JULHO DE 2017 Uns e outros — contos espelhados
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Ao Leitor Enfim, julho chegou! E, com ele, completamos o terceiro ano de TAG. É um prazer imensurável para a nossa equipe perceber o quanto o clube se desenvolveu e se fortaleceu ao longo desses trinta e seis meses, partindo de um pequeno sonho de disseminar experiências literárias entre amigos e conhecidos para um clube de alcance nacional, que entrega livros em todos os cantos do Brasil. Entrega, aliás, muito mais do que isso: podemos perceber, diariamente, a satisfação dos associados com as experiências proporcionadas, sempre elaboradas com imenso carinho e dedicação, e correspondidas na mesma intensidade. Garantimos que os momentos mais emocionantes do nosso dia a dia ocorrem quando recebemos mensagens de apoio e gratidão. Aproveitamos este espaço, portanto, para agradecer a todos que fazem parte deste grande grupo e apostam no nosso trabalho. O clichê, neste momento, é inevitável: chegamos aqui somente por causa de vocês. E nada seria mais apropriado do que presenteá-los com um livro inédito, elaborado exclusivamente para os associados da
TAG, um desejo antigo que finalmente ganha forças para se tornar real. Agora, mais do que fomentar o universo literário, estamos também ajudando a construí-lo. No ano passado, no segundo aniversário da TAG, recebemos do escritor Luiz Ruffato a proposta para elaborarmos, em conjunto, uma antologia de releituras de contos clássicos. Partimos, então, em busca das condições para concretizá-lo, enquanto Ruffato e a escritora Helena Terra encarregaram-se de convidar autores dispostos a aceitar o desafio. Por fim, o time reunido foi de peso: Beatriz Bracher, Luiz Antonio de Assis Brasil, Eliane Brum, Milton Hatoum, Ana Maria Gonçalves, Paulo Lins, Ivana Arruda Leite, José Luís Peixoto, Maria Valéria Rezende e Cristovão Tezza. Os autores dos contos clássicos? James Joyce, Ernest Hemingway, Clarice Lispector, Machado de Assis, Monteiro Lobato, Katherine Mansfield, Guy de Maupassant e Liev Tolstói. O resultado: Uns e outros – contos espelhados. A liberdade foi total e irrestrita; a obra, inesquecível. Boa leitura!
04 Uns e outros – contos espelhados
06 James Joyce | Beatriz Bracher
08 Ernest Hemingway | Luiz Antonio de Assis Brasil
10 Clarice Lispector | Eliane Brum
12 Machado de Assis | Milton Hatoum
14 Monteiro Lobato | Ana Maria Gonçalves
16 Machado de Assis | Paulo Lins
18 Katherine Mansfield | Ivana Arruda Leite
20 Machado de Assis | José Luís Peixoto
22 Guy de Maupassant | Maria Valéria Rezende
24 Liev Tolstói | Cristovão Tezza
28 Umas e outras releituras
29 Uns e outros remakes
32 Uns e outros — Por Sergio Rodrigues
34 Roddy Doyle
CONTOS ESPELHADOS
UNS E OUTROS
A
inda que o prefixo “re-” sugira a necessidade de se limitar a determinadas referências, as releituras costumam potencializar o fazer criativo. É possível que, partindo de um mesmo campo semântico, pequenos detalhes de uma história sejam o fio condutor de outra. Com boa dose de inspiração, basta um reposicionamento de perspectivas para que o novo seja também instigante. Na coletânea Uns e outros – contos espelhados, a proposta foi reelaborar dez contos de grandes nomes da literatura mundial. Escritores que mudaram paradigmas técnicos, estilísticos e estéticos da literatura em diferentes épocas e lugares do mundo. Uma tarefa que teria sido ingrata, não fosse o time de escritores contemporâneos refletido do outro lado. Seus dez textos inéditos tomam rumos inesperados, distorcendo a narrativa antiga, alterando pontos de vista, atualizando cenários ou até criticando diretamente a obra original. Não tenha medo de enfrentar os sentimentos contraditórios aqui suscitados; em Uns e outros, seremos naturalmente conduzidos à reflexão – à qual o novo e o velho nunca devem estar imunes. Se o momento de “quebra canônica” já foi estabelecido desde a concepção deste projeto, como não ser crítico a tudo que nos atinge, como não continuar o processo analítico? Vale lembrar da importância de termos acesso às visões da história sob diferentes pontos de vista, sejam eles ficcionalizados ou não – pois a literatura, sabemos, é um relevante canal para a diversidade. A condição de múltiplos contextos, que é a base para os contos, é também o cerne e a motivação para a analogia do espelho; saber do outro é saber-se outro.
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Os Organizadores Helena Terra
Marcelo Terra Camargo
Nascida em Vacaria, no Rio Grande do Sul, Helena Terra escreve ficção desde 1998. Formada em Jornalismo, teve sua primeira experiência com a literatura quando ingressou na Oficina de Criação Literária do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil. Desde então, publicou o romance A condição indestrutível de ter sido (2013), além de contos em jornais e revistas.
Luiz Ruffato
Adriana Vichi
Nascido em Cataguases, Minas Gerais, Luiz Ruffato é um dos mais premiados autores brasileiros do cenário contemporâneo. Além de romancista, é também poeta, tradutor e colunista do jornal espanhol El País. Constam em seu currículo nove romances – entre eles, Eles eram muitos cavalos (2001), que lhe rendeu o Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional –, três livros de poesia, participações em antologias e organizações de coletâneas.
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James Joyce
Eveline
A
obra do romancista, contista e poeta irlandês James Augustine Aloysius Joyce (1882-1941) é indiscutivelmente uma das mais relevantes da literatura do século XX. Representante da vanguarda modernista, seus livros mais populares são a coletânea de contos Dublinenses (1914) e os romances Retrato do artista quando jovem (1916), Finnegans Wake (1939) e Ulisses (1922) – este considerado pela crítica especializada um dos maiores romances de língua inglesa do século passado.
cional de sua obra é habitado por personagens e situações cujas referências obteve de familiares, amigos e desafetos com quem conviveu durante a juventude na Irlanda. É o caso de Ulisses, a obra máxima de Joyce, que narra dezoito horas de um dia ordinário na vida do personagem Leopold Bloom em Dublin, e é dividida em aparentemente caóticos e desestruturados capítulos, compondo uma narrativa que evoca a Odisseia, de Homero, cujo protagonista é precisamente Ulisses, ou Odisseu.
