novembro | 2018
Nada
carmen laforet
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Ao Leitor Após quase um ano das mais variadas experiências ao redor do globo, a histórica força das letras catalãs nos carrega de volta às ruas de Barcelona. Quem indica o livro de novembro é Alice Sant’Anna, um dos expoentes da poesia brasileira contemporânea. Com apenas 30 anos, Alice possui um currículo literário de peso – são cinco obras lançadas –, além de ser colaboradora da revista Serrote, publicada pelo Instituto Moreira Salles, e do jornal O Globo. Nada, a obra que Sant’Anna indicou à TAG, conduz o leitor por meio da perspectiva de uma jovem na Espanha ainda fragilizada pela Guerra Civil. O romance de estreia da catalã Carmen Laforet foi lançado em 1944, quando a autora tinha apenas 23 anos, e surpreendeu pela maturidade da escrita. Laforet foi alçada ao panteão dos grandes escritores do século 20, tendo sido levada, como tantos outros gigantes da literatura, a um declínio psicológico irreversível que acabou por afastá-la do mundo das letras. Em Nada, recém-chegada a Barcelona e repleta de altas expectativas e sonhos, a narradora e protagonista Andrea tem seu entusiasmo abalado por uma família em decadência psicológica e financeira – realidade que repercute fora do ambiente familiar e a faz experimentar um permanente sentimento de inadequação. O mimo do mês foi pensado para ser, de certa forma, uma extensão do romance de Laforet: uma coletânea poética de autoras contemporâneas que envolvem temas presentes no livro – adaptação, viagem, decadência, solidão, inadequação. Além dos textos, o livro é composto por ilustrações exclusivas que buscam um contato com os poemas, formando, assim, um diálogo pluritemático entre artistas de diversas regiões do Brasil. Boa leitura!
Equipe Tag
A N U
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A indicação do mês
A curadora Alice Sant’Anna
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Ecos da Leitura
Nada + 49 =
As cinquenta maiores obras em língua espanhola do século 20, segundo o El País
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Leia depois de ler Um romance estranhamente encantador Alice Sant'Anna
r! Spoile
Sumário A INDICAÇÃO DO MÊS
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Entrevista com Alice Sant’Anna O livro indicado Nada
ECOS DA LEITURA
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De: Juan Ramón Jiménez Para: Carmen Laforet Tremendismo
ESPAÇO DO ASSOCIADO
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Para além da literatura
A PRÓXIMA INDICAÇÃO
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O curador de dezembro Juan Pablo Villalobos
Alexandre Sant'Anna
A
A curadora Alice Sant’Anna
A já batida imagem do poeta esfíngico, recluso, visceral e [adicione aqui seu adjetivo pretensioso preferido] não parece condizer com uma das escritoras emergentes mais comentadas do cenário literário brasileiro contemporâneo. “Minha vida é bem normal. Eu sou completamente pragmática. Não tenho paciência para uma coisa muito abstrata e subjetiva. Sou quase uma planilha do Excel”, brinca Alice Sant’Anna, poeta e editora de 30 anos, dez deles envolvidos em publicações cada vez mais prestigiadas. Desde que começou a escrever, Alice sabia que não deveria projetar nada para muito além do prazer solitário que acompanha a elaboração de um verso. “Poeta não tem carreira. Ninguém vai ficar rico com isso, fazer uma profissão. Quem gosta de poesia deve fazer isso porque gosta e ponto.” Segundo ela, poetas brasileiros de gerações anteriores até conseguiram ganhar dinheiro com poesia, mas não necessariamente escrevendo, e sim executando outras funções e produzindo eventos ligados a ela. De maneira semelhante, Sant’Anna encontrou seu jeito de buscar inspiração e pagar as próprias contas: além de já ter colaborado com os periódicos Serrote e O Globo, é editora de poesia da Companhia das Letras, onde foi responsável pela organização de um livro que reuniu a obra poética de Hilda Hilst.
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Alexandre Sant'Anna
A INDICAÇÃO DO MÊS
Atraída pela produção textual desde jovem, a escritora encontrou na poesia uma forma de lidar com a solidão. Aos 16 anos, fez um intercâmbio em uma pequena cidade da Nova Zelândia, onde sentiu a necessidade de esboçar os primeiros versos para suportar a angústia do isolamento. Não fosse por essa função em seu cotidiano, Sant’Anna acredita que nunca teria enveredado pelos caminhos da poesia. A identificação foi tão intensa e imediata que, por volta desse mesmo período, ela começou a escrever em um blog – costumeiro ponto de partida de muitos escritores da geração atual – que lhe permitiu conhecer outros poetas e pessoas com interesses comuns. Os quatro primeiros anos de blog serviram como um caminho de experimentação e amadurecimento,
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até que, em 2008, ela publicou Dobradura, coletânea de seus poemas preferidos até então. Mesmo muito jovem, recebeu estímulo dos amigos e pôde, enfim, partir para uma nova fase como poeta. Uma nova fase que permitiria explorar, também, outros métodos de escrita, já que praticamente toda a sua produção fora elaborada em cadernos durante viagens de ônibus.
