Out2018 "O deserto dos tártaros"

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outubro | 2018

O deserto dos tรกrtaros


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ISBN: 9788520942802

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Ao Leitor O mês de outubro conta com a curadoria do chileno Alejandro Zambra, um dos nomes mais relevantes da literatura latino-americana contemporânea, eleito em 2010 pela revista britânica Granta como um dos 22 melhores escritores jovens de língua espanhola. Poeta, romancista, ensaísta e professor, Zambra estreou no cenário literário em 1998 e já é considerado por muitos como um mestre da forma. A espera, tema central de A vida privada das árvores, romance que nosso curador publicou em 2007, também é um dos pilares da obra que ele indica ao associado da TAG. Mas O deserto dos tártaros, obra-prima do italiano Dino Buzzati publicada em 1940, vai muito além disso. Estamos diante de um romance filosófico, que acerta no âmago de muitas das principais angústias da humanidade. É difícil não se identificar com os desejos e as decepções de Giovanni Drogo, jovem oficial que vê a vida passar enquanto espera por um improvável momento, capaz de fazer todas as renúncias valerem a pena e levarem à redenção pessoal. Boa leitura!

Equipe Tag ERRAMOS

Queridos associados, cumprindo o papel de sempre prezarmos pela maior transparência com vocês, comunicamos que na nossa revista de setembro cometemos um erro. Em algumas ocasiões passou pela nossa revisão o título do livro redigido como “porque”, em vez de “por que”. Lamentamos muito pelo ocorrido, já estamos revisando o processo para evitar futuros problemas. Pedimos desculpas pelo transtorno. :(


A D D

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A indicação do mês

O curador Alejandro Zambra

Ecos da Leitura

Dino Buzzati era também pintor

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Leia depois de ler

Diante da planície inóspita Leticia Wierzchowski

r!

Spoile


Sumário A INDICAÇÃO DO MÊS

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Entrevista com Alejandro Zambra O livro indicado O deserto dos tártaros

ECOS DA LEITURA

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Literatura italiana na primeira metade do século XX Resenha crítica de Antonio Candido

ESPAÇO DO ASSOCIADO

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TAG na Flip

A PRÓXIMA INDICAÇÃO

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A curadora de novembro Alice Sant’Anna


CristiaĚ n Ortega Puppo


A

O curador Alejandro Zambra

Não é raro ver Alejandro Zambra identificar-se em entrevistas como um indivíduo profundamente chileno. Tendo passado grande parte da vida rodeado pela cordilheira dos Andes, o deserto do Atacama, o oceano Pacífico e a Antártida, o escritor de 43 anos faz de sua literatura um espaço de expressão típico de uma geração que carrega consigo heranças artísticas locais – Nicanor Parra e Roberto Bolaño, para citar dois gigantes – e as profundas cicatrizes de uma ditadura. Ao mesmo tempo, em contraste, demonstra em seus escritos uma busca particular e original, mais interessada em questionar o que se entende hoje como literatura do que se enclausurar em categorizações simplistas. Por vezes, seus poemas, romances, contos e ensaios misturam-se, tornando sua obra híbrida, de aspecto inclassificável. Bem definida, entretanto, é sua posição de destaque na literatura latino-americana: Zambra foi selecionado em 2007 pelo Hay Festival e Bogotá39 como um dos 39 escritores latino-americanos jovens mais importantes, além da eleição de 2010 da Granta, mencionada no início desta revista. Seus livros já foram traduzidos para mais de dez línguas e receberam diversos prêmios internacionais e seus contos já figuraram em páginas de periódicos como o The New Yorker, Paris Review, Harper’s e Tin House.

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“Zambra sabe como virar o familiar pelo avesso, mas também sabe como nele nos envolver. Suas generosas histórias satisfazem nossas demandas por narrativas, ainda que elas questionem a si mesmas.” The New York Times

Nascido em 1975 na capital Santiago, Zambra cresceu amando o futebol – seu pai, assim como ele, é torcedor fanático do Colo-Colo – e a arte, por influência da parte materna da família. Aos 5 anos de idade, partiu com os pais para Maipú, cenário que anos depois revisitou no romance Formas de voltar para casa (2011). Nessa obra, são reveladas as reminiscências de um homem cuja infância se passou na ditadura de Augusto Pinochet. A partir das lembranças, esse protagonista escreve um livro – Zambra executa aqui um exercício metaliterário que joga com os limites entre realidade e ficção,

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enquanto explora as cicatrizes de uma infância marcada pela repressão, a memória e nossa capacidade de expressá-la em palavras. Formas de voltar para casa não seria a única oportunidade em que Zambra aludiria aos anos de chumbo do Chile. A coletânea de contos Meus documentos (2013) e Múltipla escolha (2014), obra que experimenta com diferentes gêneros e apresenta estrutura semelhante à Prova de Aptidão Verbal – espécie de vestibular aplicado no Chile de 1966 a 2002 –, revelam a busca por novos olhares do escritor para o passado. “Existe a neces-


