TERESINA - PI, MARÇO DE 2008 • Nº 15 • ANO V
ISSN - 1809-0915
Afro-descendentes ainda sofrem com a falta de inclusão social Págs. 4 e 5
Estratégias de lutas contra o racismo Págs. 8 e 9
JÚLIO ROMÃO
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OPINIÃO TERESINA - PI, MARÇO DE 2008
Da escuridão à “Bandeira da liberdade” Um dos maiores pesquisadores de África, o embaixador, historiador e escritor Alberto da Costa e Silva, no prefácio de seu livro “A manilha e o libambo A África e a escravidão, de 1500 a 1700”, aponta que o termo escravidão não fora por ele adjetivado no referido livro, pois “o nome já traz em si, ainda não cicatrizados, os lanhos da iniqüidade, da violência, da humilhação e do sadismo” (SILVA, 2002, p.10) O fenômeno da escravidão no Brasil deixou marcas indeléveis na estrutura social e nas relações socioculturais que se formaram durante o processo histórico. Se por um lado, o Brasil de hoje reafirma a contribuição dos africanos e afro-bra-
sileiros na construção da nação, por outro traduz uma sociedade ainda marcada pelo racismo e a discriminação racial que alimentam a exclusão e a invisibilidade da pessoa negra nas diversas esferas sociais. Os índices estatísticos do IPEA e do IBGE, quanto à realidade da pessoa negra no Brasil, indicam que há muito ainda por fazer para que as desigualdades sócio-raciais sejam, pelo menos, diminuídas. Há mais brancos que negros nos cursos superiores de maior valorização econômica; como também mais brancos na esfera de poder econômico e mais negros nos subempregos, desempregados ou nas profissões de baixo poder aquisitivo. Diante disso, as universidades brasileiras, e, por conseguinte,
as piauienses, estimulam e promovem pesquisas e teses sobre os fenômenos étnico-socioculturais, em busca de provocar uma qualificada inserção dos sujeitos afro-brasileiros na sociedade. Acompanhando o que vem sendo desenvolvimento no campo dos estudos étnico-raciais, o Sapiência privilegia, nessa edição, o que pesquisadores (as) negros (as) piauienses vêm desenvolvendo como reflexão sobre o fenômeno da escravidão e seus desdobramentos, a relação educação e movimento negro organizado, a cultura afro-brasileira, assim como sobre os avanços e os recuos provocados pelas medidas de ações afirmativas e políticas públicas que atualmente vigoram no país.
Nº 15 * Ano V* Março de 2008 ISSN - 1809-0915 Informativo produzido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí FAPEPI Fone: (86) 3216-6090 Fax: (86) 3216-6092
Diretor Editorial Acácio Salvador Véras e Silva
Conselho Editorial Acácio Salvador Véras e Silva Francisco Laerte J. Magalhães Welington Lage
Editora Márcia Cristina
Racismo e política pública Alexis Leite*
Lembro das palavras do Adroaldo: “-Você é branquinho, não te incomodam com olhares de estranheza que fecham as portas aos diversos tipos de relações sociais como emprego, escola, namoro, amizade. Enfim, aquilo que se espera de uma sociedade que diz incorporar uma visão multirracial”. Estava eu diante de uma pessoa de pele negra, negra, negra, negra, portadora de 2,15m de altura por 80 centímetros de largura. Um gigante, o que comumente se chama de “um armário”. Lábios de “gamela”, nariz achatado, olhos avermelhados e cabelo pixaim (lembro do Jorjão: “Quem disse que cabelo de nêgo é ruim...”). Adroaldo, à época, uns dez anos atrás, era diretor do Sindicato dos Garis de Salvador. Estávamos conversando no Clube dos Diários, à noitinha, tomando uma cerveja após a nossa lida diária. Ele estava aqui para ajudar na compreensão da trama do momento político brasileiro, juntamente com outros sindicalistas locais. As palavras do Adroaldo serviram para me fazer entender que talvez nunca sinta eu o ultraje que um portador ou portadora de
tais características venha sentir. Mas posso entender facilmente o que seja preconceito racial, a partir da fala simples do Adroaldo. O preconceito racial existe? Claro que existe, não tão claro para mim que venho de família com traços raciais tão diferentes: Avós índios, negros e brancos. O que sou? Sou brasileiro e a minha tendência é compreender o Brasil como multirracial. Mas, para Adroaldo o Brasil é racista no olhar, no emprego, na saúde e na educação, na amizade, no namoro etc. Ele está em desvantagem patente com os “branquinhos” que fazem o meu tipo e mais ainda com relação às pessoas com os olhos claros e a pele branca. Entendo, pois, que políticas públicas podem e devem ajudar a corrigir essas distorções decorrentes dos preconceitos. Imaginemos o que seria um “poço dos preconceitos” onde pessoas com as características do Adroaldo estariam na parte mais profunda e a política pública visaria a colocá-las em patamares cada vez mais próximos da superfície, lugar que supostamente todos estariam sujeitos aos mesmos preconceitos. Seria um lançar de “cordas” que facilitaria a subida para uma igualdade com aqueles que se encontram em situação semelhante, mas não são objeto de preconceito? Seriam condições diferenciadas para que subissem mais rápido do que os outros? Ora, o tempo todo falamos de pobreza, lugar comum a milhões de pessoas que so-
frem ou não preconceito racial. Pobreza não é crime, mas o preconceito racial é. Declarar pobreza um crime seria responsabilizar o Estado pela pobreza decorrente das faltas de condições estruturais para cada pessoa e toda a sociedade. É do cerne do sistema de produção capitalista gerar desigualdades e preconceitos diversos para “justificar” o insucesso da maioria da sociedade. É “bom” para o sistema vigente no Brasil “lançar cordas” diferenciadas que pouco, ou quase nada, resolve em termos efetivos de combate real à pobreza. Nem pode. No entanto, fica a ilusão de que resolvemos as coisas combatendo simplesmente o preconceito racial. Ou a sociedade avança como um todo ou continuaremos a mascarar os problemas reais com soluções fictícias. O racismo, como todo preconceito, é presença constante em todos os sistemas de produção. Ele “justifica” fundamentalmente a exploração humana. O capitalismo mascara as suas perversidades afirmando ser proibido o preconceito racial, o preconceito contra os judeus etc. Contudo, a maioria, se não a totalidade, do povo brasileiro é multirracial, assim como o “branquinho” que sou, de miseráveis, analfabetos, sem saúde, sem emprego. A discussão BRANCO/PRETO no Brasil é um dos maiores disfarces do momento para a nossa miséria. Espraia o teu olhar ao longo de cinco séculos sobre o nosso povo e diz se não é. *Professor de Filosofia da UFPI alexislt@terra.com.br
Reportagens e fotos Márcia Cristina (Mtb-1060) Roberta Rocha (Mtb-1856)
Revisão Gramatical Assunção de Maria S. e Silva
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica Cícero Gilberto (86) 8801.9069
Impressão Grafiset - Gráfica e editora Rêgo Ltda. - (99) 3212.2177
Tiragem 8 mil exemplares
Governador do Estado Wellington Dias
Presidente Acácio Salvador Véras e Silva
Recebemos
Críticas, sugestões e contatos:
Parabenizo a última edição do informativo, SAPIÊNCIA, excelentes matérias, principalmente a que fala da obesidade. A título de sugestão, seria interessante uma reportagem sobre aminas no leite, que tem uma referência nesse último informativo, assunto novo que merece uma melhor divulgação para os neonatologistas e, de forma geral, que fala sobre amamentação. Parabéns para todos. Assessoria de Comunicação da Fundação Municipal de Saúde fms@teresina.pi.gov.br
sapiencia@fapepi.pi.gov.br marcia@fapepi.pi.gov.br • Fones: (86) 3216-6090 / 3216-6091 Fax: (86) 3216-6092 • www.fapepi.pi.gov.br
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ARTIGO TERESINA - PI, MARÇO DE 2008
A representação social do negro na escola Maria do Rosário de Fátima Biserra Rodrigues*
A representação social do negro na escola tem reproduzido os estereótipos presentes na sociedade brasileira, no que se refere às pessoas negras, o racismo. Mas quem é negro no Brasil? A concepção do que é ser negro abrange aspectos como os relativos à cor, ao posicionamento político, econômico, social e ao fenótipo. Há muitas classificações como pretos, pardos, morenos, mulatos e outras variações destas categorias sócio-étnicoraciais para referir-se aos negros. Então será considerado negro na definição de Boakari (1994), como sendo “aqueles indivíduos que têm uma herança explicitamente africana (fenótipo) e/ou mostram alguns traços distintamente africanos como lábios, nariz e cabelos”. A representação social do negro na escola pode ser analisada, a partir de aspectos como: currículo escolar e prática pedagógica (livro didático/ formação dos professores), processo de construção da auto-estima, através da linguagem utilizada nos eventos escolares e a socialização das crianças e adolescentes estudantes negros, envolvendo a família, entre outros. A abordagem será a socialização como um pro-