“tempestade por dentro o corpo espalhado sob o sol nem parece que tem sombra a pele quente lá pelas tantas anuncia meio-dia.” – poema de 2006, presente no blog adobradura.blogspot.com
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Seu segundo livro foi Pingue-pongue (2012), publicação independente de pequena tiragem, com coautoria do poeta Armando Freitas Filho. A obra foi criada após este desafiar Sant’Anna, que sofria um bloqueio criativo à época, a elaborar com ele uma poética correspondência de e-mails. Um ano depois, Alice reuniu seus poemas de Pingue-Pongue, escreveu outros inéditos e, então, publicou Rabo de baleia (2013). No ano seguinte, lançou o livro Ilha da decepção com seu pai, Alexandre Sant’Anna: um compilado de fotos, contendo um poema sobre uma ilha do Polo Sul. Sua publicação mais recente chama-se Pé do ouvido (2016) e consolida uma transição do estilo da poeta: dividido em duas partes de um longo poema sem nome, a obra contrasta com a sua produção inicial, marcada pela brevidade. Mantém-se, no entanto, o gosto pela economia na pontuação, sugerindo um ritmo mais solto, que vagueia entre a poesia e a prosa.
Para entender melhor o universo da obra de Alice Sant’Anna, é interessante conhecer quem a inspirou e ainda a inspira. Seria impossível não mencionar Ana Cristina César, um dos principais nomes da poesia brasileira da década de 1970, figura arrebatadora e decisiva da adolescência de Sant’Anna. Já dos poetas contemporâneos, Alice citou, em entrevistas, os nomes de Paulo Henriques Brito, Eucanaã Ferraz, Chacal e Freitas Filho. Das poetas mulheres, ela lê Ana Martins Marques, Angélica Freitas, Marilia Garcia, Bruna Beber... a lista é extensa, mas o mimo do kit deste mês oferece boas pistas. Além de curadora em novembro, Alice também é a organizadora da coletânea inédita realizada especialmente para os nossos associados: intitulada Rua Aribau (uma homenagem ao lar de Andrea, a protagonista de Nada), a obra é composta por quinze poemas e quinze ilustrações exclusivas de autoras e artistas brasileiras contemporâneas, representando múltiplas expressões de mulheres em deslocamento, de casas-mundo, de rupturas.
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Alexandre Sant'Anna
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A
Entrevista Alice Sant'Anna
TAG – Nada foi publicado quando Carmen tinha apenas 23 anos. Na sociedade espanhola da época, as mulheres tinham pouco espaço para exprimirem suas opiniões e, em função disso, a autora é considerada precursora da produção literária do país dos anos 1940. Pensando no contexto brasileiro contemporâneo, quais são os principais desafios de ser uma jovem escritora? Alice Sant'Anna – Felizmente a situação mudou bastante de 1940 para cá. Hoje, para uma mulher, é bem mais simples encontrar espaço para publicar do que na época em que Carmen Laforet, muito precocemente, lançou seu primeiro
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livro. Se olharmos especificamente para a poesia contemporânea brasileira, há muitas jovens mulheres escrevendo e publicando, e isso é motivo para comemorar. No entanto, há outros pontos que merecem atenção. Com frequência, a crítica espera determinadas posturas e temas abordados por escritoras mulheres, como se as mulheres só pudessem falar sobre um leque de assuntos bem limitado. É como se o homem, nessa chave, tivesse uma experiência universal e ficasse livre para escrever sobre o que bem entendesse, uma vez que todos os leitores poderiam compreender e se envolver. Já um livro escrito por uma mulher seria algo mais específico, restrito, de nicho. Ninguém
A INDICAÇÃO DO MÊS
fala sobre “literatura de homem”, mas “literatura de mulher” é um tema que até hoje é discutido. Nesse ponto, ainda temos um longo caminho pela frente. Anos após a primeira publicação de Nada, alguns críticos literários o classificaram como o “emblema do mal-estar da geração do silêncio”. Seu último livro, Pé do ouvido, traz no título a ideia de uma palavra sussurrada, quase dita. De que forma você acredita que o romance de Carmen Laforet dialoga com sua produção poética? Alice – O que mais gosto no romance Nada é o estilo sem floreios. A carga emocional do livro é muito intensa, com uma atmosfera pesada e sombria, e a escrita, no entanto, é seca, direta, objetiva. A autora, assim, transmite as sensações da protagonista, naquele turbilhão de novidades relacionadas à sua chegada em uma cidade nova, sem deixar de lado a dicção cristalina. “A adequação deve ser um dos principais antônimos da poesia. Se estiver 100% adaptado, adequado, confortável, sobre o que um poeta vai escrever?” No mês de novembro, produzimos um mimo excepcional: você foi convidada a organizar uma coletânea de poemas inédita, Rua Aribau. As autoras, por sua vez, escolheram os poemas conforme cinco temáticas – adaptação, viagem, decadência, solidão, inadequação. Por que você selecionou
estes eixos na hora de pensar na composição da coletânea? Alice – Muitas antologias poderiam surgir a partir de Nada: poemas sobre mudança, sobre família, sobre guerra, sobre a Espanha, sobre Barcelona, sobre casa etc. Neste nosso recorte, procuramos linhas gerais do livro de Carmen Laforet que frequentemente dão pano para manga na poesia. Inadequação e adaptação são temas que estão no cerne de boa parte dos poemas. A adequação, pensando bem, deve ser um dos principais antônimos da poesia. Se estiver 100% adaptado, adequado, confortável, sobre o que um poeta vai escrever? Recentemente, você editou a obra poética de Hilda Hilst, autora homenageada na edição da Flip deste ano. De que modo a atuação como editora de poesia na Companhia das Letras se relaciona com a Alice poeta, autora? Alice – Para mim é uma grande alegria e uma verdadeira escola trabalhar com poesia. É uma sorte editar escritores que admiro tanto enquanto leitora. O que você diria aos mais de 28 mil leitores do clube que irão ler Nada pela primeira vez? Alice – Há muitas escritoras mulheres excelentes que não receberam a devida atenção ou que, com o tempo, foram esquecidas. A Carmen Laforet é uma dessas autoras apaixonantes que merecem ser lidas.