Talentoso e com ávido interesse por literatura e arte desde a infância, Joyce nasceu em Dublin, filho de uma rica família católica, que o submeteu a uma rígida formação com padres jesuítas. Na Universidade de Dublin, estudou inglês, francês, italiano e participou de círculos literários e teatrais. Formado, partiu na companhia da esposa, Nora Barnacle, para morar em cidades como Trieste, Paris e Zurique. Embora tenha vivido a maior parte da vida adulta em terras estrangeiras, o universo fic-
Dublinenses, de 1914, é o único livro de contos de James Joyce. O autor discorre sobre pessoas comuns e o declínio econômico e moral que a sociedade dublinense vive na virada do século XX. Eveline foi o conto escolhido por Beatriz Bracher para a coletânea. Nele, a personagem-título, uma jovem que vive apenas com o pai, homem inescrupuloso, enfrenta um dilema angustiante: fugir com seu amante sob a perspectiva de uma vida melhor ou ficar onde sempre esteve, próxima de suas raízes. 6
Beatriz Bracher
A morte da mãe
“Por que é importante ler? Não sei. Acho que ler um livro é importante para você não estar aqui nem agora. Para você não ser você por um tempo. Para você ser os outros e habitar outros lugares durante o tempo em que estiver lendo.” Para Beatriz Bracher, escritora e roteirista paulista, os permanentes impactos da literatura concretizam-se no aprimoramento do olhar a partir de outros olhares.
ano sabático para escrever seu primeiro livro: Azul e dura (2002). Desde então, não parou de produzir. Seguindo um método disciplinado, publicou mais três romances e dois livros de contos. A autora afirma ter gosto especial pelos contos, que, para ela, tendem a ser mais difíceis de escrever: “Só me senti capaz de escrever contos quando senti que tinha um treino maior, quase muscular, de escrever ficção.”
Aos cinquenta e cinco anos, Bracher percorreu um longo caminho até ter a certeza – e a necessidade – de se reconhecer como escritora. Durante a infância, não se entusiasmava tanto com os livros, e foi durante um rápido intercâmbio na Alemanha, quando ficou longe de sua família e conviveu com a solidão, que encontrou conforto no livro O boi aruá (1940), de Luís Jardim. A partir do novo estímulo, passou a escrever cartas, relatos e histórias. Mais tarde, conheceria a obra de escritores como Borges e Kafka, responsáveis diretos pelo seu entusiasmo permanente no mundo literário e pelas formas de fazer pensar o mundo.
Francisco Perosa
Um dos recursos consagrados por Joyce foi utilizado por Bracher em A morte da mãe: o fluxo de consciência. Através da perspectiva de Ernest, irmão de Eveline, de referências e pastiches de outras obras do escritor irlandês, percebemos o ambiente dos personagens como um lugar triste e sem perspectivas, fadado à mesma inércia e aflição do conto original.
Entre 1988 e 1991, trabalhou como editora na revista de literatura 34 Letras e, em seguida, na Editora 34. Aos trinta e nove anos, Bracher deixou o trabalho na editora e tirou um 7
Ernest Hemingway
O fim de algo
E
m uma entrevista realizada em maio de 1954, o mundialmente prestigiado e futuro vencedor do Nobel de Literatura Ernest Hemingway sentenciou: “O dom mais importante para um bom escritor é um detector interno de baboseiras. Esse é o radar do escritor, e todos os grandes escritores tiveram um”. Uma frase apropriada para um autor reconhecido por sua narrativa de sentenças curtas e objetivas – e cuja percepção apurada influenciou amplamente uma nova geração de escritores.
diais e a Guerra Civil Espanhola, confunde-se com sua obra, fortemente influenciada por experiências reais. A influência do jornalismo é notável no seu estilo de escrita. Desde muito jovem, Hemingway teve experiências profissionais em periódicos de diversos países, o que foi levado para seus livros sob a forma de frases sintéticas e descritivamente precisas, obtendo o máximo de efeito com o mínimo de recursos. Perguntado sobre a utilidade do jornalismo para um jovem escritor, ele respondeu, ao seu estilo: “O trabalho jornalístico não prejudica o jovem escritor e pode até vir a ajudá-lo se ele cair fora a tempo”.
Nascido em 1899, Hemingway é um dos personagens mais icônicos da literatura moderna. Fez parte da geração de escritores que viveu o conturbado momento pós-guerra, conhecida como “a geração perdida”, ao lado de nomes como Gertrude Stein e Scott Fitzgerald. Autor de obras como Por quem os sinos dobram (1940) e O velho e o mar (1952), sagrou-se vencedor do Pulitzer e do Nobel de Literatura. Sua trajetória de vida, que contabiliza cenários como Cuba, territórios da África, as guerras mun-
O fim de algo (1925), conto escolhido por Luiz Antonio de Assis Brasil, conta a história do casal Nick e Marjorie, em uma cidade sucateada e que, há um tempo, não é mais a mesma. A narrativa, de pouca reflexão subjetiva e muitos diálogos e ações, surpreende pela frieza emocional do personagem central.
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Luiz Antonio de Assis Brasil O início de alguma coisa [Imitando Hemingway]
O
escritor e professor universitário Luiz Antonio de Assis Brasil é, além de um dos mais consagrados ficcionistas gaúchos, um grande incentivador da produção literária do Rio Grande do Sul. Desde 1985, ele vem ministrando, ininterruptamente, a mais antiga Oficina de Criação Literária do Brasil. Pelas aulas de Assis Brasil, passaram nomes importantes da literatura brasileira contemporânea, como Carol Bensimon, Cíntia Moscovich, Daniel Galera e Michel Laub. Intensamente dedicado ao campo cultural, foi Secretário da Cultura da cidade de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul.
quadro. Desde então, a obra de Assis Brasil já contabiliza vinte romances e prêmios como Açorianos, Jabuti e Machado de Assis. Muitos críticos consideram seus livros como romances históricos, mas ele não entende da mesma forma: “Preocupa-me, mais que tudo, a ficção. Mesmo que os plots estejam situados num tempo pretérito, isso é apenas uma opção do escritor: o passado me dá maior liberdade criadora, e as emoções e paixões me parecem mais autênticas.” O conto espelhado de Assis Brasil intitula-se O início de alguma coisa. O autor utiliza, como mote, a perspectiva de Marjorie, namorada de Nick. Assis Brasil propõe um desfecho alternativo, ou, ainda, uma continuação por outro ângulo, do conto original.