cesso de transmissão de valores presentes na família e na escola. A escola, como espaço do aprendizado e dos saberes acumulados, de promoção do ser humano e de estímulo à formação de valores, hábitos e comportamentos, é também um dos lugares sociais onde as pessoas convivem com as diferenças e com situações de racismo, preconceito e discriminação. A família como uma das primeiras instâncias socializadoras é importante para os indivíduos ou grupos, pela existência de vínculos afetivos, vínculos de apoio e pela possibilidade de construção de valores. Essa instância encontra dificuldades para transmitir valores e atitudes que fortaleçam os filhos para enfrentarem essas situações, pois a família é também marcada por estes componentes. Os espaços familiar e escolar, portanto, interagem no processo de socialização, tendo de um lado os filhos/ alunos e os pais e, de outro, os professores que representam a vivência de duas instituições atuando de forma diferenciada na disseminação de valores. No Brasil, segundo Élio Ferreira (2003), “era vetado ao escravo o direito de freqüentar escolas ou de ser alfabetizado e a seus filhos se interditava a chance de ascensão social”. Essa é ainda a realidade brasileira, que passados cento e vinte anos do fim da escravatura, ainda admite que o “lugar do negro” não é na escola, mas em espaços onde exercem papéis de subalternidade. A herança escravocrata mar-
cou profundamente para o negro o estabelecimento de suas relações sociais, constituindo-se como fator para disseminação de uma imagem negativa dessa população. Imagem negativa historicamente assimilada pela sociedade, que em sua maioria, os considera pessoas inferiores, incapazes intelectualmente e, por causa disso, tem lhe destinado funções de baixa qualificação, como de empregados domésticos, faxineiros, zeladores, engraxates, lavadeiras, entre outros. Tal constatação possibilita a esse grupo ser tratado, na maioria dos espaços sociais, de forma preconceituosa e discriminatória, fazendo emergir o racismo, embora velado. Racismo aqui entendido, segundo MUNANGA (2004), como “um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável através de sinais tais como: cor da pele, tipo de cabelo, formato do olho etc”. As pessoas, entretanto, não nascem racistas, este é um componente construído nas relações que se estabelecem na sociedade e que têm contribuído secularmente para o baixo acesso da população negra à educação, à saúde, ao emprego, ao ensino superior entre outros. A sociedade brasileira caminha de forma a construir uma postura diferente nas relações étnico-raciais, apesar das incompletudes. Desde a promulgação da Constituição de 1988, o Bra-
sil procura efetivar a condição de um estado democrático de direito com ênfase na cidadania e dignidade da pessoa, mesmo ainda marcado por posturas subjetivas e objetivas de preconceito e discriminação aos afrodescendentes, que enfrentam dificuldades para o acesso e permanência nas escolas. Pessoas negras têm menor número de anos de estudos em relação às pessoas brancas ( 4,2 anos para negros e 6,2 para brancos), na faixa etária de 14 a 15 anos. O índice de pessoas negras não alfabetizadas é 12% maior que de pessoas brancas na mesma situação. Há um esforço oficial no sentido de propor mudanças partindo da legislação educacional, como a promulgação da Lei N° 10.639, de 09/01/2003, regulamentada pela Resolução n° 01, de 17/06/2004 do Conselho Nacional de Educação, que institui as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, e igualmente ações concretas, por parte das entidades de defesa das pessoas negras, com apoio de setores da sociedade como as Políticas de Afirmação, que reivindica, por exemplo, cotas para negros em instituições de ensino superior, objeto de contradições e de conflitos na sua aplicação. * Ouvidora Geral do Estado Economista e Mestre em Educação rosa_the82@yahoo.com.b
Francisca Trindade: nossa história, nosso orgulho Sônia Terra*
Uma chuva fina caía sobre Teresina, na manhã de segunda-feira, 31 de março de 2008. Não era uma manhã qualquer. O cenário era a Praça da Liberdade, palco de tantas manifestações políticas e onde, mesmo diante da chuva persistente, reuniram-se significativas representações políticas e sociais do meu Estado. O motivo? Fazer uma homenagem, através de uma estátua de bronze, à piauiense Francisca Trindade. Nascida na periferia de Teresina, nos movimentos de jovens já manifestava consciência crítica. Trilhou admirável caminho assumindo-se mulher, identificando-se como negra, posicionando-se como militante dos movimentos sociais e ousando enveredar pela
política partidária, tornar-se vereadora, deputada estadual e a mais bem votada deputada federal da história do Piauí – trajetória intensa que durou quase toda a sua existência, até que, em pleno discurso, foi vítima de um aneurisma cerebral em 27 de julho de 2003, com 37 anos. Naquela manhã de segunda-feira –– aí está o inusitado ––, mais do que a instalação de uma estátua, pela primeira vez no Piauí é homenageada dessa forma uma mulher nascida do povo negro, testemunhando os novos rumos da história e imprimindo um marco da democracia no 31 de março, um contraponto a ditadura institucionalizada em 1964. Trindade é reconhecida como defensora incansável dos direitos humanos dos oprimidos, excluídos, injustiçados e esquecidos, principalmente da comunidade negra. Enfrentou a violência do racismo e do machismo, desafiando uma burguesia que teimava em dizer que
aquele não era o seu lugar. Ousou quebrar paradigmas, calar as dores aos inimigos e tantas vezes chorou com os amigos a dor de carregar na alma tantas Franciscas trabalhadoras deste país. A homenagem naquela praça e naquele dia, quando se completam 120 anos da Lei Áurea foi, para nós, povo negro, sinal de liberdade, mostra contundente de uma Abolição feita por nós e em construção permanente, até que os princípios da verdadeira Igualdade e da Paz governem o Brasil e o mundo. Ao relembrar essa história, sou tomada pela emoção e pelo orgulho de ter convivido com essa mulher tão negra quanto eu e as muitas, reconhecidas ou anônimas deste País, e me vem à mente a incalculável dívida social luso-brasileira para com o povo negro, contraída sob o olhar complacente da humanidade, surda aos clamores das senzalas e dos quilombos. Ocorre-me que tal dívida é agravada por todas as linhas não escritas em nossa história
de mulheres negras, nós que carregamos na alma a força das ancestrais, aquelas que mantiveram a altivez diante das chicotadas, que tiveram a coragem de renunciar à vida para não viverem mortas; rebelar-se, fugir, pra não se entregar, e ter ainda a doçura de acalentar nos peitos fartos de leite aqueles que não eram seus filhos. São memórias que precisamos retomar todos os dias e noites, para valorizar cada conquista e fazer valer a luta pela liberdade, cidadania e respeito. Salve, guerreira Trindade, amiga de sempre e para sempre! Salve a força negra que, mesmo quando a alma sangra pela violência do racismo, nos mantém altivas e ousadas! * Presidente da Fundação Cultural do Estado do Piauí s.terranegra@hotmail.com
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REPORTAGEM TERESINA - PI, MARÇO DE 2008
Foto: Márcia Cristina
Estudos desmistificam o conflito das relações raciais no Piauí
Prof. Solimar Oliveira*
As pesquisas sobre africanidades não são uma temática que tenha muita fortaleza na academia piauiense, principalmente pesquisas que remontam ao passado dos negros, seja no Piauí, seja em âmbito global. O que existem são pesquisas pontuais de estudiosos que vêm buscando revirar arquivos para estudar fatos históricos e explicar as raízes e as heranças culturais do legado negro no Piauí. Os estudos existentes sobre a temática étnico-racial, e mais especificamente sobre a escravidão, podem ser divididos em duas gerações de estudiosos: a primeira, que tem como precursores os escritores Odilon Nunes e Monsenhor Chaves, atém-se sobre o passado do negro brasileiro, a escravidão, base do processo de inadequações posteriores que dificultaram ao longo de quatro séculos a inclusão social dos afro-descendentes no país. Destacando-se também o escritor Júlio Romão da Silva, hoje com 90 anos, que tem um importante legado sobre o negro em seus diversos livros e artigos, bem como sobre o índio brasileiro - povo que também sofre com o processo de marginalização social. Estes autores são os pre-