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sidade de interrogar esse espaço, embora não o tenhamos vivido em sua plenitude. Justamente por isso. Porque pesa, porque de algum modo nos constitui”, afirma, referindo-se à geração que viveu a ditadura durante a infância. Zambra estudou Literatura Hispânica na Universidade do Chile – uma decisão que, hoje ele admite, funcionou como uma estratégia para poder dar continuidade à sua obsessão juvenil pela leitura. Aos 21 anos, já havia saído da casa dos pais e, por necessidade, arranjou emprego como telefonista. Na época, Zambra já escrevia – e considerava-se exclusivamente poeta. Bahía inútil (1998) e Mudança (2003) foram suas duas primeiras publicações e seguiram o geralmente previsível rumo comercial dos livros de poemas. Necessitando de uma estabilidade financeira, ele deu aulas em escolas e começou a escrever críticas literárias para diferentes periódicos. A partir da incursão na prosa, entretanto, Zambra obteve uma recepção calorosa. Bonsai (2006), romance de apenas 91 páginas, conquistou prêmios literários no Chile e teve grande sucesso de pú-

blico. Breve e desafiador, o livro começa pelo fim: “No final ela morre e ele fica sozinho, ainda que na verdade ele já tivesse ficado sozinho muitos anos antes da morte dela, de Emilia. Digamos que ela se chama ou se chamava Emilia e que ele se chama, se chamava e continua se chamando Julio. Julio e Emilia. No final, Emilia morre e Julio não morre. O resto é literatura”. O romance recebeu uma adaptação cinematográfica, dirigida por Cristián Jiménez e apresentada no festival de Cannes de 2011. Com as publicações posteriores a Bonsai (o romance A vida privada das árvores foi publicado em 2007, seguido por Formas de voltar para casa, Meus documentos e Múltipla escolha), o escritor chileno consolidou seu nome entre os grandes da literatura latino-americana contemporânea. Entendendo que esse reconhecimento também fomenta expectativas, evita olhar para o que já escreveu até hoje como um conjunto que o obriga a estabelecer uma identidade permanente – e procura seguir sempre o mesmo princípio: dar liberdade para a incerteza do processo criativo e, a partir dela, encontrar a mais autêntica das vozes.

“A ideia de ter uma obra me parece um obstáculo, uma carga. Na hora de voltar a escrever, você se libera dessa carga.” – Alejandro Zambra

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Divulgação

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Alejandro Zambra

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TAG – Em uma entrevista à Folha de São Paulo, você diz que um dos seus grandes temas é o pertencimento. Giovanni Drogo, herói de O deserto dos tártaros, parece buscar o mesmo sentimento em muitos momentos de sua trajetória. Como você diria que essa questão poderia ser pensada no romance de Dino Buzzati? Alejandro Zambra – Sempre que leio esse livro, Giovanni Drogo me impressiona: sua inocência, sua alegria de ser parte, de participar. E lemos quase como se o estivéssemos cuidando, como se quiséssemos protegê-lo, intuindo o que vai acontecer... É uma narração de maestria impressionante. Buzzati consegue dotar o personagem de uma enorme humanidade. Não rimos dele, mas o observamos, também, sem falsa compaixão. E essas pinceladas de humor, às vezes tão sutis, são quase imperceptíveis. Em 2002, você publicou um ensaio no livro Roberto Bolaño: la escritura como tauromaquia. Sobre Julio Cortázar, autor argentino, você afirma estar em seu DNA. Como esses e outros escritores latino-americanos influenciaram sua escrita? Algum brasileiro em particular fez parte do seu percurso de formação literária? Alejandro – Minha maior influência foi, no princípio, a poesia chilena. Cortázar também, mas primeiro a poesia chilena, que, no Chile, é o grande mito fundador. Brasileiros, bem, há Clarice Lispector, que li há

quase vinte anos e nunca deixei de ler. E muitos outros. Há um escritor que não sei se é muito conhecido e que também não foi muito publicado em espanhol que se chama Murilo Rubião. Li um conto dele em uma antologia de contos traduzidos para o espanhol, também faz vinte anos, e o aprendi, não sei como, sei recitá-lo quase de memória. E logo li outros contos, muito bons. Há muitos escritores brasileiros de que gosto, também os contemporâneos, como Emilio Fraia ou Miguel del Castillo. Há pouco li Opisanie swiata, de Veronica Stigger, e achei um livro belíssimo, fazia tempo que não lia algo tão brilhante e profundo e divertido. Embora não tenha a ver com ficção, tenho estado muito próximo de Felipe Hirsch, que fez uma peça de teatro a partir de meu livro Múltipla escolha, com atores chilenos. Me sinto muito feliz com isso, embora não tenha podido ver a obra pois não vivo mais no Chile. No seu universo ficcional, a preocupação ou a não preocupação com os gêneros – poesia, romance, ensaio – parece ser uma questão importante, que o distingue dentre os autores contemporâneos. De que forma você enxerga esta necessidade de classificação da literatura? Alejandro – É que nunca penso os livros em termos de gênero. Não me levaria a nada! Preciso sempre estar um pouco exposto às mudanças de plano, deixar entrar a incerteza no quarto onde escrevo. Mas tampouco é experimentar por experimentar. Às vezes aproveito