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N O livro indicado Nada
A escritora espanhola Carmen Laforet foi uma figura enigmática. Passados quase quinze anos de seu falecimento, aos 82 anos, muitas perguntas acerca de sua vida permanecem em aberto. De todas, talvez a mais inquietante seja a falta de explicações sobre seu silêncio e a escassa produção literária após o estrondoso sucesso de seu romance de estreia, que publicou com apenas 23 anos de idade e que lhe rendeu o hoje cobiçado prêmio Nadal de Literatura. Sem apontar respostas definitivas, pesquisadores e biógrafos sugerem uma frágil constituição psicológica e um ambiente familiar tóxico: Laforet era atormentada por inseguranças e uma forte autocensura criativa, que seus parentes apenas ajudaram a alimentar. Nascida em uma Espanha que logo se desmantelaria com a Guerra Civil e que não viveria perspectivas mais otimistas com a consequente ditadura do general Francisco Franco, Laforet foi a primogênita de um arquiteto e de uma professora. Pouco antes de completar dois anos, mudou-se de Barcelona, sua cidade natal, para Las Palmas, município das Ilhas Canárias. Enquanto viveu com
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os dois irmãos pequenos e os pais, alienada dos problemas políticos de seu país, sua vida era tranquila e recheada de boas memórias; do pai, guardou o vigor físico e a resiliência repassada aos filhos. Já da mãe, recordava da sua inteligência, da “enorme energia espiritual” e da bondade que a tornara estimada por todos na cidadezinha do arquipélago espanhol.
1939, mas ela pôde sentir, aos poucos, seus rastros incontornáveis. Entregue às mãos de Francisco Franco, a Espanha se tornou um país cujas conquistas das mulheres sofreram grande retrocesso. Com a ascensão do conservadorismo e do conceito de españolidad, propagava-se o ideal de uma mulher que atendia a um perfil comum: dona de casa com atuações culturalmente específicas de servidão A delicadeza e o encanto das lemexclusiva aos filhos e maridos. branças da mãe talvez sejam conAlém disso, o respeito às ordens sequência de seu falecimento de matriz religiosa cristã deveprecoce, ocorrido quando Laforet riam ser respeitados como contratinha apenas 13 ponto àquilo que anos. Seu pai logo era considerado A autora casou-se com a uma mera recabeleireira da beldia feminista. falecida mulher, Um perfil que que provou ser não atendia aos uma senhora desejos mais íncruel, a ponto de timos de Laforet. tentar apagar a memória da mãe Em setembro da família e ser de 1939, poucos comparada, pela meses depois do própria escritora, às madrastas dos fim da Guerra Civil, a escritora recontos de fadas. "Com ela, aprendi tornou a Barcelona para estudar que a fantasia sempre é pobre comFilosofia, morando por três anos parada com a realidade (isso antes na casa dos avós paternos. Sem de ter lido Dostoiévski!)." Desse concluir o curso, mudou-se para trauma, surgiria uma obsessão: a capital espanhola, onde também três dos romances posteriormente deixou incompletos os estudos de escritos pela autora tiveram, entre Direito na Universidade Central de as personagens, meninas órfãs e Madri. Em setembro de 1944, insmadrastas vis. pirada pela experiência desoladora na capital catalã pós-guerra, Laforet estava distante dos granpublicou Nada, o livro que transdes focos de violência quando a formaria sua vida, para o bem e Guerra Civil se alastrou, de 1936 a para o mal.