cursores de estudos sobre as raízes do negro na sociedade piauiense e, em seus escritos, o que se refere a negros e índios aparece aliado a outros temas, como a pecuária, por exemplo. Em se tratando de escravidão negra no Piauí, Nunes e Chaves lançam teorias enraizadas em boa parte da historiografia precedente que afirma a inexistência da discriminação racial na sociedade piauiense, pautada no argumento de que, peculiarmente, a escravidão no Estado foi branda e marcada pelo paternalismo e pela ausência de discriminação, comuns ao ambiente pecuarista e que, portanto, dispensava o trabalho escravo. O escravo possuía a sua capacidade de trabalho pouco explorada, resultando assim em laços escravistas frouxos (ausência de vigilância ou controle e pouca violência) marcados pela presença peculiar do paternalismo, sobretudo nas fazendas nacionais. Complementando esta idéia, Chaves afirma que o escravo no Piauí conheceu dois tratamentos, um mais violento correspondente ao início da ocupação do território piauiense, e outro, “menos árduo e violento, com tratamento cuidadoso com os escravos”, que corresponde ao período após 1850 (fim do tráfico), momento em que a mãode-obra escrava torna-se escassa. A segunda geração tem-se como referências acadêmicas os professores Solimar Oliveira Lima, Alcebíades Filho, Ana Beatriz Gomes (UFPI), Élio Ferreira de Sousa (Uespi/UFPI), Algemira de Macedo Mendes (Uespi), entre outros, com estudos que discutem temas como escravidão, movimentos negros e educação e produções literárias de afrobrasileiras e diáspora negra. Mesmo com pouca produção, os pesquisadores doutores da UFPI e UESPI vêm provocando reflexões profícuas no campo acadêmico e motivando o surgimento de novas pesquisas. Para Solimar Oliveira Lima, Dr. em História,
professor do Depto. de Ciências Econômicas e membro do Ifaradá, muito ainda precisa ser revelado sobre o negro. “Precisamos estudar mais, pesquisar mais. Por isso mesmo nós, enquanto pesquisadores dessa temática, precisamos motivar, sobretudo alunos da graduação e da pós-graduação para a certeza de que se envolver com esse tema além de ser uma necessidade para o conheciment o d o nosso povo é também um objeto, uma fonte prazerosa de conhecimento”, reconhece. Além do grande incentivo do Ifaradá, a UFPI concentra dois pólos de discussão e pesquisa: o Programa de Pós-Graduação em Educação (CCE) e o Mestrado de História do Brasil (CCHL); mais recentemente vem começando a surgir estudos no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas. Solimar Oliveira afirma que é importante o estudo das etnias na pós-graduação em função das suas várias funções sociais. “É no mestrado que surgem pessoas mais aptas ao fortalecimento da temática. Na educação, é muito forte o estudo sobre as relações étnico-raciais, especialmente nas escolas ou em material didático. Na História, trabalha-se a questão da resistência, pesquisa sobre acomodação de espaços. O Ifarádá também, como núcleo do Programa de Políticas Públicas, começou mais recentemente a trabalhar a questão das relações e precarização do trabalho envolvendo esse recorte étnico-racial”, frisou. Partindo do estudo étnico-racial, vários países já discutem há algumas décadas o tema cotas raciais e foi a partir desses estudos, por exemplo, que nos Estados Unidos foi implantado pela primeira vez o programa de cotas, como forma de política afirmativa de reparação social das injustiças contra negros na sociedade. Na UFPI, diferentemente de outras Instituições Públicas de Ensino
Superior, não foi implantado ainda o sistema de cotas para negros, somente as cotas sociais, nas quais os estudantes comprovadamente pobres conseguem o acesso à universidade; na UESPI, recentemente houve o II Seminário Institucional sobre cotas com a participação de segmento daquela universidade, como o NEPA Núcleo de Estudos e Pesquisa Afro/ UESPI, e da sociedade piauiense, como o movimento negro de Teresina, quando se criou uma comissão que atualmente elabora a proposta de implantação de cotas naquela instituição. “No Brasil, a questão chega mais tarde, mas ganha corpo, a partir do movimento negro e, evidentemente, se fortalece com o comprometimento de pesquisadores, em sua maioria negros, tomando a academia como espaço de politização do debate. No Piauí, acontece pela mesma via, o movimento negro é que pauta, a partir das décadas de 60, 70 e 80. E isso vai chegar também na academia, através de professores e estudantes, quando foi fundado, na década de 90, o Ifaradá. Então, a pesquisa serve aos movimentos para qualificar o discurso. A produção científica é importante para que nós militantes possamos melhorar o nosso olhar da realidade e a nossa intervenção. Uma das temáticas que têm aparecido com muita fortaleza é o das cotas raciais”, ressaltou Oliveira. Cientificamente é comprovado que não existem raças diferentes, apenas a humana, e quando os estudos caracterizam raça negra ou branca é referente à construção política social, explicou Solimar Oliveira. “Enquanto construção de política social, o negro é colocado como esse grupo de pessoas que historicamente foi excluído desse processo, entre eles da educação”, frisou. *Prof. Dr. do Depto. de Ciências Econômicas e Diretor do Ifaradá - UFPI s.olima@bol.com.br
Políticas Públicas para promover a igualdade étnico-racial Em novembro de 2006, o Governo do Estado, por meio da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ligada à Secretaria da Assistência Social e Cidadania – SASC encomendou o Plano Estadual da Política de Promoção da Igualdade Étnico-Racial. O Plano é pautado na con-
cepção de políticas públicas implementadas pelo Governo Estadual e Governo Federal. O documento visa à construção da cidadania dos negros, de reconhecimento de sua história, de valorização de diferentes formas de expressão e manifestações de resistência e da visibilidade para os afro-
descendentes. O relatório aponta que o preconceito e o racismo fortalecem as desigualdades sociais e as precárias condições de vida de pretos e pardos. O documento afirma que as políticas públicas podem e devem promover a igualdade étnico-racial pela parceria Estado e so-
ciedade. O Governo do Estado conta com um plano executivo integrando a Coordenação de Questões Étnicas e contra a Discriminação e a Coordenação Estadual das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas. O plano integra ainda a instalação da Defensoria Pública do Núcleo em Defesa
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REPORTAGEM TERESINA - PI, MARÇO DE 2008
provam e situam os negros em posição de inferioridade, como, por exemplo, na educação, no trabalho e até nas necessidades primeiras de um cidadão, que é a alimentação. Através de dados bibliográficos, as mulheres negras, por exemplo, dos séculos XVIII e XIX, eram trabalhadoras sujeitas às mais precárias condições de vida, num sistema econômico cuja lógica visava a diminuir os custos e aumentar os lucros do proprietário. Assim sendo, mal vestidas, mal alimentadas, violentadas, elas ainda estavam sujeitas a duras jornadas de trabalho
das Pessoas Negras, Homossexuais e Pessoas Portadoras de Deficiência; a Delegacia de combate às práticas discriminatórias e em defesa dos direitos humanos; o Selo Etnia, com premiação a empresas que adotam ações afirmativas para a comunidade negra piauiense; o decreto de disponibilidade de cotas para alunos de escolas públicas na Universidade Estadual do Piauí; e o decreto de criação do Memorial Zumbi dos Palmares para preservação e valorização da memória e cultura negra. Todas essas ações se fazem necessárias, na medida em que pesquisas com-
com instrumentos insuficientes e precários, o que resultava em maior esgotamento físico. Entretanto, segundo historiadores, a escrava no Piauí não se sujeitava passivamente aos maus tratos que vitimaram as mesmas e para impor limites à dominação, utilizavam-se dos mais variados recursos, como fugas, denúncias, assassinatos de senhores e seus familiares, entre outros. Dados do IBGE, de 2004, apontaram que 81,5% da população negra do Piauí vivem com insegurança alimentar moderada ou grave (GRÁFICO 1). Insegurança alimentar é quando o indivíduo não consegue ter as três
refeições mínimas do dia em quantidade e diversidade necessárias. “Esse dado é importante para situar o quanto o negro está marginalizado no Piauí, porque quase a maioria não consegue se alimentar direito. Muitas famílias negras têm duas ou apenas uma refeição por dia, sendo ela com pouca qualidade nutricional. Isso é muito grave”, alerta Solimar Oliveira. Fora isso, o IBGE também apontou que a população branca ocupada do Estado tem mais anos de estudo e rendimento médio mensal salarial superiores à negra (GRÁFICO 2), além de apresentarem menor índice de analfabetismo (GRÁFICO 3).
