Autobiografia
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Ao Leitor Quantas memórias cabem em cinco anos? Em julho de 2019, quando completamos cinco anos de vida, a celebração é a maior da história do nosso clube. As recordações envolvem todo o universo possível da literatura, mas vão muito além: a TAG só é o que é hoje porque teve a sua trajetória centrada nas pessoas e no afeto. Associados que dizem: “a TAG me ajudou a sair da depressão” ou “por causa da TAG, os livros voltaram a ser parte da minha vida” – isso é o que move cada uma das mais de 100 pessoas que trabalham aqui. Uma conversa que surgiu nos corredores de uma universidade no sul do país e que se transformou em um projeto que cresceu em bibliotecas, um sonho que foi concretizado por três jovens que compartilhavam o mesmo objetivo: criar um clube de livros que proporcionasse experiências literárias por todo o Brasil. E como chegamos longe: tivemos a curadoria de gigantes como Chimamanda Adichie e Fernanda Montenegro, uma coletânea de contos inéditos organizada por Luiz Ruffato (2017), um livro inédito escrito por Svetlana Aleksiévitch (2018) e um prêmio de inovação em Londres, apenas para citar algumas das nossas conquistas mais importantes. Neste ano, a TAG Inéditos está enviando um livro de Harlan Coben, um dos maiores autores contemporâneos de mistério policial, enquanto a TAG Curadoria está publicando em primeira mão Autobiografia, um livro de intrigantes jogos metaliterários que traz como personagem ninguém menos que José Saramago. Escrito para os nossos associados, o romance tem como autor José Luís Peixoto, um dos escritores de maior destaque da literatura portuguesa contemporânea. Inédito também é o acompanhamento de leitura, sugerido com frequência no aplicativo e concebido para que os associados tenham uma ferramenta a mais para imergir na leitura e acompanhar a sua evolução. Por fim, deixamos um agradecimento aos associados que nos acompanham todos os meses: a TAG só chegou até aqui porque existem pessoas tão apaixonadas por livros quanto nós.
Sumário
O livro do mês
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O autor José Luís Peixoto Entrevista com José Luís Peixoto
Ecos da leitura
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Glossário Pura Literatura Pilar del Río Lugares e personagens da obra Guia de leitura Cronobiografia: Saramago
Espaço do associado
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5 anos de TAG
Leia depois de ler
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Nas lacunas da memória, a ficção
A próxima indicação
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O livro de agosto
PatriĚ cia Santos Pinto
O autor
José Luís Peixoto José Luís Peixoto é um dos escritores de maior destaque
da literatura portuguesa contemporânea. Romancista, novelista, poeta e dramaturgo, conta com uma obra traduzida para mais de trinta idiomas, amplamente adaptada para espetáculos teatrais e obras artísticas de variados gêneros. Também tem trabalhado como colunista para órgãos da imprensa portuguesa, como o Jornal de Letras e as revistas Visão e GQ. Aos 44 anos, Peixoto publica há quase vinte, com grande aval da crítica internacional. Contudo, não é exagero afirmar que um dos mais importantes elogios que recebeu veio de um conterrâneo, talvez o maior de seus ídolos literários.
“Uma das revelações mais surpreendentes da literatura portuguesa. É um homem que sabe escrever e que vai ser o continuador dos grande escritores.” – José Saramago
O livro do mês
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Peixoto é português do Alto Alentejo, mais especificamente da pequena aldeia de Galveias, onde nasceu em setembro de 1974. Desse espaço interiorano no qual viveu até os dezoito anos, o escritor carrega consigo uma infinidade de memórias e sentimentos – Galveias e a evocação de uma atmosfera rural são elementos constantes em sua obra. Quando finalmente partiu da terra natal, Peixoto procurava não apenas a experiência contrastante da vida urbana na capital, mas também a concretização do antigo desejo de trabalhar com o mundo das letras. Na Universidade Nova de Lisboa, concluiu sua licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, especializando-se em estudos ingleses e alemães, e iniciou-se profissionalmente como professor em escolas portuguesas e na Cidade da Praia, em Cabo Verde. Em seu tempo livre, pelo simples prazer de escrever, escrevia. Não se passou muito tempo até que viessem as primeiras publicações, seu talento fosse prontamente reconhecido Portugal e mundo afora, e logo estivesse se dedicando exclusivamente à escrita. Morreste-me (2000), obra de forte carga poética, foi o livro de estreia de Peixoto: uma tocante e contundente comprovação da sensibilidade do escritor, na qual explora com delicadeza o luto pela morte do pai, revisitando afetos, emoções, boas e nem tão boas memórias. Embora muito bem recebido pela críti-
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O livro do mês
ca em seu primeiro livro, foi com a publicação seguinte, o romance Nenhum olhar (2000), que Peixoto foi elevado ao patamar dos grandes escritores contemporâneos – a obra conferiu-lhe o prêmio José Saramago em 2001, fazendo do escritor o mais jovem vencedor da premiação. Nesse livro, escrito em múltiplas vozes, acompanhamos as alegrias e dramas dos narradores no dia a dia de uma vila no Alentejo. Em meio à elaboração de relações e sentimentos tão cotidianos e familiares ao leitor, mistura-se a presença de personagens fantásticos e inverossímeis, sugerindo alegorias e proporcionando novas camadas interpretativas em uma obra de meticuloso trabalho lírico. Uma das obras mais aclamadas de Peixoto, Nenhum olhar já foi traduzida para quase trinta idiomas. Contudo, não é apenas com novelas e romances que o autor português ganha destaque no cenário literário. Peixoto já se aventurou em livros de viagens – como em Dentro do segredo (2012), texto de não-ficção sobre uma visita à Coreia do Norte –, na poesia – como nos premiados A criança em ruínas (2001) e Gaveta de papéis (2008) –, no teatro e até em livros para crianças: um deles, A mãe que chovia (2012), foi o primeiro livro a ser diretamente traduzido do português para o mongol. Quanto à narrativa em prosa ficcional, seus livros de maior ressonância são, além dos já mencionados, Cemitério de pia-
Os caminhos da TAG e de José Luís Peixoto começaram a se cruzar em meados de 2016. O português foi um dos dez escritores contatados e convidados por Luiz Ruffato e Helena Terra a revisitar contos clássicos da literatura sob uma perspectiva contemporânea. Dessa proposta, nasceu o primeiro livro inédito do clube, Uns e outros – Contos espelhados, enviado em julho de 2017. Sua releitura homônima do conto machadiano “Um homem célebre” foi uma das narrativas mais elogiadas pelos associados. No mesmo ano, Peixoto conheceu pessoalmente membros da equipe da TAG na Flip, festival literário de Paraty, onde ainda teve a oportunidade de homenagear o encontro de associados do clube, evento com o qual afirmou ter se surpreendido, tamanho foi o engajamento dos participantes. Foi de uma admiração mútua, portanto, que esse relacionamento foi se desenvolvendo até surgir a ideia de um romance inédito, minuciosamente pensado, analisado, escrito e reescrito durante meses em quartos de hotéis ao redor do mundo.
Na entrevista exclusiva para a TAG, publicada nas próximas páginas, Peixoto refletiu sobre alguns dos assuntos mais relevantes de sua vida e obra. Falou sobre a presença da memória, da ficção e do real – e seu caráter indissociável – na literatura. Compartilhou detalhes da sua relação com José Saramago, um dos protagonistas de Autobiografia. Entre outras curiosidades, revelou suas impressões sobre o resultado final dessa obra labiríntica e de meticuloso trabalho estrutural e lírico – sem dúvidas, um marco na carreira do escritor, que descobre novos recursos e possibilidades em seu próprio universo e concretiza, enfim, a derradeira homenagem a de um dos maiores expoentes literários do seu país.
