AGOSTO DE 2017 Ragtime
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Ao Leitor Ufa! Depois de um primeiro semestre repleto de novidades, demos início à segunda metade de 2017 com a publicação de Uns e outros – contos espelhados, nossa primeira obra de conteúdo inédito. Agora, retomamos o tradicional projeto de curadoria da TAG – e estamos empolgados com o time selecionado para os próximos meses. O responsável pela indicação de agosto é conhecido de quem nos acompanha desde o ano passado: Roddy Doyle, autor de Paddy Clarke Ha Ha Ha, enviado em setembro de 2016. O escritor irlandês fez questão de afirmar que, entre os milhares de romances lidos ao longo da vida, Ragtime é indubitavelmente um dos mais marcantes. Escrito pelo norte-americano E. L. Doctorow, a obra transporta o lei-
tor aos Estados Unidos do início do século XX, onde o fortalecimento da produção em massa indicava prosperidade ao americano médio – mas quem seria esse americano? Em meio a esse contexto, personagens fictícios encontram-se com celebridades como Houdini e Henry Ford, cujas vidas íntimas são abordadas de forma criativa e despreocupada com a realidade. Doctorow faz, com o título e sua estrutura narrativa, uma homenagem ao gênero musical mais popular da época que registra na obra. Citando logo na epígrafe o “rei do ragtime”, Scott Joplin, o autor deseja que este livro seja apreciado como as mais belas composições: “Não toque rápido esta música. Ragtime não é para ser tocado depressa...”. Boa leitura!
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O curador: Roddy Doyle Entrevista com Roddy Doyle O livro indicado: Ragtime
O som do ragtime Principais personagens histรณricos de Ragtime
A arte da silhueta
Outros romances
O curador: Ruy Castro
O curador: Roddy Doyle
Seria o dublinense mais renomado da literatura, James Joyce, ídolo incontestável de seu conterrâneo Roddy Doyle? Pelo contrário. Convidado para uma palestra que reuniu centenas de pessoas com o propósito de reverenciar a obra de Joyce, Doyle afirmou: “Ulisses (1922) poderia ter dado certo com um bom editor”. Sobraram farpas, também, para Finnegan’s Wake (1939), notoriamente a mais complexa obra de Joyce, que Doyle atestou ter se esforçado para ler mais do que três páginas. Apesar da polêmica, o autor, que se irrita com as constantes comparações entre os dois, reconheceu a qualidade do livro de contos Dublinenses (1914).
“Roddy Doyle é a mais nova estrela literária de Dublin.” - The guardian Nascido em 8 de maio de 1958, Roddy Doyle – ou, em gaélico, Ruaidhrí Ó Dúill – cresceu em Killbarrac, bairro composto por casas e pequenas lojas, localizado na periferia de Dublin. Esse mesmo cenário toma forma em seus livros como o bairro Barrytown. “Acredito que tenha sido uma forma
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Rick McGinnis
fessor, estava escrevendo peças ambientadas em cenários familiares de Dublin, que chamaram sua atenção. No inverno de 1986, começou a escrever o livro que seria publicado como The commitments, intimamente conectado ao lugar onde cresceu. “Percebi que é um lugar sobre o qual vale a pena escrever. O que você quiser – histórias de amor, assassinatos, qualquer coisa – pode se passar naquelas poucas ruas.”
de defesa”, diz o autor sobre sua decisão de renomear o bairro. “Se eu tivesse chamado de Kilbarrack, teria sido muito restritivo. Tem um pub lá, por exemplo, que não é o pub descrito nos livros – o ponto é que pode ser qualquer pub na periferia de Dublin. Mudar o nome me deu liberdade.”
Publicado em 1987, The commitments foi o primeiro da chamada Trilogia Barrytown, complementada por The snapper (1990) e O furgão (1993). As três obras retratam diferentes períodos da vida de uma família de classe média irlandesa, cada uma a partir de um evento central: a criação de uma banda soul, a gravidez de uma adolescente e o estabelecimento de uma van/restaurante para vender o tradicional fish and chips (peixe com fritas). O furgão figurou entre os finalistas do Man Booker Prize.