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ritmos muito sóbrios, convencionais, e outras vezes encontro ou busco beleza em formatos mais estranhos. A ideia é que não haja uma ideia. Há planos, mas eles mudam o tempo todo. Os gêneros são como camisas incômodas, e escrever é como chegar ao momento em que a camisa é tua, tem a forma do teu corpo. É um processo intenso, onde gozo e incerteza coincidem. Creio que com Múltipla escolha foi mais intenso, inclusive. Me interessava essa periferia da literatura, esses arredores. Estava ali a alegria da paródia, o impulso da paródia, e esse momento crucial em que o riso e a dor se confundem. Acerca da ditadura, muitos escritores brasileiros publicaram livros que, segundo a crítica, tecem uma espécie de reconstrução da memória coletiva nacional, apagada durante e após o período. Seu terceiro livro, Formas de voltar para casa (2011), narra acontecimentos da ditadura chilena sob a perspectiva de personagens secundários. De que modo o aspecto da memória se desenvolveu no romance? Alejandro – Minha primeira ideia era escrever sobre essa vila em Maipú onde cresci, a vila Las Terrazas, na travessa Aladino. Claro que sabia que, ao falar de infância, falaria da ditadura. É quase impossível para mim separá-las. Vão juntas, em múltiplos sentidos. Mas não queria partir de uma ideia, dessa ideia, de qualquer ideia, mas

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sim deixar correr o relato. Creio que muitos chilenos de minha idade lidam, de algum modo, com essa sensação de insuficiência, de impropriedade: com a impressão ou com a convicção de que nossa experiência era irrelevante. Eram outras as histórias que deviam ser contadas, seguem sendo outras as histórias de verdadeira importância. Queria escrever sobre essa tensão, sobre essas tensões. Sobre a legitimidade da dor. Em Formas de voltar para casa, há uma tentativa de fazer uma pausa para olhar mais de perto o quadro da sua história pessoal. Você conseguiu compreendê-la melhor? De qual maneira você conseguiu se aproximar de seus pais? Alejandro – Descobri, busquei, mudei muito enquanto escrevia esse livro. Escrevo por isso, para gerar uma experiência ou para acompanhá-la. Serviu para me aproximar, em geral, da minha comunidade, foi muito importante. Sobre Múltipla escolha, publicado em 2014, você diz que “é um livro sobre a ilusão de uma resposta”. O que mais chama a atenção do leitor ao lê-lo é a forma, já que ele é convocado a interagir com a história, a partir de múltiplas escolhas. Você poderia nos contar um pouco mais sobre como aconteceu o processo de escrita desta obra? Alejandro – Estava escrevendo uma espécie de romance sobre a época em que realizamos esse


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exame, em 1993, mas não estava gostando. Uma noite, comecei a parodiar os exercícios e o espaço se abriu em várias direções. Tudo espelhava, e era também como repovoar tudo. Como pintar bigodes no rosto das pessoas, mas também como me dar socos nos olhos. Digamos que estive escrevendo exercícios por meses, paródias dos exercícios reais, logo paródias das minhas paródias, e assim foi. Um amigo os leu e me disse que gostava deles, porque era como se “o escritor da prova” tivesse enlouquecido. Essas provas são escritas por várias pessoas, têm vários “autores”, mas naquele tempo acreditávamos que era apenas um, um único Deus-ditador-autor que sabia todas as respostas corretas e as escondia. Ao preparar uma prova, tentávamos entender essas estruturas, adivinhar os ardis. Algumas pessoas não dedicaram um minuto da sua vida a entender o romance ou a poesia como gênero, mas quiseram entender os “termos excluídos” ou as “propostas de redação”. Eram como gêneros literários bastardos, dispositivos que pretendiam normatizar a experiência. Você queria entendê-los para ir bem na prova – entrar em uma universidade, no melhor dos mundos com uma bolsa para não se endividar pelo resto da vida, como ainda acontece. Muitos chilenos que não leem romances ou poesias leem esse livro como se não fosse literatura: estão, por assim dizer, perfeitamente treinados para lê-lo. Essa dimensão para fora do claustro literário importa muitíssimo para mim.

O que você diria aos mais de 25 mil leitores do clube que lerão O deserto dos tártaros pela primeira vez? Alejandro – Que os invejo profundamente pois lerão um romance maravilhoso. Amo relê-lo, mas também gostaria de ler pela primeira vez...

Tradução: Fernanda Grabauska

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O O livro indicado

O deserto dos tártaros

Menos celebrada no Brasil do que a produção de autores populares como Italo Calvino, Emilio Salgari e Alberto Moravia, a obra de Dino Buzzati abarca produções tão significativas para a literatura italiana que o colocam, sem concessões, no primeiro grupo dos grandes escritores do século XX. Frequentemente associado a Kafka e ao surrealismo (embora as comparações sirvam mais para revelar diferenças do que aproximar), Buzzati refletiu sobre o absurdo e o estranhamento provocados pelo cotidiano e angariou uma legião de admiradores famosos, como Albert Camus e o diretor Federico Fellini. Eclético, demonstrou talento artístico não apenas por meio de contos e romances, tendo estudado música, pintado quadros, publicado livros ilustrados, libretos para óperas e peças de teatro.