Patrícia Santos Pinto
nos (2006), Livro (2010), Galveias (2014), que, em 2016, conquistou o prêmio literário brasileiro Oceanos, e Em teu ventre (2015). Em cada um deles, Peixoto explora sua escrita sob múltiplas perspectivas e com ritmos sempre variados e inovadores, embora seus principais temas quase sempre se mantenham: relações familiares, a ruralidade, a historiografia e a região do Alentejo.
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Patrícia Santos Pinto
Entrevista com
José Luís Peixoto TAG – Você mencionou que acredita que o tema da identidade é uma constante em seus livros. Autobiografia apresenta um protagonista que é escritor (como você), jovem (como você) e se chama José (como você). Podemos considerar Autobiografia um trabalho de autoficção? José Luís Peixoto – Penso que, em literatura, nunca existe uma fronteira rigorosa entre autobiografia e ficção. Em relação a esse assunto, sempre que se exige uma resposta de sim/não, está a cometer-se um erro. Os textos literários são sempre autobiográficos e ficcionais ao mesmo tempo. Acredito que esse
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O livro do mês
aparente paradoxo faz parte da natureza da própria literatura. Aquilo que pode existir é uma intenção do autor de dirigir os elementos do texto mais para o lado fatual ou para o lado da imaginação. Isso não significa, no entanto, que seja capaz de fazê-lo absolutamente. A imensa subjetividade presente na descrição literária de algo acrescenta sempre ficção ao fato. Em simultâneo, existem sempre ligações inequívocas de qualquer texto ficcional, por mais delirante que seja, com elementos do que aconteceu. A literatura não é possível sem a memória, sem a experiência do real, mas a literatura é transfiguração, é a transformação de algo
“A literatura não é possível sem a memória, sem a experiência do real, mas a literatura é transfiguração, é a transformação de algo em palavras e naquilo que existe a partir das palavras.” em palavras e naquilo que existe a partir das palavras. Neste livro, estas questões são colocadas de forma muito direta, tanto através do título como através da escolha de uma personagem, que parte de uma pessoa que existiu, que conheci e que ainda me é tão próxima, que ainda é tão próxima de todos nós. Como foi a sua infância em Galveias? O quanto crescer em uma pequena cidade portuguesa impactou a sua trajetória como escritor? Peixoto – Creio que todas as infâncias foram importantes para aqueles que as viveram. Hoje, olhando para esse tempo, tenho a sensação de que foi uma infância muito rica, passada num mundo completo, intenso. Nascer numa cidade com pouco mais de mil habitantes chamou a minha atenção para o indivíduo, o que é de muita utilidade para a literatura. A oportunidade de, permanentemente, lidar com gente de várias gerações também ajudou bastante. Ainda assim, o impacto mais imediato dessa experiência está presente nos vários livros em que descrevo essa realidade, como é o caso dos romances Nenhum olhar, Livro, Galveias, ou mesmo em Morreste-me.
Algumas perguntas específicas sobre a sua relação com Saramago: você lembra qual a primeira obra de Saramago que leu? Lembra da primeira vez que falou com Saramago? Peixoto – A primeira vez que falei com Saramago, apenas algumas palavras breves, foi durante a apresentação de Terra, livro de Sebastião Salgado, com participação de Chico Buarque e prefácio de Saramago. Foi na Biblioteca Municipal de Coimbra, em 1997, alguns meses antes da ação deste romance que agora é publicado. Pedi-lhe para autografar Memorial do Convento, e Saramago enganou-se a escrever o meu nome e dedicou o livro a José Luís Pacheco. Nem ele nem eu imaginávamos que, quatro anos depois, em 2001, nos estaríamos a reencontrar na entrega de um prêmio com o nome dele que foi atribuído ao meu romance, Nenhum olhar. Nesse dia, encontramo-nos na cerimônia e, depois, jantamos juntos. A partir daí, ao longo dos anos, surpreendi-me sempre com o seu cuidado, com a atenção que me prestava, e aprendi muito.
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Qual pesquisa histórica você fez para chegar aos fatos retratados em Autobiografia? Peixoto – Li alguns livros sobre a vida de Saramago. Nomeadamente os textos que o próprio escreveu, como é o caso de Cadernos de Lanzarote (diários que cobrem o período descrito no romance), Pequenas memórias (livro que escreveu sobre a sua infância e adolescência), assim como algumas crônicas. Quais livros o inspiraram a escrever Autobiografia? Como foi o processo de escrita do romance? Peixoto – Um dos temas mais íntimos deste romance é a própria literatura, a forma como esta se relaciona com o ser humano. Assim, não poderia deixar de ser um livro que nasceu de muitas leituras. Entre elas, a obra do próprio José Saramago, nomeadamente os livros em que se dedica diretamente a estes temas, como é o caso de Manual de pintura e caligrafia. A título de exemplo, menciono também A angústia da influência, de Harold Bloom, mas haveria muitos mais títulos que poderia referir. O processo de escrita do romance foi intenso e, claro, marcado pela responsabilidade de escrever sobre Saramago desta forma. Foi um grande desafio pessoal que, neste momento, me deixa incrivelmente satisfeito e realizado.
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O livro do mês
Colocando as suas obras anteriores e o seu amadurecimento como escritor em perspectiva, como você explica o que significa o Autobiografia? Em termos de ousadia formal e estrutural, além do fato de estar falando do Saramago, o que esse livro representa para você? Peixoto – Neste momento, entendo Autobiografia como um romance que aprofunda alguns temas que já tratei em livros anteriores e que, ao fazê-lo, traz novas abordagens. Por um lado, como em todos os meus livros, trabalho assuntos bastante ligados ao que vivi. A presença de Saramago marcou a minha vida de modo indelével. Sem essa presença, estaria com certeza num lugar muito diferente daquele em que estou. Por outro lado, volto a criar ficção à volta de temas históricos (como aconteceu em Cemitério de pianos ou Em teu ventre) através de uma narrativa fragmentada (como em Nenhum olhar, Livro, etc.), com vários recursos metaliterários e autoreferênciais (como em Cemitério de pianos, Livro, etc.). Em um outro nível, este é um romance de gratidão e homenagem. Quais são seus projetos para o futuro? Peixoto – O grande projeto é escrever. O futuro é imenso. O futuro é um oceano, e escrever é navegar.
Minha Estante: José Luis Peixoto O livro que estou lendo: Os filhos da meia-noite, de Salman Rushdie. O livro que mudou a minha vida: A obra de Fernando Pessoa.
TEM NA LOJA! Morreste-me
José Luís Peixoto
Nenhum olhar
José Luís Peixoto
O livro que eu gostaria de ter escrito: Não tenho esse sentimento em relação aos livros que leio. Os únicos livros que gostaria de ter escrito são aqueles que imaginei, mas que não fui capaz de escrever.
Viagem a Portugal
O último livro que me fez chorar: Choro mais a escrever do que a ler.
José Saramago
O último livro que me fez rir: Wilt, de Tom Sharpe. O livro que eu não consegui terminar: Ulisses, de James Joyce. O livro que eu dou de presente: Depende da pessoa, mas já dei mais do que uma vez livros de Sophia de Mello Breyner Andresen. O primeiro livro que li: Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes.