O primeiro livro escrito por Doyle, entretanto, estruturou-se a partir de uma forte sátira política e não teve relação com sua cidade natal. Hoje, no fundo do seu armário, o livro continua destinado a permanecer não lido. “Nunca foi publicado e nunca será”, declarou, quase trinta anos após ter terminado de escrever a obra. “É uma porcaria. Na época, eu enviei para todos agentes e editores que pude encontrar – ou retornou com a negativa, ou retornou sem ter sido aberto. Não tem nada de mim lá. É um livro vazio.”
Assim que foi lançado, o primeiro livro da trilogia tornou-se um sucesso cult, chamando atenção dos críticos e levando produtores a contratarem Doyle para escrever o roteiro cinematográfico. Com o grande sucesso do filme, os outros dois livros também receberam adaptações. O autor foi, ainda, responsável pelo roteiro da peça teatral The commitments, em cartaz até hoje no Reino Unido.
Doyle não cometeu o mesmo erro duas vezes. Depois de ter-se formado em Artes na Universidade de Dublin, passou anos lecionando Inglês e Geografia em uma escola. Um colega, também pro-
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Apesar da crescente admiração da crítica literária, a obra que definitivamente carimbou o nome de Roddy Doyle na lista dos grandes escritores irlandeses foi Paddy Clarke Ha Ha Ha, sagrando-se vencedora do prestigioso Man Booker Prize de 1993. Durante todo o ano seguinte, o livro esteve em primeiro lugar de vendas na Irlanda – em determinado momento, os primeiros quatro livros de Doyle estavam entre os cinco mais vendidos. Assim como nos outros romances de Doyle, impressiona o realismo psicológico conferido aos personagens para lidar com dramas cotidianos, além do calor e da vivacidade com que pinta vidas ordinárias. Em setembro de 2016, os associados puderam acompanhar a narrativa fragmentada e aparentemente confusa do menino Patrick Clarke – explicada por ter como narrador uma criança de dez anos.
em um período sem inspiração e tudo me parece cansativo, eu sei que não gostaria de estar fazendo outra coisa”, atestou o autor. Além de Paddy Clarke Ha Ha Ha e O furgão, foi publicado em português Uma estrela chamada Henry (1999). Para o associado que quiser compartilhar o talento do autor com seus filhos, poderá encontrar os infantis Os risadinhas (2000) e É a cara da mãe (2008). Entre os outros romances de Roddy Doyle, destacam-se The woman who walked into doors (1996) e Paula Spencer (2006) – ainda sem tradução no Brasil –, um par de livros sobre uma mulher que é casada com um homem abusivo e agressivo. Em 2003, Roddy Doyle, que contabiliza na lista de seus admiradores J. K. Rowling – a britânica elegeu Doyle como seu autor contemporâneo preferido –, foi convidado para integrar a Royal Society of Literature, considerada a principal instituição literária da Grã-Bretanha, juntando-se a escritores consagrados como Sir Salman Rushdie, Alice Munro e Margaret Atwood.
Desde sua primeira publicação, em 1991, Roddy Doyle já lançou mais de vinte livros. “Estou sempre trabalhando em um romance. Eu amo o que faço – mesmo quando estou
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Entrevista com Roddy Doyle
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TAG – Por que você escolheu Ragtime como um dos seus livros preferidos? Quais são suas principais qualidades?
cional participa de uma batalha histórica, a batalha se torna, em parte, ficcional. Então, quão bem contada é a história e quão boa é a escrita são os fatores mais importantes. Hillary Mantel o faz extremamente bem, assim como E. L. Doctorow. Ao usar personagens reais, Doctorow dá uma forte sensação de como foi a Era do Jazz, naquela parte dos Estados Unidos, porque ele é um escritor brilhante.
Roddy Doyle – Eu li Ragtime logo que foi publicado, em 1975, quando eu tinha dezessete anos. Meu pai o tinha lido e passado para mim. O livro exerceu um grande impacto em mim. Eu estava lendo muitos romances naquela época, mas esse era diferente. Particularmente, eu gostei da simplicidade de sua linguagem. A obra me fez pensar que qualquer um poderia escrever uma história ou um romance, que você não precisaria usar palavras obscuras ou frases complicadas. Quando eu comecei a escrever, anos depois, eu costumava pensar em Ragtime. Eu também amei o jeito com que os personagens fictícios encontram-se com personagens reais, históricos – pessoas que realmente existiram.
