MOIRÉ

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NÚMERO 01

OUTUBRO 2016

R$ 60,00

quem é o voyeur?

MICHAEL WOLF

Frans Kracjberg grito da natureza Lygiavida Clark sensorial


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expediente

Número 01 outubro 2016

MOIRÉ

é

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Editores responsáveis Caio Pimentel Taís Fernandes Thamires Falcão Diretores de arte Caio Pimentel Taís Fernandes Thamires Falcão Redação e Revisão Taís Fernandes tais@moire.com.br Departamento financeiro e marketing Caio Pimentel financeiro@moire.com.br marketing@moire.com.br

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MOIRÉ é uma publicação semestral da Editora ESDI. A revista não se responsabiliza pelas ideias e conceitos expressos nos artigos assinados, que trazem somente o pensamento dos autores e curadores e não representam, necessariamente, a opinião da revista MOIRÈ. Nós somos uma revista de arte contemporânea que tem como finalidade apresentar artistas relevantes do movimento e apresentar pessoas que estão crescendo nesse ambiente. É proibida a reprodução total ou parcial de suas publicações, para qualquer finalidade, sem prévia autorização formal.


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Sumรกrio

Editorial

Agenda

10 Destaques

13 Kara Walker

20 Candas Sissman

22 Joe Webb

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Lygia Clark

38 Franz Krajcberg

50

capa

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Michael wolf street view paris 028

Michael Wolf


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EDITORIAL

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No rastro, apoderamo-nos da coisa”, afirma Walter Benjamin sobre o poder do documento. Isso foi no começo do século 20. Talvez por isso a ânsia pela documentação e pela produção de imagens tenha ultrapassado hoje todos os limites. A revista naturalmente se move por esse impulso documental, produzindo registros, reproduções e reflexões acerca do mundo. Ao optar por trabalhar com o formato de dossiês, dedicando cada edição a artistas específicos, Moiré almeja tirar espontâneos da cena artística contemporânea. Tomemos então esta primeira edição como uma curadoria dos momentos da arte que questionam os caminhos tomados pela sociedade, um retrato produzido no instante em que corpos e comportamentos estão sendo moldados por hábitos permeados pela tecnologia; em que o acesso ao mundo é vasto e irrestrito, mas frequentemente mediado. Um momento de questionar-se sobre as decisões tomadas até agora, seja no âmbito social, político ou econômico. É nesse mundo atravessado e fragmentado que se encontra o artista. Seja revoltandose contra o consumo exagerado de nossa era e o total descaso das autoridades em relação ao meio ambiente - como vem fazendo Krajcberg, há mais de três décadas; seja explicitando o quão estamos sendo vigiados à todo momento - O que é o privado? Quem é o voyeur? Pergunta-se Wolf, e seus questionamentos ecoam em nosso âmago. Lygia Clark, Frans Krajcberg e Michael Wolf nos fazem ver que o papel do artista vai muito além de simples criação como válvula de escape, mostrando que a arte é uma mídia em si, talvez a mais poderosa forma de aproximar poéticas artísticas a identidades pessoais e atitudes políticas.


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14.09 08.10

O Mundo Físico

Galeria Virgilio São Paulo, SP, Brasil

05.09 08.10

Ascânio MMM

Casa Triângulo São Paulo, SP, Brasil

12.09 09.12 Casa Tomada São Paulo, SP, Brasil

12.09 14.01 Condomínio Louvre São Paulo, SP, Brasil

Estudos sobre o Mercadismo

Museu do Louvre Pau-Brazyl

03.09 15.10

Situ #5

Galeria Leme São Paulo, SP, Brasil

23.08 15.10

Até o Concreto

Casa Triângulo São Paulo, SP, Brasil

03.09 15.10 Galeria Leme São Paulo, SP, Brasil

11.11 08.12 URCA - Campus Pimenta Crato, Ceará, Brasil

Fantásticas Viagens da Energia

A Luz, A Cor, O Crato

Agenda

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Espetáculo “Boca do Lobo” chega ao Rio

06 a 22/outubro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Com trilha musical que inclui Tchaikovsky, Enio Moriconi, Elis Regina, The Supremes, o espetáculo de dança contemporânea “Boca do Lobo“ traz cinco bailarinos que apresentam movimentos extenuantes. A montagem da Renato Vieira Companhia de Dança tem apresentações neste fim de semana (24/08 às às 21h; 25 e 26 de agosto às 20h) no Galpão Gamboa. Após o sucesso de público e crítica do espetáculo “Riotornelo“, Renato Vieira e Bruno Cezario retomam a criação tendo como tema o “risco“. Em movimento, o tema é explorando numa interligação pulsante entre dança, artes plásticas e moda, dando ênfase a um dinâmico processo colaborativo com artistas do eixo Rio-São Paulo. Em cena, por uma hora, seis intérpretes apresentam movimentos extenuantes cada bailarino chega a extrapolar seu limite de oxigenação, de articulação, enfim, de dança. Boca do Lobo é o 21º espetáculo da Cia, formada hoje pelos dançarinos Bruno Cezario, Soraya Bastos, Lavínia Bizzotto, Fabiana Nunes, José Leandro e Tiago Oliveira. “Estar na boca do lobo é uma expressão antiga que resume bem o que queremos abordar. Correr risco é algo universal. Queremos dançar e mostrar a potência humana ao se lançar em queda livre em situações arriscadas, às vezes até condenando a própria vida. Em nossa pesquisa entram várias referências e unimos gerações diferentes, a minha e a do Bruno, cada qual com sua representação desta via de perigo. No roteiro, lembramos da Elis Regina em ‘Dois pra lá, dois pra cá’” explica Renato.