José Saramago
O conto da ilha desconhecida
O homem duplicado
José Saramago
Ensaio sobre a lucidez José Saramago
O evangelho segundo Jesus Cristo
José Saramago
O livro do mês
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Glossário
Ao ler Autobiografia, o leitor se depara com termos lusófonos que podem causar certo estranhamento: o que significa comprar algo no "bricabraque"? E estar "agastado" ou "encalmadiço"? Descubra abaixo e, em caso de outras dúvidas, recorra ao glossário.
à borla – grátis achamento – descoberta agastado – zangado, irritado alcatifa – carpete, tapete grande para o chão alcatifas – carpete, tapete grande para o chão alcofas – cesto de material flexível com duas asas alheado – indiferente altifalante – alto-falante alumiando – iluminando amolgado – danificado, machucado amolgando – causando dano, machucando amolgava – causar dano, machucar ao calhas – ao acaso, à sorte apeou-se – desmontou-se, saiu arcaboiços – conjunto de ossos de um vertebrado arrecuas – marcha ré arrelampado – espantado arrobas – antiga unidade de massa, equivale a cerca de 15 quilos. aterrar – aterrissar
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Ecos da leitura
auscultador – fone de ouvido autocarros – ônibus azáfama – atividade intensa babete – babador, babadouro baboso – que se baba bacio – penico badio – nome em crioulo dado aos naturais da Cidade da Praia banda sonora – trilha sonora barrotes – peças de madeira que sustentam o teto basta – bastantes bátega – temporal, chuvada bazófia – vaidade exacerbada e infundada; presunção bedjo – expressão em crioulo de Cabo Verde para designar cabelo crespo, afro beirais – alpendre bem-haja – expressão que manifesta gratidão berma – beira, margem betão – concreto armado bidão – recipiente grande, geralmente metálico, destinado a líquidos
bombo – grande tambor borbulha – pequena bolha na pele bricabraque – loja onde se vende objetos usados, ferro-velho bulha – desordem, bagunça cabidela – prato tradicional de frango, com sangue avinagrado cachupa – prato típico da gastronomia de Cabo Verde calabaceira – fruto do imbondeiro ou baobá camiões – caminhões campa – túmulo carestia – produtos a preço muito alto caril – condimento de origem indiana, geralmente de cor amarela; curry carioca de limão – chá feito com a casca do limão carrego – carregamento carris – trilhos, barra de ferro sobre a qual se movem veículos casa de banho – banheiro chispa – faísca, centelha choupo – família de árvores à qual pertencem 40 espécies, também conhecida como álamo cimo – topo cioso – que cuida, diligente, zeloso cisma – obsessão côdeas – crosta do pão comprazimento – satisfação, agrado concani – língua falada em Goa, na costa sul de Maharashtra, costa de Karnataka e em Kerala. conto – capacidade de contar contrapicada – sequência de imagens filmada de baixo para cima contraplacado – compensado, madeira compensada
cultor – que se dedica a determinado estudo cuvete – recipiente com divisórias que servem de forma para o gelo depenicados – tirar algo a pouco e pouco desarrumos – desorganização desayunos – "café da manhã" em castelhano; primeira refeição do dia descaído – inclinado desfasamento – falta de sintonia desirmanado – desconjuntado, desemparelhado deslindar – descobrir, apurar despachar – preparar despedimento – demissão destapado – sem tampa, rem rolha detergente – substância usada para tirar a sujidade detetando – encontrando, identificando ditosa – afortunada, bem sucedida dorido – que ainda se ressente da dor que teve douto – erudito, sábio embaciado – baço, coberto de vapor empedernido – convertido em pedra encalmadiço – com calor engelhando – amarrotando enjeitou – recusou, repudiou entesou – tornar rijo esbatido – apagado esbracejar – agitar muito os braços escarpa – corte oblíquo escova – aparelho de limpar para-brisa do carro escusava – dispensava esgadanhasse – arranhasse esgar – contração do rosto espertina – insônia
Ecos da leitura
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espojado – deitar-se no chão esquadra – estação de polícia estafado – cansado, exausto estival – relativo ao verão estores – persianas estrafegar – sufocar, esganar estrafego – escaramuça estremunhada – que desperta de repente e está estonteada; com sono estroina – boêmio estúrdia – bagunça, extravagância esventrado – desventrar, rasgar o ventre fazenda – tecido, pano fogo-de-vista – fogos de artifício, foguetes. folhos – adorno de pregas na extremidade de vestidos, etc. fresquinhas – gelado caseiro frugal – moderada fumo – fumaça gabardina – sobretudo galhardetes – insígnia de clube desportivo gindungo – nome de pimenta angolana grogue – aguardente tradicional de Cabo Verde, feita a partir da cana de açúcar guarda-fatos – armário em que se guardam roupas, roupeiro incúria – negligência, desleixo. insigne – ilustre, notável, que se distingue entre os demais invernia – inverno irrepetível – que não se repete JCP – Juventude Comunista Portuguesa
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Ecos da leitura
julhos da puberdade - refere-se aos meses de julho de quando José estava na puberdade. lixívia – água sanitária lousa – laje, pedra lume – fogo manípulo – cabo de um utensílio manjacos – etnia que habita algumas regiões costeiras da Guiné-Bissau massajar – massagear miga – corta em pequenos pedaços minudência – minúcia, detalhe nalgas – nádegas napa – tecido, pele sintética naperons – toalha de renda nódoas – manchas nouveau roman – movimento literário francês dos anos cinquenta do século XX, que defendia a construção de um "novo romance", rejeitando as caraterísticas convencionais desse gênero. obrou – defecou oleada – com óleo paisano – conterrâneo pantomineiro – que engana os outros papas húmidas – alimento úmido de consistência cremosa paquete – antigos navios de luxo de grande velocidade paragem – parada paramentos – roupas de padre parança – paragem, ato de parar penso – absorvente higiênico perder o conto - deixar de conseguir contar, por ser muitos pilas – expressão infantil para referir-se a pênis pontapeou – chutou
portagens – pedágios premiu – pressionar, apertar préstimo – utilidade, proveito prior – padre, pároco. pronto-a-vestir – a expressão prêt-à-porter foi criada no fim da Segunda Guerra Mundial, no auge da democratização da moda. Refere-se às roupas confeccionadas industrialmente. pula – nome pejorativo para pessoa branca, usado principalmente em Angola pundonor – sentimento de dignidade, honra, amor-próprio rapariga – menina rasto – vestígio, pegada rato – mouse de computador refegos – dobras na pele resultantes do excesso de gordura refrigério – alívio regadeiras – espaço da rua por onde corre a água da chuva releixos – dobra de gordura remate – pontapé rés do chão – piso térreo responso – "resposta" que faz parte da estrutura de certos cânticos católicos restolhar – fazer ruído, semelhante ao que se faz andando pelo restolho roda dentada – engrenagem rotunda – praça de forma circular, onde desembocam várias ruas e o trânsito se processa em sentido giratório sampadjudo – nome em crioulo dado aos naturais das ilhas cabo-verdianas do Barlavento, em especial da ilha do Mindelo