“Buzzati é um dos pioneiros que, a par de Kafka e Dostoiévski, abriram novas fronteiras para a literatura moderna.” The Times

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Kufoleto

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Hoje um conhecido ponto turístico, a paisagem montanhosa de Belluno, no coração do Vêneto, ao nordeste da Itália, deixou impressões fortes no menino Dino, nascido em meio a esse cenário deslumbrante no ano de 1906. Foi com o amor pelo belo e inacessível que Buzzati cresceu, demonstrando, ano após ano, talento para a música, a pintura e a literatura. Já no fim da adolescência, mais para agradar aos pais do que por qualquer outra coisa, tomou a burocrática decisão de cursar direito. Em 1928, dois anos antes de terminar a faculdade, conseguiu um emprego no jornal italiano Corriere della Sera. Foi correspondente especial, ensaísta, editor e crítico de arte, até chegar ao cargo de redator-chefe. Entre funções convencionais, exerceu uma mais

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inusitada, fruto de sua capacidade de observação e síntese aguçadas: Buzzati foi responsável por criar os títulos de artigos e matérias de outros colaboradores. Em poucos anos, surgiriam as primeiras publicações em prosa, que foram harmonicamente conciliadas com sua produção jornalística. Os dois primeiros romances de Buzatti abordaram o absurdo que permeia a existência, temática predominante em seu terceiro romance, e foram também marcados por explorar o cenário das montanhas que o escritor admirava: Barnabo das montanhas, romance de estreia, foi publicado em 1933 e O segredo do bosque velho, em 1935. Após mais de uma década trabalhando todas as noites no mesmo jornal, Buzzati sentia-se entedia-


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do. Mais do que isso, apavorava-o conclui que deverá voltar à cidade a ideia de manter uma rotina que, o quanto antes. Situações triviais segundo ele, “continuasse ao ine circunstanciais, entretanto, vão finito”. Sua angústia, entretanto, adiando sua partida. Ao mesmo serviu também como inspiração. tempo, ele sente crescer internaEm 1939, enviou para edição o mamente uma esperança indefinida nuscrito da obra que se tornaria a e vaga, uma visão nevoenta que a mais reverenciada pelo público, paisagem misteriosa que o cerca provisoriamente intitulada La forsó reforça, de que algo está prestes talezza. Temendo a acontecer. A inque pudesse ser vasão dos inimientendido como gos do Norte pode “Um dos mais uma alusão à imiocorrer a qualimpressionantes nente Segunda quer momento. Guerra Mundial, romances alegóricos Ele decide, então, seu editor soliciaguardar pelo dia deste tempo.” tou-lhe um novo triunfante, no qual Otto Maria Carpeaux, título. No ano setodas as renúncias crítico literário guinte, depois de motivadas pela esvoltar da Etiópia pera seriam quitacomo correspondente especial de das e sua existência ganharia um guerra, Buzzati publicou O deserpropósito redentor. Ele pode espeto dos tártaros, obra enviada neste rar; tem, afinal, uma vida inteira mês ao associado da TAG. pela frente. Giovanni Drogo é um jovem oficial do exército, designado para servir no longínquo Forte Bastiani, localizado na fronteira com o Norte e de frente para um deserto. Segundo rumores, esse deserto fora palco de batalhas contra os invasores tártaros em tempos remotos. A oportunidade do serviço soa para Drogo, recém-nomeado, como o despertar de uma gloriosa carreira militar, “o começo de sua verdadeira vida”. Tão logo ele adentra o forte, seu entusiasmo se abranda com o testemunho de um lugar burocrático e entediante, cuja importância estratégica para a defesa da pátria é percebida como inexistente. Drogo

Pelo menos é nisso que Drogo parece querer acreditar. Pouco a pouco, com o avanço inexorável do tempo, com dias que se transformam em anos, o protagonista é consumido pelos hábitos e pelas formalidades redundantes do serviço militar. Convencido de que já não pertence à vida fora do forte e no aguardo quase ingênuo da derradeira e gloriosa guerra, ele adere, resignado, à imobilidade, assistindo à juventude e à possiblidade de uma vida repleta de glórias escaparem lentamente de seu alcance. Com uma escrita objetiva, enxuta e intencionalmente neutra, Dino Buzzati conduz seu leitor à expe-

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rimentação, assim como também o fazem seus personagens, de uma monotonia angustiante e familiar, que não raro vivemos nas mais diversas situações do cotidiano. No contraste entre a extenuante repetição vivida pelos personagens e a grandiosidade de seus desejos e frustrações reside uma das máximas universais propostas pelo livro, que explora muito bem as ilusões criadas, ora consciente, ora inconsciente, por um pensamento utópico. O clássico personagem de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha, criou histórias e inimigos para combater e pôs as fantasias em ação. Drogo, pelo contrário, também imaginou uma série de eventos entusiasmantes, mas manteve as aventuras no plano do pensamento, enquanto a realidade o esmagava. Há poucas coisas mais comuns na experiên-

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cia humana do que a rotina, a espera por algo valioso, a renúncia esperançosa e o medo de uma vida mal vivida. Buzzati explora essas questões de maneira muito eficiente em termos narrativos, o que o faz entrar para o rol dos grandes escritores do século XX. Apesar de dedicar grande parte do romance à exploração da profundidade psicológica de seus personagens, Buzzati constrói os cenários com maestria, descrevendo (sem exagerados adornos) os ambientes do forte e, principalmente, a paisagem que o cerca. Esse território inóspito é demarcado por belíssimas cadeias de montanhas, gargantas, rochas irregulares, paredões íngremes e uma vastidão desabitada e misteriosa que fundamentam a sensação próxima da hipnose sentida pelo protagonista.