destaques

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destaques

Mostra de Cinema Brasileiro Os filmes selecionados para o evento são obras que, em sua excelência, abordam diversas questões da sociedade brasileira, desde diferenças entre classes até a inserção do indivíduo na vida cotidiano. Entre eles está o longa-metragem “Ralé”, de Helena Ignez, no qual Ney Matogrosso interpreta um homem de origem aristocrática, ex-viciado em heroína, que funda uma seita adepta de rituais com ayahuasca, que será exibido no dia 17/08, no Sesc Quitandinha. No dia seguinte, é a vez de “Mãe Só Há Uma”, da diretora e roteirista Anna Muylaert. No Sesc Teresópolis, a sessão de “A Luneta do Tempo”, estreia de Alceu Valença como diretor, será seguida do lançamento do livro que conta os bastidores das gravações. Ambientado no sertão pernambucano, o filme narra as aventuras de Lampião e Maria Bonita, ícones da história do nordeste. Já “Casa Grande”, de Fellipe Gamarano Barbosa, é um romance de formação. Conta a história de um adolescente rico que luta para fugir da superproteção dos pais. Quando a família vai à falência, o garoto começa a se dar conta das contradições do mundo em que vive. O diretor também tem presença confirmada, assim como o ator Thales Cavalcanti.

09 a 23/outubro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil


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Tempo_ Festival

17 a 29/outubro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Treze atrações estrangeiras e quatro brasileiras, todas inéditas, integram a programação do 7º Tempo_Festival, evento anual que ocupa diversos espaços culturais do Rio de Janeiro com um panorama da cena teatral contemporânea. Entre os destaques, estão espetáculos, vídeos, oficinas e debates que mostram a relevância cultural do teatro polonês e o novo espetáculo de um dos mais importantes diretores brasileiros. A cada noite, pelo menos um espetáculo terá sua estreia em um dos espaços onde acontece o festival. A abertura foi na noite de segunda-feira no Oi Futuro Flamengo, com as apresentações dos espetáculos Invisível, uma coprodução entre Brasil e Holanda, protagonizada pela atriz Mariana Nunes, tendo como pano de fundo a invisibilidade da mulher negra na sociedade brasileira, e de Pequena Narrativa (Small Narration), performance do conceituado artista visual e diretor polonês Wojtek Ziemilski. Outros espetáculos da Polônia que integram a programação do festival são Apocalipse, do diretor Michal Borczuch, Na Solidão dos Campos de Algodão, de Radoslaw Rychcik, e Ewelina Chora, da artista Anna Karasiska.

Peça “Na solidão dos campos de algodão” Divulgação Krzysztof Bielinski


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destaques

Obras de fôlego no campo da poesia Corpos em marcha, de Simone Andrade Neves, é quase a estreia da poeta mineira. Mas um começo muito promissor, pois traz uma poesia que, muito trabalhada na sua linguagem, consegue se esquivar da suposta delicadeza feminina. A sua delicadeza é conquista diária, por isso seus corpos (linguagem) se impõem numa perícia demorada na escolha de cada palavra, cada verso, e tudo isso sem perda do lirismo que, camuflado, se abre sutilmente para a descoberta do prazer, como no admirável poema Ovo. Simone de Andrade, sem dúvida, é uma das ótimas revelações na cena da nossa jovem poesia contemporânea. Se na poeta mineira acima o delicado se esquiva, o mesmo não ocorre com a poesia da belohorizontina Ana Martins Marques. Em seu terceiro livro (Livro das semelhanças), a poeta acentua o uso da metalinguagem, porém recoloca esse exercício numa visada amorosa, como na última parte do livro, onde o tema amoroso, um dos mais buscados pela poesia desde sempre, ganha delicadeza sem frivolidade. Ana Martins é daquelas poetas que pensa muito o que sente e, sentindo, recolhese para embaralhar os sentimentos. Talvez por isso a ironia seja tramada de maneira discreta, mas que está lá para dizer que o amor, às vezes, pode ficar ancorado num porto de alguma cidade, onde uma vez esquecido é lembrado. Que o digam as “cartografias”, um dos pontos fortes do livro. Portanto, as semelhanças aqui são apenas um espelho, digamos fosco, que nos adverte ser preciso desconfiar das doações. O ótimo poema Aqueles ciúmes da Playboy é uma das peças em que Ana Elisa não poupa críticas ao que poderia ser “fácil” dentro do tema do erotismo. Em Xadrez, a poeta não joga na defensiva.

1º a 15/outubro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil


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Exposição em Paris une orquestra de animais e arte contemporânea A Fundação Cartier de Paris organizou uma mostra especial – A Grande Orquestra dos Animais - para divulgar o trabalho do músico americano Bernie Krause, que percorre o mundo há mais de 40 anos gravando sons da natureza, na terra ou no mar, incluindo a floresta amazônica brasileira. O repertório de Krause tem cinco mil horas. Para destacar a importância do trabalho do músico e especialista em bioacústica ciência multidisciplinar que combina biologia e acústica - , a instituição francesa convidou artistas de renome para mergulhar e interagir na experiência sensorial, além de ser um alerta sobre a beleza e a fragilidade do ambiente. O curador Thomas Delamarre explica: “O trabalho de Bernie Krause é ao mesmo tempo estético e cientifico, mas para nós o desafio era transformar isso em uma experiência sensorial e estética. As obras não são exatamente uma ilustração para os sons de Krause, mas digamos que o trabalho dele e a ideia de uma grande orquestra animal foi uma fonte de inspiração para toda a exposição,

10 a 31/setembro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

inclusive para a parte mais visual. As obras alternam essa ideia de grande orquestra e coexistência de espécies, incluindo a coabitação entre homens e animais”. A mostra “Grande Orquestra dos Animais” fica em cartaz na Fundação Cartier, em Paris.