TAG – O estilo narrativo empregado por Doctorow – parágrafos longos, sem diálogos – é bem diferente do seu. Apesar disso, você diria que Doctorow influenciou seu trabalho de alguma maneira? Roddy Doyle – A simplicidade da linguagem de Doctorow exerceu um grande impacto em mim. Sua habilidade para escrever sobre grandes problemas morais e políticos de uma forma que lhes permite fazer parte da história e das vidas dos personagens – isso também me impactou muito quando comecei a escrever. Desde antes de eu começar a escrever até hoje, tenho achado inspirador qualquer livro bom e envolvente.
TAG – Ragtime é um livro no qual a linha entre fantasia e fatos históricos, entre personagens reais e imaginários, desaparece, trazendo informações aos leitores ao mesmo tempo em que os diverte com uma boa história. Qual é a sua opinião a respeito de livros que utilizam esse tipo de artifício?
TAG – Qual seu recado aos mais de dezoito mil associados da TAG?
Roddy Doyle – Depende da qualidade do livro. Se um personagem histórico entra em um romance, ele ou ela se torna um personagem ficcional. Ele ou ela dirá coisas que nunca realmente foram ditas para pessoas que não existiram. Da mesma forma, se um personagem fic-
Roddy Doyle – Eu estou vivo há mais de cinquenta e nove anos e, nesse tempo, eu li milhares de romances. Ragtime é um dos melhores deles. Espero que vocês – todos os mais de dezoito mil – aproveitem-no tanto quanto eu aproveitei. 9
se ao ritmo sincopado e de
E. L. DOCTOROW
ragtime era o mais popular
dos. O termo originou-se da
ta estrutura que Doctorow
ictícia, cujos membros são
Irmão Mais Novo de Mamãe
no da família com figuras e
ionista Houdini, a rotina do
nventor Henry Ford, as lutas
poder da imprensa, o nasci-
lhistas. Em meio a tudo isso,
Novo de Mamãe é o elemen-
RAGTIME E. L. DOCTOROW
ulos, retratando o dinamis-
país ainda em formação.
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O livro indicado: Ragtime bém propõem novas e intrigantes visões da história.
Edgar Lawrence Doctorow foi um escritor que buscou representar, em significativa parte de sua obra, as experiências da sociedade norte-americana do século XX. Com um posicionamento claro, reconheceu o potencial de transformação política da literatura – chegou a afirmar que escritores, num mundo de mentirosos, são os mentirosos honestos – e aliou a seu perfil questionador um experimentalismo técnico e narrativo. Publicou obras que não só traçam um panorama social dos Estados Unidos como tam-
Nascido em 1931, em Nova York, Doctorow teve seu primeiro nome escolhido em homenagem ao escritor Edgar Allan Poe – segundo ele, “um dos nossos melhores escritores ruins”. Foi um ávido leitor na infância, devorando livros de faroeste, de swashbucklers – termo que designa heróis de capa e espada – e autores como Dostoiévski e Poe. Aos nove anos de idade, já estava convicto de que seguiria a carreira literária:
“Eu estava lendo constantemente tudo que eu conseguia colocar em minhas mãos. Com aquela idade, alguma coisa acontece se você vai ser um escritor. Você está lendo pela excitação... e então uma pequena linha de inquéritos vem à sua mente: como isso é feito?” 11
Universidade Columbia, em Nova York, onde conheceu Helen Setzer, sua futura esposa, com quem teria três filhos. Depois de um período servindo ao exército, foi dispensado e deu início à carreira profissional ligada à literatura. No começo, leu scripts para a emissora CBS e para a Columbia Pictures, que o ajudaram a impulsionar sua criatividade e espírito competitivo. Em 1960, publicou seu primeiro livro, Welcome to hard times, uma fábula western inspirada no material que lera durante a época na Columbia. “Eu decidi que podia mentir melhor sobre o Oeste que qualquer uma daquelas pessoas.” Em 1966, lançou Big as life, considerado pelo autor seu pior trabalho, chegando a proibir sua republicação, tornando-o material raro em livrarias.