Site pessoal
Assis Brasil nasceu em 1945, em Porto Alegre, e teve uma juventude influenciada pela arte. No colégio jesuíta onde estudou, recebeu forte estímulo para os estudos clássicos, a filosofia e a língua portuguesa. Na adolescência, leu Cervantes, Chateaubriand e John Milton no original. Mais tarde, teria contato profundo com a música: foi violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre por quinze anos. Essas singulares experiências foram decisivas na definição de seu futuro como romancista. Em 1976, publicou seu primeiro romance, Um quarto de légua em
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Clarice Lispector
Os desastres de Sofia
É
estranho começar um texto a respeito de Clarice Lispector sem partir da premissa de que ela é, afinal, o maior expoente da literatura brasileira produzida por mulheres do século XX. Simone de Beauvoir dissertou sobre a figura feminina representada na literatura como um símbolo místico incompreendido. Segundo Benjamin Moser, biógrafo de Clarice, ela também é vista pelo público como um ícone enigmático. Em Uma aprendizagem, ou O livro dos prazeres (1969), Lispector recusa essa simplificação de estereótipo feminino e relaciona a indagação existencial do ser humano ao indivíduo, e não somente à mulher.
uma época em que poucas mulheres frequentavam a faculdade. Em 1943, casou-se com um diplomata e, em função da carreira do marido, residiu em vários países, como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. Sua experiência com a escrita começou aos sete anos, quando colocou no papel as histórias que inventara. Apenas em 1943, entretanto, os leitores tiveram acesso à sua obra, com a sua primeira publicação, Perto do coração selvagem. No entanto, Clarice não se considerava uma escritora profissional, pois desejava manter sua liberdade: só escrevia quando e o que queria.
Nascida em 1920, na Ucrânia, em uma família judia, foi batizada como Chaya, que significa vida em hebraico. Com menos de um ano de idade, a família Lispector fugiu das condições impostas pelo fim da Primeira Guerra Mundial e imigrou para Alagoas, onde seus nomes foram “abrasileirados” e ela se tornou Clarice. Anos depois, cursou Direito, em
No conto Os desastres de Sofia (1969), encontramos uma prosa lírica, permeada de questionamentos existenciais. O texto incomoda e provoca, pois é narrado por Sofia, uma menina de apenas nove anos que, obcecada por seu professor, sente-se frustrada por ainda não possuir a sensualidade misteriosa que acredita ser a essência do feminino.
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Eliane Brum
Simplício
N
ascida em 1966, no Rio Grande do Sul, Eliane Brum publicou seu primeiro romance Uma duas, em 2011, no qual narra uma relação violenta entre mãe e filha. Além de escritora, Eliane é uma das jornalistas brasileiras mais premiadas, tendo atuado como repórter no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, na Revista Época, de São Paulo, e como freelancer nos jornais El País e The Guardian.
sob o ponto de vista do culpado? Do mesmo modo que seus outros livros, sua releitura do conto Os desastres de Sofia procura responder à pergunta. Contudo, não se engane, Eliane Brum não foge do problema engendrado no conto original, não romantiza a relação entre Sofia e seu professor. Pelo contrário, a escritora opta, entre tantas possibilidades, por narrar a história a partir do ponto de vista do professor e imbricar textualmente os caminhos perversos por meio dos quais alguém busca justificar um comportamento revoltante, como o da pedofilia.
Lilo Clareto/Divulgação
Em consonância com sua carreira jornalística, publicou livros de reportagens, como O olho da rua – uma repórter em busca da vida real (2008). A primeira história contada na coletânea é a de um parto realizado nos confins da Amazônia. Anteriormente, em 2005, atuou, inclusive, como documentarista, motivada pelo relato da pernambucana Severina, que é impedida de realizar o aborto do seu feto anencefálico. Dessa forma, é possível perceber sua preferência pela abordagem de temas controversos e polêmicos. É evidente, no entanto, que em toda sua produção Eliane não deixa de se perguntar como narrar a violência. Como, de fato, escrever
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Machado de Assis
Teoria do medalhão
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ifícil discordar de que o mais completo escritor brasileiro é Machado de Assis, não à toa escolhido por três autores diferentes como objeto de releitura para esta coletânea. Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839, no Morro do Fluminense, Rio de Janeiro, filho de um pintor de paredes mulato e de uma lavadeira açoriana. Enfrentou uma infância difícil – vendia doces e caramelos na frente de colégios abastados – e foi um dos primeiros escritores brasileiros a não proceder da oligarquia rural ou das classes médias urbanas.
O conto Teoria do medalhão foi escrito por Machado de Assis na sua fase realista, quando já utilizava com propriedade recursos como a ironia, a crítica velada e a análise psicológica de seus personagens. Publicado pela primeira vez na Gazeta de Notícias, em 1881, foi mais tarde integrado à coletânea Papéis avulsos (1882). O conto tem foco no diálogo casual entre pai e filho, na noite em que este atinge sua maturidade, e nos conselhos dados pelo genitor para que o filho se torne um proeminente medalhão, aqui representando a ascensão social. A conversa é, na verdade, praticamente um monólogo onde o pai destila todos os seus desejos não concretizados para o jovem, que apenas ouve e consente – com alguns tímidos questionamentos. É, da mesma forma, o reflexo da sociedade que valoriza apenas a aparência, a mimetização do comportamento social alheio e a busca incessante pelo sucesso – traços típicos de uma burguesia hipócrita e intelectualmente medíocre, neste conto caricaturados explicitamente por Machado.