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emergentes

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Kara Walker

A

artista norte-americana Kara Walker, de 33 anos, deixa claro que pertence a essa categoria. Para ela, foi muito difícil posicionar-se como artista, impor-se unicamente por seu modo de expor uma visão do mundo. “Oh, ela é uma mulher negra e ela fez uma pintura”, dramatiza, com sarcasmo, comentando a reação comum das pessoas. “Então a minha pintura era vista como algo secundário.” Subverter essa pré-condição era seu primeiro grande desafio. “Quando eu comecei a fazer o meu trabalho, eu tive de fazê-lo completamente negro”, afirma. Slavery! Slavery! é um painel circular com ilustrações típicas do século 19 dispostas em um sentido de movimento. São figuras recortadas em papel preto, quase um teatro de sombras da escravidão negra nos Estados Unidos - especificamente, permeado de signos da cultura literária da Geórgia, onde Kara Walker viveu sua experiência mais marcante. “A escravidão negra, as marcas da Guerra Civil, tudo permanecia muito forte na cultura da Geórgia, e eu tentei abordar isso no meu trabalho.”


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Segundo Kara, a obsessão em tratar a arte sempre com um olhar histórico sobre os temas da desigualdade racial, da opressão, não implica que tenha necessariamente de apontar soluções raciais. “Eu não sei. Sei apenas que quero continuar abordando questões como essa. Não faço isso com o propósito de encontrar soluções, mas de me sentir completa pessoalmente, de buscar uma forma de ir à frente e não de estabelecer regras.”

Acima, painel “Slavery! Slavery!” Na página anterior, escultura American Nefertity

Quando eu comecei a fazer o meu trabalho, eu tive de fazê-lo completamente negro”


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emergentes

Espero que, um dia, sistemas como religião, dinheiro e governo desapareçam com a ajuda da ciência, conhecimento e tecnologia. Isso nos daria uma maneira mais simples e mais feliz de viver.

Acima, instalação audiovisual de 2015. Ao lado, escultura cinética, de 2009. Na página seguinte, instalação IPOcle, 2014


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Candaş Şişman

A

través do seu trabalho, Candas Şişman visa manipular a nossa noção de tempo, espaço e movimento, utilizando tecnologias digitais e mecânicas. Tomando as ciências da natureza e do universo como seu ponto de referência, o artista combina formas físicas com imagens digitais produzidas por ele, criando assim uma ponte entre o mundo físico e o mundo digital. As obras de Şişman tem raízes complexas, mas as formas são simples, permitindo que o público se envolva com seu trabalho em níveis intelectual e artístico; onde “processo” é o elemento estrutural de extrema importância da obra. Candas Şişman recebeu vários prêmios desde 2007, entre os quais uma Menção Honrosa do Prix Ars Electronic Computer Animation / Film / VFX e Prêmio Júri de Seleção na Divisão de Arte do 18º Japan Media Arts Festival.


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Joe Webb

O

artista britânico Joe Webb é conhecido por transformar colagens em obras de arte. Usando apenas cola e tesoura ele quebra a rotina diante da tecnologia e dá vida a imagens surreais. Sua técnica se aproxima da colagem dos modernistas: suas criações partem de imagens de revistas antigas. As semelhanças acabam aí,porque seu tema mais recorrente é a relação problemática entre o ser-humano e o meio-ambiente. Valendo-se de revistas antigas para criar simples, mas elegantes colagens feitas à mão, Webb reinventa as imagens usando edições simples e concisas, transformando a cena original em algo completamente surreal. Inspirado pelas colagens pop-art de Peter Blake, Webb começou a reinventar o imaginário através de colagens em baixa resolução feitas à mão.


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Acho que tenho me afastado bastante da tecnologia. Embora promova minha arte em websites e tenha um iphone, lá no fundo eu desejo ter nascido no século passado.

Na página anterior, colagens da série Cosmic Lover e Sweet Armageddon! Abaixo, série Stardust

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Michael Wolf


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A desculpa para sair e xeretar as vidas da outras pessoas O fotógrafo alemão Michael Wolf viveu e trabalhou durante 10 anos em Hong Kong, uma das cidade mais densamente povoadas do mundo, com mais de 6700 habitantes por quilómetro quadrado. Estimulado pela complexidade urbana desta metrópole sobrepovoada e em constante crescimento, Wolf trabalhou nesta série de fotografias a cores em grande formato a que chamou “Architecture of Density” (“Arquitetura de Densidade”). Os massivos blocos de apartamentos que se elevam dezenas de andares num ritmo repetitivo de janelas são fotografados sem referências que os contextualizem, como se não tivessem limites, apresentando-se como padrões abstractos que preenchem todo o plano. Para o autor, o interessante neste trabalho é o facto de por detrás da imagem pública e anónima estarem presentes em cada fotografia milhares de espaços privados. Pequenos pedaços de vidas individuais, roupa estendida ou plantas nas janelas que dão uma vibração de irregularidade às grandes estruturas arquitectonicas. Em Street View: A Series of Unfortunate Events, Wolf retorna a questão das relações humanas, isolando cenas capturadas pela tecnologia Google Street View, um mecanismo que faz imagens em intervalos regulares, através de um scanner localizado no topo de um carro, que é dirigido pelas ruas a serem mapeadas, possibilitando imagens de pessoas e detalhes, numa tentativa de fazer um mapa fotográfico do mundo. Esse ato de apropriação, também denominado sequestro de fotografias é o conceito que Tadeu Chiarelli, desenvolve em Quando se fala sobre fotografia no Brasil (1998) - a fotografia sequestrada é aquela

retirada de seu lugar de origem e relocada, proporcionando sua resignificação e sua recontextualização. Wolf desenvolve esse procedimento com auxílio da ferramenta de mapeamento do Google. O seu trabalho é a apropriação de imagens, deslocadas desse contexto público, levando-as para um contexto privado. Separando imagens cria novas experiências, pois além de retirar essas fotografias de uma localização anterior, ele as reenquadra decompondo sua forma original e criando uma nova imagem, um novo universo, uma nova narrativa.