Já durante sua época de colégio, em um exercício para uma disciplina, ele escreveu um detalhado perfil sobre Carl, um funcionário do teatro Carnegie Hall. Quando seu professor, impressionado com a qualidade do texto, quis publicá-lo no jornal da escola, Doctorow teve de confessar que o personagem era obra de sua imaginação. De seus pais, americanos e filhos de judeus russos, o escritor herdou a paixão pela música. David, o pai, era dono de uma loja de instrumentos; Rose, a mãe, uma talentosa pianista. Quando se irritava com o filho, Rose executava Estudo revolucionário, sinuosa e impressionante peça de Chopin, cujos acordes Doctorow interpretava como um sinal para não a importunar. Ele tentou tocar piano, mas logo abandonou as aulas. No entanto, a formação artística precoce o marcaria profundamente.
Naquele momento, embora fosse um escritor ainda pouco conhecido, Doctorow já tinha o nome respeitado no campo editorial pelo trabalho que vinha exercendo como editor na New American Library e, posteriormente, na Dial Press, onde fora editor-chefe e trabalhara com autores como James Baldwin e Norman Mailer.
“Em um momento específico, a diferença entre a música na música e a música nas palavras se dissipou na minha mente”, afirmou. “Eu me tornei mais atento ao som das palavras e ao ritmo das frases de uma forma de que eu nem ao menos estou ciente.”
Em 1969, largou o emprego para se concentrar em seu terceiro livro, O livro de Daniel (1971), inspirado na execução de Ethel e Julius Rosenberg, casal americano suspeito de enviar informações do exército americano para a União Soviética. Com alto teor político, o livro é também um indício do estilo
Doctorow formou-se em Filosofia no Kenyon College, em Ohio, e passou um ano estudando teatro na 12
que seria empregado nos seus romances futuros: uma mescla de figuras e fatos históricos com eventos e personagens fictícios. O livro obteve boa recepção crítica e recebeu uma adaptação cinematográfica em 1983. Doctorow experimentou, ao longo da carreira, diferentes estilos narrativos em seus romances, alternando entre fluxo de consciência, vozes múltiplas, narrador onisciente ou até mesmo não confiável, demonstrando uma abrangente capacidade técnica. Se O livro de Daniel impulsionou sua carreira, foi Ragtime (1975), livro indicado por Roddy Doyle à TAG, que o colocou no panteão dos grandes escritores americanos contemporâneos.
Mark Sobczak
O termo ragtime designa um gênero musical que se popularizou na virada do século XIX para o século XX, nos Estados Unidos. Originário das comunidades afro-americanas e precursor do jazz, tem como característica principal a síncope: o prolongamento de um som partindo de uma pulsação fraca até uma pulsação forte, afetando a sensação rítmica. O romance de Doctorow, no entanto, pouco menciona o ragtime. É, ao mesmo tempo, essencialmente inspirado nele, pois tem em seu fluxo narrativo nuances, ritmos e acentuações semelhantes a uma composição musical desse gênero. Em Ragtime, além da arrojada proposta narrativa, Doctorow introduziu novas perspectivas a duas tradições literárias dos Estados Unidos:
Keith Meyers / The New York Times
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Para além da história da família, há em Ragtime outros dois núcleos narrativos. Em um deles, conhecemos o casal de imigrantes judeus Tateh e Mameh – “Papai” e “Mamãe”, em iídiche – e a pequena filha do casal. Posteriormente, serão apresentados o músico de ragtime Coalhouse Walker Jr. e Sarah, empregada doméstica que trabalha para a família de New Rochelle. Através dessas histórias, tomamos conhecimento de outras experiências americanas – as oficialmente ignoradas, relegadas às sombras do american dream.
os romances sobre sucesso (a conquista de prestígio, poder e dinheiro, nas visões tipicamente americanas) e os romances históricos. Aparentemente sem protagonistas, a obra nos leva aos Estados Unidos do início do século XX – época de desenfreada produção industrial e de construção de novos significados para a ascensão social –, mais precisamente para o dia a dia de uma família de classe média alta que vive em New Rochelle, Nova York. Seus nomes? Papai, Mamãe, Irmão Mais Novo de Mamãe, Vovô. Ao denominá-los dessa maneira, o narrador sugere uma identificação superficial, para que os vejamos como arquétipos da sociedade americana da época. Papai, por exemplo, é um homem conservador que ganha a vida com a venda de apetrechos patrióticos, como bandeiras, flâmulas, fogos de artifício e cujo estilo de vida remete à idealizada expressão americana self-made man: o homem que atingiu o sucesso através do próprio esforço.