Foto: Márcia Cristina
Carta de Esperança Garcia motiva criação de movimentos e lei estadual da consciência negra
Prof. Dr. Élio Ferreira de Sousa*
tuda a temática do negro na literatura, “Esperança Garcia é uma exceção, porque era proibida a leitura para escravo; quem fosse flagrado ensinando escravo a ler era preso e/ou processado. Ela escreveu a carta um ano depois que os jesuítas, de quem era escrava, foram expulsos do Brasil por Marquês de Pombal. Esperança Garcia foi levada à força da Fazenda Algodões, perto de Floriano, para uma fazenda em Nazaré do Piauí. Ela conta que juntamente com o filho eram torturados e espancados; que o feitor a peava, como animal, e que uma vez caiu do penhasco e quase morreu, estando amarrada; que foi proibida de batizar o filho e de se confessar, assim como suas amigas. Na condição de escrava, usou a questão da religião como estratégia para que seus opressores fossem punidos, porque a religião oficial era a católica”, ressaltou o pesquisador, acrescentando que era comum nas fazendas locais, os negros fazerem levantes contra os desmandos, já naquela época. Élio Ferreira informou que fez uma leitura textual da carta, no qual Foto: Arquivo Pessoal
O 6 de setembro pode ser uma data comum para muitos, mas para os movimentos negros do Piauí é mais que especial, pois, por lei, é comemorado o Dia Estadual da Consciência Negra, instituída em 1998, com o apoio da então deputada es-
tadual negra, Francisca Trindade (já falecida). O motivo é bastante providencial, uma vez que foi neste dia, no ano de 1770, que a escrava negra piauiense Esperança Garcia escreveu, senão a primeira, uma das mais antigas cartas de denúncia de maus-tratos contra escravos no Brasil. É o primeiro documento escrito que se tem notícia de uma mulher escrava no Brasil. Esperança Garcia entregou a carta ao governador da Província do Piauí, na qual relatava a violência sofrida por parte do feitor da fazenda para onde foi levada para trabalhar como cozinheira. Apesar de nunca um pesquisador local ter tido contato, fala-se que a carta original encontra-se em Portugal e uma cópia foi descoberta no arquivo público do Piauí pelo pesquisador e historiador baiano Luiz Mott, que a considerou de rara importância. O achado passou a simbolizar o ideal de liberdade dos afrodescendentes piauienses, motivando grupos como o Coletivo de Mulheres Negras Esperança Garcia Para o Prof. Dr. da UESPI/ UFPI, Élio Ferreira de Sousa, que es-
Palestra A escravização dos afrodescendentes no Brasil, Centro Educacional Integrado “Angelim”, educador militante do ÌFARADÁ
considera que Esperança Garcia utilizou uma linguagem poética, com recursos como a metáfora. “Sabe-se que ela fugiu com o filho da fazenda e não se tem registro dela depois disso. Apesar de não ter contado todos os detalhes na carta, suponho que a fuga tenha se dado porque houve tentativa de estupro, o que era comum com as escravas. Afinal, o que justificaria tirá-la do marido, se já naquela época era proibida a separação de casais negros escravos e também de filhos?”, reflete, afirmando que, por outro lado, a estratégia de separar parentes era utilizada por alguns fazendeiros para evitar mobilizações e rebeliões. A UESPI avança em termos de estudos sobre a cultura afrodescendente. Desde 2005, existe o NEPA – Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro, que no momento prepara um projeto pedagógico de uma especialização Lato Sensu em Literatura e História Afro-Brasileira e Africana, prevista para iniciar em agosto de 2008. O curso será direcionado aos professores de português, literatura, história e áreas afins, levando em conta a Lei n° 10.639, sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2003, que estabelece a obrigatoriedade da inclusão, no currículo oficial da Rede de Ensino, da temática “História e Cultura Afro-brasileira”. Além disso, o NEPA prepara um seminário internacional de história e literatura afrodescendente previsto para acontecer em setembro de 2008. Há também na instituição, uma comissão, com a participação de segmentos da universidade e do movimento negro, para levantamento e estudo em busca da implementação do percentual de 25% de vagas para negros e índios. Para Élio Ferreira, essa reparação é importante, pois a escravidão tirou vários direitos dos negros e índios, dentre eles o direito à educação.
*Prof. Dr. do Depto. de Letras-Uespi e Prof. Convidado do Mestrado de LetrasUFPI. LÍder do Nepa-Uespi elioferreir@yahoo.com.br
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ENTREVISTA: Júlio Romão TERESINA - PI, MARÇO DE 2008
O escritor piauiense Júlio Romão da Silva é um dos notáveis da nossa literatura. Aos 90 anos, se orgulha de ter escrito 42 livros, alguns populares, outros acadêmicos, e ainda consta de lucidez suficiente para concluir mais dois, em breve. O piauiense nascido em Teresina, no dia 22 de maio de 1917, perdeu o pai Luis Quirino da Silva quando tinha 4 anos de idade. O nome Romão foi dado em homenagem a Padre Cícero. Pesquisador na área de etno-linguística indígena, bacharel em Letras, em História e Geografia pela Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, para onde foi aos 13 anos tentar uma vida melhor. Nessa idade já tinha uma profissão, a de marceneiro no Centro de Educação Tecnológica e também no ofício na capital São Luís. Júlio Romão foi o primeiro piauiense a ter o diploma de comunicador social, no Rio de Janeiro. Ainda jovem iniciou sua vida de comunicador, fundando em Teresina o Jornal Artífice, em 1936, e o Jornal Terra Mafrense, editado no Rio de Janeiro, com divulgação dos fatos de sua terra natal. A sua primeira publicação em grande jornal foi um artigo na revista ‘Vamos Ler’, Rio de Janeiro, no dia 14 de maio de 1942, na página 10. No texto, Romão conta a história do escultor mineiro Aleijadinho. Antônio Francisco Lisboa, nascido em Ouro Preto, no ano de 1730, filho de mãe crioula (Isabel) e, segundo conta Romão, Izabel era escrava de Manoel Francisco Lisboa e da união de ambos nasceu o mestiço Aleijadinho, assim como os poetas Machado de Assis, Lima Barreto e Luís Gama. Foi um dos fundadores do IBGE, órgão pelo qual se aposentou como técnico em comunicação. Membro da Academia Piauiense de Letras, ele se destacou pela cultura que raia quase a uma enciclopédia. Participou do projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Boa Esperança (Guadalupe, Piauí). Cidadão carioca e fluminense, onde possui uma rua em sua homenagem, é detentor dos prêmios Filosofia e João Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras - ABL. Recebeu algumas comendas, como o Mérito Cultural Conselheiro Saraiva, no Piauí. É um personagem altamente comunicativo, palavra fácil, que não perde a oportunidade de um diálogo em torno de temas culturais, artísticos, científicos, políticos ou outros de sua predileção. A Mensagem do Salmo, uma de suas mais importantes obras, publicada pela primeira vez em 1967, e reeditada por mais três vezes, mereceu aprovação da Lei A. Tito Filho de incentivo cultural da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, da Prefeitura Municipal de Teresina e é leitura obrigatória em universidades do Rio de Janeiro. O livro foi inserido no roteiro do vestibular da UESPI. Para Romão, um de seus principais escritores é Luis Gama, poeta satírico em função das idéias abolicionistas e republicanas e por ser afro-descendente. Gama nasceu depois da lei do Ventre Livre. “Para mim é o poeta mais coerente”. Tanto o é que Romão lançou o livro “Luis Gama – o mais conseqüente poeta satírico brasileiro”. Com seus 90 anos de luta por dias melhores para o negro brasileiro e pelo seu mérito em várias áreas do conhecimento, é que escolhemos Julio Romão da Silva como o nosso entrevistado desta edição.
Sapiência – De retirante pobre, negro e nordestino a lavador de latrina no Rio de Janeiro, o Sr. conseguiu o seu espaço e reconhecimento em um país preconceituoso, segundo o Sr. mesmo diz. Como avalia a participação do negro na sociedade atual? Júlio Romão – Essa questão hoje é de ordem social. Antigamente, o negro não tinha espaço na televisão, a não ser como escravo ou nas cozinhas, não era o artista principal, era um troço qualquer. Jorge Amado certa vez me disse: “Romão, depois da abolição todo branco pobre é negro”. Ele estava certo, porque hoje o problema é de ordem social e quanto menos se tem, menos se vale. Sapiência – O Sr. foi um dos pioneiros nos movimentos pela busca da igualdade racial, nos anos 40, inclusive participou de algumas frentes com pessoas importantes, como Luís Carlos Prestes. Como eram esses movimentos e a representação do negro em busca de seus direitos?
Júlio Romão – Tornei-me esquerdista e engajei-me na luta pela minha raça. Houve um movimento no Brasil todo. Quando eu cheguei no Rio, li em um jornal: ‘Procura-se: empregado que seja branco e de boa aparência’. Isso me chocava muito. Essas questões levaram-me a fazer parte da Frente Igualitária Brasileira. Os movimentos eram fortes e organizados, tivemos muitos aliados brancos, conscientes, como Niemeyer e Jorge Amado. O enfrentamento era organizado. Eu trabalhava na Coluna Aberta, no Jornal Correio da Manhã, e eram organizadas frentes no Comitê Democrático Afro-brasileiro nas repartições. Criamos células comunistas no período de repressão e depois do expediente a gente discutia mudanças; quando chegavam os policiais, a gente mudava o discurso para “Viva Getúlio Vargas, vivo o governo”, burlávamos a vigilância (risos). Porém, sempre tive sorte. Na Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio de Janeiro, tive a oportunidade de me formar; convivia com moças brancas e ricas, mas nenhuma me
via como um coitado e elas não tinham pena de mim, tinham satisfação de ver um negro na faculdade. Sapiência – Como analisa as atuais políticas de governo voltadas para o negro brasileiro? Júlio Romão – Os meus colegas foram o início dessas mudanças e essa conscientização que “vocês” conhecem, de, por exemplo, estarem aqui me entrevistando, é que faz com que haja menos intolerância. É uma tendência natural. Era bem pior. O Lula sofreu preconceito porque é um operário; a ascensão das classes não ricas ao poder provoca mudanças sociais. O Lula oficializa a igualdade e o movimento negro deve ter como base a Revolução Francesa. A luta não é só do negro, mas de todo o país, do contrário, estaremos só invertendo o jogo. Os movimentos é que levaram o negro Joaquim Barbosa a ministro. Mas é preciso investir mais em educação. Para mim, o bolsafamília é um programa assistencialista. O importante é educar e também é errado proibir criança de trabalhar, pois impede
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“A conscientização que deve existir é que somos todos iguais e o homem que é sapiente não mata seu semelhante, como o animal não ataca o de sua própria espécie”.
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Júlio Romão, nesta entrevista.