michael wolf

Outra questão absolutamente necessária para discussão é o clássico momento decisivo, típico da fotografia de rua, representado de forma pungente por Henri CartierBresson, Robert Doisneau e a cidade de Paris, especialmente. Entretanto, o instante decisivo, aqui, não depende do fotógrafo apenas, uma vez que a sua apropriação envolve a seleção das cenas interessantes, mas não propriamente o clique, somado a isso autor busca uma melhor organização da forma e do espaço, através do reenquadramento. Sentido horário: Crowded Hong Kong, e 100x100-99

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Street view

Interface 9 Página seguinte: paris 025

O voyuerismo, também, não poderia deixar de ser citado, nos fazendo questionar quem é o voyeur: o Google? O autor na sua busca por imagens de eventos incomuns? Os usuários dessa ferramenta? Para tentar driblar essa questão dos limites da privacidade, o mecanismo de

mapeamento criou um blur (desfoque) automático nos rostos que aparecem no escaneamento, para tentar proteger a privacidade das pessoas nas imagens. Entretanto, o que vemos no mapeamento feito pelo Google Street View e na apropriação feita por Wolf é a ponta do iceberg sobre as questões sobre os limites entre o público e o privado. Mesmo com o desfoque ainda é possível reconhecer e ser reconhecido nessas imagens. À partir do momento que Michael Wolf retira essas fotografias de seu contexto original de ferramenta de localização e as exibe em paredes de museus e galerias, questionamentos sobre direito de uso de imagem emergem e se desfazem na mesma velocidade.


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fotografias feitas por artistas plásticos como Rauschenberg ou Wahrol, a autenticidade é confirmada pela originalidade do procedimento na utilização desse mecanismo. O conceito é instigante por tratar de questões como a privacidade e o voyuerismo, tão contemporâneas e ao mesmo tempo atemporais. Por isso,

O que Wolf faz é tão questionável quanto as fotos de Doisneau ou Bresson, nos seus instantes decisivos de momentos, que de fato aconteceram, como nos de Michael. Sua seleção obviamente privilegia o inesperado e semelhanças com imagens clássicas da iconografia de cidades, como na sua série Paris Street View. O beijo de Doisneau associado, infinitamente, ao imaginário do romantismo em Paris, se repete. O beijo deixa de ser uma ideia de algo que aconteceu, para algo que pode estar acontecendo exatamente agora. Com isso, o beijo não precisa ser, necessariamente, flagrado pelo olhar sensível e inalcançável de um fotógrafo de rua. O trabalho de Michael Wolf envolve questões de ordem técnica, conceitual e autoral. A autoria é tão inquestionável quanto nas apropriações de

quem sabe, podemos considerálo o primeiro fotógrafo de rua online do mundo. O principal foco do fotógrafo alemão Michael Wolf é a vida nas grandes cidades. Em seus projetos encontramos registros da arquitetura e cultura das metrópoles. Uma série de eventos infelizes, todos os esses fotografados do Google Street


michael wolf

View, tomada por colocar uma câmera em um tripé na frente de uma tela de computador em Paris. Google Street View é uma tecnologia que exibe imagens tiradas por uma frota de carros especialmente adaptados, fornecendo on-line vistas panorâmicas de lugares diferentes ao redor do globo. Desde o seu lançamento em maio de 2007, expandiu-se de apenas algumas cidades os EUA para cobrir uma variedade de locais em todo o mundo. A tecnologia tem levantado questões de privacidade, embora o Google afirma que as fotos são tiradas da propriedade pública, que os recursos podem ser desfocada na tela e que os usuários podem sinalizar inadequada ou sensível imagens para o Google a remover. O serviço foi, no entanto, suspensa em um número de países, incluindo Áustria, Austrália e República Checa, como resultado de acusações por motivos de privacidade. Itália pediu ao Google para dar a seus cidadãos notar antes de iniciar operações de mapeamento, e, em novembro, a Alemanha se tornou o primeiro país a negociar um optout antes que o serviço entrou em funcionamento, com quase 250.000 alemães solicitando suas propriedades ser pixelizada.

A autoria é tão inquestionável quanto nas apropriações de fotografias feitas por artistas plásticos como Rauschenberg ou Warhol.

Paris 1211; a series of unfortunate events 51 e 7909 Página anterior: interface 199; paris 211

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A questão é como podemos descobrir novas imagens

Michael Wolf nasceu em Munique, em 1954. Cresceu nos EUA, Canadá e Europa, mudou-se para China em 1995, onde publicou 5 livros de fotografia. Wolf tem um interesse crescente nas relações humanas, na cidade e sua arquitetura. Em seu trabalho Transparent City (2008) o autor faz dípticos com imagens de prédios e detalhes pixelizados de cenas da vida ali. Wolf cresceu no Canadá, Europa e Estados Unidos, se mudou para Hong Kong em 1994. Nesta última cidade, trabalhou para a revista Stern por oito anos como fotógrafo oficial da revista. Michael fez exibições em diversos lugares como Veneza, Nova Iorque, Finlândia, Hamburgo, Hong Kong, Chicago, dentre outros. Possuí também coleções expostas de forma permanente, como a que se encontra no MoMa de Nova Iorque, no Brooklyn Museum, no San Jose Museum of Art na Califórnia, e em outras localidades. O artista já ganhou prêmios e uma menção honrosa. Publicou mais de 13 livros de fotos, como “Bottrop Ebel 1976, “Tokyo Compression Three”, “Architecture of Density”, “Hong Kong Corner houses”, “Portraits”, “Tokyo Compression

Tokyo Compression 39

Revisited”, “Real Fake Art”, “Fy”, “A Series of Unfortunate Events”, “Tokyo Compression”, “HongKong Inside Outside”, e “Sitting in China”. Desde 2001, Wolf tem trabalhado com projetos pessoais, dos quais alguns foram publicados em livros. Em seu site, é possível encontrar seus trabalhos, bem como outras informações.