Relacionando-se com os personagens criados por Doctorow e interferindo no andamento da narrativa, estão presentes figuras históricas reais, como o ilusionista Houdini, a anarquista Emma Goldman, a socialite Evelyn Nesbit, o bilionário J.P. Morgan e o pai da psicanálise Sigmund Freud. Ainda que dialoguem com fatos históricos, o comportamento e as situações vividas
East River e Brooklyn Bridge, Nova York, 1900-1906
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Tampouco pretende preencher seu romance com especulações utópicas, como se partisse da pergunta “E se tivesse sido diferente?”. Suas composições com figuras e fatos tanto reais quanto fictícios conduzem, ao mesmo tempo, ao entretenimento e à reflexão, sem viés jornalístico, mas com um compromisso ético, moral e, principalmente, literário.
pelas personalidades em Ragtime ganham destaque por especularem sobre seu lado mais íntimo – um recurso narrativo que vai na contramão dos romances históricos tradicionais, que costumam conferir um distanciamento respeitoso a pessoas reais. A partir da combinação entre ficção e realidade, a obra apresenta um panorama crítico do contexto norte-americano na transição dos séculos XIX e XX, acompanhando as transformações políticas, econômicas e sociais que emergiram desses momentos, nos quais alguns adaptam-se à produção massificada e outros, desejosos de mudança, lutam contra ela. Para tecer a narrativa, E. L. Doctorow leva à sociedade americana pré-Primeira Guerra a estética e os conceitos pós-modernistas ao mesmo tempo em que alude a temas e episódios de movimentos sociais como o negro e o feminista, que viriam a ganhar força apenas na segunda metade do século XX.
Depois do sucesso do livro – que recebeu uma adaptação para o cinema em 1981 sob direção de Milos Forman e uma ainda mais renomada versão teatral em 1998 –, Doctorow lançou ensaios, coletâneas de contos, uma peça e oito romances, nunca deixando de experimentar novas técnicas. Faleceu em 2015, aos oitenta e quatro anos, devido a um câncer de pulmão. Dentre as mais relevantes heranças que deixou ao mundo literário, está a advertência de que, se os escritores são mentirosos num mundo de mentirosos, que o sejam para criar um outro tipo de verdade: a que se concretiza em múltiplas vozes; a verdade que poucos se arriscam a contar.
A intenção do autor em Ragtime, no entanto, não é documentar.
MATERIAIS COMPLEMENTARES http://bit.ly/ragtimedoc
http://bit.ly/ragtime1975
Artigo do NY Times de 1975, ano em que o livro foi publicado
Entrevista com E. L. Doctorow
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ECOS da leitura
o som do
ragtime
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O
ragtime é um gênero musical criado por comunidades afro-americanas no fim do século XIX e revolucionário por introduzir suas estruturas na cultura ocidental, tornando-se o primeiro gênero autêntico norte-americano. Uma das características marcantes do ragtime é o uso da síncope, que significa a execução de um som em um tempo fraco que se prolonga até o tempo forte, causando uma sensação rítmica diferente. A síncope é muito utilizada em gêneros como o samba, o reggae e diversos ritmos latinos.
lo, gerando paródias depreciativas conhecidas como “coon songs”, extremamente racistas e com imagens estereotipadas da população afro-americana. Anos mais tarde, o ragtime atingiu sua maturidade com o compositor Scott Joplin, conhecido como o “rei do ragtime”. Joplin trouxe mais vigor e sofisticação ao gênero, mas faleceu sem o merecido reconhecimento, que lhe chegou muito tardiamente, no renascimento do ragtime, por volta dos anos setenta – década da publicação do romance de Doctorow, que escolheu para a epígrafe do livro uma frase do próprio Joplin.
