MAIO de 2016 O Caminho Estreito para os Confins do Norte
Arthur Dambros arthur@taglivros.com.br Gustavo Lembert da Cunha gustavo@taglivros.com.br Álvaro Scaravaglioni Englert alvaro@taglivros.com.br Pablo Soares Valdez pablo@taglivros.com.br Tomás Susin dos Santos tomas@taglivros.com.br Daniel Romero daniel@taglivros.com.br Guilherme Rossi Karkotli guilherme@taglivros.com.br Luísa Andreoli luisa@taglivros.com.br Maria Eduarda Largura maria.eduarda@taglivros.com.br Antônio Augusto Portinho da Cunha Bruno Miguell M. Mesquita bruno.miguell@taglivros.com.br Laura D Miguel lauradep@gmail.com Impressos Portão TAG Comércio de Livros Ltda. Rua Sete de Abril, 194 | Bairro Floresta | Porto Alegre - RS CEP: 90220-130 | (51) 3092.0040 | contato@taglivros.com.br
Ao Leitor Adriana Lisboa, nossa curadora de maio, indicou à TAG um dos livros mais elogiados dos últimos anos. O Caminho Estreito para os Confins do Norte, vencedor do Booker Prize e sucesso arrebatador ao redor do mundo, é muito mais do que um livro de guerra. Contando a história a partir de diferentes pontos de vista, Richard Flanagan publicou uma obra-prima que trata desde o impacto da guerra nos sobreviventes e a culpa dos opressores até os sentimentos amorosos dos prisioneiros. Não pense, entretanto, que a literatura não está presente na história. Assim como William Stoner, protagonista do nosso livro de abril, teve sua vida alterada quando descobriu o amor pelos livros, muitos personagens de O Caminho Estreito para os Confins do Norte recorrem às obras literárias para fugirem de suas realidades. Como disse o jornal britânico The Guardian, “esse romance é uma carta de amor à literatura”.
ILUSTRAÇÃO: LAURA d MIGUEL
A INDICAÇÃO DO MÊS
ECOS DA LEITURA
A PRÓXIMA INDICAÇÃO
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A curadora: Adriana Lisboa O livro indicado: O Caminho Estreito para os Confins do Norte
Arch Flanagan A Ferrovia da Morte Memórias de Uma Guerra Bashô e o Haicai Quando os Livros Foram à Guerra
Jorio Dauster
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A INDICAÇÃO DO MÊS
FOTO: Julie Harris
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A curadora: Adriana Lisboa Quando esteve no Japão pesquisando sobre a obra do poeta Matsuo Bashô (1644-1694) para escrever o romance Rakushisha, lançado em 2007, a premiada escritora carioca Adriana Lisboa trouxe na mala muito mais do que os haicais do poeta do século XVII. Grande admiradora da cultura oriental, Adriana mergulhou fundo nas lendas e na tradição popular da terra do sol nascente, e acabou publicando também a obra Contos Populares Japoneses (2008), uma seleção de histórias que sobreviveram ao tempo e fazem parte da milenar cultura popular nipônica, com ilustrações elaboradas pela paulista Janaina Tokitaka. A viagem sempre esteve presente na vida da autora, o que acabou refletindo em suas obras. Desde seus dezoito anos, quando foi à França para trabalhar como cantora de MPB, Adriana Lisboa costuma viajar para encontrar seu rumo. Além da pesquisa sobre Bashô, a experiência de passar um tempo em Kyoto foi fundamental para ambientar Rakushisha, e tornar as situações vivenciadas pelos personagens mais verossímeis. Afinal, tanto Haruki quanto Celina, os protagonistas, são brasileiros que viajam ao Japão buscando na cultura japonesa um refúgio para suas aflições.