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Eis me aí qual testemunho da minha obra já formulada, agora o testemunho já não é ela mas sim eu-obra-pessoa humana

Lygia Clark trabalha com instalações e body art. Em 1954, incorpora como elemento plástico a moldura em suas obras como, por exemplo, em Composição nº 5. Suas pesquisas voltam-se para a “linha orgânica”, que aparece na junção entre dois planos, como a que fica entre a tela e a moldura. Entre 1957 e 1959, realiza composições em preto-e-branco, formadas por placas de madeira justapostas, recobertas com tinta industrial aplicada a pistola, nas quais a linha orgânica se evidencia ou desaparece de acordo com as cores utilizadas. Para a pesquisadora de arte Maria Alice Milliet, Lygia Clark é entre os artistas vinculados ao concretismo, quem melhor compreende as relações espaciais do plano.

Pensamento Mudo 1971


lygia clark

A radicalidade com que explora as potencialidades expressivas dos planos, leva-a a desdobrá-los, como nos Casulos (1959), que são compostos de placas de metal fixas na parede, dobradas de maneira a criar um espaço interno. No mesmo ano, participa da 1ª Exposição Neoconcreta. O neoconcretismo define-se como tomada de posição com relação à arte concreta exacerbadamente racionalista e é formado por artistas que pretendem continuar a trabalhar no sentido da experimentação, do encontro de soluções próprias, integrando autor, obra e fruidor Inicia, em 1960, os Bichos, obras constituídas por placas de metal polido unidas por dobradiças, que lhe permitem a articulação. As obras são inovadoras: encorajam a manipulação do espectador, que conjugada à dinâmica da própria peça, resulta em novas configurações. Em 1963, começa a realizar os Trepantes, formados por recortes espiralados em metal ou em borracha, como Obra-Mole (1964), que, pela maleabilidade, podem ser apoiados nos mais diferentes suportes ocasionais como troncos de madeira ou escada.Sua preocupação volta-se para uma participação ainda mais ativa do público. Caminhando (1964) é a obra que marca essa transição. O participante cria uma fita de Moebius: corta uma faixa de papel, torce uma das extremidades e une as duas pontas. Depois a recorta no comprimento de maneira contínua e, na medida em que o faz, ela se desdobra em entrelaçamentos cada vez mais estreitos e complexos. Experimenta um espaço sem avesso ou direito, frente ou verso, apenas pelo prazer de percorrê-lo e, dessa forma, ele mesmo realiza a obra de arte. Inicia então trabalhos voltados para o corpo, que visam ampliar a percepção, retomar memórias ou provocar diferentes emoções. Neles, o papel do artista é de propositor ou canalizador de experiências. Por exemplo, em Luvas Sensoriais (1968) dá-se a redescoberta do tato por meio de bolas de diferentes tamanhos, pesos e texturas e em O Eu e o Tu: Série Roupa-Corpo-Roupa (1967), um casal veste roupas confeccionadas pela artista, cujo forro comporta materiais diversos. Aberturas na roupa proporcionam, pela exploração táctil, uma sensação feminina ao homem e à mulher uma sensação masculina. A instalação A Casa É o Corpo: Labirinto (1968) oferece uma vivência sensorial e simbólica, experimentada pelo visitante que penetra numa estrutura de 8 metros de comprimento, passando por ambientes denominados “penetração”, “ovulação”, “germinação” e “expulsão”. Entre 1970 e 1975, nas atividades coletivas propostas por Lygia Clark na Faculté d’Arts

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lygia clark

Plastiques St. Charles, na Sorbonne, a prática artística é entendida como criação conjunta, em transição para a terapia. Em Túnel (1973) as pessoas percorrem um tubo de pano de 50 metros de comprimento, onde às sensações de claustrofobia e sufocamento contrapõe-se a do nascimento, por meio de aberturas no pano, feitas pela artista. Já Canibalismo e Baba Antropofágica (ambos de 1973) aludem a rituais arcaicos de canibalismo, compreendido como processo de absorção e de ressignificação do outro. No primeiro acontecimento, o corpo de uma pessoa deitada é coberto de frutas, devoradas por outras de olhos vendados; e, no segundo, os participantes levam à boca carretéis de linha, de várias cores e lentamente os desenrolam com as mãos para recobrir o corpo de uma pessoa que está deitada no chão. No final, todos se emaranham com os fios. A partir de 1976, dedicase à prática terapêutica, usando Objetos Relacionais, que podem ser, por exemplo, sacos plásticos cheios de sementes, ar ou água; meiascalças contendo bolas; pedras e conchas. Na terapia, o paciente

cria relações com os objetos, por meio de sua textura, peso, tamanho, temperatura, sonoridade ou movimento. Eles permitem-lhe reviver, em contexto regressivo, sensações registradas na memória do corpo, relativas a fases da vida anteriores à aquisição da linguagem. A poética de Lygia Clark caminha no sentido da não representação e da superação do suporte. Propõe a desmistificação da arte e do artista e a desalienação do espectador, que finalmente compartilha a criação da obra. Na medida em que amplia as possibilidades de percepção sensorial em seus trabalhos, integra o corpo à arte, de forma individual ou coletiva. Finalmente, dedica-se à prática terapêutica. Para Milliet, a artista destaca-se sobretudo por sua determinação em atravessar os territórios perigosos da arte e da terapia. Lygia Clark deixa de lado a matéria dura (a madeira), passa pelo metal flexível dos “Bichos” e chega à borracha na “Obra Mole, 1964”. A transferência de poder, do artista para o propositor, tem um novo estágio em “Caminhando, 1964”. Cortar a fita significava, além da questão da “poética da transferência”, desligar-se da tradição da arte concreta. Esta fita distorcida na “Obra Mole” agora é recortada no “Caminhando”. Era uma situação limite e o início claro de um novo paradigma nas Artes Visuais brasileiras. O objeto não estava mais fora do corpo, mas era o próprio “corpo” que a interessava.