Advinda de uma época em que se destacavam o romantismo no Brasil e o realismo na Europa, a obra de Machado apresentou uma originalidade despreocupada com definições estilísticas e superou, aos poucos, a estética comum nesses movimentos literários. Apesar disso, acadêmicos costumam dividir sua obra em duas fases: a primeira, “romanesca” e ingênua, e a segunda, próxima do realismo, que abriga as publicações mais célebres. 12
Milton Hatoum
O
O futuro político
escritor, tradutor e professor Milton Assi Hatoum, nascido em Manaus, em 1952, é um dos mais célebres nomes da literatura brasileira contemporânea. Vencedor de prêmios Jabuti e inúmeros outros internacionais, seus livros já foram traduzidos para doze idiomas e publicados em quatorze países. Hatoum escreveu também ensaios e artigos sobre literatura brasileira e latino-americana para revistas e jornais do Brasil, da Espanha, França e Itália.
liares e o contexto socioeconômico da Amazônia e do Oriente, havendo também espaço para críticas à esfera política – em especial à Ditadura Militar dos anos 60 e 70 no Brasil. Em O futuro político, conto espelhado em Teoria do medalhão, de Machado de Assis, Hatoum transforma o diálogo entre pai e filho num debate acalorado, onde não há, como na obra machadiana, uma relação de poder explícita envolvendo os dois personagens. Desta vez, o filho recém-formado em Direito tomará partido frente à hipocrisia comum ao seu contexto social e profissional. Fernanda Preto
Formado em Arquitetura, deu início à carreira literária em 1989 com o romance Relato de um certo Oriente, vencedor do Prêmio Jabuti. Em 2000, publicou Dois irmãos, que recebeu uma premiada adaptação em quadrinhos, assim como uma minissérie televisiva. Seus outros dois romances, também de ótima recepção de público e crítica, são Cinzas do norte (2005) e Órfãos do Eldorado (2008). Em 2013, teve suas crônicas reunidas em Um solitário à espreita. A obra de Hatoum é geralmente direcionada à reconstrução de memórias e experiências pessoais, resgatando também a origem libanesa do autor. Suas narrativas costumam abordar conflitos fami13
Monteiro Lobato
Negrinha
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ontista, cronista, editor, romancista, ensaísta e tradutor, José Bento Renato Monteiro Lobato nasceu em 1882, em Taubaté. Ganhou popularidade pelo conjunto de sua obra de livros infantis, que constitui aproximadamente metade da sua produção literária. A outra metade é composta por contos, artigos, críticas, crônicas, prefácios, cartas, livros de não ficção e um romance.
mundos fantásticos e encontram seres do folclore brasileiro e da mitologia internacional. Sua influência na literatura brasileira infantil e o pioneirismo no campo editorial não escondem o mais triste fato: em cartas recentemente descobertas, Lobato provou-se um entusiasta da eugenia – ideologia de “pureza racial” semelhante à professada pelo nazismo – e chegou a declarar que a literatura poderia ser um processo indireto de disseminá-la. Em 2011, tornou-se pública uma carta de Lobato de 1928, na qual defendia a Klu Klux Klan e seus ideais.
Fora do âmbito literário, trabalhou como promotor, foi fazendeiro, envolveu-se com política e fundou empresas de produção de aço e perfuração de petróleo – o autor enxergava com entusiasmo os ideais nacionalistas da época e acreditava que o “tripé” ferro, petróleo e a construção de estradas era o caminho para o progresso do Brasil.
Negrinha, conto de 1920, presente no livro homônimo, retrata uma época marcada pelo autoritarismo e pelo preconceito racial. Um narrador em terceira pessoa conta a história de uma menina de sete anos de idade, filha de uma escrava, em um contexto de pós-abolição da escravatura, mas onde existem resquícios dessa transição: Negrinha, a personagem-título, sofre todos os tipos de maus-tratos na fazenda onde vive, propriedade de uma velha e sádica senhora branca.
A criação mais proeminente de Lobato é a coleção Sítio do pica-pau amarelo, série de vinte e três volumes voltados para o público infantil, em que personagens como Tia Nastácia, Pedrinho, Narizinho, Emília e Visconde de Sabugosa convivem em um sítio, adentram 14
Ana Maria Gonçalves Negrinha! Negrinha! Negrinha!
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ascida em Ibiá, Minas Gerais, em 1970, a escritora, roteirista e dramaturga Ana Maria Gonçalves é um importante nome da literatura brasileira contemporânea e uma das vozes mais atuantes do Brasil em assuntos raciais e culturais. Sua obra de maior proeminência é o romance Um defeito de cor (2006), vencedor do Casa de las Americas, prêmio latino-americano de literatura, na categoria “melhor romance brasileiro”.
ciava as pesquisas para Um defeito de cor, romance de quase mil páginas que narra a saga da população africana e afrodescendente no Brasil. Temas como miscigenação, trabalho escravo, resistência cultural, maternidade, abolicionismo e feminismo integram o impressionante romance de Gonçalves, que considera a obra e os cinco anos de pesquisa mais relevantes para sua busca identitária do que os trinta e cinco vividos até então.
“Como quase todo mundo com alguma queda para a escrita, na adolescência escrevi alguns contos e poemas, mas nada do que me orgulhasse, e por isso ninguém nunca soube”, revela a autora em seu blog, 100 meias confissões de Aninha. O hábito da escrita foi abandonado aos poucos, quando ela começou a estudar publicidade e envolveu-se profundamente com a profissão durante treze anos.
Notória crítica de Lobato, Ana Maria Gonçalves escolheu fazer uma releitura do conto Negrinha como uma forma de ampliar seu posicionamento. Em Negrinha! Negrinha! Negrinha!, os pais adotivos de uma menina negra são confrontados com uma situação de violência e preconceito na escola da filha, sentindo-se angustiados por não saberem que atitude tomar.
Valter Campanato Agência Brasil
No momento em que não se sentiu mais estimulada pelo mundo publicitário, Gonçalves encontrou novas perspectivas profissionais na internet, voltou a ler por prazer e começou a escrever. Isolou-se na ilha de Itaparica, na Bahia, onde escreveu seu primeiro romance, Ao lado e à margem do que sentes por mim (2002). Ao mesmo tempo, ini15
Machado de Assis
Pai contra mãe
M
O conto é dividido em duas temporalidades distintas. Em um primeiro momento, de tom informativo, o narrador descreve os instrumentos de tortura destinados aos escravos e o ofício de capturá-los. No segundo, há o enfoque na narrativa propriamente dita, apresentando a história de Cândido Neves, homem que, em função de dificuldades financeiras e por não se adaptar a nenhum trabalho, decide tornar-se um caçador de escravos.
achado foi poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, crítico literário e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, além de seu primeiro presidente. Testemunhou a transição do Império para a República e aos poucos transformou-se de apenas mais um jovem indignado com a política obsoleta do país para um homem que encontrou outro meio para suas indagações, servindo-se de observações sobre a mesquinhez e o egoísmo como combustível para tecer sua reflexão cotidiana.