O ragtime marcou um período de transição da estética da música afro-americana, que mais tarde viria a se tornar o jazz. Muitos dos primeiros jazzistas, inclusive, eram músicos de ragtime, cujos padrões eram muito mais rígidos e não abriam espaço para improvisações. Acredita-se que o músico Ernest Hogan foi o primeiro a transcrever para partituras o ragtime, um gênero tocado por músicos que não liam partitura. O sucesso de suas canções popularizou o esti-
Acesse a playlist pelo código ao lado ou pelo link bit.ly/ragtimeplaylist e confira uma seleção de ragtime. Você pode até ouvir como trilha sonora para o livro!
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Principais personagens históricos de Ragtime Em 1874, filho do rabino Samuel Weisz e de Cecilia Steiner, nasceu Ehrich Weisz, em Budapeste. Aos quatros anos, a família imigrou para os Estados Unidos, onde o garoto começou a trabalhar, fazendo sua primeira apresentação aos nove anos como trapezista. Em 1898, então atuando como mágico, escolheu o nome Harry Houdini – em homenagem ao ilusionista francês Jean Robert-Houdin – e ganhou notoriedade midiática ao desafiar a polícia, afirmando que poderia se libertar de uma cela em apenas trinta minutos.
Harry Houdini Nascida em 1869, Emma Goldman foi uma anarquista russa, conhecida pelo seu ativismo político e feminista. Aos dezesseis anos, imigrou para os Estados Unidos e tornou-se rapidamente escritora e conferencista, atraindo diversas pessoas para seus debates públicos. Em 1917, foi presa por propaganda antimilitar e, em seguida, deportada para a Rússia. Seus livros e ensaios abrangem assuntos como ateísmo, liberdade de expressão, casamento homossexual e o direito de voto às mulheres, além da filosofia política anarquista. 20
Emma Goldman
Florence Evelyn Nesbit (1884-1967) foi uma cantora e modelo americana que fez sucesso ao posar para o artista George Grey Barnard, especialmente para a escultura Innocence, exposta no Metropolitan Museum of Art. Nesbit, entretanto, ganhou notoriedade pelo fato de seu marido, Harry Kendall Thaw, ter assassinado seu amante, Stanford White, célebre arquiteto nova-iorquino. Harry atirou em Stanford três vezes no peito, no teatro Madison Square Garden, durante a apresentação da peça Mam’zelle Champagne.
Evelyn Nesbit Henry Ford nasceu em Springwells, nos Estados Unidos, em 1863, e foi o idealizador do que ficou conhecido como “fordismo” – modo de produção industrial baseado na linha de montagem em série. No início do século XX, ao lado de alguns amigos, fundou a Ford Motor Company e lançou o primeiro carro, chamado “Modelo A”, de dois cilindros. O sucesso foi tão grande que logo a empresa produziria cem veículos por dia.
henry ford John Pierpont Morgan começou sua carreira como contador e logo tornou-se um dos mais famosos banqueiros dos Estados Unidos. Em 1907, durante a depressão econômica americana, J. P. Morgan evitou maiores colapsos auxiliando o governo com planos de emergência e empréstimos. Aos setenta e cinco anos, em 1913, faleceu, após fundar o Metropolitan Museum of Art de Nova York, deixando uma fortuna imensa aos seus herdeiros.
j. p. morgan 21
Hans n Christ ia n e s r e And
A arte da silhueta m Ragtime, o personagem Tateh é um artista de silhuetas elaboradas a partir de recortes de papel. A palavra “silhueta” é derivada do sobrenome de Etienne de Silhouette (1709–1767), que costumava cortar silhuetas como passatempo. No livro, Tateh cria uma silhueta da personagem histórica Evelyn Nesbit, que representamos ao lado para você imaginar melhor durante a leitura. Em termos artísticos, a técnica foi inventada durante o Iluminismo, como uma distração elegante da aristocracia do século XVIII. A silhueta é uma imagem de contornos de uma figura, matizada em uma única cor, dando a impressão de uma sombra projetada pela figura em questão. Hans n Christ ia n e s r e And
Hans Christian Andersen (1805-1875), escritor mundialmente conhecido pelos seus contos de fada – como A pequena sereia (1837) e O patinho feio (1843) –, também produzia silhuetas. Durante uma visita, em 1857, à casa do escritor Charles Dickens, deixou para um de seus dez filhos cerca de mil e quinhentas silhuetas, que foram guardadas e conservadas.