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que ela valorize as conquistas. A criança trabalha para viver desde o útero da mãe. Outra coisa errada são as pessoas estarem separadas por causa de siglas partidárias. Uma sigla não pode impedir uma luta conjunta. Sapiência – Como poeta, o Sr. tem vários escritos de estudos literários sobre alguns negros ilustres da nossa história. Cite alguns e o que eles fizeram de representativo? Júlio Romão – Negros importantes estão marcados na história literária, como Luis Gama; Teodoro Sampaio, autor de “O Tupi” e mestre de Euclides da Cunha, com o qual eu me habilitei; Dom Silvério Pimenta, negro que chegou a bispo em Minas Gerais; André Rebouças; Solano Trindade, pernambucano, meu colega e um dos pioneiros do movimento negro no Brasil; Machado de Assis, um negro autodidata, nascido no morro, que chegou a fundar a ABL. Inclusive, negam que Machado teve influência na campanha abolicionista, mas eu estou escrevendo a biografia dele,
na qual provo que ele teve influência, porém discreta. Sapiência – Algumas de suas obras têm inspirado produção cinematográfica e peças teatrais, como ‘A mensagem do Salmo”, encenada e adaptada ao cinema mexicano. O Sr. poderia citar outras formas de visibilidade que seus livros conquistaram? Júlio Romão – Considero que todos os meus livros tiveram visibilidade. Sempre fui perseguido pela polícia por escrever com muita tática. Portanto, aproveitei as palavras de Cristo para xingar os militares e fui interrogado por isso. Usei o salmo como poesia para criticar o que acontecia na ditadura, num período que ocorria a hegemonia entre Rio e São Paulo. A peça foi produzida e estreada no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, com a direção de Aldo Calvet. Inspirei-me no simbolismo das parábolas de Cristo e remeti para o nosso tempo verdades eternas trazidas ao mundo há mais de dois mil anos pelo esperado Rei dos Judeus. A obra foi oficializada pelos poderes pú-
blicos para que sua montagem seja feita todos os anos, por ocasião da Páscoa, no Teatro João Paulo II, em Teresina, a exemplo do que ocorre no espetáculo de Nova Jerusalém, em Pernambuco. Sapiência – O Sr. não acha que a Academia deveria dar-lhe o devido reconhecimento de se tornar um membro efetivo, já que por algumas oportunidades o Senhor perdeu a chance da glória de tornar-se um ‘imortal’? Júlio Romão – Eu chego à ABL e sou considerado um acadêmico. Sou muito estimado lá. Mas a distância atrapalhou a conquista da vaga, infelizmente. Quando a minha carta de inscrição chegou lá, na quarta vez, a eleição já tinha ocorrido e não obtive a vaga. Em outra vez, Ledo Ivo pediu tanto que a Academia se cansou e o elegeu no meu lugar; eles queriam se livrar da insistência dele (risos). Todos pensavam que eu era acadêmico, porque eu vivia com eles (acadêmicos). Naquele tempo e ainda hoje, a gente vivia o regresso amargo e nebuloso das injustiças. Mas eu não tenho mágoas e nem vaidades. Eu
mantenho uma instituição de caridade, o Abrigo Menino Jesus, com recursos próprios e com ajuda de alguns amigos. Eu nunca recebi ajuda do governo. Isso é uma glória. Só não tenho uma cadeira, mas tenho o meu espaço lá. Na ABL, não tem negro, tem mestiço. O Cineas Santos se considera um negro. Isso de fingir que não é negro é uma bobagem, pois mestiço é filho de negro, portanto é negro. E quanto à ABL, ninguém é imortal e aAcademia Piauiense reluta com essa denominação. O importante é o espírito acadêmico. Eu dei aula em faculdades até no exterior, na Argentina. Fui e sou amigo de muita gente importante do meio literário e político, tem uma rua com meu nome no Rio de Janeiro. Fui eleito por unanimidade na Academia Piauiense de Letras e nunca pedi um voto para ninguém. Eu sou um negro guerreiro, ainda aos 90 anos escrevendo. A conscientização que deve existir é que somos todos iguais e o homem que é sapiente não mata seu semelhante, como o animal não ataca o de sua própria espécie. Até hoje, continuo lutando pela valorização dos que merecem, independente de cor.
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Foto: Roberta Rocha
A Pedagogia do Movimento Negro contra o racismo - um fato social e educacional em instituições de ensino
Dra. Ana Beatriz Sousa Gomes*
O ingresso na militância do Movimento Negro é um processo muito pessoal e corajoso que envolve, muitas vezes, vivências conflituosas dentro da sociedade. Ou seja, a militância é resultado de uma inquietação e revolta em relação às condições de preconceito racial enfrentadas no cotidiano. O motivo que levou a pesquisadora Doutora Ana Beatriz Sousa Gomes* à militância no Movimento Negro foi observar que seu filho enfrentava dificuldades no processo de integração social e tratamentos diferenciados ao iniciar a vida escolar. Em 2001, Ana Beatriz desenvolveu a pesquisa “O Movimento Negro e Educação Escolar: estratégias de luta contra o racismo”, cujo projeto foi selecionado no II Concurso “Negro e Educação”, promovido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED e Ação Educativa, financiado pela Fundação Ford. Tanto o estudo realizado no curso de mestrado, como a pesquisa desenvolvida por intermédio do concurso,
evidenciaram que o sistema educacional Os principais campos de pesquinão está bem preparado para atender a sas foram estabelecimentos de ensino diversidade étnica e cultural presente nas que solicitaram trabalhos dos dois gruescolas, e o Movimento Negro vem inpos e apresentaram projetos mais duraterferindo nesse processo na divulgação douros e sistematizados. As experiêncida história e da cultura afrodescendente as analisadas foram dos colégios “Lie na formação de profissionais para a ceu Piauiense” - instituição pública, e educação das relações interéticas. “Madre Deus” – instituição privada. A Partindo deste pressuposto, a pesquisa durou dois anos na intenção pesquisadora prosseguiu suas pesquide compreender os modos de inserção sas com a tese de doutorado intitulada realizados pelo Movimento Negro no “A pedagogia do contexto escolar. A Movimento Negro pesquisadora fez em instituições de uso de teorias, pro“Desde 2003, nota-se Ensino em Teresina, postas e intervenuma mudança Piauí: as experiêncições pedagógicas significativa em as do NEAB IFARAvoltadas para a diDÁ e do Centro versidade étnicorelação à inserção do Afrocultural “Coisa cultural existente negro, com a criação de Nêgo”, defendinas escolas, como o da Coordenadoria da da na Universidade Multiculturalismo Federal do Ceará em na Educação, a PePessoa Negra, do setembro de 2007. dagogia Interética e Conselho do Negro, o O estudo a Pedagogia MultirMemorial Zumbi dos analisou a prática racial. Palmares e várias pedagógica dos Ao tratar educadores do IFAdas iniciativas do outras entidades, além RADÁ e do Centro Governo, a Doutode pessoas do Afrocultural “Coisa ra Ana Beatriz enmovimento negro na de Nêgo” - entidafatiza que a prátides do Movimento ca pedagógica esfera governamental Negro de Teresina – curricular, há alque demonstram a no contexto das insgum tempo, está preocupação e um tituições de ensino, sendo um dos foavanço na questão do identificando as escos de atenção da tratégias metodolópolítica educacionegro” gicas, as concepnal brasileira. A ções pedagógicas e Lei 4.024/61 recoevidenciando as contribuições ao pronheceu a necessidade de um trabacesso de ensino e aprendizagem. A eslho para contemplar as diferenças colha desses grupos do Movimento de raça, credo e de classe social Negro deu-se em razão do tempo de exisexistentes nas escolas. Diante da detência, do tipo de organização das ativifasagem do ensino dos conteúdos dades e, principalmente, pelo fato de serelacionados à população afrodesrem as entidades consideradas mais recendente, junto ao empenho de mipresentativas que realizam trabalhos na litantes do Movimento Negro, ocorárea da educação escolar na capital. reu a edição da Lei n. 10.639, de 09
de janeiro de 2003, que altera o parágrafo 4º, Art. 26 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial das escolas, públicas e privadas, nos Ensinos Fundamental e Médio de todo o país, a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, O Art. 26 declara que nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultural Afro-Brasileira. “A tese foi realizada justamente para afirmar que o movimento negro tem uma pedagogia diferenciada, no qual se trabalha as questões relacionadas aos conteúdos históricos e culturais africanos e afro-brasileiros que é o que a Lei 10.639 obriga: a intervenção curricular nas escolas, e que o movimento negro já vinha fazendo”, acrescenta Ana Beatriz. Assim, o Movimento Negro confirma que é uma forma de organização social para a luta dos afrodescendentes; procura articular o desenvolvimento da democracia e da cidadania da sociedade brasileira, bem como
IFARADÁ – Núcleo de Pesquisa sobre Africanidades e Afrodescendências da UFPI O Núcleo de Pesquisa sobre Africanidades e Afrodescendência da Universidade Federal do Piauí – IFARADÁ foi criado em 1993 por um grupo de professores e alunos negros. O Ifaradá (palavra oriunda da língua africana Iorubá, significa resistência pelo conhecimento), foi criado com este nome pelo Conselho de Pesquisa e Extensão da Universidade Federal do Piauí - UFPI e funciona no Centro de Ciências Humanas e Letras - CCHL. O IFARADÁ tem como objetivo a discussão, investigação e divulgação de trabalhos relativos às Africanidades e Afrodescendência, propondo assessorar diretamente os diversos cursos da UFPI em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão e de outras instituições referentes à sua temática de estudo; fomentar um espaço propício à produção de conhecimento e de troca de experiências; organizar atividades de divulgação dos trabalhos realizados e estabelecer contato com órgãos financiadores de estudos, com a finalidade de manter informações atualizadas e obter recursos para execução de projetos. Hoje, o Núcleo funciona como fomentador de pesquisas e é composto por docentes e alunos da UFPI e de outras instituições, formando um conjunto de pesquisadores em vários estágios acadêmicos. O grande lema do IFARADÁ é “A nossa resistência negra é através do conhecimento”.