A ERRÂNCIA, O DESLOCAMENTO, A MIGRAÇÃO, A EXPATRIAÇÃO SÃO FENÔMENOS QUE ME INTERESSAM, PORQUE PENSO QUE DEIXAM MAIS VISÍVEL O CARÁTER ESSENCIALMENTE PASSAGEIRO DE NOSSAS PRÓPRIAS VIDAS. –Adriana Lisboa
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Adriana Lisboa nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1970. Quando aprendeu a escrever, ficou fascinada e, desde então, nunca parou. Apesar de não cultivarem grandes interesses literários, seus pais sempre a apoiaram com entusiasmo, seja quando escreveu seu primeiro poema, aos nove anos, seja quando decidia ir à livraria comprar um livro, que muitas vezes vinha acompanhado de outros três ou quatro. Além disso, quando recebiam visitas, os pais de Adriana apresentavam-lhes os escritos com orgulho, o que incentivava a garota a continuar escrevendo. Entretanto, Adriana nunca imaginou que realmente seguiria uma carreira literária. A autora diz que lidava com a possibilidade de se tornar escritora quase como um sonho, como as crianças que imaginam crescer para virarem astronautas. A profissão que escolheu, no entanto, também é tratada como um sonho pela maioria das pessoas: cursou faculdade de Música na Uni-Rio, e passou a trabalhar como flautista e professora de música. Durante esses anos, a música lhe tomava quase todo seu tempo, restando poucas horas livres para escrever, sua maior paixão. Triste pela falta de tempo e com saudades do papel e da caneta, definiu um objetivo: escrever um romance. “Queria fazer daquilo que mais me dava prazer a atividade central da minha vida”, afirmou. A partir de então, Adriana passou a dedicar sua vida à literatura. Obteve o mestrado em Literatura Brasileira e o doutorado em Literatura Comparada na UERJ, e formou-se em Tradução no curso de Daniel Brilhante de Brito. Em 1999, a promessa de escrever um romance foi cumprida, e seu primeiro livro foi publicado, intitulado Os Fios da Memória. Dois anos depois, sua segunda obra, Sinfonia em Branco, foi vencedora do Prêmio José Saramago, e Adriana passou a chamar a atenção da crítica e do público. Um Beijo de Colombina (2003) e Rakushisha (2007) foram muito bem recebidos, mas foi com Azul Corvo (2010) – eleito um dos melhores livros do ano pelo periódico britânico The Independent – e Hanói (2013) – na lista dos destaques literários do jornal O Globo – que Adriana Lisboa consagrou-se como uma das mais importantes escritoras brasileiras da nova geração, publicada em mais de
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dezessete países. Azul Corvo, a propósito, também foi um dos livros indicados pelo escritor Sérgio Rodrigues à TAG, quando foi nosso curador, em fevereiro de 2016. Além das obras mencionadas, a autora aventurouse também na literatura infantil. Lia muito para o filho pequeno, e frequentava inúmeras livrarias em busca de novos títulos. Depois de tanto envolvimento, decidiu escrever histórias para seu filho – e para muitas outras crianças. E assim surgiram Língua de Trapos (2005), O Coração Às Vezes Para de Bater (2007) – adaptado para o cinema – e A Sereia e o Caçador de Borboletas (2009). Quem já fazia parte da TAG em agosto de 2015 deverá lembrar que Adriana Lisboa também atua como tradutora, responsável por trazer ao Brasil a obra que enviamos naquele mês: A Estrada, de Cormac McCarthy. Entre suas outras traduções, estão O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë; A Porta, coletânea de poemas de Margaret Atwood; Uma Voz Vinda de Outro Lugar, de Maurice Blanchot; e duas novelas de Stefan Zweig - 24 horas na Vida de uma Mulher e Carta de uma Desconhecida.
ADRIANA LISBOA É UMA AUTORA PARA O PRESENTE E PARA O FUTURO. –JOSÉ SARAMAGO
Em 2012, foi produzido um documentário sobre a vida e a carreira de Adriana Lisboa, filmado pelo premiado diretor argentino Eduardo Montes-Bradley nos arredores de Boulder, no estado americano do Colorado, onde a escritora vive atualmente (disponível em inglês no Youtube, sob o título Lisboa by Montes-Bradley). Nos últimos anos, Adriana foi palestrante nas universidades de Hamburgo, Pequim, Leiden, Stanford, Yale, Princeton, Sorbonne, entre outras. Também participou como convidada de eventos literários de prestígio, como a Feira de Frankfurt, o Salão do Livro de Paris e a FLIP. Questionada sobre conselhos a jovens escritores, Adriana sempre cita Saramago: “Não tenha pressa, mas não perca tempo”.
