Jun2016 " A balada de Adam Henry"

Page 1

JUNHO DE 2016 A Balada de Adam Henry


Arthur Dambros arthur@taglivros.com.br Gustavo Lembert da Cunha gustavo@taglivros.com.br Álvaro Scaravaglioni Englert Bruna Lucchese Kafrouni Daniel Arcari Romero Eduardo Augusto Schneider Guilherme Rossi Karkotli Luísa Andreoli da Silva Maria Eduarda Largura Marina Brancher Pablo Soares Valdez Rodrigo Lacerda Antunes Tomás Susin dos Santos Antônio Augusto Portinho da Cunha Bruno Miguell Mendes Mesquita bruno.miguell@taglivros.com.br Laura D Miguel lauradep@gmail.com Impressos Portão TAG Comércio de Livros Ltda. Rua Sete de Abril, 194 | Bairro Floresta | Porto Alegre - RS CEP: 90220-130 | (51) 3092.0040 | contato@taglivros.com.br


Ao Leitor Para descobrir os livros favoritos de Jorio Dauster, um embaixador aposentado que traduz por puro prazer, é fácil: basta ver quais são os autores que optou por traduzir. Alberto Manguel, Vladimir Nabokov, Ian McEwan, Philip Roth, Thomas Pynchon, J. D. Salinger… a lista é grande. Mas, entre todos esses, quais foram os mais marcantes? Fomos presenteados com excelentes indicações, e a escolha foi árdua. Mas optamos por um velho conhecido nosso. Sim, o britânico Ian McEwan já havia feito parte do clube, em fevereiro de 2015, com o livro Solar. Mas é difícil que um autor dessa qualidade seja protagonista apenas uma vez, tanto é que já havia sido indicado por diferentes curadores. Como muitos associados pediram a reedição do kit que continha Solar, optamos por relançar esse autor com A Balada de Adam Henry, sua mais recente publicação. Um livro que, desde sua estreia, foi muito discutido ao redor do mundo por envolver o leitor em suas intrincadas decisões judiciais – sobre cujos pontos polêmicos esperamos que os associados agora opinem em nossas redes sociais!



A INDICAÇÃO DO MÊS

ECOS DA LEITURA

A PRÓXIMA INDICAÇÃO

05 11 18 19 20 22 24 28

O curador: Jorio Dauster O livro indicado: A Balada de Adam Henry

Filmografia Sugerida Encontro Marcado O Irmão Perdido de Ian McEwan Ode à Tradução Os Cinco Elefantes de Dostoiévski

Luiz Ruffato


4 Indicação do Mês

A INDICAÇÃO DO MÊS


Indicação do Mês 5

O curador: Jorio Dauster “Não sei se são todos os textos que possibilitam uma tradução”, afirmou Alberto Manguel, brilhante escritor argentino, enquanto tentava – com dificuldades – traduzir para o inglês um dos contos de Jorge Luis Borges, a pedido de um amigo. “A tradução é a arte de reimaginar, em outra língua e através dos outros olhos, aquilo que determinado texto aparenta tentar comunicar. Ela demanda de um leitor não apenas a compreensão de um texto, mas a construção de um outro, diferente, que permita a um outro leitor essa mesma compreensão. Quando exitosa, a tradução é a arte do entendimento.” Algumas profissões são notadas apenas quando algum erro é cometido – em caso de êxito, passam despercebidas. É o caso dos tradutores, um trabalho muitas vezes invisível, mas fundamental à qualidade da obra. Philip Roth, célebre escritor norte-americano, exige de suas editoras que o tradutor seja remunerado com base em cada exemplar vendido, o que constitui uma inusitada manifestação de respeito a uma classe de colaboradores que não costuma ser prestigiada no Brasil.

UMA BOA TRADUÇÃO NÃO SALVA UM MAU LIVRO, MAS UMA MÁ TRADUÇÃO PODE AFUNDAR UM BOM LIVRO. NO ENTANTO, VEJO O AUTOR COMO UM ARTISTA E O TRADUTOR COMO UM ARTESÃO. –JORIO DAUSTER

Nosso curador deste mês é um dos mais respeitados e admirados profissionais deste campo tão pouco celebrado, tendo como responsabilidade a tradução de gigantes literários, como Philip Roth, Ian McEwan, Vladimir


6 Indicação do Mês

Nabokov e J. D. Salinger. A tradução, entretanto, é apenas seu hobby. Por isso, o embaixador aposentado Jorio Dauster traz ao português apenas aqueles autores que admira. Dauster nasceu em 19 de novembro de 1937, no Rio de Janeiro. É mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Rio Branco e em Economia, pela Universidade McGill, em Montreal. Entrou para o Serviço Diplomático em 1961. Foi presidente do Instituto Brasileiro do Café (IBC) de 1987 a 1990 e negociador da dívida externa do Brasil de 1990 a 1991, havendo acordado com os credores o fim da moratória decretada pelo então presidente Sarney em 1987. Em 1999, aposentou-se de seu cargo de embaixador, e tornou-se presidente da Vale do Rio Doce, cargo que ocupou até 2001. Atualmente, participa de conselhos de administração de diversas empresas no Brasil e no exterior.