Carmen Laforet
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“Lida hoje, a obra ‘Nada' surpreende pela sua modernidade. Por sua absoluta falta de sentimentalismo, apesar das atrocidades que relata. Por seu estilo exato, limpo, afiado como um cristal, e ao mesmo tempo cheio de força expressiva e originalidade poética." – Rosa Montero, escritora espanhola Dividida estruturalmente em três partes, a narrativa do romance tem início com a chegada de Andrea, a narradora-protagonista, a Barcelona, com sua mala em mãos, cheia de livros e sonhos de liberdade, para cursar Letras. Em meio à solidão na estação da capital catalã, Andrea relata seu primeiro contato com a cidade através de uma narrativa sensitiva: os elementos que a cercam persistem em suas memórias através dos sons, luzes e odores. Como as recordações estão ligadas diretamente ao quadro sensorial da protagonista, muitas vezes a crítica aproximou Nada da estética impressionista. O destino de Andrea é uma casa da rua Aribau, onde vivem seus tios e avó maternos. Chegando lá, depara-se com uma realidade distinta da que previa e recordava de sua infância, causando um aumento em sua tensão. O ambiente é opressivo: os objetos da casa parecem em estado de degradação, assim como a própria conduta dos familiares, marcada por constantes escândalos. Essas desavenças servem, na
obra, como rompimento com a monotonia cotidiana relatada através de uma técnica narrativa fragmentada. A religiosa e conservadora tia Angustias controla a vida de Andrea; o desempregado tio Juan descarrega sua humilhação na mulher Gloria e no resto da família; o tio Román, apesar de projetar na protagonista certo fascínio, também a faz sentir repulsa. A cozinheira Antonia assiste ao caos com um silencioso prazer e a avó, bondosa porém muito debilitada, já não consegue mudar o rumo descontrolado da família. Todos podem ser vistos como exemplares de uma
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classe média fracassada e empobrecida pela Guerra. A protagonista, assustada e insegura, busca a libertação com os outros jovens do mundo universitário, muito mais abastados que ela. Sem focar tanto nos seus estudos, a narrativa prioriza a descrição da vergonha que Andrea sente de suas roupas velhas, o sentimento de inferioridade e inadequação provocados pela pobreza e a superficialidade de seus relacionamentos – salva-se, nesse cenário, apenas a amiga Ena. Por mais que tente escapar da realidade diária, a pobreza e a constante repressão dos familiares ecoam no seu comportamento, resultando em uma
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visão infeliz de si mesma – ainda que, na camada mais profunda de seu espírito, esperançosa. O romance de Laforet não apresenta uma crítica direta ao regime nacionalista instaurado na Espanha. Ainda assim, pode ser constatado seu tom de denúncia no caráter testemunhal de relato da violência histórico-social circundante. Laforet escapou da censura franquista graças a essa característica de denúncia discreta, mas brutal – um recurso literário inaugurado poucos anos antes com o romance La familia de Pascual Duarte (1942), de Camilo José Cela, que se tornou tendência na Espanha pós-Guerra e que ajudou
A INDICAÇÃO DO MÊS
períodos cada vez mais espaçados, até sumir melancolicamente do panorama literário espanhol. Depois de Nada, vieram os romances La isla y los demonios (1952), La mujer nueva (1955) e o primeiro volume de uma trilogia que nunca foi concluída, La insolación (1963). Escreveu ainda livros de viagens, um pequeno número de contos e teve publicado, postumamente, o segundo livro da trilogia, Al volver la esquina (2004). Em 2003, sua filha Cristina Cerezales publicou Puedo contar contigo, uma série de 76 cartas trocadas entre sua mãe e o escritor Ramón J. Sender que ajudam a explicar, ainda que de maneira incompleta, suas grandes angústias e a decisão pelo silêncio.
a fomentar o que ficou conhecido como movimento tremendista. Ao vencer a primeira edição do Prêmio Nadal com Nada, Laforet ganhou a atenção do país inteiro. O sucesso, no entanto, teve um custo muito alto: sua família paterna reconheceu-se nos personagens do livro e não perdoou a exposição de suas intimidades. Seu marido, o jornalista e crítico literário Manuel Cerezales, com quem se casou em 1946, também se manteve vigilante à produção da escritora, provocando um bloqueio criativo e uma crescente insegurança e autocensura. Como resultado da pressão familiar, Laforet publicou romances em
Mesmo com uma vida cujo brilho foi minguando lentamente, até a morte em decorrência do Alzheimer em fevereiro de 2004, a relevância e a influência da obra-prima de Laforet parecem apenas ganhar corpo com os anos. Nomes consagrados como Juan Ramón Jiménez, Mario Vargas Llosa (ambos vencedores do Nobel de Literatura), Rosa Montero e muitos outros declararam sua admiração pela escritora. Em Nada, o pós-guerra é desenvolvido a partir de uma perspectiva feminina oposta ao padrão submisso caro ao patriarcalismo. Assim, a escritora emancipa, através da Literatura, a figura da mulher em um meio culturalmente adverso, renovando o fôlego artístico de um país e provocando debates que permanecem atuais.
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ECOS DA LEITURA
De: Juan Ramón Jiménez Para: Carmen Laforet Logo após ler Nada, o escritor Nobel de Literatura Juan Ramón Jiménez tratou de escrever a Laforet para agradecer e demonstrar seu fascínio pela beleza da obra. Neste relato um tanto franco, Jiménez também faz suas críticas, cita os trechos que mais o agradaram e apresenta uma opinião curiosa quanto à estrutura do romance. Destacamos as partes mais relevantes abaixo. Será que você concorda com ele?