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O deserto dos tártaros, considerada a obra-prima de Buzzati, viria a receber uma adaptação cinematográfica (lançada em 1976 e dirigida por Valerio Zurlini), traduções e recepções elogiosas ao redor do mundo. A data de lançamento do filme reflete, infelizmente, a tardia valorização internacional dos escritos do italiano, morto em 1972. Não que ele fosse um desconhecido quando em vida: além da Itália, a França soube reconhecer sua obra, e Albert Camus, que se tornaria seu amigo na década de 1950, chegou a levar para o país uma adaptação da peça Um caso clínico (1953). Em 1965, o italiano trabalhou com o prestigiado diretor Federico Fellini em um roteiro para o filme Il viaggio di G. Mastorna, que nunca foi rodado. Alternando entre a dramaturgia, a prosa, a poesia e a pintura, Dino Buzzati passou as três últimas décadas de sua vida produzindo um número impressionante de obras. Combinou textos e imagens no livro infantil A famosa invasão dos ursos na Sicília (1945) e em Poema em quadrinhos (1969), quando os quadrinhos começavam a conquistar espaço artístico na Itália. Em muitos de seus romances e coletâneas de contos, repetiu as inquietações de O deserto dos tártaros, descrevendo a vida como uma força imperceptível, misteriosa e mágica, que parece conduzir a um destino trágico. Quando faleceu em Milão, aos 65 anos, vítima de um câncer, ainda

trabalhava para o Corriere della Sera, possivelmente amargurado com o destino que muitos anos antes previu para si mesmo. Talvez indiferente, com a vaga sensação de quem identifica uma coincidência. Talvez satisfeito, como quem sente que superou a própria obra e a percebe como um devaneio, uma miragem provocada pela paisagem maravilhosa e perene que o recebeu no mundo e agora dele se despedia.

“Do deserto do norte devia chegar a sorte, a aventura, a hora milagrosa, que, pelo menos uma vez, cabe a cada um. Para essa vaga eventualidade, que parecia tornar-se cada vez mais incerta com o tempo, os homens consumiam ali a melhor parte das suas vidas.” – Trecho retirado do livro

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ECOS DA LEITURA

Dino Buzzati ERA TAMBÉM PINTOR

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ECOS DA LEITURA

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ECOS DA LEITURA

Dino Buzzati ERA TAMBÉM PINTOR Quando criança, Dino Buzzati se apaixonou pelas obras de Arthur Rackham, ilustrador de clássicos da literatura infanto-juvenil, como os contos dos irmãos Grimm (1900, 1909), As viagens de Gulliver (1900, 1909), de Jonathan Swift, Peter Pan in Kensigton Garden (1906), de James Matthew Barrie, Alice no país das maravilhas (1907), de Lewis Carroll, Os cavaleiros da távola-redonda (1917), de Howard Pyle, e Cinderela (1919), de Charles Perrault.

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Em 1971 ele criou uma série de imagens que publicou em I miracoli di Val Morel (Os milagres de Val Morel, em tradução livre), último livro verbo-visual de sua vida no qual relatou e pintou supostos milagres inéditos de Santa Rita entre 1500 e 1936 (Buzzati, na realidade, os inventou).

Publicado logo após o fim da Segunda Guerra, A famosa invasão dos ursos na Sicília

(1945) era voltado para o público juvenil, mas não deixava de conter um lado crítico, trazendo para o universo das crianças os dilemas e as grandes questões de um mundo pautado pela violência e pela desigualdade.

Em Poema em quadrinhos (1969) Buzzati transfere o mito grego de Orfeu e Eurídice para as ruas de Milão – e no formato de HQ. Nessa criativa fusão de pop art, surrealismo, erotismo e experimentalismo literário, acompanhamos a jornada de Orfi, um cantor de música pop, em busca da amada Euri.


I miracoli di Val Morel, 1971 Little Red Riding Hood, 1909

Il Babau, 1970

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Ilustração para capa de A Sirene

“Sou um pintor que, período, infelizment se também escritor no entanto, crê que ‘pode’ levar a sério Dino Buzzati

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ECOS DA LEITURA

Capa As noites difíceis, ilustração de 1926

I Misteri del Condomini, 1965

, por hobby, durante um te bastante longo, feze jornalista. O mundo, e seja o contrário e não as minhas pinturas.”

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ECOS DA LEITURA

NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

N

a Itália, em 1909, é publicado no jornal Le Figaro o polêmico Manifesto Futurista. Escrito pelo poeta Marinetti, o manifesto exaltava as inovações tecnológicas da Segunda Revolução Industrial, como os automóveis e a eletricidade. Além disso, o militarismo e o apego ao fascismo eram evidentes no texto, que atacava as mulheres e glorificava “a guerra - única higiene do mundo”. Dessa forma, o Futurismo era inaugurado oficialmente, reivindicando um trabalho estético em cima desses intricados assuntos. A Literatura na Itália apresentou uma diversidade estética muito grande nesse início de século XX. Antes dos futuristas, por exemplo, Luigi Pirandello já se destacava no

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cenário literário com a publicação de seu romance O falecido Mattia Pascal (1904). Nele, assim como em sua inovadora peça teatral denominada Seis personagens à procura de um autor (1921), o escritor, em parte, propõe uma reflexão acerca da constituição dos indivíduos e suas angústias. Um pouco depois, a partir da década de 1910, um grupo de poetas irá formar o Hermetismo. Essa corrente poética buscou, através de uma linguagem evasiva, interligar a experiência de vida ao plano espiritual, formando um lirismo inebriante que propõe uma ativação do quadro sensorial dos leitores. Salvatore Quasimodo e Eugenio Montale são alguns dos nomes mais conhecidos dessa vertente.