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FOTO: Ulf Andersen
Richard Flanagan
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O livro indicado: O Caminho Estreito para os Confins do Norte
MÃE, ELES ESCREVEM POEMAS. –Paul Celan
É com essa epígrafe que Richard Flanagan apresenta O Caminho Estreito Para os Confins do Norte. De início, estranhamos, não compreendemos a escolha da frase. Com o decorrer da narrativa, entretanto, percebemos que a poesia é um elemento fundamental da história, e nos acompanhará ao longo de toda a obra. A iniciar pelo título, que foi inspirado por livro homônimo de Matsuo Bashô. Lembra-se dele? Sim, o mesmo que foi estudado por Adriana Lisboa durante sua viagem ao Japão. E não foi coincidência: um dos motivos de Adriana ter decidido ler o livro de Flanagan foi justamente o fato de carregar uma homenagem a um de seus ídolos literários. Em uma história que retrata os horrores passados pelos prisioneiros australianos em mãos japonesas, apercebemo-nos de que a surpresa do interlocutor da epígrafe por “eles” escreverem poemas está intimamente relacionada ao fato de que tanto o título do livro quanto os poemas que precedem o início de cada capítulo foram elaborados por japoneses – mesma nacionalidade daqueles que aprisionaram e maltrataram os soldados australianos. Como disse Adriana Lisboa sobre o livro, “o espanto já começa na epígrafe de Paul Celan, um dos maiores poetas em língua alemã do século vinte, que perdeu os pais num campo de concentração, foi ele próprio prisioneiro, e acabou por se suicidar décadas depois: eles escrevem poemas! Como é possível? Como fechar essa equação?”.
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Publicado em 2014, e vencedor do Man Booker Prize, prêmio literário de maior prestígio para livros de língua inglesa, O Caminho Estreito para os Confins do Norte originou-se de uma história que acompanha o escritor desde sua infância. Nascido em 1961 em Longford, na Tasmânia, Richard Miller Flanagan desde pequeno fascinava-se com os relatos de seu pai sobre a Segunda Guerra Mundial. Um entre os milhares de prisioneiros australianos dos campos japoneses, Arch Flanagan sobreviveu à construção da ferrovia que ligaria o Sião (atual Tailândia) à Birmânia (atual Myanmar) – batizada de Ferrovia da Morte – e costumava compartilhar com a família um pouco dos horrores que vivenciou. Durante toda a sua vida, Richard sentiu que precisava contar a história daqueles homens que, como seu pai, foram feitos prisioneiros e tratados como muito menos do que seres humanos. “Eu cresci, assim como meus cinco irmãos, como filho da Ferrovia da Morte”, conta Flanagan. “Nós carregamos muitas coisas incomunicáveis, e em certo ponto eu percebi que precisava escrever este livro.”
O HORROR PODE ESTAR CONTIDO EM UM LIVRO, COM UMA FORMA E UM SIGNIFICADO. NA VIDA REAL, ENTRETANTO, O HORROR NÃO TEM NEM FORMA NEM SIGNIFICADO. O HORROR APENAS É. –RICHARD FLANAGAN
Flanagan não queria, porém, escrever mais um livro de guerra, muito menos uma biografia de seu pai. Sabia que precisava de um contraponto às atrocidades da guerra, e decidiu que escreveria uma história de amor. Foi assim que surgiu Dorrigo Evans, personagem principal dessa – nada comum – história de amor. Médico-cirurgião tasmaniano e oficial do exército australiano, Dorrigo foi feito prisioneiro de guerra pelos japoneses na Segunda Guerra Mundial. Anos depois, já estabelecido como cirurgião e herói de guerra, é assombrado por suas lembranças de quando tivera de trabalhar na
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construção da Ferrovia da Morte, sofrendo por haver se apaixonado logo antes de partir. Embora casado com Ella, com quem mantinha uma relação fria, comum, havia se envolvido intensamente com Amy, a esposa de um tio que visitara algumas vezes. Desde a abertura do livro, a narrativa pula do passado para o presente, de momento a momento, país a país, com a mesma facilidade com que o fazemos a partir de nossa memória. Uma forma sofisticada de contar uma história, e que exige a atenção do leitor no início – caso não seja cuidadoso, pode misturar lembranças, exatamente como ocorre com a memória. À medida que o romance avança, acostumamo-nos com a técnica narrativa – a fluidez com que viajamos na cronologia permite que a justaposição de histórias dê ao livro todo o seu poder. Quando começamos a ligar os pontos entre uma recordação e outra, percebemos quão fantástica é a construção do enredo. A partir desse momento, não conseguimos mais largar o livro de jeito algum.