“Madri. Querida Carmen Laforet: Acabo de ler Nada, este primeiro livro seu, que chegou até mim na segunda edição, de Madri. Lhe escrevo, interrompendo a leitura, pelo seu... não, para lhe dizer que agradeço a beleza tão humana do seu livro, beleza do seu sentimento em seu livro; (...) vemos ele se nutrindo, folha após folha, da própria substância de escritora. Nos jornais que me mandam da Espanha, venho lendo, faz um ano, críticas sobre a sua novela. E, embora em alguns casos você tenha sido compreendida e generosamente elogiada, fico entristecido pela ce16
ECOS DA LEITURA
gueira daqueles que tratam seu livro “literariamente” apenas, ou apenas “curiosamente”. Duas visões insalubres. (...) Nos livros juvenis há sempre algo religioso, essa espontaneidade fresca de um noviciado livre e, no seu caso, uma novata do romance, um fato muito sério. E se em sua escrita há “defeitos gramaticais”, nunca maiores que os permanentes do basco-espanhol de Pío Baroja ou o catalo-espanhol de Eugenio d'Ors, o que isso importa sobre você? (...) Abençoado é o chamado defeito, que não o é, e que nos salva da odiosa perfeição! Em seu livro eu gosto das falhas (...). Quero assinalar, entre o que eu considero mais completo do seu Nada, o extraordinário capítulo 4, com o seu diálogo tão natural e tão revelador, entra a Avó e Glória; o 15, que é um conto absoluto, como são alguns outros. Me parece que o seu livro não é uma novela no sentido mais usual da palavra (...) mas, sim, uma séria de contos tão belos como os de Gorki, Eça de Queiróz, Unamuno e Hemingway; e acredito que tanto para você quanto para mim. Nada tropeça no capítulo 19, isto é, quando se declara uma contínua trama novelesca. Não li todo este capítulo, me repugnava; e demorei depois algum tempo para terminar o que restava do livro, porque aquele capítulo me dava o efeito de um nó, como de uma cólica terrível (...) Porque você é uma novelista de novela sem assunto, como se é poeta de poema sem assunto. E nisso está o mais difícil da escrita novelesca ou poemática. (...) Vamos ver se conseguimos o interesse de algum editor norte-americano em seu livro e que seja traduzido e publicado aqui. Para isso necessito dois ou três exemplares de “Nada”. Eu gostaria de verdade, porque Nada, como tudo aquilo autêntico, é daqui também, e de hoje, e será de amanhã”.
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ECOS DA LEITURA
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As 50 maiores obras em língua espanhola do século 20, segundo o El País
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ECOS DA LEITURA
A Librotea é uma página especializada em recomendações de livros pertencente ao jornal El País. Nela, usuários podem compartilhar seus livros preferidos e também conferir indicações de personalidades do universo cultural como músicos, cineastas e, claro, grandes escritores. Em abril de 2018, o perfil da página, formado por seus principais colaboradores, publicou uma seleção com os melhores romances em castelhano do século 20. Reafirmando desde o início seu caráter não definitivo e aberto a propostas (imprescindível para uma lista ambiciosa), a Librotea lembrou escritores de diferentes nacionalidades, da Espanha ao Chile. No texto de apresentação, a página antecipa alguns dos nomes tidos como “pedras angulares” da literatura hispânica, nomes celebrados por público e crítica como Vicente Blasco Ibáñez, Ramón María del Valle Inclán, Pío Baroja e Francisco Ayala. O boom latino-americano, é claro, está presente com diversos representantes. Escritoras contemporâneas como Belén Gopegui e Almudena Grandes foram valorizadas pela página, assim como outras “injustamente esquecidas” pela história como Concha Espina e Rosa Chacel. Ao longo da lista que apresentamos aqui na íntegra, destacamos alguns autores e títulos. Quem sabe essa lista não inspira suas próximas leituras?
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ECOS DA LEITURA
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Cem anos de solidão (1967), Gabriel García Márquez
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A cidade e os cachorros (1962), Mario Vargas Llosa
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El Jarama (1956), Rafael Sánchez Ferlosio
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NADA (1944), Carmen Laforet
PEDRO PÁRAMO (1955), Juan Rulfo
Em um enredo fragmentado, Juan Ru trói uma história sobre a cidade de Co no México. Alternando as vozes narra mesmo tempo em que se conecta com de ordem sobrenatural, o romance te foco no falecido e controverso person que dá título à obra. As investigações Pedro Páramo são decisivas para ent formação e degradação da cidade de
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Jogos da idade tardia (1989), Luis Landero
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Entre visillos (1957), Carmen Martin Gaite
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A cidade dos prodígios (1994), Eduardo Mendoza
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Las afueras (1958), Luis Goytisolo
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Últimas tardes com Teresa (1966), Juan Marsé
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O jogo da amarelinha (1963), Julio Cortázar
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O túnel (1948), Ernesto Sabato
7
COMO ÁGUA PARA CHOCOLATE (1989), Laura Esquivel
Cada capítulo do romance da mexicana Laura Esquivel abre com uma receita e vai se desdobrando em torno dela. Nascida e criada em uma cozinha, a protagonista Tita transforma esse lugar de confinamento em uma oportunidade de expressar seus sonhos e sentimentos por meio de deliciosos pratos.
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ulfo consomala ativas ao m eventos em seu nagem s sobre tender a e Comala.
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Zalacaín, o aventureiro (1944), Pío Baroja
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Niebla (1914), Miguel de Unamuno
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O século das luzes (1962), Alejo Carpentier
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A colmeia (1951), Camilo José Cela
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Os santos inocentes (1991), Miguel Delibes
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Volverás a Región (1967), Juan Benet
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Três tristes tigres (1965), Guillermo Cabrera Infante
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O sorriso etrusco (1996), Jose Luis Sampedro
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A casa dos espíritos (1982), Isabel Allende
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CORAÇÃO TÃO BRANCO (1994), Javier Marías
Marcado pelos longos parágrafos e pelas digressões, Coração tão branco narra a história de Juan, intérprete e tradutor recém-casado. Contra a sua vontade, ele descobre que a segunda esposa de seu pai, Teresa, havia cometido suicídio durante a lua-de-mel. A aproximação e consequente obsessão com os segredos de sua família são os elementos que impulsionam esta obra, uma das mais importantes do celebrado autor espanhol.