A crítica à mesquinhez humana, tão presente na obra de Machado de Assis, volta-se neste conto para as relações de poder perpetuadas durante o período escravocrata. Atento aos dilemas tanto de sua época quanto aos atemporais, Machado mais uma vez provoca no leitor o incômodo diante das decisões morais tomadas pelos personagens.
Pai contra mãe, um dos contos escolhidos pelo autor para compor a antologia Relíquias da casa velha (1906), exprime o lado mais crítico e denunciativo do autor. Escrito cerca de dez anos após o fim da escravidão no Brasil, é um dos poucos de seus contos que tratam explicitamente do tema. 16
Paulo Lins
O
Pipa Sande
carioca Paulo Lins é romancista, roteirista e poeta. Nascido em 1958, morou durante a infância na favela Cidade de Deus e estabeleceu, desde jovem, um contato íntimo com a música – em especial o samba. Nos anos 80, quando cursava Letras na UFRJ, começou a escrever poesia, fazendo parte do grupo Cooperativa de Poetas. Em 1986, lançou seu primeiro livro de poemas, Sobre o sol, influenciado pela poesia concreta.
divulgar que Ismael Silva, um dos precursores do samba, era homossexual. “O Brasil é um país homofóbico, que não aceita os homossexuais. Essa informação não era importante para a história do samba, mas fiz questão de colocar em prol da liberdade sexual, para que as pessoas não sejam assassinadas pela sua sexualidade. Mostrar que o pai do samba era homossexual foi uma atitude política.” Para elaborar a narrativa de Pipa Sande, Paulo Lins escolheu o conto Pai contra mãe, de Machado de Assis, como ponto de partida. O elo entre os contos são a escravidão e o tratamento desumano dirigido aos escravos, tratados como mercadoria; no meio dessas violentas relações de poder, há também a vingança e os relacionamentos familiares conflituosos.
ActuaLitté
Ainda durante a graduação, Lins participou do projeto de pesquisa da antropóloga Alba Zaluar, cujo doutorado tem como foco a criminalidade na Cidade de Deus. Estimulado pela pesquisadora e pelo renomado crítico literário Roberto Schwarz, começou a escrever o romance Cidade de Deus, publicado em 1997. Seu livro recebeu uma adaptação cinematográfica em 2002, sob a direção de Kátia Lund e Fernando Meirelles, que ganhou o mundo e contribuiu para a popularidade da obra original. Lins passou a escrever roteiros para cinema e televisão e só voltou a publicar um livro em 2012, com Desde que o samba é samba, que traça um panorama da formação cultural brasileira através do samba e da umbanda. A obra foi alvo de críticas por 17
Katherine Mansfield
Marriage à la mode
E
m 1922, James Joyce publicava Ulisses e, em 1925, era a vez de Virginia Woolf lançar Mrs. Dalloway. Os dois livros mudaram o paradigma do que se considerava o romance, rompendo com a tradição realista. Chamado de Modernismo, o período desconstruiu as premissas do gênero, estabelecendo outro marcado por experimentações narrativas, principalmente no que se refere à fragmentação temporal e ao modo pelo qual o sujeito se expressa, tendo na obra de Virginia Woolf um aspecto fundamental: o fluxo de consciência.
ções poéticas, assim como o Brasil e a polêmica Semana de 1922. Entre 1911 e 1922, Katherine Mansfield publicou diversas novelas e contos. Em A festa e outros contos (1922), encontramos temas existenciais e suas particularidades partindo da trivialidade, da epifania e dos pequenos momentos que emanam da vida dos personagens. De maneira geral, sua obra aborda as ambivalências e vulnerabilidades do sujeito e do casamento, bem como as consequências sociais da Primeira Guerra Mundial e o surgimento da classe média.
Em 1923, quando soube da morte de Katherine Mansfield, Woolf declarou: “Eu tinha inveja de sua escrita – a única que eu já invejei”. Mansfield, nascida em 1888, na Nova Zelândia, foi uma das principais escritoras a introduzir o Modernismo na literatura ocidental, acompanhando outros países que também sofreram a efervescência das vanguardas – Portugal com Fernando Pessoa e seus heterônimos, França a partir de Mellarmé e suas experimenta-
Um dos contos do livro é Marriage à la mode, escolhido por Ivana Arruda Leite. A história, irônica desde o título por sugerir um ideal de matrimônio, revela-se cruel quando lemos as angústias de William e sua esposa, Isabel. Ao longo da narrativa, percebe-se a discordância entre o casal e a obsessão da mulher pelo recente dinamismo da sociedade da época, simbolizado pelas impressões de William, feitas durante o caminho do trem.
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Ivana Arruda Leite
A rainha das fadas
“Para falar a verdade, eu detesto escrever. O meu barato é reescrever, mexer no que já está escrito.” Assim Ivana Arruda Leite, nascida em 1951, em Araçatuba, São Paulo, define seu processo criativo. Mestra em Sociologia pela Universidade de São Paulo, a autora já publicou contos, romances e literatura infantojuvenil, tendo como marca a sua preferência por assuntos muitas vezes evitados pelos escritores: racismo, violência e desigualdade de gênero.
Baseando-se no conto de Katherine Mansfield, Ivana reposiciona o assento do leitor durante o desenrolar das cenas que compõem o texto. Na releitura, acompanhamos a mesma história, mas desta vez narrada por uma personagem antes secundária – somos lembrados dos tristes padrões sociais esperados da figura da mulher.
Edson Kumasaka
Entre seus livros, destaca-se o primeiro romance, Hotel novo mundo (2009), finalista do prêmio Jabuti. Antes, Ivana havia publicado três coletâneas de contos: Histórias da mulher do fim do século (1997), Falo de mulher (2002) e Ao homem que não me quis (2005). Neste último, partindo de personagens mulheres emancipadas e independentes, a autora não nega que a dominação masculina ainda está presente na atualidade, contudo dá voz ao ponto de vista da mulher vencida, mas ainda assim realista e madura.
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Machado de Assis
Um homem célebre
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va em primeira pessoa e da inverossimilhança. Traços desses recursos podem ser percebidos em seus romances subsequentes: Quincas Borba (1892), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908).
m dos motivos pelos quais a obra de Machado de Assis é considerada insuperável no contexto da literatura brasileira é o fato de constituir um objeto de estudo divisível em variadas camadas. Pode-se refletir sobre seus escritos pelos vieses dos retratos histórico e social, como também pela notável complexidade psicológica de seus personagens, ou, ainda, analisar os aprofundamentos filosóficos do autor e suas referências à literatura universal. Aliam-se a essas camadas recursos como a ironia e a ambiguidade, tornando o estudo da obra machadiana até hoje inesgotável.