ENCARO AS TRADUÇÕES COMO UM HOBBY, E NÃO COMO UMA OCUPAÇÃO. SÓ ACEITO TRABALHAR COM AUTORES DE QUE GOSTO E SEM PRAZOS RÍGIDOS DE ENTREGA, O QUE PERMITE QUE CADA OBRA SE TRANSFORME NUM PRAZER E JAMAIS NUMA OBRIGAÇÃO. –JORIO DAUSTER

Sua primeira tradução começou como brincadeira, apenas um desafio pessoal ao próprio intelecto, sem grandes expectativas quanto ao resultado. Ao verificar sua facilidade para a atividade, continuou, e as seguintes, que já são muitas ao longo das últimas décadas, representam para Dauster o constante “desafio de encontrar a melhor correspondência no vernáculo” para algo de que gosta, por estar bem formulado em outra língua (no seu caso, o inglês). “Como só lido com autores que me atraem e sem prazo para terminar o trabalho, a tradução é para mim um fabuloso passatempo, uma válvula de escape, um refúgio onde não chegam os ruídos e as atribulações do cotidiano. Um dia bem equilibrado é aquele que começa com uma sessão de tênis, inclui diversos afazeres de negócios e termina com duas horas de tradução.”


Indicação do Mês 7

O TRADUTOR TEM DE SER UM DICIONÁRIO QUE CONTENHA AS PALAVRAS CONHECIDAS E AS PALAVRAS NÃO CONHECIDAS. –RUBEM ALVES

Ao longo de todos esses projetos literários, Dauster acumula histórias para contar. Nos idos da década de sessenta, ele e dois outros jovens diplomatas descobriram que compartilhavam um imenso carinho pelo livro The Catcher in the Rye, de Salinger, já então cultuado nos Estados Unidos, porém desconhecido no Brasil. Como cada um dos três tencionava traduzi-lo, decidiram partir para uma inusitada operação a seis mãos, ao fim da qual Dauster levou um manuscrito que ninguém encomendara a Rubem Braga, então sócio da Editora do Autor. O grande dilema dos jovens tradutores residia em como traduzir o título. “Apanhador, palavra horrorosa que, segundo os dicionários, se aplicaria a quem colhe os grãos de café ou extrai o látex da seringueira, embora no linguajar corriqueiro só seja usada para designar um gandula. Centeio, quando muito, lembrava um tipo de pão àquela época pouco consumido por estas bandas; mas quem jamais teria visto um campo da tal gramínea? Não, intitular um livro Apanhador no Campo de Centeio seria como dar algum nome esdrúxulo a uma bela criança, seria condenálo à mais absoluta rejeição”, recorda-se Dauster. Fizeram longas listas de títulos, até encontrarem A Sentinela do Abismo, em que respeitavam tanto o contexto quanto o conceito da obra. Eureca! Que nada, a alegria durou pouco. Da agente literária de Salinger veio a ordem ríspida: ou se vertia o título literalmente ou era suspensa a venda dos direitos de tradução. Ordens do autor. Ao entrar em contato com a agente, Dauster ficou sabendo que Salinger ficara enfurecido ao tomar conhecimento de certas versões dadas ao título. Em espanhol, publicaram-no como El Cazador Oculto. O francês nos brindou com L’attrape-coeurs, que corresponderia, nas


8 Indicação do Mês

palavras do próprio Jorio Dasuter, a “um abominável Pegacorações”. E, por fim, a mais notável: em Portugal, a obra foi lançada como Uma Agulha no Palheiro (seguindo a tradição do conterrâneo que, supostamente, tentou batizar o filme Psycho, de Hitchcock, de O filho que era a mãe)! “O título brasileiro, pelo jeito, não atrapalhou em nada, se é que não serviu para tornar ainda mais indelével a marca do livro na memória do leitor”, atesta Jorio. “As vendas continuam firmes, ano após ano, mesmo depois que o tresloucado assassino de John Lennon foi apanhado com um exemplar da obra. Que aqui no Brasil passou a ser carinhosamente chamada de Apanhador.”