ECOS DA LEITURA

Em 1913, a escritora Grazia Deledda publica Caniços ao Vento. Nesse romance, Deledda aborda com sensibilidade a vida de uma tradicional família em um vilarejo na Sardenha, onde nasceu. Com uma linguagem lírica, a autora expõe o arcaico mundo do campo, distante dos processos de modernização econômica que se firmavam na época. Após a publicação, a escritora passou a ser aclamada pela crítica, o que levou à sua indicação ao Prêmio Nobel. Dez anos depois, vem a público A Consciência de Zeno (1923), de Italo Svevo. Considerada sua obra-prima, o romance estrutura-se a partir das rememorações de vida do personagem Zeno, renomado empresário do norte da Itália. Sentado frente ao seu psicanalista, sua consciência é revelada, expondo seus fracassos, assim como sua prepotência perante indivíduos socioeconomicamente inferiores. Assim como Machado de Assis no Brasil, Svevo utilizou-se da narração em primeira pessoa para dar voz a um membro da elite no intuito de revelar seus costumes e valores degradados. A metade do século XX poderia ter sido mais notória caso a narrativa É Isso um Homem? (1947), de Primo Levi, tivesse sido publicada por uma editora de prestígio. Negada a sua publicação pelas principais editoras, restou a Levi recorrer a um pequeno editor, tendo apenas 1.500 exemplares vendidos nesse primeiro momento. Relançada em 1959, a obra alcançou seu devido

sucesso, alçando o autor ao patamar dos grandes escritores italianos. Em É isto um Homem?, Primo Levi constrói uma narrativa de cunho autobiográfico. Centrada nas terríveis experiências dos campos de concentração nazistas, o protagonista, um italiano judeu, revela as atrocidades enfrentadas e sua luta pela sobrevivência. Os preceitos militares, muitas vezes desumanos, abordados nesse livro, guardadas as devidas proporções, também foram trabalhados por Dino Buzzati em O deserto dos tártaros. Por mais que o autor tenha buscado um distanciamento das classificações antibélicas em sua obra, é notório o pensamento cruel dos membros do alto comando do exército. A dificuldade em abarcar tendências estéticas ou uma relativa unidade de pensamento artístico é um traço visível na Itália nessa primeira metade do século XX. A multiplicidade tanto de forma quanto de conteúdo nas obras revela um notável grau de liberdade entre os escritores, que puderam conquistar reconhecimento na historiografia literária. Dos nove escritores citados, quatro foram agraciados com o Prêmio Nobel de Literatura: Luigi Pirandello, Grazia Deledda, Eugenio Montale e Salvatore Quasimodo. Dino Buzzati, ainda que não tenha recebido o prêmio máximo de Literatura, foi exaltado por intelectuais de diversos países, entre eles, Jorge Luis Borges e Antonio Candido, o mais reconhecido crítico literário no Brasil.

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ECOS DA LEITURA

O livro O discurso e a cidade (1993), do crítico literário Antonio Candido, reúne ensaios sobre diversas obras da literatura nacional e internacional. Nele, Candido reserva um breve espaço para

esmiuçar com propriedade todos os aspectos de O deserto dos tártaros. Publicamos aqui o trecho final dessa resenha que pode ser lida na íntegra pelo link: https://goo.gl/ZuLzQC

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Resenha crítica de

Antonio Candido “O deserto dos tártaros pertence à lista dos romances do desencanto, que contam como a vida só traz coisas frustradoras e acaba no balanço negativo dos grandes déficits. No entanto (ao contrário de certos finais, terríveis, como o das Memórias póstumas de Brás Cubas), seu desfecho é um caso paradoxal de triunfo na derrota, de plenitude extraída da privação. Isto confirma que é um livro de ambiguidades em

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ECOS DA LEITURA

vários planos, a começar pelo caráter indefinível do espaço e da época. Onde decorre a ação? Num país sem nome, impossível de localizar, como nos contos populares, a despeito do corte europeu dos usos e costumes, assim como do substrato italiano – sendo que a única referência geográfica precisa é, ocasionalmente, à Holanda (e suas tulipas), aonde a namorada de Drogo anuncia que vai passear. Aliás, de certo modo nem há lugar propriamente dito, mas apenas uma vaga cidade sem corpo e o sítio fantasmal da Fortaleza Bastiani, que fica a uma distância elástica, ninguém sabe direito onde. O nome dela é italiano, e quanto ao sobrenome das pessoas, alguns poucos são usuais nesta língua, como Martini, Pietri, Lazzari, Santi, Moro. Mas há preferência pelos menos frequentes, como Lagòrio, Andronico, Consalvi; ou raros, como Batta, Prosdoscimo, Stizione, e pelos que parecem inventados a partir de outros, como Drogo, de Drago; Fonzaso, de Fonso ou Fonsato; Angustina, de Agostino; Stazzi, de Stasi. Significativo é o caso da derivação que leva o nome para outras línguas, como Morei (francês), que pode ter Morelli como ponto de partida; ou Espina (espanhol), parecido com Spina; ou Magnus (forma latina ao gosto da onomástica alemã), com Magni ou Magno. No limite, os puramente estrangeiros: Fernandez, Ortiz, Zimmermann, Tronk, enquanto o do comandante,