sangacho – faixa mais escura da carne do atum sarapintada – com várias pintas sardanisca – pequeno lagarto insetívoro e trepador segredeiro – que fala em segredo, que cochicha seráfico – beatífico serão – período noturno depois do jantar sodade – "saudade" em crioulo de Cabo Verde suminho – suquinho surro – sujeira tablier – tabliê, painel de instrumentos de um veículo tabuleiro – bandeja tejadilhos – teto de automóvel ou de qualquer veículo telemóvel – celular tossicar – tosse fraca, mas repetida trave mestra – elemento estrutural que suporta uma construção trela – correia com que se prende um cachorro trincha – pincel espalmado tropelias – travessuras, traquinagens, manhas vagas – marés, ondas valimento – valor vanillekipferi – biscoitos comuns na Áustria e em mais alguns países da região vénia – reverência ventas – fossas nasais ventoinhas – ventiladores vindaloo – prato da culinária indo-portuguesa de Goa
Ecos da leitura
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Pura Literatura Pilar del Río
a sua coragem na hora de encarar os que um romance se intitule Au- assuntos mais complexos fazem-no tobiografia. Na cidade onde nasci credor da maior consideração. Neshavia sempre alguém que diria ao ta Autobiografia demonstra-o de autor, talvez com um ar de superio- sobra porque, com o ambicioso preridade: “Vamos ver se nos colocamos texto de escrever sobre outro autor, de acordo, senhor escritor, diga-nos o muito querido José Saramago, José Luís Peixoto eno que é este livro, tra pelos infernos ficção ou a sua “Com o ambicioso da criação litevida”. Porque os rária e coloca em leitores, muitos pretexto de escrever evidência medos, deles, querem sobre outro autor, aflições, insepartir de certeguranças, fugas zas, ainda que José Luís Peixoto para diante ou depois se deientra pelos infernos descobrimentos xem apanhar pelas variações da da criação literária.” surpreendentes que singularinarrativa. Neste zam os escritores caso, o autor não quis facilitar a vida aos leitores, o no universo que os seres humanos jogo não está no título do livro, é o formam. Assim, nós, leitores, valivro em si que é oferecido como mos descobrindo outras dimensões – de razão e de sentimentos – que uma surpresa contínua. nos habitam, simplesmente porque José Luís Peixoto é um escritor com antes alguém se encarregou de destodas as credenciais. É fácil en- crevê-las e fê-lo de forma precisa, contrar a sua obra nas livrarias do sem se ater a ditames, normas e, somundo, prosa, viagem e poesia, por bretudo, medos que tudo pervertem. isso parece fora de lugar apresentá- Os escritores são pessoas capazes -lo como se fosse um recém-che- de entrar no escuro e ali encontrar gado. No entanto, não estará tão matizes suficientes para desfazer fora de lugar fazer-lhe, aqui e agora, as trevas. Não usam cinto de seuma declaração de afeto e respeito: gurança nem contam com redes de
Não deixa de ser inquietante
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Ecos da leitura
Arquivo/Fundação José Saramago
proteção, entram nas profundidades da alma humana e descobrem a possibilidade do amor ou a dor insuportável da leveza e, com esses materiais, constroem culturas e almas. O protagonista desta história de Peixoto é assim, um aventureiro que nos oferece as suas descobertas e nos faz entender um pouco mais o mundo que nos rodeia e sustenta aquilo que somos.
Rodrigo Benatti
Nenhum leitor que se aproxime desta Autobiografia entrará no livro desprevenido. Saberá, para isso estão os meios de comunicação, que um jovem escritor chamado José, talvez o próprio autor quando começava, se encontra com um autor maduro e consagrado, esse sim com nome e sobrenome, José Saramago. Entre ambos, o que não existe fora do livro e o que existiu na vida real e literária, surge uma história
de encontros e desencontros numa atmosfera que às vezes lembra, em outro tempo e circunstância, a que José Saramago criou para contar a vida de Ricardo Reis e Fernando Pessoa durante o ano em que ambos morreram. Esta história de Peixoto, ao contrário da de José Saramago, não é sobre morte, conta uma vida que começa com brios e desejos. O escritor consagrado é a referência, o futuro atrativo e desejado, que provoca tanto admiração como um incontrolável repúdio, é a expansão que choca contra o muro antigo, a urgência de se dizer em confronto íntimo com o mestre. Porque, não nos enganemos, em todas as circunstâncias da vida os mestres são a medida das coisas, o estímulo que precisa ser combatido para que não cerceie o aprendiz. Este livro é a agônica luta do escritor jovem com amores e perdas, aventuras diversas aqui e ali, personagens que vêm de outros mundos, vozes diáfanas e vozes misteriosas, todas elas no compasso do ritmo próprio e já consagrado de José Luís Peixoto. Autobiografia é um exercício de leitura prazeroso e estimulante que nos mostra muito do ofício de escrever e de como dois escritores podem ser protagonistas de um jogo que nunca poderia ser leviano, embora seja, completamente, fictício. É pura criação, criação literária.
Pilar del Río
é jornalista e presidenta da Fundação José Saramago
Ecos da leitura
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lugares e personagens
da obra
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Ecos da leitura
O livro do mês traz uma história repleta de referências a localidades portuguesas e personagens saramaguianos. Fizemos um compilado, elaborado com a ajuda de José Luís Peixoto, com informações e curiosidades que complementam o enredo de Autobiografia.
Ecos da leitura
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luga olivais
Zona de Lisboa, pertencente à região oriental da cidade. Em Portugal, as cidades dividem-se em parcelas administrativas chamadas “freguesias”. Majoritariamente habitacional, Olivais é uma das freguesias com mais área e população de Lisboa. É composta de vários bairros, entre os quais a Encarnação (onde mora Bartolomeu) e Olivais Sul (onde mora José e onde se situa o mercadinho em que Lídia começa a trabalhar). A zona dos Olivais constitui um dos limites norte e nordeste da cidade de Lisboa. Uma parte do seu território é ocupada pelo Aeroporto de Lisboa. A urbanização dos Olivais Sul foi desenvolvida ao longo da década de 1960, durante a Guerra Colonial, travada pelos militares portugueses em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nesse contexto, as ruas do bairro receberam nomes de cidades das “colônias ultramarinas” de então. Esses nomes continuam a ser usados atualmente.
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Ecos da leitura
bucelas
Localidade portuguesa pertencente ao município de Loures. Apesar de estar apenas a 35 quilômetros de Lisboa, é um espaço sobretudo rural. É a cidade de origem de José, onde o protagonista passou a infância e a adolescência. pangim
Capital do Estado de Goa, na Índia. Teve o nome de Nova Goa até 19 de dezembro de 1961, data em que as possessões portuguesas na Índia foram integradas à União Indiana. Ainda hoje, são visíveis muitas marcas do passado ligado a Portugal. Esse é o caso do bairro das Fontainhas (onde mora o pai de Fritz), cujas ruas são muitas vezes comparadas ao tradicional bairro lisboeta de Alfama.
ares porto novo
quinta do mocho
Entre a década de 1970 e o final da década de 1990 do século XX, a Quinta do Mocho foi um bairro degradado de Sacavém, cidade da periferia de Lisboa. Um conjunto de prédios nunca terminado foi ocupado sobretudo por imigrantes das antigas colônias portuguesas, que ali viviam em condições muito precárias. É nesse bairro que moram Lídia e Domingos.
Cidade cabo-verdiana, principal centro urbano da ilha de Santo Antão. Fica em frente ao Mindelo, cidade mais importante da ilha de São Vicente e segunda cidade de Cabo Verde. Porto Novo é a origem de Lídia e Domingos (que ali chegou vindo da pequena cidade chamada Corda, no interior da ilha).
bairro das colónias
Localizado na freguesia lisboeta de Arroios, começou a ser construído em 1820. Os nomes das ruas correspondem aos espaços das ex-colônias portuguesas.