Em Um homem célebre, conto publicado no periódico A estação, em 1883, e posteriormente, no livro Várias histórias (1896), é retratada a incompatibilidade entre os ideais e a realidade, constituindo uma parábola da existência humana. Pestana, protagonista do conto, célebre compositor de polcas populares, quer atingir a mesma genialidade erudita de seus ídolos da música clássica – Beethoven, Mozart, Chopin –, mas enfrenta o dilema de ter uma disposição interior que o leva a sempre compor na direção oposta.
O marco de sua maturidade literária é o romance Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), no qual Machado apostou em técnicas como o uso da narrati20
José Luís Peixoto
Um homem célebre J
osé Luís Peixoto, o único europeu presente nesta coletânea, é um dos escritores de maior destaque da literatura portuguesa contemporânea, com livros traduzidos para mais de vinte idiomas. É autor de romances, contos, poemas, peças de teatro e livros de viagem.
riografia, análise das relações familiares e alegorias. Peixoto optou por manter o mesmo título em sua releitura do conto Um homem célebre. Na versão atualizada – escrita em português de Portugal –, o autor brinca com as vozes narrativas, tornando incerta a natureza do narrador e de onde partem as descrições sobre o personagem central, enquanto mantém a reflexão sobre as conflituosas relações entre a produção popular e a erudita. Com uma ironia por vezes autodepreciativa, o escritor português aborda a arrogância dos escritores que se acreditam sublimes, acima de qualquer questionamento, mas não deixa ninguém escapar de suas críticas – nem mesmo o seu leitor. Patrícia Pinto
Nasceu em 1974, na aldeia de Galveias, e viveu em sua cidade natal até os dezoito anos, quando foi estudar na Universidade Nova de Lisboa. Após terminar a sua licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, especializando-se em estudos ingleses e alemães, foi professor em diversas escolas portuguesas e na Cidade da Praia, em Cabo Verde. Em 2001, quando conquistou o Prêmio Literário José Saramago pela obra Nenhum olhar (2000), tornando-se o mais jovem vencedor, passou a se dedicar profissionalmente à escrita. Em 2016, recebeu, no Brasil, o Prêmio Oceanos, com Galveias. A obra de José Luís Peixoto apresenta coesão formal e temática; seus livros tratam das relações pessoais e familiares com uma forte carga autobiográfica. Além disso, não é difícil encontrar temas em comum, como a ruralidade, histo21
Guy de Maupassant
O colar
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enri René Albert Guy de Maupassant é um dos mais influentes contistas de todos os tempos. Sua obra é composta por, pelo menos, trezentos contos, duzentos artigos, seis romances, duas peças de teatro e três livros de viagem, escritos em um período de pouco mais de uma década.
anos do século XIX. O sucesso foi acompanhado por inúmeros casos amorosos e, tragicamente, a contração de sífilis, que começou a se manifestar a partir de 1884. Ao longo dos anos, Maupassant foi apresentando sintomas de paranoia e alucinações e, em janeiro de 1892, tentou cometer suicídio. Veio a falecer no ano seguinte, internado e em estado de semidemência, com apenas quarenta e três anos de idade.
Nascido em 1850, na França, teve uma juventude confortável no campo. Na década de 1870, foi morar em Paris, onde estreitou relações com grandes escritores da época: o russo Turgueniev e os franceses Zola e Flaubert. Este, inclusive, foi um dos grandes incentivadores do jovem Guy, aconselhando-o a esperar para publicar apenas quando estivesse suficientemente maduro. Flaubert viveu o bastante para ler a versão final de Bola de sebo (1880), conto de estreia de Maupassant, e considerá-lo uma obra-prima.
Notável por sua variedade temática, abordando temas de aparente superficialidade com complexidade psicológica e críticas sociais, a obra de Maupassant atingiu um de seus ápices com a publicação de O colar, conto escolhido para esta coletânea. Nele, uma humilde e infeliz jovem, que deseja intensamente ter uma vida de luxos, recebe do marido um convite para uma festa onde estarão presentes membros de classes mais abastadas. Sem roupas ou joias adequadas para a situação, a jovem tomará atitudes que serão o foco da narrativa, uma ácida crítica aos valores burgueses e à supervalorização das aparências.
A fama e a riqueza foram crescendo vertiginosamente a partir de seu primeiro conto, a ponto de se cogitar que tenha sido o escritor mais lido do mundo nos últimos 22
Maria Valéria Rezende
Um simples engano
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escritora e educadora paulista radicada na Paraíba Maria Valéria Rezende, de setenta e cinco anos, vencedora de prêmios importantes como o Jabuti e o Casa de las Americas, é um caso de trajetória singular na literatura brasileira. Desde 1965, é freira e vive em João Pessoa, em uma comunidade de irmãs idosas. Sua carreira literária teve início aos cinquenta e nove anos de idade, com a compilação de contos Vasto mundo (2001).
Um simples engano, conto-espelho de O colar, de Maupassant, traz reflexões e críticas semelhantes às do conto original, mas com uma roupagem atualizada e abrasileirada. Matilde, personagem central da narrativa, tem origem humilde, mas aprende desde jovem a rejeitá-la, estimulada pela própria aparência, que julga destoante de seu círculo social. Ronaldo, o marido, de condições econômicas também precárias, mas com um promissor futuro profissional, está apaixonado e disposto a fazer de tudo para atender aos desejos da esposa, até que surge o convite para uma luxuosa festa dos funcionários de sua empresa.