IAN MCEWAN É, PARA MUITOS, O MAIOR ESCRITOR DE LÍNGUA INGLESA NA ATUALIDADE. EM A BALADA DE ADAM HENRY, O DILEMA PROFISSIONAL DA PROTAGONISTA SE ENTRELAÇA COM A CRISE DE UM CASAMENTO QUE PARECIA SÓLIDO E AFETUOSO, GERANDO CONFLITOS EMOCIONAIS QUE PÕEM EM XEQUE UMA TRAJETÓRIA DE VIDA MARCADA PELO RESPEITO DE SEUS PARES. O LIVRO NÃO APENAS MOBILIZA FORTEMENTE A EMOÇÃO DO LEITOR, MAS O LEVA A REFLETIR SOBRE A INFLUÊNCIA DELETÉRIA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA SOCIEDADE. – JORIO DAUSTER


Alguns dos livros traduzidos pelo nosso curador


10 Indicação do Mês

Ian McEwan


Indicação do Mês 11

O livro indicado: A Balada de Adam Henry Imagine que você trabalha como juiz da Vara de Família, e o próximo caso que chega à sua mesa é a disputa entre um hospital e os pais de gêmeos siameses que nasceram com uma malformação e, caso não sejam operados, falecerão. Após a operação, porém, é certo que somente um deles sobreviverá. A família opõe-se à realização da cirurgia, pois é contra seus preceitos religiosos: alegam que só Deus pode tirar uma vida. A decisão recai sobre você. Esse caso chamou a atenção de McEwan, quando participou de um jantar informal com alguns amigos juízes. Interessado pelo dilema moral que algumas decisões judiciais enfrentavam, o autor afirmou ter “resistido à aguda tentação de tomar notas” durante o jantar. Não resistiu, porém, à tentação de escrever um livro: o caso foi levado ao romance A Balada de Adam Henry, último lançamento de Ian McEwan, publicado no final de 2014.

QUALQUER LIVRO NOVO DO INGLÊS IAN MCEWAN É, HOJE, UM GRANDE EVENTO, QUE ESTÁ PARA A LITERATURA ‘SÉRIA’ COMO UM NOVO HARRY POTTER ESTÁ PARA A LITERATURA DE ENTRETENIMENTO. O CARA É UM MONSTRO. –SÉRGIO RODRIGUES, CURADOR DA TAG EM FEVEREIRO DE 2016

Nem sempre, entretanto, McEwan tratou de temas tão cotidianos em suas obras. No início da carreira, foi apelidado de Ian Macabro, pelo teor escatológico dos contos que compunham seus dois primeiros livros: Primeiro Amor, Último Sacramento (1975), e Entre Lençóis (1978), que receberam uma edição conjunta da Editora


12 Indicação do Mês

Rocco. Ao longo dos anos, porém, McEwan foi mudando seu estilo – apesar de não ser muito apegado a finais felizes, a partir dos anos oitenta o autor deixou a morbidez de lado e passou a lidar com eventos históricos e contemporâneos, e seus novos livros começaram a chamar a atenção do público. Seu romance Amsterdam (1998) rendeu-lhe o Man Booker Prize, prêmio literário mais importante do Reino Unido, e Reparação (2001), transformado no filme indicado ao Oscar Desejo e Reparação, foi considerado pela revista Time o melhor romance do ano. Desde então, Ian McEwan vem se consagrando como um dos mais importantes escritores da atualidade, considerado um dos grandes candidatos ao Nobel de Literatura nos próximos anos. Mais de vinte livros já foram escritos em homenagem ao autor, analisando suas obras ou estilo de escrita. McEwan nutre um apreço especial pelo Brasil, onde encontra grande afeição do público. Quando foi convidado a participar da Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP), em 2004, trouxe seu filho para acompanhálo, então com dezessete anos. “Ele ficou encantado, disse ‘Este é o meu país’. Voltou para a Inglaterra, economizou dinheiro e depois veio para o Rio, onde arrumou uma namorada brasileira e aprendeu português.”