DIZER QUE FLANAGAN CRIA, COM SEU ENREDO, UMA RICA TAPEÇARIA É ELOGIAR EXCESSIVAMENTE UMA TAPEÇARIA. –THE GUARDIAN
Quando prisioneiros dos japoneses, os homens enxergavam Dorrigo Evans como um exemplo de determinação e força. Ele, no entanto, não se via assim. Apesar de, no campo, encontrar-se fazendo o bem sem motivo, sem esperanças, sem possibilidade de sobreviver, Dorrigo “não acreditava em virtude. Virtude era a vaidade bem vestida e esperando aplausos. Ele estava farto de dignidade e nobreza.” De maneira alguma, Flanagan tenta transformar seu protagonista em um herói. É um homem comum, que questiona o próprio sucesso depois da guerra e faz coisas que considera ignóbeis, mas já não se importa mais. Consumido por suas lembranças e arrependimentos, Dorrigo trilha um caminho solitário, que o leitor acompanha de longe, lentamente.
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Flanagan, que poderia facilmente ter caído na dicotomia bom versus mau, decide dar voz a outros personagens, tentando entender motivo, culpa e responsabilidade por diferentes pontos de vista – analisando tanto a guerra, a partir da visão dos guardas japoneses, quanto o amor, personificado por Amy. Como disse A. C. Grayling, filósofo britânico que participou da banca avaliadora do Booker Prize, “na verdade, não é um romance de guerra, não é sobre pessoas atirando umas nas outras e bombas explodindo. É um livro sobre pessoas, suas experiências e relacionamentos”.
ME INTERESSEI PELO ROMANCE DO FLANAGAN JUSTAMENTE POR ECOAR O DIÁRIO DE VIAGEM DE BASHÔ. O QUE ENCONTREI FOI UMA NARRATIVA DURÍSSIMA E DOLOROSA, UMA ESPÉCIE DE TENTATIVA DE ACERTO DE CONTAS COM UM PASSADO QUE NO FUNDO NÃO TEM (COMO TER?) REDENÇÃO. –ADRIANA LISBOA
Considerado pela revista britânica The Economist o melhor autor australiano de sua geração, Richard Flanagan graduou-se em Artes na Universidade da Tasmânia e obteve seu mestrado em Letras em Oxford, na Inglaterra. Antes de passar para os romances, Flanagan escreveu quatro obras de não ficção, o que ele considera seu “período como aprendiz”. Uma delas foi uma biografia de John Friedrich, o maior golpista da história da Austrália. O jornal The Australian considerou o livro “uma das mais fascinantes – porém inacreditáveis – biografias de toda a história australiana”. Desde sua estreia na literatura ficcional, Flanagan chamou a atenção. Seu primeiro romance, Death of a River Guide (1994), foi descrito pelo The Times como “uma das mais auspiciosas estreias da literatura australiana”. O livro seguinte, The Sound of One Hand Clapping (1997), foi best-seller no país dos marsupiais, e vendeu mais de cento e cinquenta mil cópias. Posteriormente, o livro
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recebeu uma adaptação cinematográfica, escrita e dirigida pelo próprio Flanagan, e concorreu ao Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim. Com sua terceira publicação, uma envolvente história sobre a vida de William Gould, pintor e prisioneiro inglês do século XIX, intitulada O Livro de Peixes de Gould (2001), Flanagan venceu o disputado Commonwealth Prize, recebendo elogios pela criatividade com que teceu esse romance histórico. A Terrorista Desconhecida (2006) foi considerado pelo New York Times um brilhante retrato do mundo após o onze de setembro, e Wanting (2008), obra ficcional que traz um pouco da vida do escritor britânico Charles Dickens, foi eleito um dos livros do ano pela The New Yorker. Como jornalista, Flanagan não foge da polêmica. Escreveu textos sobre literatura, arte, política e meioambiente em jornais como Le Monde, The Australian e The New York Times. Seu artigo sobre a Gunns, maior companhia madeireira do mundo, publicado em 2007 no jornal The Telegraph, de Londres, causou alvoroço e resultou em uma campanha popular contra a empresa, que levou a Gunns a um colapso financeiro e seu diretor-geral à prisão. Uma coleção de seu trabalho não-ficcional foi publicada em 2011 sob o título And What Do You Do, Mr Gable?. Richard Flanagan levou doze anos para finalizar O Caminho Estreito para os Confins do Norte (2014), escrevendo cinco diferentes rascunhos e passando por um período de seis meses de isolamento. Durante esse tempo, o autor enfrentou sérias dificuldades financeiras. Na cerimônia de premiação do Booker Prize, Flanagan admitiu que, logo antes de publicar o romance, estava considerando trabalhar nas minas no norte da Austrália para auxiliar no sustento de sua família. No mesmo dia em que finalizou o romance, seu pai faleceu, com noventa e oito anos. O livro é dedicado ao prisioneiro san byaku san ju go, trezentos e trinta e cinco em japonês, número dado a seu pai no campo de prisioneiros.