Divulgação
Na contramão do mercado editorial brasileiro, Rezende prefere escrever sobre personagens às margens, pessoas de zonas menos abastadas e que não tiveram alfabetização. Uma opção que dialoga com suas ideologias e suas experiências nos anos 70, quando peregrinou pelo sertão brasileiro para ensinar as pessoas a ler e a escrever, além de compartilhar ensinamentos religiosos. Sua obra – que entre contos e romances também inclui poemas e literatura infantojuvenil – utiliza-se de referências da cultura erudita e da popular, tem o semiárido nordestino como cenário frequente e vivências pessoais como mote para as narrativas, embora ela rejeite rótulos como os de regionalista e autoficcionista. 23
Liev Tolstói
Depois do baile
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iev Nikolaévitch Tolstói nasceu em 1828, em Yasnaya Polyana, filho de uma importante família czariana (descendente do imperador). Depois de ter estudado na Universidade de Kazan, herdou vastas propriedades rurais e decidiu dar um “sentido à sua vida”, iniciando a carreira militar. No entanto, tendo obtido sucesso com a publicação de seus primeiros livros, aos vinte e oito anos demitiu-se do seu posto de oficial e viajou pela Europa, onde o egoísmo e o materialismo da burguesia local chocaram-no, como retratou no romance Lucerne (1857).
de Guerra e Paz (1878). Apoiandose em um amplo fundo histórico para a narrativa, Tolstói retratou a crônica familiar dos Bolkinsky e dos Rostov, destacando as sutilezas que cercam as noções de moral e filosofia, questionamentos que são universais e, ao mesmo tempo, tipicamente russos. Dessa forma, o autor prestou uma homenagem contundente a um debate constantemente travado pelas sociedades da época: guerra ou paz. Inspirado em fatos reais vividos pelo seu irmão Sergei, Tolstói publicou o conto Depois do baile, ainda almejando retratar criticamente a sociedade russa. Assim como a temática expressa no conto, o escritor era conhecido por suas depreciações públicas ao regime czarista russo, tendo sido até censurado e quase banido pelo governo. A habilidade de Tolstói como contista reside no fato de manter permanentemente a unidade narrativa na tensão, fazendo com que a experiência de leitura seja mediada pela ansiedade da descoberta.
Inicialmente influenciado pelo naturalismo francês em sua escrita, Tolstói distanciou-se dessa corrente literária na sua maturidade e optou por um otimismo em seus textos, dispondo aos personagens a possível elevação que, segundo ele, cada homem era capaz de realizar. A partir dessa nova observação do mundo, lançou-se durante cinco anos numa pesquisa profunda, que resultou na publicação 24
Cristovão Tezza
O herói da sombra S
egundo o escritor Cristovão Tezza, seu caminho em direção à literatura começou cedo: “sinto que desde os doze ou treze anos sempre soube exatamente o que quis na vida: escrever. Para isso, fui sobrevivendo como deu e tirando leite de pedra”. Essa convicção acompanhou Cristovão Tezza durante sua experiência com o teatro popular, bem como no ano em que passou como mochileiro na Europa, até que encontrasse a coragem para publicar seu primeiro livro, A cidade inventada (1979), aos trinta e cinco anos.
buscando fidelidade à verdade e, no entanto, o descrito é outra coisa que não a verdade”, sabemos que a literatura se situa nesse limiar entre a verdade e a ficção. Quanto ao estilo narrativo de Cristóvão Tezza, o teórico russo Mikhail Bakhtin, seu objeto de pesquisa durante mestrado e doutorado, é latente como influência na releitura de Tolstói. Em seu texto, Tezza trabalha a polifonia – conceito bakhtniano –, ou seja, multiplica as vozes do conto, potencializando pontos de vistas e, consequentemente, reivindicando emancipação através da linguagem. Na releitura, os protagonistas e as situações vividas por eles no conto russo são trazidos para a atualidade. A história é narrada por uma mulher e se desenrola na oficina Automóveis Marianno.
Guilherme Pupo
Desde então, sua extensa obra abrange contos, ensaios, crônicas, romances, entre eles, O filho eterno (2007), que recebeu o Prêmio Jabuti de melhor romance. O livro, considerado pelo jornal O Globo como uma das dez melhores obras de ficção dessa década, foi traduzido para francês, inglês, espanhol, polonês e italiano, além de ter sido adaptado para o teatro e para o cinema. O romance expõe, através de um foco narrativo próximo ao pai, os obstáculos de se criar um filho com síndrome de Down. Assim como é sugerido na citação de Thomas Bernhard, no prólogo de O filho eterno, “Descrevemos algo 25
ECOS da leitura
UMAS E OUTRAS ras releitu Releituras são produções literárias nem sempre simpáticas às obras originais. Elas podem ser narrativas contrastantes, questionadoras, podem também inverter significados ou mesmo criticar ideologicamente o que foi representado. De forma semelhante a Uns e outros, a coletânea Um homem célebre: Machado recriado reúne dez escritores brasileiros para reelaborar uma peça e nove contos de Machado de Assis. A obra foi publicada em 2008, ano do centenário da morte do escritor. Alberto Martins, Alberto Mussa, Bruno Zeni, Carola Saavedra, Cristovão Tezza, Felipe Hirsch, Lourenço Mutarelli, Mariana Verissimo, Moacyr Scliar e Sérgio Augusto de Andrade tiveram a mesma liberdade que na coletânea deste mês para repensar os originais machadianos. Uma boa sugestão para aqueles que tiverem interesse em se aventurar por outras releituras da obra do Bruxo do Cosme Velho.
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UNS E OUTROS emakes r
Do mesmo modo que no mundo literário, o cinema é um espaço suscetível a releituras. Anualmente, são lançados diversos longas-metragens que adaptam outras obras, sejam elas livros, seriados, desenhos animados ou mesmo outros filmes. Aqui estão alguns dos mais renomados, capazes de igualar e até superar a qualidade dos originais.
SCARFACE
1983 A clássica adaptação do diretor Brian de Palma situa-se na Miami dos anos oitenta – repleta de carros e camisas floridas –, onde vemos a ascensão do imigrante cubano Tony Montana (Al Pacino) como um traficante de drogas.
1932 Na versão de 1932, baseada no livro homônimo e dirigida por Howard Hawks e Richard Rosson, Tony Camonte é um imigrante italiano envolvido com o tráfico ilegal de álcool em Chicago.
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OS INFILTRADOS the departed
2006 Lançado em 2006 e dirigido por Martin Scorsese, Os infiltrados recebeu cinco indicações ao Oscar e venceu quatro delas. O enredo, como no longa original, centra-se na história de um criminoso e um policial infiltrados um na equipe do outro.
2002 Conflitos internos (Mou Gaan Dou) é um filme lançado em 2002, dirigido por Wai Keung Lau e Siu Fai Mak, e possui sutis críticas à força policial chinesa.