QUANDO COMECEI A ESCREVER, AOS 20 ANOS, QUERIA CHOCAR, ESCAPAR DA CINZENTA E PROVINCIANA LITERATURA INGLESA E IR ATRÁS DE WILLIAM BURROUGHS, PHILIP ROTH, JOHN UPDIKE E HENRY MILLER, QUE PARECIAM ESTAR EM BUSCA DE ALGO MAIS AMBICIOSO, MAIS ARRISCADO. –IAN MCEWAN

Não é à toa, então, que a citação que antecede o início de Solar (2010), enviado em fevereiro de 2015 aos associados da TAG, seja de John Updike. O tema escolhido para o livro veio de uma visita de Ian McEwan a alguns fiordes na Noruega, com um grupo de cientistas e outros


Indicação do Mês 13

artistas, para verificar as consequências do aquecimento global em primeira mão. Lá, em meio a tantos jantares e reuniões sérias, destinados a traçar planos para salvar o planeta do aquecimento global, as pessoas não resolviam nem seus próprios problemas: a sala de equipamentos de proteção estava sempre desarrumada, e cada pessoa acabava “roubando” a roupa do outro. Percebendo a comicidade e fragilidade da natureza humana para lidar com seus próprios dilemas, pensou que seria interessante tratar do tão polêmico aquecimento global de uma maneira divertida e não técnica – e até transformou essa viagem em um dos cenários da história. Uma característica marcante do escritor é o alto envolvimento com pesquisas durante a produção de suas obras. Em A Balada de Adam Henry (2014), desde o jantar em que teve seu interesse despertado pelo impacto de certas decisões jurídicas, Ian McEwan dedicou-se ao estudo do cotidiano de um juiz do Tribunal Superior. “Continuei a observar os paralelos entre nossas profissões, pois as sentenças se assemelhavam a contos ou romances curtos: o pano de fundo de algum dilema resumido com precisão cirúrgica, personagens descritos com traços rápidos, a história vista sob diversas perspectivas e, lá pelo fim, algum gesto de compaixão para com aqueles que, em última instância, a narrativa não iria favorecer.” Nos agradecimentos, ao final do livro, podemos sentir o tom de carinhosa admiração pelas pessoas que lhe ajudaram a construir o enredo, possibilitando a McEwan descrever os casos com detalhes técnicos e a precisão de um relojoeiro. Fiona Maye, protagonista da história, é uma respeitada juíza do Tribunal Superior, especializada em direito de família. Embora dedicada a resolver diariamente conflitos matrimoniais, seu âmbito privado está um caos. Sua vida sexual está estagnada, e seu marido decide sair de casa para viver um romance com uma colega de trabalho. Orgulhosa, Fiona recebe aquilo como um doloroso choque, mas abstém-se de intervir para tentar salvar o casamento. Talvez McEwan retrate com tanta acurácia os penosos


14 Indicação do Mês

embates de um divórcio por ter vivido o próprio, quinze anos atrás, cujos detalhes chegaram a conhecimento público pela dificuldade de resolução de cada uma das partes. O autor não escolheu a área criminal, onde cumpre determinar, sem que permaneça nenhuma dúvida, se o acusado é culpado ou não. Definiu como foco de sua obra a subjetiva Vara de Família, que abrange muitos dos interesses mais sérios da vida privada: amor, casamento e o fim de ambos; fortunas divididas de forma conflituosa; destino de uma criança disputada pelos pais; divergências religiosas e morais que tumultuam separações matrimoniais. Decisões difíceis em dilemas como o dos gêmeos siameses tornaram Fiona respeitada e admirada em seu círculo. McEwan apresenta-nos os casos e, a partir disso, acompanhamos a linha de raciocínio da juíza – e seus embates internos com o fracasso da vida pessoal. Assim, o autor dá tempo para que possamos construir a nossa própria opinião sobre cada um dos julgamentos de Fiona e comemorar – ou lamentar – suas decisões. Cada vez que abrimos o livro, sentimo-nos subindo as escadas do tribunal – como a capa sugere. Até que chega à mesa da protagonista um caso urgente: um menino chamado Adam Henry, testemunha de Jeová, está com leucemia, e precisa de transfusão de sangue. A família, no entanto, recusa-se a permitir que o hospital faça o procedimento, pois, para sua religião, o sangue é sagrado. Como o menino é menor de idade (faltam poucos meses para atingir a maioridade), ele não pode decidir – apesar de afirmar resolutamente que não deseja a transfusão. Os representantes do hospital ajuízam recurso no tribunal, pois entendem que é um caso fácil de ser tratado, e garantem que a vida de Adam será salva. Antes de tomar sua decisão, Fiona faz algo impensável para um juiz: decide visitar o hospital para conhecer Adam pessoalmente. Lá, encontra um menino alegre, que escreve poesias e compartilha com Fiona o amor pela música – antes de ser acometido pela doença, estava aprendendo a tocar violino, enquanto a juíza tinha como hobby cantar música clássica. Nesse singelo ato,