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Os Bichos Em 1960, Lygia cria a série “Bichos”: esculturas, feitas em alumínio, possuidoras de dobradiças, que promovem a articulação das diferentes partes que compõem o seu “corpo”. O espectador, agora transformando em participador, é convidado a descobrir as inúmeras formas que esta estrutura aberta oferece, manipulando as suas peças de metal. Com esta série, Clark torna-se uma das pioneiras na arte participativa mundial. Em 1961, ganha o prêmio de melhor escultura nacional na VI Bienal de São Paulo, com os “Bichos”. (Fotos prõxima página)


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lygia clark


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lygia clark

Lygia rompeu com o espaço bidimensional do quadro, aboliu a moldura, e sua obra invadiu a terceira dimensão. Dentro da sua proposta, o espectador abandona a condição passiva diante da obra e passa a interagir com ela, estabelecendo uma relação de transferência e doação. Baba Antropofágica é o nome de uma proposição criada por Lygia Clark em 1973, quando lecionava Comunicação Gestual na Sorbonne. Nascida em Belo Horizonte em 1920. Clark foi uma das mais instigantes e interessantes artistas brasileiras, sendo um dos nomes mais representativos do Grupo Frente e do Neoconcretismo. Lygia Clark acreditava que arte e terapia psicológica andavam de mãos dadas. Tanto que, com base em objetos manuseáveis que criava ou recolhia da natureza, como balões de ar, sacos de terra e água e até pedras, pensava ter o dom de curar os males da alma. Certa feita, uma aluna entrou em transe profundo e caiu desmaiada, durante uma das sessões de arteterapia de Lygia na Sorbonne, em Paris, na década de 70. Dando graças a Deus que não era nada grave, a artista explicou que a jovem não tinha preparo psicológico necessário para surportar os exercícos de sensibilização e relaxamentos, que ‘liberavam os conteúdos reprimidos e a imaginação’ dos alunos. Aqueles instrumentos, que nas mãos de Lygia assumiam poderes imprevisíveis, eram chamdos por ela de Objetos Sensoriais. Tais objetos nunca foram vistos com bons olhos por psicanalistas franceses e brasileiros, porque ela não tinha formação acadêmica na área. Lygia, por sua vez, não deixava ninguém sem resposta. Comprava briga com qualquer um que ousasse falar mal de seu trabalho, que tinha por trás conceitos dos mais sofisticados, elaborados por ela mesma. Corajosos eram os que se atreviam a frequentar suas sessões de arteterapia na década de 70. Seguno Lygia, seu método para a ‘liberação dos conteúdos reprimidos’ era tão eficiente que homossexuais viravam heterossexuais e vice-versa.”

Caminhando, 1964


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São inúmeras obras em que a experiência do espectador é constituinte do trabalho. Na medida em que amplia as possibilidades de percepção sensorial em seus trabalhos, integra o corpo à arte, de forma individual ou coletiva. Finalmente, dedica-se à prática terapêutica. Para Milliet, a artista destaca-se sobretudo por sua determinação em atravessar os territórios perigosos da arte e da terapia.

Baba Antropofágica, 1969


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Lygia Pimentel Lins (Belo Horizonte MG 1920 - Rio de Janeiro RJ 1988). Pintora e escultora contemporânea. Mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1947, e inicia aprendizado artístico com Burle Marx (1909-1994). Entre 1950 e 1952, vive em Paris, onde estuda com Fernand Léger (1881-1955), Arpad Szenes (1897-1985) e Isaac Dobrinsky (1891-1973). De volta para o Brasil, integra o Grupo Frente, liderado por Ivan Serpa (1923-1973). É uma das fundadoras do Grupo Neoconcreto e participa da sua primeira exposição, em 1959. Gradualmente, troca a pintura pela experiência com objetos tridimensionais. Realiza proposições participacionais como a série Bichos, de 1960, construções metálicas geométricas que se articulam por meio de dobradiças e requerem a co-participação do espectador. Nesse ano, leciona artes plásticas no Instituto Nacional de Educação dos Surdos. Dedica-se à exploração sensorial em trabalhos como A Casa É o Corpo, de 1968. Participa das exposições Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). Reside em Paris entre 1970 e 1976, período em que leciona na Faculté d´Arts Plastiques St. Charles, na Sorbonne. Nesse período sua atividade se afasta da produção de objetos estéticos e volta-se sobretudo para experiências corporais em que materiais quaisquer estabelecem relação entre os participantes. Retorna para o Brasil em 1976. Nesse ano ela dedica-se ao estudo das possibilidades terapêuticas da arte sensorial e dos objetos relacionais. Sua prática fará que no final da vida a artista considere seu trabalho definitivamente alheio à arte e próximo à psicanálise. A partir dos anos 1980 sua obra ganha reconhecimento internacional com retrospectivas em várias capitais e em mostras antológicas da arte do pós-guerra. Nesse ano, leciona artes plásticas no Instituto Nacional de Educação dos Surdos. Dedica-se à exploração sensorial em trabalhos como A Casa É o Corpo, de 1968. Participa das exposições Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). Reside em Paris entre 1970 e 1976, período em que leciona na Faculté d´Arts Plastiques St. Charles, na Sorbonne. Nesse período sua atividade se afasta da produção de objetos estéticos e volta-se sobretudo para experiências corporais em que materiais quaisquer estabelecem relação entre os participantes. Realiza proposições participacionais como a série Bichos, de 1960, construções metálicas geométricas que se articulam por meio de dobradiças e requerem a co-participação do espectador.