ECOS DA LEITURA
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No primeiro Eco desta edição, trazemos um pouco da história do homem que serviu de inspiração para o livro de maio: o pai do autor, Arch Flanagan. Assim como Arch, Dorrigo Evans, protagonista de O Caminho Estreito para os Confins do Norte, foi prisioneiro dos campos japoneses para construção da ferrovia que ligaria a Tailândia ao Myanmar, chamada de Ferrovia da Morte. No segundo Eco desta seção, trazemos algumas curiosidades sobre esse contexto histórico. A história de Dorrigo Evans, é claro, transcende a ficção, e analisa a influência da guerra nas pessoas que dela participaram. O terceiro Eco, Memórias da Guerra, traz alguns relatos verídicos de sobreviventes da Ferrovia da Morte. Outro homem teve influência muito grande no livro do australiano: Matsuo Bashô. O quarto Eco fala brevemente do poeta japonês e traz alguns exemplos dos haicais. Equipe TAG contato@taglivros.com.br
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16 Ecos da Leitura
Arch Flanagan Para escrever O Caminho Estreito para os Confins do Norte, Richard Flanagan precisou de muita pesquisa. Não apenas em livros e na internet, mas direto da fonte: por mais de um ano, Richard visitou com frequência seu pai, Arch, e em cada uma dessas visitas passavam horas conversando sobre os detalhes da experiência no campo: “Eu estava interessado nas pequenas coisas – o cheiro da pele apodrecendo, como é o gosto de arroz no café da manhã, a textura da lama”. Flanagan também teve de viajar muito. Primeiro, foi à Tailândia, onde caminhou pela extensão da Ferrovia da Morte em que os australianos haviam trabalhado. Lá, carregou rochas e tentou se imaginar como um dos prisioneiros. Depois, partiu para o Japão, onde buscava encontrar sobreviventes da guerra e conversar com eles sobre suas lembranças. Arch estava muito feliz com o projeto do filho, pois temia que as pessoas esquecessem o que ocorreu, e acreditava que o livro “encorajaria as pessoas a lembrar”. Costumava ligar para Richard, questionando-o sobre o avanço do livro. No Japão, Richard encontrou alguns guardas japoneses que trabalharam no campo com australianos, o mesmo em que seu pai foi prisioneiro. Um deles se recordava de esqueletos rastejando na lama, quase sem roupas. O mais impressionante, porém, foi o encontro com um homem chamado Lee Hak Rae, o guarda que seu pai mais detestava, que costumava surrar os prisioneiros sem motivo algum. Rae tinha sido sentenciado à morte, mas sua pena acabou sendo convertida em alguns anos a mais de prisão. Quando Richard o encontrou, impressionou-se com o velhinho bondoso e simpático que estava sentado à sua frente. Não deixou de perceber o quanto ele carregava de culpa e vergonha quanto à guerra, mas a conversa entre os dois foi muito agradável.
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Arch Flanagan
Quando regressou à Australia, Richard foi surpreendido por uma ligação de seu pai, que estava ansioso por saber como tinha sido sua viagem ao Japão. Ao ouvir que as pessoas tinham sido generosas e gentis, e que demonstravam arrependimentos profundos quanto ao que havia acontecido, Arch pareceu nervoso, e disse que precisava desligar. Depois desse dia, perdeu toda sua memória sobre a guerra. “Foi como se ele estivesse, finalmente, livre”, recorda-se Richard. Depois dessas viagens, Richard Flanagan queimou os outros cinco manuscritos do livro, e começou do zero. “Foi como se eu tivesse escrito todos aqueles livros apenas para aprender como escrever essa última versão.” No dia em que acabou o livro, foi visitar seu pai, e contou-lhe que o havia, finalmente, concluído. Na mesma noite, Arch, então com noventa e oito anos, faleceu.