Indicação do Mês 15

a protagonista dá início a uma cadeia incontrolável de consequências emocionais, dificultando as previsões do leitor quanto ao resultado do julgamento. Não é o primeiro livro em que McEwan evoca o poder da poesia e da música – em Sábado (2005), o autor já havia dado um papel importante a essas expressões artísticas. Em A Balada de Adam Henry, Fiona Maye destaca a poesia do irlandês William Butler Yeats, em um reflexo do amadurecimento literário do próprio McEwan: “Não é uma reflexão sobre a leitura como um todo, mas sobre minha própria experiência ao ler Yeats pela primeira vez, aos dezesseis anos. Foi o poema que abriu a porta de toda a poesia para mim. Yeats tem esse efeito em adolescentes. Por isso, a balada que Adam compõe é influenciada por ele e tem a mesma métrica do poema”.

UMA DAS MAIS EXTRAORDINÁRIAS, PODEROSAS E TOCANTES EXPERIÊNCIAS DE LEITURA DA MINHA VIDA. UM ROMANCE COMPLETAMENTE MEMORÁVEL, DELICADAMENTE BALANCEADO, PERFEITAMENTE CONSTRUÍDO E ESCRITO COM GRANDE BELEZA. –ALBERTO MANGUEL, ESCRITOR ARGENTINO

Para muitos, McEwan é o mais talentoso escritor vivo. Sua prontidão para se surpreender com o que observa no mundo é o que permite descrever com impressionante realismo as mais diversas situações mundanas. Seja em um jantar entre juízes, seja em um congresso científico sobre aquecimento global, de qualquer lugar pode sair sua próxima grande obra.


ECOS DA LEITURA


Ecos da Leitura 17

Ao ler os casos que chegam à mesa de Fiona, ficamos ansiosos, imaginando qual será o desfecho, e nos pegamos construindo o julgamento em nossas cabeças. Uma maneira de ver o tribunal de outra forma e ter contato com outros casos intrigantes é assistir a filmes de tribunal. Em nosso primeiro Eco deste mês, reunimos uma Filmografia Sugerida para matar essa vontade. Quem nunca pensou em viajar para o local descrito em um livro e entender melhor o cenário? Em Encontro Marcado, trouxemos um caso curioso, que fará com que você deseje marcar as próximas viagens literárias. Nem sempre as grandes histórias ocorrem apenas na imaginação dos escritores. E o que aconteceu com O Irmão Perdido de Ian McEwan é digno de ser contado nos Ecos desta revista. Como comentamos anteriormente, o importante trabalho dos tradutores muitas vezes passa despercebido do público leitor. Nossos dois últimos ecos desta revista, Ode à Tradução e Os Cinco Elefantes de Dostoiévski, dedicam a esses profissionais a atenção que eles merecem. Equipe TAG contato@taglivros.com.br


18 Ecos da Leitura

Filmografia Sugerida Em A Balada de Adam Henry, acompanhamos Fiona Maye tomar suas polêmicas decisões judiciais – algumas verídicas, inspiradas por aquelas que Ian McEwan ouviu de seus amigos juízes. O tema é muito comum também no cinema, e trouxemos algumas sugestões para vocês:

O VENTO SERÁ TUA HERANÇA (1999)

Vencedor em uma categoria do Globo de Ouro e indicado a duas do Emmy, é uma adaptação de uma peça homônima, de 1951, baseada no célebre caso norteamericano chamado O Julgamento do Macaco, que teve repercussões mundiais. A história traz um professor americano que é julgado criminalmente por haver ensinado a Teoria da Evolução de Darwin em uma escola pública, contrariando preceitos religiosos. Diversas outras adaptações da peça foram feitas antes, com destaque para a de 1960, com Gene Kelly e Spencer Tracy.

A QUALQUER PREÇO (1998)

Com atuações marcantes de John Travolta e Robert Duvall, A Qualquer Preço, que também é baseado em fatos reais, é considerado um dos melhores filmes de tribunal dos últimos anos. Trata do caso de um advogado que, em vez de vencer suas causas, busca entrar em lucrativos acordos financeiros. O cenário muda quando aceita representar oito famílias, cujas crianças morreram em virtude de duas empresas terem despejado propositalmente produtos tóxicos na água que abastece a cidade.