Lygia Clark com a máscara Abismo, para exposição no Paço Imperial, em 1986

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Frans Krajcberg


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Gostaria de gritar cada dia mais alto, mais violento contra a barbárie praticada “O artista sem fronteira, para nosso orgulho, vive aqui”, diz a placa de boas-vindas na entrada de Nova Viçosa, no extremo sul da Bahia. A pequena cidade foi eleita pelas baleias-jubarte como o destino anual de inverno e também por Frans Krajcberg como sua casa definitiva. Mas, quando se convive um pouco mais de perto com esse escultor e poeta da natureza, fica estranho imaginar que alguém tão livre tenha um CEP. Krajcberg, que cresceu na Polônia, perdeu a família na guerra e chegou aqui aos 27 anos, sozinho e com medo das pessoas. “Na Hungria, vi

uma montanha de lixo num campo de concentração. Cheguei mais perto e eram corpos empilhados.” Tamanho horror explica sua felicidade quando conheceu a natureza brasileira. “Ela me salvou. Sorria para mim e nunca perguntava de onde eu vinha ou que religião tinha. Foi quando descobri a vida.” Hoje, Krajcberg mora num resquício de mata Atlântica com o mar no quintal e faz da sua arte um grito de revolta. Ele consagrou-se mundo afora ao modelar árvores derrubadas, troncos e galhos aparentemente sem vida que, unidos pelo olhar e a engenharia artística de um mestre, renascem em esculturas singulares. No fim de 2008, Krajcberg enfim viu se materializar sua primeira grande exposição individual em São Paulo: 65 esculturas e 40 fotos de queimadas, exibidas no pavilhão da Oca, no Parque do Ibirapuera troncos e galhos aparentemente sem vida. “Ainda que seja a maior cidade da América Latina também do ponto de vista cultural, São Paulo é provinciana, fechada em si”, reclama ele, com o indisfarçável humor de quem ostenta cicatrizes, sejam na memória, sejam em seu trabalho. Desgostoso com os rumos do mundo e com o próprio éden que erigiu para si o sítio à beira-


frans kracjberg

mar, ladeado por mangues e Mata Atlântica, em Nova Viçosa, sul da Bahia, onde vive há 30 anos em uma casa feita sobre um tronco de pequi, a 7 metros do chão, Krajcberg aproximase dos 90 anos querendo, como costuma dizer, “gritar contra a destruição da vida”. Sua voz para isso são suas árvores redivivas, mensageiras de uma verdade que transcende qualquer simplificação do ambientalismo tradicional. O artista e sua obra parecem divergir. Se Krajcberg se revela um pessimista com os desmandos do planeta e seus homens, suas peças, à revelia dele, denunciam: a natureza nunca está morta. Qual é a função da arte? Educar, informar e entreter? Arte pode ser entendida como atividade humana ligada às manifestações artísticas, seja de ordem estética ou comunicativa, realizadas por diversas formas de linguagens. Talvez uma pergunta mais pertinente seja: qual o potencial da arte, considerando que a arte surge da necessidade de observar o meio que nos cerca, reconhecendo suas formas, luzes e cores, harmonia e desequilíbrio. Nesse contexto, podemos inserir a importância da arte como mais uma ferramenta do ativismo ambiental. Ao confrontar o público com informações

desagradáveis, convergidas em uma experiência estética, a sensibilização ultrapassa a barreira do racional e realmente toca as pessoas. Quando a arte representa a relação perturbada da sociedade com a natureza, fica explícita a urgência de ação. As mudanças ambientais já são há muito tempo objetos da arte. Por trás do verde idílico que os impressionistas pintavam, havia a fumaça negra das chaminés das fábricas. Uma das marcas da obra de Monet era o estudo da luz difusa, nessa busca se deparou com o Smog de Londres As preocupações mundiais com temas como o desmatamento, aumento de epidemias, poluição, aquecimento global, esgotamento de espécies, novas tecnologias genéticas, novas e velhas doenças, são reflexos de um novo mundo. O movimento cultural global em função de uma vida voltada para consumo consciente expandiu o papel da arte e dos artistas em nossa sociedade. Ao artista é creditada a função de ativista, para expor a demanda pela urgência de mudanças que a sociedade precisa: a arte ambiental é uma arte engajada.

A natureza me deu a força, devolveu-me o prazer de sentir, de pensar e de trabalhar. De sobreviver. Quando estou na natureza, penso a verdade, digo a verdade, exijo-me verdadeiro.

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Árvores calcinadas, todas da série realizada em 1998

A primeira forma de linguagem do homem foi o “grito da natureza”. De acordo com o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, os homens utilizavam sons para pedir socorro no perigo ou ao aliviar-se de dores violentas. O grito de Frans Krajcberg se assemelha à essa linguagem primitiva, na medida em que denuncia a violência do homem contra a natureza, e expõe a dor das florestas devastadas. O artista plástico, premiado na Bienal de Veneza, na Bienal de São paulo, no salão de Arte Moderna, entre outros, é muito importante no panorama da arte brasileira e desenvolveu um poderoso trabalho de ativismo com pintura, escultura e fotografia.


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verdade que transcende qualquer simplificação do ambientalismo tradicional. O artista e sua obra parecem divergir. Se Krajcberg se revela um pessimista com os desmandos do planeta e seus Nesse contexto, podemos inserir a importância da arte como mais uma ferramenta do ativismo ambiental. Ao confrontar o público com informações desagradáveis, convergidas em uma experiência estética, a sensibilização ultrapassa a barreira do racional e realmente toca as pessoas. Quando a arte representa a relação perturbada da sociedade com a natureza, fica explícita a urgência de ação. As mudanças ambientais já são há muito tempo

Meus trabalhos são meu manifesto. O fogo é a morte, o abismo. Ele me acompanha desde sempre. A destruição tem formas. Eu procuro imagens para meu grito de revolta.