Filimore, parece não pertencer a língua nenhuma. Esse jogo antroponímico contribui para dissolver a identidade possível do vago universo onde se situa a Fortaleza. Mais ainda para além dela há um deserto onde andam nômades, o que poderia sugerir a África ou a Ásia. Os supostos tártaros, que talvez nunca tenham existido, estariam ao Norte, mas as tropas que vêm de lá para colocar os marcos divisórios parecem da mesma natureza e grau e civilização que as da Fortaleza. Quem são na verdade os inimigos esperados? Tártaros, só a Rússia os teve como vizinhos na Europa. Note-se a propósito que o médico militar usa gorro de pele, à maneira russa, e os reis do país se chamam Pedro, como (excluído o caso de um da Sérvia no começo deste século) só os houve na Rússia e em Portugal. O nome do príncipe heroico representado moribundo num quadro é Sebastião, igual ao do rei português morto heroicamente em Alcacer-Quebir. E a época? As pessoas andam a cavalo e de carro, havendo mais para o fim referência a estrada de ferro. No entanto, ainda existem carruagens douradas, o que puxa para o século XVIII. O óculo de alcance é a luneta de um só canhão, indicando que ainda não havia binóculos. Os fuzis não têm repetição e são carregados de modo arcaico, puxando pelo menos para o meado do século XIX. Quer dizer que são tomadas cautelas para desmanchar também

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a cronologia, inclusive porque não há sinal de mudança nas armas, uniformes, objetos ao longo de uma ação que dura mais de trinta anos. E há outros indícios de baralhamento, como o fato de a guarnição do forte ser (é o que se infere) de infantaria, em que, segundo a norma, só os oficiais tinham cavalos; no entanto, um episódio importante é regido pelo fato de o soldado Lazzari reconhecer o dele, como se se tratasse de cavalaria. Estamos num mundo sem materialidade nem data. Quanto à composição, vimos que a narrativa parece ordenar-se em quatro segmentos [incorporação à Fortaleza, primeiro jogo da esperança e da morte, tentativa de desincorporação e segundo jogo da esperança e da morte], que se opõem entre si, opondo-se também internamente: incorporação e desincorporação, ilusão e desilusão, esperança e frustração, vida e morte, tempo rápido e tempo vagaroso. Ao longo deles vão brotando os significados parciais, alguns dos quais já vimos, que nos conduzem aos significados gerais. Para captá-los, é preciso comparar as primeiras páginas com as últimas. O começo diz abertamente que Giovanni Drogo não tinha estima por si mesmo. Ora, o fim consiste na aquisição dessa autoestima que lhe faltava. Durante a vida inteira ele esperou o momento que permitiria uma espécie de revelação do seu ser, de maneira que os outros

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pudessem reconhecer o seu valor, o que o levaria reconhecê-lo ele próprio. Mas aqui surge a contradição suprema, pois esse momento acaba sendo o da morte. Portanto, é ela que define o seu ser e lhe dá a oportunidade de encontrar justificativa para a própria vida. De algum modo, uma afirmação por meio da suprema negação. Assim, o romance do desencanto deságua na morte, que aparece como sentido real da vida e alegoria da existência possível de cada um. Como na de todos nós, ela esteve sempre na filigrana da narrativa. Primeiro, sob a forma de alvo ideal, sonhada na escala grandiosa. Depois, como realidade banal, nos casos de Lazzari e Angustina. Quando o tempo para, ela surge e o redime, justificando Drogo, que adquire então a ciência que não aprendera nos longos anos de esperança frustrada e que, se não tivermos medo do tom sentencioso, poderia ser formulada assim: o sentido da vida de cada um está na capacidade de resistir, de enfrentar o destino sem pensar no testemunho dos outros nem no cenário dos atos, mas no modo de ser; a morte desvenda a natureza do ser e justifica a vida.


ECOS DA LEITURA

Por isso O deserto dos tártaros é um romance desligado da história e da sociedade, sem lugar definido nem época certa. Nele não há dimensão política, não há organização social ou crônica de fatos. É um romance do ser fora do tempo e do espaço, sem qualquer intuito realista. Do ponto de vista ético é um livro aristocrático, onde a medida das coisas e o critério de valor é o indivíduo, capaz de se destacar como ente isolado, tirando o significado

sobretudo de si mesmo, e por isso podendo realizar na solidão a sua mensagem mais alta. A morte coletiva e teatral dos sonhos militares, desejada como coroamento da vida, cede lugar à glória intransferível da morte solitária, sem testemunhas e sem ação em torno, significando apenas pela sua própria força. E nós lembramos Montaigne, quando diz que “a firmeza na morte é sem dúvida a ação mais notável da vida.”

“a firmeza na morte é sem dúvida a ação mais notável da vida.” Trecho retirado de O discurso e a cidade, de Antonio Candido, publicado pela primeira vez em 1993 pela editora Duas Cidades. (Páginas 182 a 186)

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Em julho do ano passado, a TAG participou pela primeira vez da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). O que começou com um encontro entre os associados em 2017 resultou em uma programação incrível e muito mais completa neste ano. Logo no primeiro dia da 16ª edição da Flip, um café de boas-vindas aos associados na casa compartilhada entre a TAG e outras seis editoras inaugurou um espaço que ainda seria ocupado por muitos leitores e escritores. A presença dos booktubers Isa Vichi, Mell Ferraz e Yuri Al'Hanati fez sucesso entre o público, que também aproveitou nossa lojinha física para adquirir seus produtos literários favoritos. Porém, o dia em que a casa esteve mais lotada foi aquele em que, logo após um evento exclusivo com os associados acerca da “Escrita Negra