Ecos da Leitura 19

Encontro Marcado Assim como algumas associadas da TAG, quatro mulheres britânicas costumavam se reunir mensalmente para discutir as obras do seu clube do livro. Após finalizarem a leitura de A Balada de Adam Henry, decidem contratar um guia e realizar um passeio literário: conhecer a Londres de McEwan. Ficaram tão envolvidas pela história que decidiram fazer uma visita guiada pelos cenários da vida de Fiona Maye, protagonista do livro deste mês. De repente, em meio às explicações do esforçado guia sobre Gray’s Inn, histórico complexo residencial de juízes e advogados, surge um burburinho, cotoveladas e olhares discretos. A apenas cinco metros das leitoras, encontrava-se Ian McEwan. Uma das mulheres tomou coragem e abordou o autor, que se assombrou com a coincidência do relato – ele mesmo estava nas redondezas para apresentar o cenário de seu último romance a um jornalista estrangeiro. “Vocês vão ter de me pagar mais por este final de excursão”, brincou o guia, junto a um McEwan atônito, desejoso de saber mais antes de voltar à sua casa, algumas ruas para baixo, para contar a história para a esposa.


20 Ecos da Leitura

O Irmão Perdido de Ian McEwan Apesar de não ser muito afeiçoado a finais felizes, o que acaba de acontecer com Ian McEwan pode ser considerado um desfecho digno de Charles Dickens: depois de mais de cinquenta anos, finalmente conheceu seu irmão. A história começa como em um clássico de guerra. Em 1942, uma mulher chamada Rose engravidou enquanto seu marido estava lutando na Segunda Guerra Mundial. Desesperada para se livrar do bebê antes que seu marido descobrisse o adultério, anunciou nos jornais que necessitava de uma casa para uma criança de um mês de idade. O anúncio foi respondido, e o bebê entregue a seus pais adotivos na estação de trem de Reading. Seu marido, porém, nunca voltou para casa. Ele faleceu logo após o ataque do Dia D. Rose casou-se com o pai da criança, David McEwan, e o futuro novelista Ian nasceu em 1948. Enquanto isso, o bebê, agora chamado Dave Sharp, era criado por outra família, que após quatorze anos contoulhe que era adotado. Dave levou, porém, cinquenta anos para encontrar sua família biológica – por meio dos registros do Exército da Salvação, localizou uma tia disposta a contar o segredo de Rose. Dave conseguiu encontrar Rose McEwan logo antes dela falecer, e então conheceu o filho, Ian, que o recebeu na família. Mas a história, que parece ter saído de um livro, não para por aí: os irmãos viviam próximos um do outro, na mesma cidade. Dave Sharp, um homem grandalhão que trabalhava com enxadas e tijolos, procurou sua família sem nunca ter ouvido falar de Ian McEwan, um intelectual esguio que trabalhava com palavras e


Ecos da Leitura 21

Complete Surrender é o título do anúncio que Rose colocou no jornal para que alguém aceitasse o bebê.

ideias. A partir do primeiro encontro, para divertimento de Dave, suas conversas em público costumavam ser interrompidas por fãs pedindo autógrafos. Dave Sharp sugeriu a McEwan que escrevesse um livro contando a história de sua família. McEwan, porém, respondeu que a história era de Dave, e que ele é que deveria contá-la. Assim surgiu Complete Surrender, escrito por Sharp e com a introdução de ninguém menos que Ian McEwan.

EU JÁ LI TODOS OS SEUS LIVROS, AGORA. MAS SE ELE É FAXINEIRO OU ESCRITOR, NÃO IMPORTA. ELE É APENAS MEU IRMÃO. –DAVE SHARP SOBRE IAN MCEWAN


22 Ecos da Leitura

Ode à Tradução

A importância de uma tradução bem feita já foi mencionada nesta revista diversas vezes. Como dizia José Saramago, “são os autores que fazem as literaturas nacionais, mas são os tradutores que fazem a literatura universal”. Em nosso país, temos a sorte de contar com excelentes tradutores, muito graças à imigração, que possibilitou que diversos estrangeiros radicados no Brasil pudessem se dedicar à arte de traduzir obras compostas em sua língua natal. O intelectual alemão Herbert Caro, por exemplo, fugiu da Alemanha nazista e desembarcou no Brasil, para nossa sorte, pois nos brindou com excelentes edições de Os Buddenbrook e A Montanha Mágica, de Thomas Mann. O ucraniano Boris Schnaiderman foi a primeira pessoa a traduzir direto do russo nomes como Tolstói e Tchekhov. Grandes escritores também se dedicaram à tradução, seja pela paixão de escrever, seja pela necessidade urgente de ganhar algum dinheiro. Trouxemos aqui algumas sugestões de livros traduzidos por gigantes da literatura brasileira.