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canidades e afrodescendências”. “Apesar de a LDB instituir a discussão sobre a questão do negro, ela dá autonomia para a escola, tornando-se uma faca de dois gumes, pois ao mesmo tempo em que exige, também dá autonomia de poder ou não desenvolver, e essas pedagogias acompanhadas pelas questões culturais podem ser utilizadas no dia-a-dia. Para não dizerem que somos afrocentristas, o trabalho do movimento negro serve para lembrar às escolas não só as questões do negro,mas de grupos discriminados como homossexuais, mulheres, pobres e portadores de deficiência física.Queremos que a escola seja aberta e sensível à diversidade”, afirma. “A partir dos resultados dessa pesquisa, pode-se confirmar a necessidade e a importância de desenvolvermos pesquisas nessa área sobre o problema em foco, porque conhecer a natureza e as condições de trabalho do movimento negro nessa realidade é de fundamental importância, tanto para as escolas que, a partir dos resultados dessa pesquisa, poderão compreender melhor as questões étnicas e pedagógicas que vêm interferindo no processo de educação escolar; como para órgãos de estudo e Foto: arquivo pessoal
a formação de cidadãos conscientes e combatedores das desigualdades sociais e étnicas. Por outro lado, Ana Beatriz declara que o estudo confirma os resultados de outras pesquisas que criticam o sistema educacional quanto à ausência de conteúdos relativos à cultura e à história africana e afrodescendente nos currículos e as dificuldades para a inclusão de tais conteúdos e que não há muito apoio do Estado para sistematização de práticas pedagógicas inclusivas. “Desde 2003, nota-se uma mudança significativa em relação à inserção do negro com a criação da Coordenadoria da Pessoa Negra, do Conselho Estadual da Pessoa Negra, o Memorial Zumbi dos Palmares e de várias outras entidades, além da inserção de pessoas do movimento negro na esfera governamental, o que demonstram uma certa preocupação e um avanço nas questões do negro relacionadas aos afrodescendentes. Entretanto, falta sensibilização e incentivo às iniciativas e valorização das pesquisas dentro do próprio Estado. Queremos uma inserção maior nas questões relacionadas as afri
pesquisas da área social e educacional que buscam embasamento para fundamentar as políticas públicas de desenvolvimento sócio-educacionaldo país”, acrescenta. Diante desse contexto, a pesquisadora revela, ainda, que na realidade social e educacional de Teresina existem trabalhos de intervenção pedagógica e constantes demandas das instituições de ensino para a discussão de temas relacionados à história e à cultura dos afrodescendentes e da educação das relações étnico-raciais para os grupos do Movimento Negro, mas ainda há muito a ser feito. “Muitos dos alunos que tinham vergonha de ser negro passaram a se identificar com a questão porque estavam sendo valorizados, melhorando a auto-estima e a identidade. Puderam ver que o negro pode chegar onde ele quiser, porque tem força e valor. A tese mostra que é possível mudar a concepção de pessoas racistas e preconceituosas, utilizando a metodologia adequada, dinâmica e motivadora e um discurso que promova a conscientização dos alunos e professores, pois dentro da escola é enraizado muito preconceito. O racismo é um fato social e este trabalho vem com o objetivo de enfraquecê-lo e combatê-lo”,finaliza. * Professora adjunta da UFPI e coordenadora do IFARADÁ anabeatrizgomes@yahoo.com.br
Fórum Estadual de Educação e Diversidade Étnico-Racial, em Teresina, com apresentação do “Coisa de Nêgo”
Centro Afrocultural “Coisa de Nêgo” O Centro Afrocultural “Coisa de Nêgo” foi fundado em 1990, por pessoas ligadas à causa afro-descendente, na maioria vindos de sindicatos, do meio artístico e de partidos políticos de esquerda. O centro é uma associação civil autônoma, de caráter político-cultural, sem fins lucrativos, com sede na Rua Barroso no centro de Teresina. O “Coisa de Nêgo” é composto por professores, artistas, adolescentes e jovens de diversos bairros da capital e a organização do grupo é resultado de um trabalho de resgate cultural, da identidade e da auto-estima negra. Para tanto, congrega, sem distinção de etnia, sexo, gênero, convicção política, religiosa ou filosófica, grau de instrução e classe social, toda e qualquer pessoa comprometida com a preservação da história da cultura afro-brasileira e com o combate a toda forma de exploração e discriminação, que esteja de acordo com o seu estatuto e com as resoluções do conjunto dos associados.
TESES
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Variabilidade entre isolados de Phaeoisariopsis griseola
Papel das células dendríticas no direcionamento funcional da auto-reativiadade celular à Hsp600, no sistema humano
Viabilidade econômica da irrigação do feijão-caupi no Estado do Piauí
Kaesel Jackson Damasceno e Silva Pesquisador Embrapa Meio-Norte Defesa: Universidade Federal de Lavras - UFLA, 2007 kaesel@cpamn.embrapa.br
Adalberto Socorro da Silva Pesquisador do LIB-UFPI Defesa: Lab. de imunologia do InCor-HC-FMUSP, 2007 adalbertosocorro@gmail.com
Fco. Edinaldo Pinto Mousinho - Prof. da Universidade Federal do Piauí - Defesa: Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz ESALQ/USP, 2005 - fepmousi@ufpi.br
A estratégia de controle mais eficiente da mancha-angular do feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.), causada pelo fungo Phaeoisariopsis griseola (Sacc.) Ferraris, é o emprego da resistência genética. Esta estratégia requer o entendimento dos níveis de variabilidade e o conhecimento prévio da estrutura populacional do patógeno. Os objetivos deste trabalho foram: i) investigar a variabilidade patogênica entre isolados de P. griseola coletados no Estado de Minas Gerais; ii) estudar a diversidade genética e a estrutura genética de populações entre isolados de P. griseola coletados nos estados de Minas Gerais e Goiás, por meio de marcadores RAPD e iii) identificar a variação entre isolados do fungo P. griseola, coletados no estado de Minas Gerais, por meio de grupos de anastomoses. Foram identificados 10 patótipos diferentes entre os 48 isolados de P. griseola, evidenciando a elevada capacidade de variação patogênica deste fungo em Minas Gerais. Os patótipos 55-15, 63-15, 63-25 e 63-27 não haviam sido detectados neste estado. Os patótipos 63-31 (25%) e 63-63 (47,92%) foram identificados em maior freqüência. Foram constatadas pontes de anastomose em forma de H, entre os 20 isolados estudados. Este é o primeiro relato da ocorrência de anastomose entre hifas para o fungo P. griseola. Foi constatada elevada variabilidade para a ocorrência de anastomoses entre hifas e a ausência de agrupamento entre os isolados para a formação de anastomose demonstra a existência de variabilidade genética para os locos envolvidos com o controle deste caráter. A similaridade genética, calculada utilizando-se informação de marcadores RAPD, entre os 70 isolados de P. griseola, variou de 0,301 a 0,993, com média de 0,746. Existe tendência de diferenciação dos isolados por cidades de origem. A diferenciação genética entre as populações estudadas foi de 0,1979 (GST). Portanto, 80,21% da variação devem-se à variação dentro das populações. A AMOVA demonstrou que 77,51% da variação está contida dentro de cidades e 22,49% entre cidades. Foram obtidos valores de desequilíbrio gamético significativos para as populações estudadas, mostrando que P. griseola mantém uma estrutura genética consistente com a reprodução assexual.