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Persona saram bartolomeu de gusmão
Em Memorial do Convento, Bartolomeu de Gusmão é um padre, sábio, intelectual e criador da Passarola, um aparelho voador. Essa personagem baseia-se numa figura histórica. Bartolomeu de Gusmão nasceu em Santos, no Brasil, em 1685. Viajou para Portugal ainda jovem e notabilizou-se como um pioneiro da aviação.
DOMINGOS
Em Levantado do chão, Domingos Mau-Tempo é um sapateiro que, com frequência, vai beber na taberna. Também nessa obra, Domingos é o nome do seu quarto filho.
josé
Este é um nome presente em vários romances de Saramago, como é o caso de O Evangelho segundo Jesus Cristo, em que é trabalhada a figura bíblica com esse nome, o pai de Jesus; mas também em Todos os nomes, onde o Sr. José é auxiliar de escrita da Conservatória Geral do Registo Civil. Em Autobiografia, é muito relevante que este seja também o nome de Saramago e do próprio Peixoto.
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agens de mago raimundo benvindo silva
No romance História do Cerco de Lisboa, Raimundo é o revisor de textos de uma editora. Ao acrescentar um “não” a um livro de história desencadeia toda a intriga desse romance, lançando um profundo questionamento por meio do contraste entre a verdade e a ficção, a história e a literatura.
fritz
Em Viagem do Elefante, Subhro (o tratador do elefante Salomão) passa a se chamar Fritz quando chega a Viena, a mando do arquiduque Maximiliano da Áustria.
lídia
No romance O Ano da Morte de Ricardo Reis, Lídia é uma criada do hotel Bragança, onde o médico Ricardo Reis fica hospedado e com quem mantém uma relação. Nesse caso, Saramago recorre a uma intertextualidade um tanto irônica, uma vez que Lídia é muito mencionada na obra de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, enquanto figura idealizada. Esta também é uma referência intertextual, pois Lídia é a musa do poeta romano Horácio. Ecos da leitura
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Guia de Leitura Nos últimos tempos, muitos associados vêm, de forma cres-
cente, sugerindo acompanhamentos de leitura dos livros enviados pela TAG. Nesta seção, a ideia é que os leitores disponham de uma ferramenta extra para imergir na leitura e acompanhar a sua evolução. Sugerimos começar pela leitura do livro e só depois recorrer ao guia: assim, você evita spoilers e elimina as dúvidas que (provavelmente) surgirão com esse quebra-cabeças literário.
PARTE 1: Caps. 1 a 3 O romance abre com Saramago terminando de escrever um ro-
mance no dia dois de julho de 1997. Entramos no romance de Peixoto pela saída do de Saramago. A cena de Saramago curvado sobre seus escritos é abruptamente cortada pela perspectiva de outro escritor, outro José. Percebemos que a descrição anterior estava sendo feita por ele, em outro tempo e outro lugar, até ser interrompido pela campainha. Ao abrir a porta, é surpreendido por brutamontes que vandalizam sua casa em busca de bens para saldar uma dívida. É dia 23 de setembro de 1997 e, enquanto José testemunha sua casa sendo revirada, ele pensa em Saramago. Dois escritores, de mesmo nome, costurados em uma mesma narrativa em paralelo. Mais uma vez mudamos de tempo e lugar, para o dia 05 de setembro, mas seguimos o mesmo José em uma visita a Bartolomeu, que escuta e comenta furioso as notícias do rádio. Bartolomeu empresta 5 contos a José, que se lembra de um episódio da sua adolescência, quando viu
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Saramago dando autógrafos em uma feira do livro e roubou um de seus livros para conseguir um autógrafo do famoso escritor. Quando José foi flagrado pelos seguranças, o próprio Saramago interveio para que nada fosse feito a José. De volta ao presente, José regressa à sua casa e encontra com seu editor, Raimundo, que o estava esperando e lhe encomenda uma biografia de Saramago. Jogando o destino à sorte, José aceita a proposta. No capítulo seguinte, testemunhamos a primeira reunião entre José e Saramago, costurada pelo nervosismo e pela falta de trejeitos de José. Após a lembrança de um episódio de possessão de sua mãe, testemunhamos a mesma reunião pela perspectiva de Saramago, indicada no texto por uma epígrafe do próprio. Nesse momento, sabemos que Saramago não apenas reconhece José como também resguarda um segredo acerca do iniciante escritor.
PARTE 2: Caps. 4 e 5 José sai da reunião com Saramago e vai direto para uma casa na
Rua Macau para jogar. Apesar de sair ganhando, acaba perdendo todo o seu dinheiro. Somos apresentados a mais um trecho na perspectiva de Saramago que, após descobrir que José é um autor publicado, decide que precisa ler o seu primeiro romance. José, com apenas cem escudos, passa o dia lendo o romance Memorial do convento de Saramago e entra em um mercadinho para comprar algo para comer. Lá, conhece Lídia, leitora ávida de Saramago que, sabendo da relação de José com o autor, o agarra escondida em um estante do mercadinho. José, empolgado com a relação súbita, decide voltar a casa de jogos e acaba se endividando em 500 contos. Nos próximos dias, faz visitas periódicas a Lídia enquanto tenta achar um jeito de saldar sua dívida com os agiotas da Rua Macau e protela o início da escrita da biografia de Saramago. Enfim, decide começar e relembra da empolgação com que Saramago relatou o término da escrita de seu último romance. José escreve os primeiros parágrafos do seu texto justamente sobre esse fim, quando é interrompido pelos seguranças da Rua Macau. Aqui temos a volta completa da primeira parte do romance, a narração do que ocorreu entre o dia 05 de setembro, quando José recebe a encomenda da biografia, e o dia 23, quando é interpelado pelos seguranças da casa de jogos. Também ficamos com a certeza de que a abertura do romance é, na verdade, escrita pelo próprio José como parte da biografia de Saramago. Esse jogo irá se repetir, haverá diversos vislumbres daquilo que José está escrevendo. Ainda nesse capítulo, Saramago recebe pelo correio, com empolgação, o primeiro romance de José.
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PARTE 3: Caps. 6 a 9 O capítulo 6 abre com a busca de Bartolomeu por José, que está
desaparecido. Bartolomeu visita a casa revirada e então ruma para a livraria de Fritz, amigo de José e local muito frequentado por ele. Ao chegar lá, Fritz afirma que não vê José há tempos e pede que Bartolomeu entregue a ele um livro, uma edição espanhola de O ano da morte de Ricardo Reis. Em paralelo, acompanhamos a vida de Lídia, sua relação com seu filho e seu vizinho Domingos. A seguir, acompanhamos Saramago em um avião retornando de Madri, iniciando a leitura do romance de José. Saramago tem muita cautela ao ler o livro, pois os escritos parecem antecipar o que irá acontecer como, por exemplo, o acidente com um copo de água derramado por uma aeromoça e o fato de José estar desaparecido. Já no capítulo 8, somos apresentados a um novo recurso narrativo: temos acesso direto ao caderno de José, que segue desaparecido, mas que continua escrevendo e realizando sua pesquisa sobre a vida de Saramago. Nesse trecho, podemos ler um verdadeiro livro em processo, com trechos de textos e anotações acerca do processo de escrita e das preocupações da mente de José como, por exemplo, o fato de estar usando Saramago como uma desculpa para falar de si mesmo. Depois do mergulho na mente de José, descobrimos que ele está morando na rua há quase dois meses, fugindo dos seus agiotas. O rapaz decide voltar para casa e pedir um adiantamento ao seu editor para quitar a dívida junto aos vales recebidos de seu pai da Alemanha, o que de fato acaba realizando. Mais uma vez, acompanhamos Saramago lendo o livro de José. Os escritos seguem antecipando os eventos da própria vida de Saramago, que fica empolgado, ainda que intrigado, pelo fato de o segredo ainda não ter sido revelado.
