meneando Um ligeiro turíbulo invisível; E eu exclamei então: “Um Deus sensível Manda repouso à dor que te devora Destas saudades imortais. Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora.” E o corvo disse: “Nunca mais”. “Profeta, ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que negrejas! Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno Onde reside o mal eterno, Ou simplesmente náufrago escapado Venhas do temporal que te há lançado Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo Tem os seus lares triunfais, Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?” E o corvo disse: “Nunca mais”. “Profeta, ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende! Por esse céu que além se estende, Pelo Deus que ambos adoramos, fala, Dize a esta alma se é dado inda escutá-la No éden celeste a virgem que ela chora Nestes retiros sepulcrais, Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!” E o corvo disse: “Nunca mais.” “Ave ou demônio que negrejas! Profeta, ou o que quer que sejas! Cessa, ai, cessa! clamei, levantandome, cessa! Regressa ao temporal, regressa À tua noite, deixa-me comigo. Vai-te, não fique no meu casto abrigo Pluma que lembre essa mentira tua. Tira-me ao peito essas fatais Garras que abrindo vão a minha dor já crua.” E o corvo disse: “Nunca mais”. E o corvo aí fica; ei-lo trepado No branco mármore lavrado Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. Parece, ao ver-lhe o duro cenho, Um demônio sonhando. A luz caída Do lampião sobre a ave aborrecida No chão espraia a triste sombra; e, fora Daquelas linhas funerais Que flutuam no chão, a minha alma que chora Não sai mais, nunca, nunca mais!
26 Ecos da Leitura
VÍCIO - Você é usuário? - Sim... - Quanto tempo já? - Faz tanto tempo... não me lembro exatamente. - Qual foi o motivo pelo qual começou? - Fugir da minha realidade, não aceitava minha condição, sempre fui criado sozinho nesse mundo. Balançou a cabeça, como se compreendesse. - Começou como? - Coisa leve, tipo Quintana, Drummond... depois, afundei, e até Allan Poe usei. (texto de Renato Caetano, Sr. Bolivar) Agora, os associados que ainda não tinham tido a oportunidade de ler Poe, também poderão afirmar: “até Allan Poe usei...” – e confessar esse vício com o orgulho!
ESPAÇO DO LEITOR #taglivros
A cada mĂŞs, recebemos diversas fotos criativas da chegada dos kits. O Tiago e o Rudiran postaram fotos suas, enquanto a Isabela, a Joice e a Carmen postaram fotos de seus amiguinhos brincando com os kits!
de Novembro 28 Indicação Ecos da Leitura
A INDICAÇÃO De NOVEMBRO
O autor apresenta os momentos fortes da filosofia com rigor e didatismo, mas em uma linguagem e estilo adequados a um público de não especialistas. CLÓVIS DE BARROS FILHO Vencedor do Aujourd’hui, um dos mais conceituados prêmios para obras de não ficção da França, o livro escolhido pelo filósofo brasileiro Clóvis de Barros Filho tem tudo a ver com ele: traz um panorama geral da evolução do pensamento filosófico. Partindo dos gregos e chegando aos contemporâneos, o autor busca introduzir cada escola da filosofia, a partir da apresentação de seus principais pensadores e suas teorias. De fácil compreensão para iniciantes, mas de maneira alguma pedestre para iniciados, o autor atesta que buscou ser tão claro na escrita quanto o é na fala. Em suas obras, o francês objetiva trazer mesmo às pessoas que nunca estudaram filosofia uma ideia justa e profunda do que ela é verdadeiramente e o que pode oferecer em matéria de finalidade em educação.
Informações completas a respeito do curador do mês e do livro recomendado podem ser encontradas em www.taglivros.com.br ou então na revista do próximo mês. Caso já tenha lido o livro, envie e-mail para contato@taglivros.com.br para conhecer as alternativas.
Ecos da Leitura 29
Como o livro indicado em dezembro de 2014 foi um clássico britânico, enviamos um cházinho inglês para acompanhar a leitura! Caso queira adquirir algum de nossos kits passados, envie e-mail para contato@taglivros.com.br!
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- Stephen King -