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Mortal e Rosa, Francisco Umbral
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OS DETETIVES SELVAGENS (1998), Roberto Bolaño
Neste romance, Bolaño forja uma narrativa policial, estilo prezado até mesmo em sua poesia. Em busca de um poeta misterioso, um grupo de jovens liderados por Ulisses Lima e Arturo Belano percorrem a Cidade do México, assim como países do Oriente Médio e do oeste da África. A narrativa de Os Detetives Selvagens, em vários aspectos, assemelha-se aos romances da cultura beatnik, no entanto, sem deixar de lado a ironia característica do escritor chileno.
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La calle de las camelias (1966), Mercè Rodoreda
Tirano banderas (1926), Ramón María del Valle-Inclán
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A noiva escura (1999), Laura Restrepo
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Señas de identidad (1966), Juan Goytisolo
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Los hijos muertos (1958), Ana María Matute
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Filho do homem (1960), Augusto Roa Bastos
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O LUGAR SEM LIMITES (1966),
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A morte de Artemio Cruz (1962), Carlos Fuentes
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Los recuerdos del porvenir (1963), Elena Garro
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Tinísima (1992), Elena Poniatowska
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José Donoso
Donoso antecipou em muitos ano debates sobre gênero com a histó travesti Manuela. Dona de um pro no vilarejo de El Olivo, ela vive com filha que, para seu sofrimento, ins chamá-la de “pai”. Além de abord tões identitárias, a obra já foi inte como uma rica metáfora social, ap tando El Olivo como um espaço m pelo isolamento e pela incompree
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os os ória da ostíbulo m uma siste em dar queserpretada presenmarcado ensão.
ECOS DA LEITURA
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Malena é um nome de um tango (1994), Almudena Grandes El metal de los muertos (1920), Concha Espina
La forja de un rebelde (1951), Arturo Barea
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Los gozos y las sombras (1962), Gonzalo Torrente Ballester
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Tiempo de silencio (1962), Luis Martín-Santos
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O cavaleiro polaco (1991), Antonio Muñoz Molina
BARRIO DE MARAVILLAS (1976), Rosa Chacel
A obra narra acontecimentos da vida de duas meninas, Elena e Isabel, que vivem no Barrio de Maravillas, em Madrid. Baseado em recordações da infância da autora, o romance recria os costumes da vida na capital espanhola no início do século 20.
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Cañas y Barro (1902), Vicente Blasco Ibáñez
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Muertes de perro (1958), Francisco José Ayala
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La larga marcha (1996), Rafael Chirbes
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A vida breve (1904), Juan Carlos Onetti
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La escala de los mapas (1993), Belen Gopegui
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O desfile do amor (1984), Sérgio Pitol
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As mortas (1977), Jorge Ibargüengoitia
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A viagem vertical (1999), Enrique Vila-Matas
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ECOS DA LEITURA
Tremendismo
egundo o Dicionário Eletrônico Houaiss, o Tremendismo é a “corrente estética espanhola do século 20 que advoga, na expressão da realidade pela literatura e artes plásticas, o exagero dos aspectos mais crus da vida.” Talvez por insinuar esse excesso de maneira supostamente pejorativa, a nomenclatura tenha causado tanta negação dos autores enquadrados no movimento – uma das manifestações literárias mais controver-
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sas das escritas ibéricas, influente também na poesia e no teatro. Surgida como uma resposta ao contexto de miséria e desilusão do pós-Guerra Civil – e também uma resposta aos vencedores nacionalistas –, o tremendismo caracterizou-se pela visão pessimista e violenta da existência humana. Os personagens de seus romances são geralmente apresentados em suas facetas mais repugnantes,
ECOS DA LEITURA
como resultado de uma realidade miserável e cruel. Em um contexto político propício para uma visão negativista da existência, a Literatura tremendista flertava com os fatalismos próprios de uma sociedade abalada social e psicologicamente. Boa parte desses elementos são encontrados pela primeira vez no romance precursor do Tremendismo: A família de Pascual Duarte (1942), do então estreante Camilo José Cela. Já que no período pós-guerra a descrição do grotesco, do degradado e de aspectos mais subversivos da sexualidade – além de visões políticas contrárias ao regime – eram consideradas indecentes e prejudiciais aos costumes conservadores, muitos dos romances foram censurados. Cela, por sua vez, encontrou uma fórmula bastante perspicaz: o recurso da violência despojada de conotações políticas explícitas passou pela censura. Em pouco tempo, diversos autores começaram a fazer o mesmo.
herege (1998), foi um dos poucos publicados no Brasil. Nele, o autor constrói um panorama da realidade social no reinado de Carlos V – tempos sombrios e de terror sob a vigilância da Inquisição espanhola. A influência do Tremendismo, como ocorreu na literatura espanhola no imediato pós-guerra, não se limita, naturalmente, apenas aos títulos e escritores mencionados. Podemos ver seus vestígios em muitos outros romances da época, entre os quais merecem ser citados os autores: Ignacio Aldecoa, Darío Fernández-Flores, Eulália Galvarriato, Rosa Maria Cajal, Nina de Susana March e Ana María Mamute. Os quatro últimos nomes também representam a mudança social ocorrida na época, ilustrando uma maior incorporação da mulher espanhola à vida literária. Nesse sentido, Carmen Laforet teve, sem dúvidas, um papel fundamental para as conquistas femininas.