PARTE 4: Caps. 10 a 12 No capítulo 10 acompanhamos as andanças que dão conta de
restituir os laços após o sumiço de José. Ele visita Bartolomeu, que entrega a José o romance de Saramago que Fritz havia lhe confiado e pergunta ao protagonista se conhece alguém que possa trabalhar na limpeza da sua casa. José afirma que sim. Depois, visita Lídia no mercadinho, mentindo que esteve na casa da Saramago na ilha de Lanzarote para amenizar o seu desaparecimento. Nessa visita reconhece Domingos, o amigo de Lídia, que é também um dos seguranças da casa de jogos que haviam invadido a casa de José. Quando Lídia se afasta, Domingos lhe informa que o cheque de adiantamento dado por seu editor e usado por José para
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saldar sua dívida estava sem fundos. Também acompanhamos o lançamento do romance de Saramago, Todos os nomes, sob a sua perspectiva. No capítulo 11, que se passa no dia 16 de novembro de 1997, estamos mais uma vez acompanhando os bastidores da pesquisa de José sobre Saramago em tempo real. Há textos, notas e rabiscos como se fossem uma fotografia do percurso da pesquisa do rapaz, que se atém a pequenos detalhes biográficos, especialmente àqueles que se assemelham à sua vida, como o fato de Saramago ter exatamente a sua idade enquanto escrevia seu temido – e esquecido – segundo romance. Após o trecho do caderno na biblioteca, voltamos à vida de José, que apresenta Lídia a um Bartolomeu desconfiado por causa do seu preconceito racial, e acompanhamos mais uma entrevista de José com Saramago. Dessa vez, quando ambos ficam presos no elevador ao irem embora da editora, Saramago conta a José que leu o seu primeiro romance.
PARTE 5: Caps. 13 a 15 José se encontra com Bartolomeu em sua casa, que pergunta
ao protagonista se sabe onde estão seus botões de punho, abotoaduras que Bartolomeu trouxe de seus tempos em Angola. Bartolomeu desconfia que Lídia (agora trabalhando como faxineira para Bartolomeu) os roubou e José, envergonhado, pergunta à moça se ela sabe onde estão. Apesar de confrontar Lídia, descobrimos que quem roubou os botões foi o próprio rapaz para quitar a sua dívida com a Casa de jogos. Quando encontra Domingos para entregar-lhe os botões, Domingos lhe diz que a dívida já foi paga e que quem a pagou foi o próprio Saramago. José retorna à escrita do romance em seu computador novo, cortesia da Casa de Jogo da Rua Macau e, quando retorna à casa de Bartolomeu para ver Lídia, ela lhe conta que, enquanto procurava pelos botões, encontrou as chaves do misterioso armário da sala de Bartolomeu. Quando abrem o armário, se surpreendem com uma coleção de todas as obras de Saramago, autor que Bartolomeu até então fingia ignorar por motivos políticos. Bartolomeu, feliz por ter encontrado os botões que José recolocou no lugar, oferece para o rapaz seu carro para passar o natal com sua mãe. Enquanto isso, Fritz retorna à Áustria para encontrar sua família e, durante o voo, descobre que ficou cego. José e Lídia passam a noite de Ano Novo juntos após a viagem de José a Bucelas, e, quando vão devolver o carro para Bartolomeu, descobrem que este foi arranhado com a palavra PULA, gíria angolana para português branco. Quando chegam à casa de Bartolomeu, o surpreendem com sua namorada no quarto; descobrimos, enfim, que ela é ninguém menos que a mãe de José.
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PARTE 6: Caps. 16 a 18 Nesse ponto, vemos uma reunião de José com Saramago
sob a perspectiva de ambos os personagens. Saramago, junto de seu amigo, Urbano, espera por José para contar a ele o segredo que vem guardando desde o início do livro. Para isso, planeja entregar a José o seu segundo romance, Manual de pintura e caligrafia, um misto de autobiografia e ensaio sobre o ato de escrever, semelhante ao romance que estamos lendo. A reunião é interrompida e Saramago não consegue contar o segredo a José, mas conta aos leitores: Saramago e José são a mesma pessoa, mas em idades diferentes. Quando José vai embora da reunião, encontra Pilar, esposa de Saramago, que lhe dá uma foto de Saramago criança e pede que escreva sobre aquele garoto. José escreve sobre Zezito, que nesse ponto já não sabemos se é ele próprio ou Saramago, quando é interrompido por uma correspondência endereçada a Lídia, informando-a de que sua avó está muito doente em Cabo Verde. José, preocupado com a doença da avó de Lídia, decide apostar o carro de Bartolomeu na Rua Macau e acaba perdendo-o, tendo de pagar a dívida por meios escusos. Bartolomeu, sem saber das intenções de José, compra uma viagem a Cabo Verde para Lídia e seu filho. Enquanto isso, em Goa, o pai de Fritz lê para ele o primeiro romance de José, notando o mesmo efeito já notado por Saramago: o romance descreve as situações em que estão vivendo naquele momento. Quando José retorna do aeroporto para a casa de Bartolomeu a fim de agradecer pela viagem de Lídia, é surpreendido ao ver Bartolomeu e Saramago sentados na sala, conversando.
PARTE 7: Caps. 19 a 21 Enquanto Lídia está em Cabo Verde, cuidando da avó em seus
últimos dias, Fritz e seu pai comentam em detalhes os eventos da narrativa, criticando as decisões do autor, a demora em avançar o enredo e a inutilidade da sua própria participação no romance. Nesse ponto, pai e filho se tornam, paradoxalmente, personagens e leitores do livro que lemos. José descobre que Bartolomeu e Saramago são amigos de infância e que Saramago fez uma visita a Bartolomeu em decorrência da sua doença. José fica abalado ao descobrir que Bartolomeu está com câncer no pâncreas e tem poucas chances de sobreviver, e acaba se entregando à bebida mais uma vez. No capítulo 20, testemunhamos um dos momentos mais curiosos do livro: um diálogo entre José e Saramago acerca da obra que estamos lendo. Aqui há
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uma confusão entre realidade da narrativa e realidade do texto, os paradoxos que o livro vêm construindo e o fato de José e Saramago serem a mesma pessoa, por mais absurdo que seja. Saramago diz que não há explicações, que a literatura não é nem ciência, nem realidade e que é esse o seu poder: realizar o impossível. Depois desse diálogo, acompanhamos os últimos meses da vida de Bartolomeu, com José e Lídia entrando em conflito após o retorno de Cabo Verde, a descoberta gradual da doença irremediável de Bartolomeu e os arranjos para a sua inevitável morte, que ocorre em outubro de 1998, mesmo mês em que Saramago recebe o Nobel de Literatura. No momento em que a notícia é dada, há uma surreal chuva de livros.