Ecos da Leitura 23

Adeus às Armas – Ernest Hemingway (1929)

Traduzido por Monteiro Lobato, o romance autobiográfico de Ernest Hemingway conta a história de Frederic Henry, um tenente norte-americano que serve no exército italiano durante a Primeira Guerra Mundial como condutor de ambulâncias, e se apaixona por uma enfermeira inglesa. Hoje, você encontra essa tradução na edição da Bertrand Brasil. Mrs. Dalloway – Virginia Woolf (1925)

Um dos mais célebres romances de Virginia Woolf, narra um dia na vida de Clarissa Dalloway, uma mulher de origem nobre, que vive na Inglaterra pósPrimeira Guerra Mundial. Traduzido para o português pelo nosso saudoso poeta Mario Quintana, em edição que pode ser encontrada no acervo da Nova Fronteira.

O Corvo – Edgar Allan Poe (1845)

O célebre poema de Poe, presente na íntegra em nossa revista de outubro de 2015, notável por sua musicalidade e atmosfera tensa, teve uma tradução feita por ninguém menos que Machado de Assis. Satisfatório saber que o grande ícone de Poe foi traduzido por alguém à altura, não?


24 Ecos da Leitura

Os Cinco Elefantes de Dostoiévski

Em 2012, um brasileiro ganhou a maior condecoração russa da área de cultura: a Medalha Puchkin. O paraibano Paulo Bezerra, nascido em Pedra Lavrada, é um dos mais importantes tradutores brasileiros da atualidade, com mais de trinta obras vertidas do russo para o português e vencedor de inúmeros prêmios em sua área, entre eles o Jabuti e a premiação da Academia Brasileira de Letras. Quando tinha dez anos de idade, porém, tal realidade não poderia estar mais distante – como não pôde estudar, por falta de condições dos pais, um ferreiro e uma costureira, Bezerra trabalhava garimpando minério. Deixou o nordeste aos dezoito anos, rumo a Atibaia (SP). Após dois meses trabalhando em uma granja, rumou a Guarulhos, onde seguiu os passos do irmão mais velho e tornou-se operário. Ao trabalhar em fábricas, envolveu-se com o movimento sindical, até filiar-se ao PCB. Por esse motivo, acabava demitido constantemente, e acabou preso em 1962, durante uma greve. No ano seguinte, aceitou o convite do partido para fazer um curso de formação política em Moscou, então União Soviética, para onde partiu sem conhecer a língua local. Com a tomada do poder pelos militares, em 1964, Bezerra, comunista fichado pela polícia, não podia retornar. A estada na Rússia, que deveria durar seis meses, estendeu-se por oito anos. Durante esse período, ingressou na universidade e trabalhou em uma rádio. Quando retornou ao Brasil, estudou Letras na Universidade Gama Filho, e tornou-se mestre e doutor


Ecos da Leitura 25

pela PUC-Rio e livre-docente em literatura russa pela USP. A ideia de trabalhar como tradutor veio dos tempos da Rússia: quando estava no país, teve acesso a uma edição brasileira (traduzida do francês) de Crime e Castigo, de Dostoiévski, e percebeu a grande diferença entre o original e a versão brasileira. “Foi impressionante, era como se autores diferentes contassem a mesma história, cada um a seu modo.” Trinta e cinco anos depois dessa constatação, a Editora 34 estava lançando no Brasil a primeira versão traduzida direto do russo, graças ao talento de Bezerra. Com o sucesso de sua tradução, o paraibano assumiu a árdua tarefa de trazer ao português os “cinco elefantes de Dostoiévski”, como são chamados os romances da maturidade do escritor russo: além de Crime e Castigo (1866), integram a lista O Idiota (1869), Os Demônios (1872), O Adolescente (1875) e Os Irmãos Karamázov (1881). A diferença de suas traduções, segundo o próprio Bezerra, reside no fato de que não tentou “embelezar” a escrita de Dostoiévski, pois acredita que esta perde suas peculiaridades quando exposta de maneira clara e elegante. O autor russo é, em suas palavras, “rude, áspero, deselegante quando a forma o requer; logo, estilizálo e torná-lo palatável às chamadas regras do bem escrever significa trair uma peculiaridade essencial de seu estilo”. A saga de Bezerra chegou ao fim em 2015, aos setenta e cinco anos do tradutor, com a publicação de O Adolescente. Para traduzir e revisar cada obra, ele leva, em média, dois anos e meio – mais do que Dostoiévski levou para escrever Crime e Castigo!