Três anos após premiar Carmen Laforet com Nada, segunda grande obra do movimento, o prêmio Nadal de Literatura descobriria outro grande tremendista: Miguel Delibes e seu romance La sombra del ciprés es alargada (1947). Delibes, cuja obra sempre apresentou um compromisso ético com a justiça social, foi um dos únicos escritores a manter a veia tremendista em praticamente todos os seus romances. O último deles, O
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ESPAÇO DO ASSOCIADO
Para além da
literatura
Todos os meses, encontros de associados da TAG são realizados pelo Brasil: em agosto, foram 54 eventos promovidos pelos próprios assinantes, que se organizam via aplicativo. Vez ou outra, a equipe da TAG recebe notícias sobre as amizades – e até romances - que surgem nestes momentos de convívio. Quando este tipo de história chega por aqui, o assunto logo se espalha: o pessoal da gestão de clientes comenta com o setor do marketing, que conta para o setor do design, que vai se gabar para o pessoal da logística e por aí vai… Saber que um kit da TAG mudou a vida de uma pessoa transforma o trabalho das mais de oitenta pessoas que trabalham por aqui. Pensando nisso, decidimos, neste mês, reunir alguns relatos de associados que compartilharam histórias sobre como a TAG mudou as suas trajetórias. São histórias que envolvem redes de apoio, troca, risada, cafés, vinhos e abraços. É a literatura conectando as pessoas: nada poderia nos orgulhar mais.
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ESPAÇO DO ASSOCIADO
Associada: Gisele da Silva (recife) Primeiro kit recebido: AGOSTO DE 2016 Sou militar do exército e frequentemente sou transferida de cidade. Em 2013, fui morar em Recife. O começo na cidade não foi fácil pois não conhecia ninguém. Quando meu casamento se desestabilizou, comecei a me sentir mais só do que nunca e acabei desenvolvendo um quadro depressivo. Foi quando eu vi a propaganda da TAG em 2016. Estava precisando muito conhecer novas leituras e tinha a esperança de encontrar pessoas com as quais eu pudesse estabelecer elos de amizade. Em setembro daquele ano recebi meu primeiro livro, Paddy Clarke Ha Ha Ha (quanta ansiedade!). Entrei em um grupo pelo Whatsapp e conheci pessoas do Brasil inteiro, até que me convidaram pra entrar em grupo de associados de Pernambuco e eu vibrei. Em novembro, fizemos nosso primeiro encontro em Recife. Fiz amigos para além dos livros, pessoas que preencheram um espaço muito especial na minha vida. Faço, aqui, um agradecimento especial a Ingrid que virou uma irmã. Além dos amigos, a TAG me fez conhecer autores e histórias que eu não imaginava existir. Entre os meus livros favoritos, eu citaria A Câmara Sangrenta - acho uma injustiça ele estar em último no ranking (risos) - e o Alforje - que me permitiu conhecer uma religião e cultura lindas, além da edição, que é fabulosa. Esse ano tive o imenso prazer de ir à FLIP, onde conheci essa equipe diferenciada, vi os rostinhos de muita gente com quem eu só falava online, peguei autógrafo da Conceição e do Whitehead... enfim, foi um sonho!
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Associada: Christianne Gondim (Rio de Janeiro) Primeiro kit recebido: abril de 2017 Passei alguns meses vendo propagandas da TAG e depois de paquerar muito os kits, resolvi assinar. Meu primeiro foi o de abril de 2017 (Os Irmãos Sisters) e, no mesmo mês, fui ao meu primeiro encontro da TAG. Não fazia a menor ideia de como era e confesso que nem havia lido o livro. Aliás, fiz a minha assinatura no auge da depressão e uma das minhas alegrias era receber a caixinha. No primeiro encontro, fui tão bem acolhida que os encontros mensais viraram uma terapia. Meu livro preferido da TAG é As Alegrias da Maternidade. Eu estava há meses sem conseguir ler nenhum livro e venci essa barreira. Desses momentos, surgiram encontros casuais com outros leitores e, assim, ganhei as minhas melhores amigas. Não somos mais um grupo de literatura. As amizades que conquistei nos encontros são a família que eu escolhi pra mim. Em um desses encontros, conheci a Fê. O encontro literário se estendeu para um café, que se estendeu para um pedido de namoro. Futuramente, nossa biblioteca será uma só. A TAG não enriqueceu somente a minha vida literária: as caixinhas me presentearam com as minhas melhores amigas e com o grande amor da minha vida.
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ESPAÇO DO ASSOCIADO
Associada: Marcia Goulart Martins (Vitória) Primeiro kit recebido: julho de 2016 Quando eu era criança, os livros sempre me fizeram companhia. Porém, durante a universidade e nos primeiros anos de trabalho, perdi o ritmo de leitura. Quando me mudei pra Vitória (ES), tive dificuldade em me adaptar. Senti muito a distância da minha família e amigos. Eu gostava da cidade, do trabalho, mas faltava algo. Passei por uma crise de ansiedade e depressão. Assinei a TAG em junho de 2016 e meu primeiro kit foi a edição exclusiva de O Vermelho e o Negro. Os livros me devolveram o prazer que sentia de estar comigo mesma, como na infância. Da TAG, tenho dois preferidos: As alegrias da maternidade, enviado em outubro de 2017, e O alforje, enviado em fevereiro de 2018. O que mais me encanta na TAG são as diferentes experiências proporcionadas. Em meio a dificuldades de adaptação, surgiram os encontros que me permitiram conhecer pessoas fora meu núcleo. O primeiro do qual participei foi em fevereiro de 2017. Nossos eventos são muito descontraídos. Falamos sobre o livro do mês, filmes, viagens... Qualquer tipo de experiência. Através dos encontros, conheci pessoas com quem criei uma amizade: Elisa, Júlia, Joana, Edielton e Akila. Hoje nos encontramos para um café, pizza, vinho: tudo se torna desculpa para um bom papo. O nosso grupo está crescendo e espero que outras amizades surjam.