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A Ferrovia da Morte Um ponto central do livro O Caminho Estreito para os Confins do Norte é a construção da ferrovia que ligaria a Tailândia ao Myanmar (à época, Birmânia), empreendimento no qual estiveram envolvidos tanto o pai do autor quanto o protagonista, Dorrigo Evans. Para que o associado possa compreender melhor a vida dos personagens retratados no livro deste mês, trouxemos algumas informações sobre esse momento marcante da participação japonesa na Segunda Guerra Mundial. Abrangência da ferrovia: 415 quilômetros Envolvidos na construção: 250 mil pessoas Número estimado de mortes: 100 mil. Destes, acredita-se que morreram aproximadamente 2.800 prisioneiros australianos. Análise: Contra todas as expectativas, a construção foi finalizada, e antes mesmo de seu prazo: em outubro de 1943, após um ano e três meses, as tropas que começaram a construir pelo norte encontraram os trabalhadores que iniciaram seus trabalhos pelo sul. Como disse um engenheiro americano que analisou o projeto, “o que mais impressiona é o acúmulo de fatores negativos. Mais de seiscentas pontes, o número de pessoas envolvidas, o tempo que tinham para a construção e as condições extremas em que trabalharam. Além disso, os recursos eram muito escassos, e quase não possuíam medicamentos para tratar os doentes. A construção dessa ferrovia é uma realização inacreditável”. Consequências: No final da Segunda Guerra, cento e onze oficiais japoneses foram julgados por crimes de guerra, o que ficou conhecido como Julgamento de Tóquio, com trinta e dois sentenciados à morte.
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Hoje: A ferrovia foi fechada em 1947, mas a seção na Tailândia entre Nong Pla Duk e Nam Tok foi reaberta dez anos depois. No local onde morreu a maior parte dos soldados australianos, conhecido como Hellfire Pass, há um museu mantido pelo governo australiano, em parceria com o governo tailandês.
Para ilustrar: Buscamos alguns filmes que retratam a construção da Ferrovia da Morte. Esperamos que gostem! A Ponte do Rio Kwai (1957) Dirigido por David Lean (diretor do aclamado Lawrence da Arábia) e inspirado por livro homônimo, o filme sagrou-se vencedor de sete categorias do Oscar, incluindo a de Melhor Filme. Entretanto, foi criticado por não representar fielmente quão ruim era o tratamento imposto pelos japoneses aos prisioneiros. Uma Longa Viagem (2013) Com os premiados atores Colin Firth e Nicole Kidman, o filme é uma adaptação da autobiografia homônima de Eric Lomax, sobrevivente britânico da construção da ferrovia.
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Memórias de uma Guerra
A DESCRIÇÃO É ATEMPORAL. O CAMINHO ESTREITO PARA OS CONFINS DO NORTE NÃO É UM LIVRO APENAS SOBRE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, É SOBRE QUALQUER GUERRA E SEU EFEITO EM UM SER HUMANO. –A. C. GRAYLING, FILÓSOFO BRITÂNICO
Tanto Dorrigo Evans, protagonista da história, quanto outros personagens retratados após a guerra, como o major Nakamura, o tenente Tomokawa e os soldados que serviram junto a Dorrigo tiveram suas vidas completamente modificadas pelo conflito. Muitos não conseguiram voltar à realidade, e tiveram de acabar com as próprias vidas. Neste Eco, trouxemos alguns relatos verídicos de sobreviventes da Ferrovia da Morte. Fergus Anckorn, de Sussex, Inglaterra
“Meu único objetivo na Ferrovia da Morte era a sobrevivência. Quando ia dormir – depois de trabalhar dezoito horas seguidas em um calor de quarenta graus, faminto, algumas vezes depois de apanhar só porque um guarda teve vontade –, dizia a mim mesmo que hoje era história. Eles não tinham me matado. Só precisava garantir que acordaria no dia seguinte. “Era uma história sem fim. Não tínhamos dias de folga. Todo dia era igual ao anterior. Não tinha ideia de em que dia, mês ou ano estávamos. Não tínhamos contato com o mundo lá fora – assumíamos que os japoneses estavam vencendo a guerra. “Voltar para casa depois de sermos liberados foi tão traumático que
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eu queria voltar ao jângal. Ninguém entendia pelo que nós passamos. Eu só saía de casa de noite, quando estava escuro. Assim, não precisava encontrar ninguém na rua.” Len “Snowy” Baynes, de Cambridgeshire, Inglaterra “Muitas histórias exageradas são contadas. Nós não tínhamos de comer cobras. Nós comíamos arroz sujo, o que caía do moinho e, às vezes, pequenas porções de carne. Eu tive malária e disenteria, e sobrevivi apenas porque nós, Baynes, somos resistentes. Para sobreviver a uma situação dessas, você precisa de bons genes. “Eu mantive um diário no campo. Era uma sentença de morte se você era apanhado com um, mas eu escrevia a lápis, cortava o papel em quatro e escondia em baixo da minha cama nas inspeções. Quando perguntado o que eram aquelas folhas, respondia ‘benjo’, japonês para ‘banheiro’. “Eu sinto que os japoneses são iguais a nós – alguns bons, alguns maus. Soldados britânicos já fizeram coisas terríveis no passado.”