26 Espaço do Leitor

Espaço do Leitor Em nosso grupo do Facebook, acompanhamos a fervorosa troca de indicações de livros entre os associados. Muitas vezes, os associados assumem o papel de curadores da TAG, justificando suas escolhas com excelentes comentários. Como é o caso do associado Cleuber Marques da Silva, de Belo Horizonte, Minas Gerais, que nos presenteou com esse texto sobre sua história com um certo livro.

UM CASO DE AMOR Cleuber Marques da Silva O volume me chegara emprestado, desgastado, sem capa e amarelado. Evidentemente, já passara por várias mãos, que o apreciaram ou não. Do título, nunca ouvira falar antes: Flor de Abandono. Do autor, muito menos, Zgimond Móricz, um nome estranho; entretanto, tais fatos não interferiram na leitura. Como não havia capa dianteira ou traseira, não tive acesso a qualquer resumo ou notícia impressa sobre o livro. Apenas confiado na recomendação de uma colega de escola que, como eu, era afeita aos livros, comecei a leitura. A frase de início me pegou pela gola, instalou-se em minha memória e de lá não quis mais sair: “O dia amanhecia na puzta.”


Espaço do Leitor 27

A palavra esquisita, em itálico e com uma nota de pé de página. Puzta, em húngaro, é campo. Portanto, o dia amanhecia no campo. A gente não consegue explicar de maneira precisa os desvãos do amor. Por que aquela frase, tão comum – o único elemento perturbador era a palavra húngara – se instalou com tamanha autoridade em meus arquivos mentais? Muitos anos se escoaram, como numa paciente e antiquada ampulheta. Deixei de pensar naquela pequena obra, me esqueci – ou julgava ter me esquecido – da triste história de Csöre, a menina sem lar, personagem da história. Não obstante, uma pesquisa sem pretensões na internet me expôs ao nome de Zgimond Móricz novamente. Numa associação imediata e afetiva, acudiume à lembrança o livrinho Flor de Abandono, que tanto havia me impressionado na adolescência já distante. Procurei avidamente uma edição, na firme vontade de adquiri-la. Mas aquele título estava fora de catálogo há anos. Não desisti. Procurei em sebos de Belo Horizonte e... nada! Sem qualquer vestígio. Então, resolvi tentar ainda uma vez, antes de desistir. A própria internet, de onde me saíra o nome do autor, poderia, com bastante probabilidade, me levar a alguma indicação do paradeiro de um volume. E lá estava: o Flor de Abandono à minha disposição em um sebo virtual, desde que eu concluísse o pedido e pagasse o valor da encomenda e do frete. Não pensei meia vez. Em breve, o exemplar tão desejado estava em minhas mãos alegres e aquele começo, tão comum e tão esperado reabriu as portas da degustação pura: “O dia amanhecia na puzta.”


A PRÓXIMA INDICAÇÃO EGOÍSTA E AMBICIOSO, O PERSONAGEM USA, SEM ESCRÚPULOS, SEU CHARME E SIMPATIA PARA GALGAR UM LUGAR NA EXCLUSIVISTA SOCIEDADE FRANCESA PÓS-NAPOLEÔNICA. UM MONUMENTO DO REALISMO PSICOLÓGICO. –LUIZ RUFFATO FOTO: G.GARITAN

Publicado na França pós-napoleônica, o livro indicado por Ruffato é um clássico da literatura mundial. A obra narra a trajetória de um ambicioso filho de carpinteiro, que faz de tudo para ascender socialmente. Inferior de berço, precisa revestir sua revolta com polidez, seus interesses com paixão, sua hipocrisia com inocência, e assim lutar contra a opressão e os preconceitos da sociedade francesa. Com grande profundidade psicológica, o autor nos insere na mente de seu protagonista, tornando-nos cúmplices de suas hipocrisias e raciocínios – característica que o levou a influenciar mestres como Dostoiévski e Nietzsche. Ao fim da narrativa, apercebemo-nos diante de um brilhante retrato histórico da exclusivista sociedade francesa do início do século dezenove.

É com muito orgulho que apresentamos uma das nossas mais esperadas novidades: a edição de luxo da TAG. Indisponível para compra em livrarias, a edição deste mês foi elaborada pela TAG com exclusividade para os nossos associados!


Este foi nosso kit de março de 2016, com a indicação da psicóloga Susan Blackmore. Caso queira adquirir algum kit passado, basta enviar e-mail para contato@taglivros.com.br!


Os nossos sentidos não nos enganam. O que nos engana é o nosso julgamento. – GOETHE

contato@taglivros.com.br www.taglivros.com.br facebook.com/taglivros @taglivros


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.