PARTE 8: Caps. 22 a 24 O velório de Bartolomeu acontece com a visita de alguns de
seus primos, além de seus inquilinos, Lídia e José. Um dos primos de Bartolomeu dá a José, como uma espécie de herança, a cadela de Bartolomeu. Enquanto isso, Saramago visita a Feira do Livro de Frankfurt, uma das maiores do mundo, e conhece o pai de José. Fritz e seu pai, já sentindo o final do romance, partem em direção ao desconhecido e se despedem da narrativa ao se tornarem apenas leitores. Após o velório de Bartolomeu, José decide perguntar a Lídia se ela quer morar com ele. Justamente quando José faz a pergunta, a narrativa é interrompida e somos levados para o ponto de vista de Saramago conversando com Pilar. Será que é Saramago quem está escrevendo a história agora? Será que foi ele quem escreveu toda a parte de José? Assim que Pilar abandona a sala, retornamos ao diálogo entre José e Lídia, especificamente ao ponto em que ela nega o seu convite. Saramago se sente orgulhoso, especialmente pelo fato de estar a apenas um capítulo da conclusão do livro. No último capítulo, acontece o último encontro entre José e Saramago. Saramago está sendo homenageado na Biblioteca Nacional por seu Nobel e José está decidido a abandonar a escrita da biografia de caráter ficcional de Saramago para focar em seu segundo romance, tal como fez o famoso autor. Ao encontrar Saramago, ele responde a José que sim, sem chegarmos a saber qual foi a pergunta feita por José. Se o romance se inicia com a escrita de uma última frase, agora ele termina com a escrita da primeira.
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Cronobiografia:
Saramago 1922
Nasce no dia 16 de novembro na Rua da Alagoa de Azinhaga (província de Ribatejo, vila de Golegã, Portugal) no seio de uma família de camponeses. Os seus pais são José de Sousa, jornaleiro, e Maria de Jesus, doméstica.
1924
Muda-se para Lisboa com a família. Morre o seu irmão, Francisco, com quatro anos de idade.
1929
Descobre-se que um funcionário do Registro Civil incluiu como sobrenome na sua certidão de nascimento o apelido familiar, Saramago. Dessa forma, torna-se o primeiro Saramago da família. Se assim não tivesse acontecido, o seu nome seria José de Sousa.
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1936
Ganha o primeiro livro da mãe: A toutinegra do Moinho, de Émile Richebourg.
1935
A falta de recursos econômicos da família obriga-o a transferir-se para a Escola Industrial de Afonso Domingues, onde estudará até 1940. Durante toda a infância e adolescência passa longos períodos na Azinhaga com os avós maternos.
1932
Matricula-se no Liceu Gil Vicente, onde inicia os estudos secundários.
1930
Durante estes anos e os seguintes a família Sousa leva uma vida difícil, morando em quartos alugados.
1969
Filia-se ao Partido Comunista Português. Faz a sua primeira viagem ao estrangeiro (Paris).
1966
É editado o seu primeiro livro de poesia, Os poemas possíveis. Ao longo desta década, continua a sua atividade de tradutor. Traduz, entre outros, Colette, Maupassant e Bonnard.
1947
Publica Terra do Pecado, o seu primeiro romance, intitulado inicialmente A viúva. Nasce a sua filha, Violante. Escreve numerosos poemas e contos e esboça a redação de pelo menos quatro romances, dos quais apenas conclui um.
1944
Casa-se com a pintora Ilda Reis.
1942
Passa a ocupar um lugar nos serviços administrativos dos Hospitais Civis de Lisboa.
1940
Conclui os estudos. Consegue o seu primeiro emprego como serralheiro mecânico nas oficinas dos Hospitais Civis de Lisboa. À noite, frequenta a biblioteca municipal do Palácio das Galveias.
1970
Divorcia-se de Ilda Reis. Muda-se para Lisboa, depois de viver doze anos em Cascais. Inicia uma relação com a escritora Isabel da Nóbrega, que durará até 1986.
1972
Publica numerosas crônicas no Jornal do Fundão. Trabalha como editorialista no Diário de Lisboa.
1974
Edita o seu primeiro volume de crônicas políticas.
1975
É nomeado diretor-adjunto do Diário de Notícias. Acusado de radicalismo marxista, vive um tumultuoso momento de crise. Ao ficar desempregado, decide se dedicar exclusivamente à escrita e à tradução. Começa a integrar Movimento Unitário de Trabalhadores Intelectuais para a Defesa da Revolução (MUTI).
1976
Publica o romance Manual de pintura e caligrafia.
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1980
Surge Levantado do chão, que marca o início do estilo saramaguiano. Publica a peça de teatro Que farei com este livro?, representada no Teatro de Almada.
1997
1982
Viaja para o Brasil para receber o Prêmio Camões.
Morre a sua mãe, Maria da Piedade, aos 81 anos. Publica Memorial do Convento, que o consagra internacionalmente.
1983
Prêmio Pen Club de 1983 pelo livro Memorial do convento.
1984
Publica O ano da morte de Ricardo Reis.
1985
Prêmio Pen Club de 1985 pelo livro O ano da morte de Ricardo Reis. Prêmio da Crítica 1985 - Associação Portuguesa de Críticos.
1986
Publica A jangada de pedra. Conhece Pilar del Río.
1988
Casa-se com a jornalista Pilar del Río.
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Publica o romance Todos os Nomes e o Conto da ilha desconhecida.
1996
1994
Publica o primeiro volume de Cadernos de Lanzarote.
1993
Transfere a sua residência para Lanzarote. Recebe o Prêmio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores.
1992
O governo português veta a candidatura de O Evangelho segundo Jesus Cristo ao Prêmio Literário Europeu.
1991
Publica O Evangelho segundo Jesus Cristo
1989
Publica História do cerco de Lisboa.
2007
Cria a Fundação José Saramago. Em setembro, recebe o Prêmio Save the Children pela sua contribuição na defesa dos direitos da infância.
2006
Publica As pequenas memórias, projeto amadurecido durante mais de vinte anos. O lançamento coincide com o seu 84º aniversário.
2005
Publica As intermitências da morte.
2004
Publica Ensaio sobre a lucidez.
2002
Publica O homem duplicado.
2001
Publica A maior flor do mundo.
1999
Permanece durante alguns dias no México com os Zapatistas.
1998
Recebe o Prêmio Nobel da Literatura. Publica o quinto e último volume de Cadernos de Lanzarote.
2008
Em maio, o Festival de Cinema de Cannes abre com uma adaptação para o cinema de Ensaio sobre a cegueira, dirigida pelo brasileiro Fernando Meirelles. Publica A viagem do elefante.
2009
Dedica-se a escrever o seu novo livro, Caim. É internado em Lanzarote com problemas de saúde. Durante a internação, abandona a clínica para participar de uma mesa-redonda com o político colombiano Sigifredo López. Publica O caderno, livro em que se recolhem as entradas do autor publicadas no blog da Fundação Saramago.
2010
No dia 18 de junho, às 12h30m, José Saramago falece na sua casa, em Lanzarote, acompanhado por sua família e amigos mais próximos. No dia 19, o seu corpo foi cremado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, recebido por uma imensa multidão que se despediu levantando livros.