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Hans Christian Andersen
Lotte Reiniger
Personagem Evelyn Nesbit
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Outros
omances com personagens históricos
Ainda que não utilizem as mesmas técnicas de Ragtime em suas construções narrativas, existem diversas obras de ficção que inserem figuras históricas reais em meio a tramas fictícias. Neste Eco, listamos algumas das mais renomadas.
Johannes Vermeer
Henrique VIII
Thomas Cromwel
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Charles Lindbergh
Franklin D. Roosevelt
Vermeer, para tecer a narrativa desse romance, centralizada na relação entre Vermeer e a protagonista Griet, jovem aprendiz de notável sensibilidade estética. As pesquisas de Chevalier para elaborar o romance incluíram leituras sobre o século XVII e estudos sobre as pinturas de Vermeer e artistas contemporâneos a ele.
Wolf Hall (2009) de Hilary Mantel
Premiada com o Man Booker Prize de 2009, a obra da escritora Hilary Mantel – que tem entre seus admiradores Roddy Doyle – exibe uma narrativa que compreende o período entre 1500 e 1535, em território inglês. Wolf Hall é uma espécie de biografia ficcionalizada que documenta a ascensão de Thomas Cromwell ao poder na corte de Henrique VIII.
Complô contra a América (2004) de Philip Roth
Philip, o protagonista do livro, é uma criança americana que vive com sua família – de origem judaica e cujo sobrenome é Roth – nos Estados Unidos dos anos 1940. Semelhanças à parte, o premiado escritor americano imaginou para esta obra um passado alternativo e aterrorizante: logo nos primeiros parágrafos de Complô contra a América ficamos sabendo que a ação transcorre no suposto período em que Charles Lindbergh, célebre aviador que apoiava o nazismo, venceu a eleição contra Franklin D. Roosevelt e tornou-se presidente dos Estados Unidos.
Moça com brinco de pérola (1999) de Tracy Chevalier
A escritora americana Tracy Chevalier inspirou-se no célebre quadro homônimo e na vida de seu criador, o pintor holandês Johannes
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Espaço do Leitor Ao relacionar amor e livros, logo pensamos em casais célebres da literatura, como Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, Bentinho e Capitu, Romeu e Julieta, entre tantos outros. Na TAG, no entanto, o romance não é uma exclusividade dos personagens dos livros enviados.
Em maio, perguntamos no Espaço do Leitor e no nosso aplicativo quem dividia a assinatura da TAG com o seu “mozão”. Para aqueles que comentaram o nome da sua cara metade no post, colocamos uma surpresinha no kit de junho, em homenagem ao Dia dos Namorados. Veja só o que eles receberam:
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Também em maio, um dos nossos mimos foi para o altar! Os associados Saionara e Ilia se casaram e transformaram o saquinho com as moedas de Os irmãos Sisters em um porta-alianças. Felicidades para o casal!
Junior Bach
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“Um dos livros mais queridos da história da literatura brasileira. Depois que eu li, nunca mais fui o mesmo.”
A indicação de
– Ruy Castro
O livro indicado por Ruy Castro explora o território situado entre a memória e a ficção a partir de um punhado de recordações do narrador-autor. Nelas, a figura de seu pai é o centro e a motivação para o exercício das lembranças que, constantemente, adquirem contornos do imaginário. Nostalgia, cumplicidade, vergonha, saudade; os mais diversos sentimentos despertados por um improvável embrulho. Marcando a volta de seu autor, depois de mais de vinte anos sem publicar romances, essa obra recebeu importantes prêmios literários no Brasil e, mais do que isso, conquistou os corações de milhares de leitores na época em que foi lançado. A edição da TAG conterá, além de uma apresentação inédita de Ruy Castro à obra, uma dedicatória do autor!
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“A História pode justificar o que quiser” – Paul Valéry