objetos da arte. Por trás do verde idílico que os impressionistas pintavam, havia a fumaça negra das chaminés das fábricas. Uma das marcas da obra de Monet era o estudo da luz difusa, nessa busca se deparou com o Smog de Londres As preocupações mundiais com temas como o desmatamento, aumento de epidemias, poluição, aquecimento global, esgotamento de espécies, novas tecnologias genéticas, novas e velhas doenças, são reflexos de um novo mundo. A obra realizada por Frans Krajcberg, ao longo de meio século, baseada no íntimo relacionamento com a natureza, é mais do que um projeto estético. É uma ética. É a invenção de um destino através da reinvenção da natureza. Ao fazer de sua obra uma espécie de memória da natureza, que ele faz irromper no seio da cultura, quer anular uma outra memória: seu próprio passado. Moldou seu destino conforme as exigências de um relacionamento com a natureza Uma luta titânica que vem travando no interior mesmo da natureza, no coração vulcânico da matéria natural, em nome de uma revolta individual que tinha muito a ver com sua solidão mas que adquiriu, com o tempo, uma dimensão universal e planetária, quando encarada no plano mais ambicioso de uma política e ética ecológicas. O movimento cultural global em função de uma vida voltada para consumo consciente expandiu o papel da arte e dos artistas em nossa sociedade. Ao artista é creditada a função de ativista, para expor a demanda pela urgência de mudanças que a sociedade precisa: a arte ambiental é uma arte engajada.


frans kracjberg

Nesse contexto, podemos inserir a importância da arte como mais uma ferramenta do ativismo ambiental. Ao confrontar o público com informações Nesse contexto, podemos inserir a importância da arte como mais uma ferramenta do ativismo ambiental. Ao confrontar o público com informações desagradáveis, convergidas em uma experiência estética, a sensibilização ultrapassa a barreira do racional e realmente toca as pessoas. Quando a arte representa a relação perturbada da sociedade com a natureza, fica explícita a urgência de ação. Desgostoso com os rumos do mundo e com o próprio éden que erigiu para si o sítio à beiramar, ladeado por mangues e Mata Atlântica, em Nova Viçosa, sul da Bahia, onde vive há 30 anos em uma casa feita sobre um tronco de pequi, a 7 metros do chão, Krajcberg aproxima-se dos 90 anos querendo, como costuma dizer, “gritar contra a destruição da vida”. Sua voz para isso são suas árvores redivivas, mensageiras de uma

A Aranha, 1999. Na página seguinte, obra sem título, de 1996

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cotidiano em cheque frans kracjberg e o grito da natureza


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No século 20, a arte não acompanhou a barbaridade praticada pelo homem contra o homem. Apenas um grande artista, com uma grande obra, retratou a 2ª Guerra Mundial: Picasso, com Guernica. Só. É escandaloso notar como o mercado dominou e conteve toda a expressão artística.

Krajcberg está radicado desde 1972 no sul da Bahia, onde mantém o seu ateliê no Sítio Natura. Chegou ali o convite do amigo e arquiteto Zanine Caldas, que o ajudou a construir a habitação: uma casa, a sete metros do chão, no alto de um tronco de pequi com 2,60 metros de diâmetro. No sítio, uma área de 1,2 km², um resquício de Mata Atlântica e de manguezal, o artista plantou mais de dez mil mudas de espécies nativas. No sítio, dois pavilhões projetados pelo arquiteto Jaime Cupertino, abrigam atualmente mais de trezentas obras do artista. Futuramente, com mais cinco construções projetadas, ali se constituirá o Museu que levará o nome do artista.

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A obra realizada por Frans Krajcberg, ao longo de meio século, baseada no íntimo relacionamento com a natureza, é mais do que um projeto estético. É uma ética. É a invenção de um destino através da reinvenção da natureza. Ao fazer de sua obra uma espécie de memória da natureza, que ele faz irromper no seio da cultura, quer anular uma outra memória: seu próprio passado. Moldou seu destino conforme as exigências de um relacionamento com a natureza que adquire um caráter messiânico. Uma luta titânica que vem travando no interior mesmo da natureza, no coração vulcânico da matéria natural, em nome de uma revolta individual que tinha muito a ver com sua solidão mas que adquiriu, com o tempo, uma dimensão universal e planetária, quando encarada no plano mais ambicioso de uma política e ética ecológicas.

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frans kracjberg

Nascido na Polônia, Frans Krajcberg chega ao Brasil em 1948, procurando reconstruir sua vida, após perder toda a família em um campo de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Com formação em engenharia e artes, realizada em Leningrado, sua carreira artística inicia-se no Brasil. Após residir um curto espaço de tempo no Paraná, muda-se para o Rio de Janeiro, onde divide ateliê com o escultor Franz Weissmann (1911 - 2005). Suas pinturas desse período tendem à abstração, predominando tons ocre e cinza. Trabalha motivos da floresta paranaense, com emaranhados de linhas vigorosas. O artista retorna a Paris em 1958, onde permanece até 1964. Alterna sua estada em Paris com viagens a Ibiza, na Espanha, onde produz trabalhos em papel japonês modelado sobre pedras e pintados a óleo ou guache. Essas “impressões” são realizadas com base no contato direto com a natureza, e aproximam-se, em suas formas, de paisagens vulcânicas ou lunares. Também em Ibiza, a partir de 1959, produz as primeiras “terras craqueladas”, relevos quase sempre monocromáticos, com pigmentos extraídos de terras

Fugi do homem para morar na floresta e minerais locais. Como nota o crítico Frederico Morais, a natureza torna-se a matériaprima essencial do artista. De volta ao Brasil, em 1964, instala um ateliê em Cata Branca, Minas Gerais. A partir desse momento ocorre em sua obra a explosão no uso da cor e do próprio espaço. Começa a criar as “sombras recortadas”, nas quais associa cipós e raízes a madeiras recortadas. Nos primeiros trabalhos, opõe a geometria dos recortes à sinuosidade das formas naturais. Destaca-se a importância conferida às projeções de sombras em suas obras. Em 1972, passa a residir em Nova Viçosa, no litoral sul da Bahia. Amplia o trabalho com escultura, iniciado em Minas Gerais. Intervém em troncos e raízes, entendendo-os como desenhos no espaço. Essas esculturas fixam-se firmemente no solo ou buscam libertar-se, direcionando-se para o alto. A partir de 1978, atua como ecologista, luta que assume caráter de denúncia em seus trabalhos: “Com minha obra, exprimo a consciência revoltada do planeta”.

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