BRAVURA INDÔMITA true grit
1969 Henry Hathaway dirigiu o primeiro filme, uma adaptação do romance homônimo de 1968 escrito por Charles Portis. O ator John Wayne recebeu seu único Oscar por este western.
2010 Mais fiel ao livro de Portis, o remake dos irmãos Coen recebeu dez indicações ao Oscar, incluindo a de Melhor Ator para Jeff Bridges.
ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUÍS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ UNSBEATRIZ E OUTROS LUIS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA por Sérgio Rodrigues REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITEO JOSÉ LUIS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUIS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUIS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUIS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUÍS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUIS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUIS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUIS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON HATOUM ANA MARIA GONÇALVES BEATRIZ BRACHER ELIANE BRUM IVANA ARRUDA LEITE JOSÉ LUÍS PEIXOTO PAULO LINS CRISTOVÃO TEZZA LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL MARIA VALÉRIA REZENDE MILTON s exercícios literários de variação sobre temas alheios e outras modalidades de diálogo com obras consagradas que dão forma ao primeiro produto editorial original da TAG ressaltam, antes de mais nada, o que existe de jogo nessa brincadeira séria de fazer arte com palavras.
de escritores brasileiros, reforçado por um português, extrai, sob a curadoria de Luiz Ruffato, das histórias consagradas de um punhado de contistas referenciais. Todas as narrativas curtas escolhidas para servirem de baliza, provocação ou inspiração às novas criações podem ser consideradas obras-primas – e não é exagero dizer que já valeriam o livro. Mas é na variedade de abordagens que elas ganham nas mãos dos escritores contemporâneos que reside o atrativo maior da brincadeira – aquilo que faz o livro parecer um caleidoscópio.
É curioso observar o lugar ambivalente, entre passadismo e futurismo, que ocupa hoje a ideia de “empréstimo” literário. Por um lado, acena para uma ancestralidade oral e coletiva das letras – antes que elas tivessem esse nome e antes ainda de nascer o conceito de autoria, quando recontar um conto e aumentar um ponto era a lei. Por outro lado, aponta para um futuro em que a malha tridimensional da comunicação em rede promete, no mínimo, reformar o aparato legal de propriedade intelectual que trouxe a literatura até aqui. Mas essa é outra história.
Cristovão Tezza traz Tolstói não apenas para a Curitiba de hoje, mas para seu próprio universo ficcional. Seu conto segue as linhas gerais do original, mas dá um jeito de ter como protagonista a tradutora Beatriz, seu personagem de outras ficções. De simplicidade enganadora, a pungente história da neozelandesa Katherine Mansfield, uma das renovadoras do conto no
No caso, o que interessa são as “outras histórias” que um time
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MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE NASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES ÉJOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST AHEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES OJOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR OKATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT AMONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE OASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES NJOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST ÉHEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR AKATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST OHEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT OMONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE AASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST HEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES OJOYCE CLARICE LISPECTOR KATHERINE MANSFIELD MACHADO DE ASSIS LIEV TOLSTÓI ERNEST NHEMINGWAY GUY DE MAUPASSANT MONTEIRO LOBATO JAMES JOYCE CLARICE LISPECTOR século XX, não muda de ambiente ou de personagens nas mãos de Ivana Arruda Leite, que prefere acrescentar novas peças ao tabuleiro, reordenando o jogo aos olhos do leitor. O português José Luiz Peixoto constrói um engenhoso jogo de espelhos em que o famoso Pestana de Machado de Assis, compositor que sofre com o sucesso popular de suas polcas enquanto tenta em vão compor obras eruditas, se reflete invertido no personagem de um escritor que é e não é o próprio autor.
urbano contemporâneo, com sua atmosfera de violência.
Ana Maria Gonçalves, que já acusou Monteiro Lobato de racista no registro da não ficção, volta ficcionalmente ao tema, que assim se mostra mais rico e nuançado. Beatriz Bracher faz uma colagem de trechos de James Joyce para responder ao conto do escritor irlandês. Eliane Brum transforma simplesmente em sujeito o personagem que, na perturbadora história de Clarice Lispector, é objeto. Luiz Antonio de Assis Brazil fecha a tampa do livro tentando içar e expor aos olhos do leitor um pedacinho submerso do proverbial iceberg de Hemingway.
O mesmo Machado aparece outras duas vezes (repetição talvez justificada pelo tamanho monstruoso que o maior escritor brasileiro tem como contista), estabelecendo com Milton Hatoum um diálogo dolorosamente contemporâneo sobre política e batendo com Paulo Lins um papo meio cifrado acerca de nossa herança escravocrata.
Na soma das partes, temos uma vigorosa demonstração da ideia que o argentino Jorge Luis Borges transformou em pedra de toque da criação: a literatura se alimenta de literatura; a psicologia ou a alma do autor são no máximo o aparelho digestivo. Levando-a ao limite, podemos concluir que é sempre com outros livros que os livros conversam, não com pessoas. As pessoas apenas apuram os ouvidos para tentar captar o burburinho.
Maria Valéria Resende segue à risca a trama do cruel conto humorístico de Guy de Maupassant, mestre da narrativa curta tradicional e célebre por seus finais surpreendentes, atualizando a história para o Brasil
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A indicação de
O premiado escritor irlandês Roddy Doyle, autor contemporâneo preferido de J. K. Rowling, brindou-nos com a indicação de um dos romances mais marcantes de sua vida, lido por ele logo que foi lançado, na década de 70. O cenário é a Nova York do início do século XX, epicentro de grandes transições políticas, econômicas e sociais; uma época em que alguns se adaptam e prosperam com as novas ideologias, enquanto a parcela negligenciada rebela-se pela exclusão do “american dream”. Figuras históricas populares e personagens concebidos como arquétipos da sociedade americana encontram-se em uma narrativa envolvente, cuidadosamente construída para que seu ritmo assemelhe-se ao de um gênero musical célebre pelo estilo sincopado e estimulante. Uma obra que rapidamente popularizou-se nos Estados Unidos e consolidou seu autor como um dos gigantes da literatura norte-americana.
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“Eu estava lendo muitos romances na época do seu lançamento, mas esse era diferente. A simplicidade da linguagem de autor, sua habilidade para escrever sobre grandes problemas morais e políticos de uma forma que lhes permite fazer parte da história e das vidas dos personagens, isso me impactou muito quando comecei a escrever.” - Roddy Doyle
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“Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro.” – Machado de Assis