Transnacional”, a escritora Conceição Evaristo prestigiou seus fãs com uma sessão de autógrafos aberta ao público. Por fim, no domingo, quem passou por lá foi o autor Colson Withehead, que publicou Underground railroad – Os caminhos para a liberdade, livro enviado pelo clube no mês de abril. Além das discussões apaixonantes sobre literatura que presenciamos, o que mais emocionou a todos foram os encontros e abraços que ela proporcionou. Agradecemos a todos os associados que compareceram ao evento. E para o ano que vem? Estamos planejando trazer surpresas muito maiores, não perca! Acesse o código e confira a matéria completa do evento, além do vídeo que preparamos com os melhores momentos da TAG na Flip.

https://goo.gl/F8GRYD

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ESPAÇO DO ASSOCIADO

Bruno Leão

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LEIA DEPOIS DE LER

Este espaço foi pensado para você retornar à leitura da revista depois de ter terminado o livro. Aqui, mensalmente, um dos colunistas do nosso blog - taglivros.com.br/blog - irá produzir um texto especialmente para você analisar de forma mais complexa a obra.

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Spoiler

DIANTE DA PLANÍCIE INÓSPITA Leticia Wierzchowski

foi um escritor de alegorias inesquecíveis. A sua trilogia Os nossos antepassados (O visconde partido ao meio, O barão nas árvores e O cavaleiro inexistente) marcou a minha vida de leitora; do inesperado, Buzzati criava a metáfora da incompletude humana, do nosso nunca ser, nunca alcançar.

nações da vida de Drogo parecem se suceder em duas dimensões que jamais se tocam: a vida real do forte - árida, rígida e quase teatral - e o seu sonho de glória, a esperança vã de estar no fim do mundo por um motivo heroico, comandar a guerra contra os míticos tártaros das planícies despojadas que o forte aparta do reino.

Em O deserto dos tártaros, talvez o livro mais famoso de Dino Buzzati, encontramos a sua prosa mais elegante, o autor no auge do seu domínio narrativo, numa alegoria kafkaniana da trágica vida do personagem Giovanni Drogo, um jovem oficial destacado para um posto de fronteira, que passará toda a sua juventude à espera de uma invasão dos bárbaros.

Este é um livro como um jogo de espelhos. De mínimos, diminutos espelhos que abrem caminhos e sugestionam o leitor com imagens quase nunca reais. O próprio Drogo parece viver a sua existência tentando separar o real do irreal, aquilo que seu coração sente será mesmo resultado do que seus olhos veem?

Dino Buzzati

Há um clima de irrealidade no romance. Mais sugestivo do que calcado na ação, os fatos e as imagi-

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O deserto dos tártaros é um livro enxuto, de quinas doloridas e de inóspitas sensações. Um livro sobre as vãs esperanças, sobre a aco-


LEIA DEPOIS DE LER

modação, sobre o tempo desperdiçado. “É sempre uma outra página gasta, senhor tenente”, diz o narrador, “uma porção de vida que se foi.” Buzzati, ao contar do tempo que passa no antigo forte diante da planície deserta, onde nada de importante aconteceu por dezenas de anos, traz à baila a urgência da vida. O desespero da morte iminente, da juventude fugaz, da pressa humana de fazer, justapostos à nossa cotidiana acomodação. “Amanhã, amanhã, amanhã”, pensam os generais. “Amanhã, amanhã”, dizem os jovens soldados do forte. “Amanhã”, repete Giovanni Drogo. “Amanhã, virão os tártaros.” E, assim, se passam quatro meses. Quatro anos... Trinta anos.

Drogo segue esperando a sua sorte, a aventura milagrosa que, pelo menos uma vez na existência, deveria caber a cada um dos seres humanos. Mas será mesmo? Será que a gente espera alguma coisa, será que os tártaros virão mesmo algum dia? Giovanni Drogo gasta a sua existência enquanto o velho forte permanece impávido, acompanhando a sucessão infinita dos seus ocupantes. E o pêndulo diante da escrivaninha “continua a moer a vida” no belíssimo livro de Dino Buzzati, um romance que cala fundo no seu leitor.

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A PRÓXIMA INDICAÇÃO

A

A curadora de novembro Alice Sant’Anna

Quem indica o livro de novembro ao associado da TAG é a poeta Alice Sant’Anna, que estreou no cenário literário com o livro Dobraduras (2008), aos vinte anos de idade. Sant’Anna publicou, posteriormente, os livros Rabo de baleia (2013) e Pé do ouvido (2016) e hoje configura-se como um dos expoentes da poesia brasileira contemporânea. A obra que Sant’Anna indicou à TAG conduz o leitor por meio da perspectiva de uma jovem na Espanha ainda fragilizada pela Guerra Civil. Recém-chegada a

“O romance narra a chegada de uma jovem cheia de planos e expectativas numa Barcelona sombria, em pleno pós-guerra. É um retrato fascinante sobre o processo de adaptação, as convivências difíceis, o sentimento de inadequação e a vontade de começar uma nova vida.” 34

Barcelona, ansiosa por vida e ares novos, ela tem seu entusiasmo abalado por uma família em decadência psicológica e financeira – realidade que repercute fora do ambiente familiar e a faz experimentar um permanente sentimento de inadequação. Foi com esse romance que sua autora, com apenas 23 anos à época, estreou na literatura, surpreendendo pela profundidade da escrita e fazendo o livro ser eleito como um dos 50 mais importantes da literatura em língua espanhola, segundo o jornal El País.


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“Ninguém restaurará os teus anos, ninguém te devolverá a ti mesmo uma segunda vez.” – Sêneca


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