22 Ecos da Leitura
Bashô e o Haicai Tanto Adriana Lisboa quanto Richard Flanagan compartilham um ídolo: Matsuo Bashô. Além de ter inspirado o título de O Caminho Estreito para os Confins do Norte e ser mencionado diversas vezes durante a história, seus haicais precedem alguns dos capítulos do livro. Nascido no século XVII, o poeta é um dos maiores expoentes da literatura japonesa até os dias atuais. Bashô trabalhava como professor, mas renunciou à vida urbana e social dos círculos literários para vagar por todo o Japão, rumo ao oeste, ao leste e até aos “confins do norte”, buscando inspiração para seus escritos. Seus poemas foram influenciados pela experiência direta com o mundo ao redor, descrevendo, muitas vezes, o sentimento de uma cena através de simples elementos. Grande parte dos seus poemas estão reproduzidos em monumentos e locais tradicionais por todo o Japão. O haicai, que Bashô domina com maestria, é uma forma poética breve, três versos de 5-7-5 sílabas, derivada de hai = “brincadeira”, “gracejo” e kai = “harmonia”, “realização”. A forma talvez se perca na tradução (já diria o grande Ferreira Gullar, “poesia é intraduzível”), mas chegaram até a língua portuguesa belíssimos haicais de Bashô. No século XX, o haicai entrou com força no Ocidente e, entre nós, foi cultivada por poetas como Paulo Leminski e Millôr Fernandes.
Admirável aquele cuja vida é um contínuo relâmpago. -Matsuo Bashô
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O primeiro texto que li de Bashô foi uma pequena coletânea de alguns de seus diários de viagem pelo interior do Japão, em que ele entremeia prosa poética (haibun) aos haicais que escreve pelo caminho. Fiquei encantada, me dediquei à poesia de Bashô durante o meu doutorado e fui estudar japonês, para me sentir um pouco mais próxima desse ambiente. Tudo isso culminou com minha ida ao Japão, em busca das pegadas de Bashô. –Adriana Lisboa
A vocês, eu deixo o sono. O sonho, não! Este eu mesmo carrego! -Paulo Leminski
O hai-kai, Descobri noutro dia, É o orvalho da poesia. -Millôr Fernandes
24 Ecos da Leitura
Quando os Livros Foram à Guerra Durante a Segunda Guerra Mundial, estima-se que a Alemanha tenha queimado mais de cem milhões de livros, e forçado cidadãos a destruir – ou, pelo menos, esconder – inúmeros outros. As forças Aliadas, por sua vez, acreditavam no poder dos livros para fazer com que seus soldados suportassem melhor a guerra, e decidiram enviarlhes companheiros literários. Foi assim que surgiu a ideia do livro pocket (de bolso), com tamanho e peso reduzidos, para que os soldados pudessem guardá-los facilmente no uniforme ou em suas mochilas durante marchas exaustivas, a bordo de navios e em missões de bombardeio – à época, intitulados “Armed Services Editions” (Edições para as Forças Armadas). Os livros adquiriram tamanha importância entre o exército americano, sendo passados de soldado para soldado, não importando quão desgastadas estivessem suas páginas, que um marinheiro afirmou, certa vez, que “jogar um livro no lixo é como bater em sua avó”. Em O Caminho Estreito Para os Confins do Norte, quando acompanhamos os soldados australianos na construção da Ferrovia da Morte, alguns livros são citados como de grande importância para os personagens – o ato de ler, mais do que o enredo do livro, trazia conforto e calma em um momento de desespero. Tanto é que Rooster McNeice, um dos companheiros de Dorrigo Evans, lia todo dia de manhã o único livro a que teve acesso: Mein Kampf, de Adolf Hitler – apenas para “exercitar sua mente”. Clássicos como O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, foram lidos em massa pelos combatentes americanos, e acredita-se que esse tenha sido um dos motivos de o livro ter alcançado tamanho sucesso após a
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guerra. Autores como Joseph Conrad, Mark Twain e John Steinbeck também foram devorados no campo de guerra. E essa é a história de Quando Os Livros Foram à Guerra, de Molly Manning, publicado em 2015 pela editora Leya: o papel que tiveram os livros – e a literatura – durante a Segunda Guerra Mundial. Quem quiser se aprofundar no assunto, fica a dica de leitura da TAG!