Fonte e fotografias: Fundação José Samarago
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Esses 5 anos de existência também refletem outro número: os 50 mil associados que contemplam os clubes Curadoria e Inéditos. São 50 mil pessoas que nos acompanham mês a mês e que acreditam no poder dos livros.
tro do kit: uma moeda colecionável estampada com um escritor consagrado. As quatro primeiras moedas levam o rosto de Clarice Lispector, Gabriel García Márquez, Machado de Assis e Jane Austen, respectivamente. Considerando todo o papel ativo que os associados têm na TAG, nada mais justo do que promover a oportunidade de fazer parte da produção da moeda de 5 anos do clube. Após lançar a questão no aplicativo da TAG, recebemos mais de 200 comentários com centenas de indicações de nomes ilustres para o nosso panteão literário. Desses, os 5 mais mencionados foram sujeitos a votação, chegando ao nome do grande escritor nordestino Ariano Suassuna, que em breve enfeitará as estantes dos mais antigos associados!
Quando um associado comemora o seu “Aniversário de TAG”, após completar um ano de clube, enviamos um presentinho especial den-
Confiram ao lado a nuvem de palavras que vocês construíram e as moedas que simbolizam a nossa trajetória juntos.
No aniversário da TAG sempre pensamos em algo especial: tivemos a coletânea de contos exclusiva Uns e outros, o livro inédito da grande autora russa Svetlana Aleksiévitch e, nesse ano, você acaba de receber um livro escrito especialmente para a TAG pelo premiado autor José Luís Peixoto. Somado a isso, tivemos o prazer de elaborar como mimo a exclusiva coleção de livros clássicos que nos formou enquanto leitores para relembrarmos as primeiras páginas que devoramos e amamos.
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Espaço do associado
Para baixar o app da TAG e participar ainda mais da construção do nosso amado clube é muito simples! Baixe o aplicativo da TAG procurando por “TAG Livros” na App Store ou na Play Store. Pronto! Lá você poderá expandir ainda mais a sua experiência. Falando em expandir a experiência, confira os encontros da sua região e perguntas para aprofundar o debate da obra no link: http://bit.ly/encontrostagcuradoria Não consegue ir aos encontros? Fique ligado no nosso podcast, novidade do clube, que surgiu para fomentar discussões e insights sobre a obras – sempre com convidados especiais.
Espaço do associado
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Este espaço foi pensado para você retornar à leitura da revista depois de ter terminado o livro. Mensalmente, convidamos um especialista em Literatura para produzir um texto exclusivo para você analisar a obra de forma mais complexa.
Spoiler!
Nas lacunas da memória, a ficção Uma única palavra define Autobiografia: genial. Pelo menos uma vez na vida, em qualquer lugar do mundo, as pessoas já ouviram esta frase: “meu livro é minha vida”. De fato, esse é o sentimento de todo o grande escritor. Não há como separar literatura da vida. E que se pense nisso, porque é a chave para a leitura de Autobiografia. De início, o autor propõe o jogo, e é preciso aceitá-lo para mergulhar no universo de José Saramago. Primeiro, aceitemos Saramago, o escritor português Nobel de Literatura, como personagem, assim como a forte Pilar del Río; a companheira que o introduziu aos círculos literários, Isabel; a primeira esposa, Ilda; o
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escritor Urbano Tavares Rodrigues, todas pessoas reais transformadas em personagens de ficção. Mas há mais, um jogo inteligente tem de ser complexo: essas pessoas reais transformadas em personagens convivem com várias personagens ficcionais dos romances de Saramago, que, como têm uma atuação forte no texto, ganham, para o leitor, o status de personagens reais. Começa aí a genialidade, entretanto, há ainda mais. Se José, o escritor da Autobiografia, é fascinante, também o é Lídia, até porque Lídia é o segundo desdobramento da Lídia de Ricardo Reis. Percebam o jogo: Fernando Pessoa
Acervo pessoal
cria Lídia, ela é a musa de Ricardo seja, pode ser, pode não ser, o leitor Reis; Saramago tira Lídia das odes que decida. de Ricardo Reis e a transforma em arrumadeira de quarto de hotel em O Em outras palavras, o leitor é chaano da morte de Ricardo Reis. Ago- mado a participar desse jogo, enra, o autor de Autobiografia busca quanto o narrador o provoca, proLídia em O ano da morte de Ricardo voca por si só e provoca através de Reis e a transforma Saramago. Há um em uma emprega“Uma trama em segredo que une os da cabo-verdiana vários fragmentos que a presença de um minimerda narrativa. Sacado. Nos três caramago é quem o de Saramago é sos, Lídia é musa. conhece e vive a constante, como ânsia de dividi-lo A relação amorosa entre José – escrique a manipular “com o narrador tor, bêbado, jogador e com os leitores, José na escrita endividado – e Líconosco, e, depois, dia, a negra bonita da sua biografia.” só depois, com do minimercado e José”. É como o leidepois arrumadeira na casa do Bar- tor é chamado a se manter na constolomeu de Gusmão, este buscado trução do romance, que se constrói na História por Saramago e, aqui, no ato da leitura, apesar das hesitrazido de Memorial do Convento tações de José sobre escrever ou para ser namorado da mãe de José, não a biografia. é o núcleo da trama. Uma trama em que a presença de Saramago é cons- Ora, se a literatura preenche as latante, como que a manipular José na cunas da memória, se Zezito, José e escrita da sua biografia. Saramago estão lá, convivendo consigo mesmos em diferentes épocas, Não bastasse isso, quem coloca esta convivendo com suas personagens engrenagem a funcionar é um nar- reais e ficcionais, textos e vida se rador que joga com o leitor, ele não tecem no que eles se confundem. É dá certeza nenhuma em relação à como Autobiografia se transforma narrativa fragmentada: “José des- em verdade e completude através do crevia uma ilha, talvez correspon- material que só a ficção pode conhedesse a Lanzarote, ou talvez não”. Ou cer. José Saramago está lá inteiro. Jane Tutikian é professora titular da UFRGS, onde ocupa o cargo de Vice-Reitora. Escritora, tem 22 livros publicados e ganhou importantes prêmios literários no Brasil, entre eles o Jabuti.
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A curadora de agosto
João Bandeira
Noemi Jaffe
“Este livro é um romance de formação, mas é também um romance em formação, que se constrói pelas estradas físicas e existenciais.” Escritora, professora e crítica literária, Noemi Jaffe é a nossa curadora de agosto. Doutora em literatura brasileira pela USP, Jaffe ministra cursos de escrita criativa e literatura desde 2007 e atualmente é coordenadora do espaço Escrevedeira, centro cultural na zona oeste de São Paulo que oferece uma programação relacionada à escrita e à literatura. Quando não está lecionando e projetando novos livros (atualmente, ela tem 11 publicados), escreve para a Folha de São Paulo e para o Blog da Companhia. O livro que Noemi escolheu é de uma escritora brasileira, em homenagem aos associados que tanto clamam por obras nacionais. A história explora a temática das road trips, inspirada em filmes como Thelma e Louise e Easy Rider, e tem como protagonistas duas jovens que se conhecem na faculdade de jornalismo. Após anos sem se ver, as amigas combinam uma viagem de carro pelo interior do Rio Grande do Sul. Enfrentando os fantasmas passados, as heroínas se unem em uma busca por suas raízes, identidades e lugares no mundo.
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ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA de José Saramago
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ESTOQUE LIMITADO
“Eu, no fundo, não invento nada. Sou apenas alguém que se limita a levantar uma pedra e a pôr à vista o que está por baixo. Não é minha culpa se de vez em quando me saem monstros.” – José Saramago