O trabalho foi identificar peptídeos imunorreguladores derivados da proteína de choque térmico de 60 kDa humana (Hsp60), e investigar sua habilidade de direcionar uma resposta imune reguladora após interação com células dendríticas (DC) humanas. Proteínas de choque térmico são chaperonas celulares que asseguram dobramento correto de proteínas garantindo, assim, o bom funcionamento celular. Por serem essenciais às células estas proteínas são altamente conservadas. Por que fazem parte da composição protéica de microorganismos, estas proteínas são alvos de ataque pelo sistema imune do hospedeiro. A resposta imune adaptativa é realizada por linfócito T e B que, para serem ativados, precisam de uma célula apresentadora de antígeno profissional, notadamente das células dendríticas (DC). Nós levantamos a hipótese de que a interação de alguns fragmentos da Hsp60 com DC levaria à regulação da resposta imune, ao invés de imunidade. Para testar esta hipótese nós geramos DC in vitro, a partir de monócitos de indivíduos saudáveis, estimulamos estas DC com peptídeos sintéticos da Hsp60 humana e avaliamos o efeito dessa combinação sobre a resposta de linfócitos T. Nós analisamos este efeito seguindo duas estratégias diferentes: (i) medindo a expressão de um painel de genes inflamatórios e reguladores nos linfócitos cultivados; (ii) avaliando, pela incorporação de timidina tritiada [H+], a capacidade destes peptídeos de induzir auto-reatividade linfoproliferativa bem como de inibir uma resposta autóloga direcionada a DC não estimulada. Nós mostramos que alguns peptídeos da Hsp60 são capazes de induzir profundas modificações na expressão de ambos os grupos de genes, reguladores e inflamatórios, em linfócitos T. Além disso, encontramos um peptídeo (N7) derivado da região aminoterminal da Hsp60 que induziu modificações gênicas predominantemente reguladoras e que foi capaz de inibir as respostas linfoproliferativas autólogas em 90% dos casos testados. Nossos resultados apontam para o peptídeo N7 da Hsp60 como um potencial regulador do sistema imune e o consideramos um candidato a ser testado em protocolos para indução de tolerância.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade econômica da irrigação do feijão-caupi no estado do Piauí. A partir de dados diários de precipitação pluviométrica, obtidos em 165 locais, e de valores diários de evapotranspiração de referência estimados para os mesmos locais pelo método de Thornthwaite (1948), realizou-se balanços hídricos de cultivo em escala diária para todos os anos das séries de dados pelo método de Thornthwaite & Mather (1955), considerando-se o cultivo irrigado (CIrr) e de sequeiro (CSeq) do feijão-caupi, para três níveis de capacidade de água disponível no solo (CAD), 20 mm, 40 mm e 60 mm, para doze datas de semeadura, sendo estas fixadas no primeiro dia de cada mês. Estimou-se as lâminas brutas de irrigação necessárias (Lb) durante o ciclo da cultura para a condição do CIrr e, através do déficit de evapotranspiração relativa, obteve-se os rendimentos relativos(Yr) para todas as combinações de cultivo, local, CAD e data de semeadura. Utilizando-se o método de Monte Carlo foram simulados valores de Yr e Lb, para o cultivo irrigado, e valores de Yr, para o CSeq, para as mesmas combinações de local, data de semeadura e CAD. A partir dos dados simulados foram estimados valores de Yr e Lb , para as diversas situações, considerando-se os níveis de risco, 25%, 50% e 75%, sendo as receitas líquidas (RL) estimadas para estas mesmas situações e posteriormente espacializadas para o estado do Piauí e representadas por meio de mapas temáticos de RL. O CIrr do feijãocaupi mostrou-se economicamente viável no estado do Piauí, independentemente da data de semeadura, CAD e grau de risco utilizados. As RL variaram para as diversas regiões do Estado, em função da época de semeadura, CAD e nível de risco, especialmente para o CSeq. O CSeq do feijão-caupi mostrou-se viável para algumas combinações de local, data de semeadura, CAD e risco, estando mais condicionada à escolha dos locais e épocas de cultivo mais adequados, devido à variabilidade espacial e temporal das chuvas. Considerando-se uma estratégia de planejamento em nível estadual, a semeadura em 1º/fev foi a que se mostrou mais favorável, tanto para o CIrr quanto para o CSeq, pois proporcionou a obtenção de maiores valores de RL, bem como maiores áreas do Estado ocupadas por estes.
Avaliação do crescimento de caprinos da raça Anglo-Nubiana usando-se regressão aleatória José Ernandes Rufino de Sousa - Professor Adjunto do Campus Professora Cinobelina Elvas/UFPI Defesa: Universidade Federal de Minas Gerais, 2007 ernandes@ufpi.br
Avaliou-se o crescimento de caprinos até 196º dia de idade por meio de análises de funções de covariâncias, relativas aos pesos corporais de caprinos da raça Anglo-Nubiana, criados em regime semi-intensivo e pertencentes à Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (EMEPA-PB), visando a determinar a modelagem mais adequada para a trajetória média de crescimento, ajustar diferentes estruturas para modelar a variância residual e comparar funções de diferentes ordens para ajustar as mudanças nas variâncias dos diferentes efeitos aleatórios considerados na análise. Todos os modelos de análise incluíram o efeito de grupo contemporâneo, sexo e tipo de nascimento como fixo e a idade da mãe como covariável. As regressões fixas e aleatórias foram ajustadas por meio de polinômios de Legendre de diferentes ordens, em análises unicaracterísticas, com auxílio do programa máxima verossimilhança restrita livre de derivadas - DFREML. A melhoria mais expressiva no ajuste da curva média de crescimento ocorreu até a ordem quatro, sugerindo que esta foi suficiente para modelar a curva média de crescimento da população em estudo. Pouca influência sobre a estimativa dos parâmetros genéticos foi observada com adoção de funções superiores à cúbica. Polinômios com pelo menos ordem quatro devem ser empregados para representar a curva média de crescimento dos caprinos em modelos de regressão aleatória. Os modelos com funções de variâncias residuais foram aparentemente melhores do que aqueles que consideravam classes de variância. Entre os polinômios testados, o polinômio ordinário de terceira ordem apresentou melhores resultados do que os demais. Maior eficiência na seleção para peso pode ser obtida, considerando os pesos próximos ao 70° dia de idade, período em que as estimativas de variância genética e herdabilidade foram maiores. Um modelo de regressão aleatória empregando função cúbica para a curva fixa, uma função de variância de ordem três para o resíduo e funções com as ordens três, três e quatro, respectivamente, para os efeitos genéticos direto e materno e ambiente permanente do animal, permitiram descrever eficientemente as covariâncias relacionadas à curva de crescimento da população de caprinos em estudo.
Jornalismo de fonte aberta e seu enfrentamento às teorias do jornalismo: o caso do Centro de Mídia Independente Brasil. Maria das Graças Targino Universidade Estadual do Piauí Defesa: Universidad de Salamanca, Salamanca, 2007 (Pós-Doutorado) - gracatargino@hotmail.com
O Território de Trabalho dos Carregadores Piauienses no Terminal da CEAGESP: Modernização, Mobilização e a Migração
Mudanças sociais constituem expressão comum nos dias de hoje. Decorrem dos avanços científicos e tecnológicos. Como inevitável, essas mudanças atingem nossa vida individual, social e profissional. Dentre as profissões que tendem a se modificar está o jornalismo. O denominado jornalismo de fonte aberta (JFA) expande-se. Designa a possibilidade dos indivíduos “comuns” difundirem suas idéias graças à filosofia de publicação aberta: veiculação de informações no espaço virtual, automaticamente, por meio de computador conectado à internet. A referência máxima do JFA, na atualidade, é o Independent Media Center (IMC). Conseqüentemente, é objetivo desta pesquisa analisar o CMI Brasil, ramificação do IMC. A partir daí, são objetivos operacionais: analisar a relação entre o JFA e o exercício da cidadania na produção de editoriais do CMI Brasil; confrontar os editoriais produzidos frente ao paradigma do gatekeeping; confrontar os editoriais com os critérios de noticiabilidade, a partir da hipótese do newsmaking; discutir a evolução do jornalismo na Rede. O referencial teórico incorpora visão panorâmica do jornalismo brasileiro ao longo dos séculos até alcançar o webjornalismo e o JFA. Em termos metodológicos, trata-se de pesquisa quali-quantitativa, que conjuga a técnica de observação não participante, questionário misto aplicado a profissionais que atuam no CMI e análise de conteúdo dos 24 editoriais coletados, 1 a 31 de agosto de 2007. Além de questões macros, como a sobrevivência do jornalismo enquanto profissão; o predomínio do anonimato no CMI; e influências dos meios convencionais e alternativos para estabelecimento da agenda setting, os dados coletados constatam que o CMI cumpre a função central do JFA, enfatizando os temas de interesse social e fortalecendo o sentimento de cidadania. Mantém critérios de noticiabilidade, dentro do previsto no newsmaking e o gatekeeping subjaz à política editorial explícita, o que permite inferir que o JFA contribui para mudanças significativas do jornalismo contemporâneo.
Sueli de Castro Gomes Defesa: Universidade de São Paulo, 2007 suelicgomes@superig.com.br
O objetivo da pesquisa é o estudo da mobilidade do trabalho em suas diferentes formas no processo de modernização, em que a rede social aparece como um produto e suporte para o desencadeamento desse processo. Para tal, estudamos a migração de nordestinos para a metrópole de São Paulo e em especial uma grande rede social de piauienses. Esse último grupo de migrantes nordestinos vai se inserir no mundo do trabalho na condição de carregadores no terminal de abastecimento da Grande São Paulo, conhecido como CEAGESP. Assim, esses nordestinos demarcam a sua territorialidade, expressa na relação de trabalho, na sua origem e na sua residência. A Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo - CEAGESP – possui entre outros equipamentos um entreposto terminal de produtos hortifrutigranjeiros e pescado. Este entreposto está instalado desde 1966, na Vila Leopoldina, localizado na Zona Oeste da cidade de São Paulo. Ele é um grande Mercado de Trabalho, em que a mobilidade do trabalho está materializada sob diversas formas ocupação tanto na área interna, como no seu entorno. As formas de trabalho desse Mercado estão inseridas nos dois circuitos da economia urbana. Atualmente, existem 3 400 carregadores cadastrados pela administração, sendo 2 900 oriundos da mesma região do Piauí. Esses trabalhadores migrantes foram mobilizados com o suporte de sua rede social. Estabelecendo um vínculo entre o Estado do Piauí, como fornecedor de força de trabalho e São Paulo, como área de atração.