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Espaço do Leitor
Em fevereiro, devido ao feriado de Carnaval, muitos kits foram entregues com atraso. Em meio ao estresse e ao caos causados pelas inúmeras ligações diárias aos Correios, a fim de garantir que os kits chegassem a vocês o quanto antes, recebemos um e-mail que fez com que parássemos tudo o que estávamos fazendo, para que uma pessoa de nossa equipe pudesse ler em voz alta, com um sorriso no rosto, o e-mail que João Cavalcanti, de Silveira Martins, no Rio Grande do Sul, havia enviado. Ele não estava falando conosco – João havia se dirigido diretamente ao livro!
Querido livro, espero que você esteja bem, mas devo confessar que eu estou ansioso, temendo inclusive que o carteiro tenha resolvido interagir com você antes de mim... por favor me diga onde você está que vou resgatá-lo de um possível cativeiro. Me diga o número de seu rastreio para facilitar minha vida. E não faça mais isso, você não imagina o tanto de ansiolíticos que estou tomando. Esperançoso que você ainda chegue em fevereiro. Cheiro meu prometido.
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É claro que entramos na brincadeira:
Querido João, eu estou bem! O Carnaval fez com que eu ficasse parado alguns dias nos Correios, mas agora já fui resgatado e logo mais estarei batendo na sua porta! Já que a ansiedade é grande, você pode conferir por onde eu ando através do código JN016931***BR. A boa notícia é que já estou na sua cidade :D Logo mais estarei chegando aí na Francisco Guerino. Espero que você goste de mim :) Atenciosamente, Seu Livro Mas João não deixou por isso:
Meu Livro querido... nem sei expressar minha emoção. Vou agora comprar umas flores, um vinho e de noite teremos, depois do jantar especial, evidentemente, um interlúdio de prazer. Tomara que em março o teu amigo não repita o seu comportamento.
Aguardando, seu danado.
A PRÓXIMA INDICAÇÃO
O livro não apenas mobiliza fortemente a emoção do leitor, mas o leva a refletir sobre a influência deletéria da intolerância religiosa na sociedade. –Jorio Dauster
A protagonista da história é uma respeitada juíza do Tribunal Superior, especializada em direito de família. O autor não escolheu a área criminal, onde cumpre determinar, sem que reste nenhuma dúvida, se o acusado é culpado ou não. Definiu como foco de sua obra a subjetiva Vara de Família, que abrange muitos dos interesses mais sérios da vida cotidiana: amor, casamento e o fim de ambos; fortunas divididas de forma conflituosa; destino de uma criança disputada pelos pais; divergências religiosas e morais que tumultuam separações matrimoniais. E é justamente no âmbito das divergências religiosas que está o principal caso que acompanhamos durante o livro: um menino está com câncer e necessita urgentemente de um procedimento hospitalar para sobreviver. Sua família, entretanto, não aceita a solução encontrada pelo hospital, pois contraria os preceitos de sua religião. Como o garoto é menor de idade, cabe à protagonista decidir o futuro do jovem.
Informações completas a respeito do curador do mês e do livro recomendado podem ser encontradas em www.taglivros.com.br. Caso já tenha lido o livro, envie e-mail para contato@taglivros.com.br para conhecer as alternativas.
Este foi nosso kit de fevereiro de 2016, com a indicação do escritor Sérgio Rodrigues. Caso queira adquirir algum kit passado, basta enviar e-mail para contato@taglivros.com.br!
Não há nenhuma prisão em nenhum mundo na qual o amor não possa forçar a entrada. – Oscar Wilde
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