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LEIA DEPOIS DE LER
Este espaço foi pensado para você retornar à leitura da revista depois de ter terminado o livro. Aqui, mensalmente, um dos colunistas do nosso blog - taglivros.com.br/blog - vai produzir um texto especialmente para você analisar de forma mais complexa a obra.
Spoiler!
Um romance estranhamente encantador Alice Sant'Anna
“A cidade grande, minha filha, é um inferno. E em toda a Espanha não existe uma cidade mais parecida com o inferno do que Barcelona. (…) Aqui as pessoas vivem amontoadas, espreitando umas às outras. Todo cuidado é pouco, pois o diabo assume formas tentadoras. Uma jovem em Barcelona deve ser como uma fortaleza. Entende?”. Quem diz isso é Angustias, tia de Andrea, protagonista do romance Nada.
Lançada em 1944, a obra recebeu o prêmio Nadal e rapidamente se consagrou como clássico moderno, tornando-se um dos títulos mais traduzidos da língua espanhola. Com estilo realista, cristali-
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no, o romance narra as agruras de uma jovem órfã que, na beirada da década de 1930 para a de 1940, se muda para a casa da avó em Barcelona, onde também moram seus tios, com a intenção de começar a graduação em literatura. Nascida em 1921 em Barcelona, a escritora Carmen Laforet tinha apenas 23 anos quando concluiu seu primeiro e mais conhecido livro. Com talento precoce, ela mostra como mesmo as pessoas e os lugares que nos parecem familiares podem ganhar ares insondáveis. O ambiente desolador e angustiante pós-guerra civil, em Nada, contamina tudo: a casa, nos vínculos com os familiares, e a universidade, em relações marcadas por uma constante
LEIA DEPOIS DE LER
sensação de inadequação. Essa dinâmica violenta e hostil revela uma absoluta falta de perspectiva para o início da fase adulta de Andrea. O prédio que ela costumava frequentar quando criança na rua Aribau, na época em que seu avô ainda estava vivo, era alegre e movimentado. Ou pelo menos era assim que ela se lembrava. Neste retorno, no entanto, ela chega a desconfiar de sua própria memória: tomado por teias de aranha, poeira e a sensação de desordem e abandono que encobre tudo, é difícil acreditar que aquele lugar agitado de sua infância seja o mesmo que ela tem agora diante dos olhos. “Como tudo isso podia estar tão longe?”, ela se pergunta. Seu tio Román, por quem Andrea tem especial afeição, lhe diz: “Parece que o ambiente está sempre cheio de gritos... e isso é culpa das coisas, que estão sufocadas, doloridas, carregadas de tristeza”. Não seria exagero dizer que, em Nada,
as coisas não são mero cenário. Os objetos ganham protagonismo neste romance que, embora narre uma atmosfera sufocante, sem uma nesga de ar fresco, tem um encanto que o torna estranhamente luminoso. Andrea é nossa heroína particular nessa trama cinzenta: num cenário brutalizado pelo silêncio e pelo vazio deixado pela guerra, pela pobreza, pelas dinâmicas marcadas pelo ressentimento, pela mesquinharia e pelas amarguras do passado, a personagem precisa encontrar seu caminho, suas descobertas, seus anseios e até mesmo suas invariáveis frustrações. Ela precisa, enfim, ter que fazer da rua Aribau sua casa e, quem sabe, tentar encontrar um rumo – apesar de tudo ao redor tentar convencê-la de que nenhuma brecha de alegria será possível.
A PRÓXIMA INDICAÇÃO
J
O curador de dezembro Juan Pablo Villalobos O escritor mexicano Juan Pablo Villalobos foi o curador escolhido para fechar o ano de 2018 da TAG. Estabelecido em Barcelona, Villalobos é dono de uma obra notável por seu humor mordaz que hoje contabiliza cinco romances (sendo um deles escrito em português, fruto de seus anos morando no Brasil) e o prêmio espanhol Herralde, da editora espanhola Anagrama, por sua última publicação, Ninguém precisa acreditar em mim (2016).
“Jotapê” indicou para o associado uma obra de grande reverberação nos Estados Unidos do século passado. Sua autora, uma menina
de 23 anos do sul do país, estava apenas estreando no mundo literário. Sem prever que se tornaria alvo de grande badalação e prestígio da noite para o dia – e muito menos que muitos anos mais tarde seria mencionada ao lado de grandes nomes como William Faulkner e Flannery O’Connor –, publicou a história de um enigmático homem surdo-mudo e a de outros quatro indivíduos que com ele compartilham suas angústias e desejos mais íntimos. Esses personagens enfrentam, além das realidades financeiras e sociais dos Estados Unidos pós Grande Depressão, a interminável tragédia da solidão e incomunicabilidade humanas.
“Um romance belíssimo sobre a compreensão, a discriminação e a procura do amor."
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NÃO PERCA!
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“Em todo o caso, o mundo parece feio, mau e sem esperança. Esse seria o desespero de um velho que já morreu por dentro. Mas eu resisto...” – Jean-Paul Sartre