REPORTAGEM
11 TERESINA - PI, MARÇO DE 2008
Foto: Roberta Rocha
Envelhecimento, uma problemática social, é tema de tese premiada pela Capes
* Professora Solange Maria Teixeira
A professora Solange Maria Teixeira, coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí, conquistou o “Grande Prêmio Capes de Tese Celso Furtado”, concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes e que seleciona a melhor tese em cada uma das áreas de conhecimento com o objetivo de outorgar distinção às teses de doutorado defendidas e aprovadas nos cursos reconhecidos pelo MEC, considerando os quesitos originalidade e qualidade. Cada autor vencedor recebeu certificado, medalha e bolsa de pós-doutorado internacional. Solange Teixeira defendeu sua tese em 2006, pelo Programa de Pós-Gra-
duação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão - UFMA e concorreu com outras 417 teses nas áreas de Administração/Turismo, Arquitetura e Urbanismo, Ciências Sociais Aplicadas, Direito, Economia, Planejamento Urbano e Regional/Demografia, Serviço Social/Economia Doméstica, Antropologia/Arqueologia, Educação, Ensino de Ciências e Matemática, Filosofia/Teologia, Geografia, História, Artes/Música e Lingüística e Letras de diversas instituições de ensino superior do país. “É motivo de orgulho tanto para a UFPI e UFMA, que possuem conceito 5, terem uma aluna e um programa do Nordeste conquistando um prêmio com doutores de diversas instituições do país e mostro para qualquer pesquisador que é possível fazer um bom trabalho com dedicação, esforço e orientação em um programa de qualidade. Sinto-me honrada com o prêmio no qual dediquei muitas lágrimas, num processo muito extenso de pesquisa, que resultou num produto bem elaborado”, declarou a doutora. A pesquisadora revela ainda que dará continuidade ao estudo tentando analisar o modelo brasileiro e o português, devido à semelhança dos modelos sociais. “Pretendo ir para Lisboa e já entrei em contato com algumas instituições de pesquisa para dar continuidade ao meu estudo, pois o prêmio conquistado foi por mérito do nível de problematização e das críticas, na perspectiva de criar questões novas”.
O estudo premiado foi intitulado “Envelhecimento do trabalhador no tempo do capital: problemática social e as tendências das formas de proteção social na sociedade brasileira contemporânea” e teve como objetivo analisar tanto os determinantes da problemática social do envelhecimento do trabalhador quanto às formas de respostas do Estado e da sociedade, mediante as propostas e iniciativas pioneiras de trabalho social com idosos; de segmentos da burguesia brasileira e do Estado, por meio de programas sociais para a “terceira idade” e da legislação social contemporânea que inclui a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso. A pesquisadora trabalhou numa perspectiva de classe dando ênfase ao trabalhador, considerando que o envelhecimento não é um problema de desgaste físico, mas que frações de classes são marcadas pela exclusão e exploração que incluem os idosos, por concentrarem menor renda, problemas de saúde e de forma marginal, os limitarem ao setor informal acarretando sua desvalorização. “Quando uma pessoa produtiva se vê na iminência da aposentadoria, vários problemas são desencadeados, o principal é o empobrecimento, pois fica suscetível a aceitar o valor pago pelo INSS ou políticas assistencialistas. Além disso, vem o isolamento social e a exclusão familiar, enfim, vários problemas são desencadeados por conta da falta de valorização como ser humano”, disse a pesquisadora. Os resultados do processo investigativo desta pesquisa demonstram, ainda, o re-
forço da cultura privacionista nas formas de trato dessas mazelas sociais, dos mecanismos de enfrentamento da questão social na atualidade e das novas simbioses entre “público” e “privado” que o capital promove. Essa cultura se exterioriza tanto nas formas de elevação ou divisão de responsabilidades sociais com a proteção social para a sociedade civil, quanto no reforço do individualismo nos modos de intervenção social, mantendo intactas as estruturas geradoras de desigualdades sociais. A pesquisadora conclui que as formas de respostas à esta problemática mascaram a centralidade do envelhecimento do trabalhador na constituição do problema social e reforçam o modelo liberal de trato dessas mazelas sociais. “Apesar dos avanços para a proteção social, como a previdência e assistência social, observa-se uma limitação, à medida que se firmam certos direitos sociais, mas não se criam condições de viabilizá-los como é o dever do Estado, ou seja, a tendência é a divisão de deveres da sociedade civil e do Estado, o que significa uma desresponsabilização e repasse do seu encargo para o terceiro setor em forma de parcerias. É preciso um Estado forte, não só normatizador, mas que tenha responsabilidade na execução, fiscalização e efetivação dos direitos dos idosos como do cidadão em geral, pois a tendência é que não ocorram modificações nesta realidade em curto prazo”, acrescenta Solange Teixeira.
*Coordenadora do departamento de Serviço social da UFPI solangemteixeira@hotmail.com
LIVROS Alguma prosa ensaios sobre literatura brasileira contemporânea Org. Giovanna Dealtru, Masé Lemos e Stefania Chiarelli R$20,00 206 páginas asmaria@terra.com.br
As multifaces da pobreza:formas de vida e representações simbólicas dos pobres urbanos Autor: Antônia Jesuíta de Lima R$ 25,00 395 páginas e-mail: a.je.l@uol.com.br
Chega às livrarias tradicionais e online essa coletânea de dezesseis ensaios que alia reflexão teórica a uma linguagem que se afasta de certos conservadorismos acadêmicos, buscando novas formas de diálogos com a literatura contemporânea, sem perder o refinamento crítico. Sobre vários romances contemporâneos, inclui-se o ensaio “Ponciá Vivêncio, memórias do eu rasurado”, da Profa. Assunção Sousa, do Curso de Letras da Universidade Estadual do Piauí.
O livro reproduz a tese de Doutorado em Ciências Sociais pela PUC/SP. Surgiu do interesse em compreender a pobreza em Teresina - Piauí, examinando os significados que se produzem entre a condição social em que se situam os pobres e as suas visões acerca dessa experiência. Foi lançando o olhar sobre a organização da cidade, sobre a presença marcante desses segmentos, as práticas e os acontecimentos que fazem o seu cotidiano, que tentamos captar as mediações simbólicas produzidas na vivência da pobreza que os leva a atribuir sentidos múltiplos ao mundo social em que vivem.
Cidades Brasileiras: atores, processos e gestão pública
Socializando para ser negro: os embates da família, da escola e do adolescente
Antônia Jesuíta de Lima (org.) 284 páginas R$ 35,00 a.je.l@uol.com.br O livro reúne trabalhos de autores locais e nacionais de distintas formações profissionais (arquitetos, historiadores, geógrafos, sociólogos, assistentes sociais e antropólogos), constituindo, portanto, leituras e olhares diversos sobre dimensões da cidade. Discute os novos signos e os dilemas da cidade contemporânea (espaços privados e autosegregados, fragmentação social), e a intervenção pública no espaço urbano. Trata da vida na metrópole e nos grandes centros urbanos, como no Rio de Janeiro e em Teresina, dos modos de viver e estar na cidade, traçando um painel bastante representativo das cidades brasileiras.
O Cérebro Violento: Neurobiologia, Complexidade e Ética Autora: Ana Clélia de Freitas R$ 25,00 88 páginas ana.klelia@terra.com.br Esta obra tem por objetivo estudar e situar a violência e o comportamento agressivo na complexidade da vida social, através do papel dos neurotransmissores. Esses afetam o comportamento humano e tornaram-se uma das chaves para desvendar o funcionamento cerebral. O problema da criminalidade e a agressão pode ser diminuídos pelo entendimento das raízes da violência, analisando-se a neurobiologia da agressão humana junto com os demais fatores criminogênicos relevantes. Este livro é de fundamental importância na análise da violência social em nossos dias.
Autora: Maria do Rosário de Fátima Biserra Rodrigues 199 páginas R$ 15,00 Rosa_the82@yahoo.com.br O livro busca compreender a participação dos pais na construção e formação da identidade do ser negro de seus filhos e filhas, através do processo de socialização que ocorre na família e na escola. A pesquisa foi realizada com um grupo de famílias, mães, pais e adolescentes negro(a)s, estudantes do ensino fundamental, em escolas públicas e particulares de Teresina. Traz algumas reflexões críticas e práticas necessárias para a construção de uma sociedade respeitosa com aqueles étnica e racialmente diferentes.
Piauí através da História e da Geografia Autor: Maria José Oliveira Formiga R$ 52,80 146 páginas jmjof61@gmail.com e mundialp@uol.com.br Este livro discute a importância do conhecimento das ciências, geografia e história no dia-a-dia de cada um, refletindo que através dessas ciências, é possível compreender o processo de ocupação e formação do espaço geográfico do Piauí, analisando sua organização política e administrativa, bem como suas condições naturais e influência sócioeconômica na vida do povo piauiense.
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REPORTAGEM TERESINA - PI, MARÇO DE 2008
Foto: Márcia Cristina
A produção literária da primeira romancista afro-brasileira rompe o esquecimento
Algemira de Macedo Mendes, Profª. Drª. de Letras da Uespi e da Uema algemacedo@ig.com.br
Um dos poucos registros de Maria Firmina, encontrado na biblioteca pública de São Luís - MA