Sapiencia25

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TERESINA - PI, SETEMBRO DE 2010 Nº 25 ANO VI

ISSN 1809-0915

Edição Especial

Desenvolvimento e Meio Ambiente Ciências Agrárias Educação e Letras Ciências Humanas Ciências da Saúde Tecnologias Ciências da Natureza


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TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

EDITORIAL

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m 2004, nascia o SAPIÊNCIA, órgão de divulgação científica, editado pela FAPEPI, uma ideia que vingou e deu bons frutos. Neste momento, lançamos uma nova versão: SAPIÊNCIA Artigos, uma coletânea de textos produzidos por pesquisadores de diferentes instituições acadêmicas do Estado do Piauí e de outros Estados do Nordeste. A nossa intenção é divulgar resultados de pesquisas desenvolvidas, tanto no nível de pós-graduação, como no nível de iniciação científica, de modo que este número de SAPIÊNCIA reúne trabalhos de alunos bolsistas de PIBIC/CNPq, bem como trabalhos de conclusão de especializações, mestrados e doutorados,

SUMÁRIO Uso de biofertilizante de suíno na produção de hortaliças - Marlei Rosa dos Santos.............................................. 3 Melhoramento genético de caprinos no estado do Piauí - Luiz Antônio S. F. Filho............................................. 3 Avanços metodológicos na avaliação genética em caprinos - Natanael P. da Silva Santos........................................ 4 Mercado da carne caprina e ovina na região metropolitana de Teresina - Jean Carlos. Soares...................... 4 Insetos e ácaros associados ao cultivo da seringueira no Brasil - Rodrigo Souza Santos….........................…...... 5 Volumosos de baixo valor nutritivo na alimentação de ruminantes - Arnaud A. Alves...................................... 6 Agricultura familiar camponesa: territórios em questão - Canrobert Costa Neto........................................……. 6 Análise das características reológicas do mesocarpo do babaçu - Lívio César C. Nunes.................................... 7

além de trabalhos de pesquisas de docentes, muitos deles financiados por agências de fomento à pesquisa, entre as quais, a própria FAPEPI. No intuito de incentivar a produção escrita de estudantes e professores, publicamos, também, alguns textos de opinião acerca de questões de interesse acadêmico, sobretudo aquelas relacionadas à educação, cultura, ética e política. O conjunto de textos aqui apresentado resulta numa considerável diversidade de temas e de áreas de pesquisa, abrangendo, desde as ciências da natureza, como Química, Biologia e Física, até as ciências sociais, como Antropologia, História, Geografia, Arqueologia, Sociologia, Educação, Economia e Administração. As ciências da saúde, por sua vez, comparecem com significativo número de trabalhos relativos à Medicina, Enfermagem e

Nutrição. Da mesma forma, várias pesquisas voltadas para produção de alimentos e para outros setores produtivos do mercado se fazem presentes nesta primeira edição de SAPIÊNCIA Artigos, que ora vem a público. SAPIÊNCIA Artigos representa a realização de um projeto que vimos alimentando deste o lançamento do primeiro número de nosso informativo. Agora, no momento da concretização deste projeto, congratulamo-nos com todos aqueles que contribuíram para o êxito do SAPIÊNCIA, ao longo desses seis anos de atividade ininterrupta, e formulamos votos de que a versão Artigos tenha vida longa e alcance o mesmo sucesso que vem tendo o SAPIÊNCIA, desde a sua criação.

Aprendizagem na FAP Teresina: visão de professores e alunos - Ana Maria C. G. Ribeiro................................ 15 A ciência do livro da natureza - Francisco das Chagas Amorim de Carvalho..................................................... 16 Censura às HQs. Essa história não está no gibi - Angely Costa Cruz…................………………………………..... 17 A mensagem do salmo: o Evangelho segundo Júlio Romão da Silva - Elio Ferreira de Souza…………….. 18 A cientificidade do turismo - Vicente de Paula Censi Borges......................................................................... 19 Comunidade Quilombola e o uso dos recursos vegetais no Piauí - Fábio José Vieira...................…………...… 19

Consumo alimentar e de álcool por estudantes de escolas públicas - Marize Melo dos Santos............................... 29 Mente, cérebro e ressonância magnética - Eleonardo Rodrigues..................................................................…… 30 Saúde mental em Picos: um projeto, uma proposta - Maria R. C. Moreira................................................... 30 Importância do psicólogo para pessoas com deficiência - Nadja Carolina de S. P. Caetano................................. 31 Fatores de risco para a hepatite b entre caminhoneiros - Telma M. E. de Araújo................................................ 31 Avaliação da promoção da saúde no Estado do Piauí - José Ivo dos S. Pedrosa.............................................. 32 A bioética da proteção - Francisca Sandra C. Barreto... 32 A composição corporal e o consumo alimentar em jogadores de futebol - Moisés Mendes da Silva................... 33

Rawls: a justiça como equidade e a justificação coerentista - Elnora M. G. Machado Lima.............……........ 20 O lugar da morte: marcadores identitários nos rituais fúnebres - Jaqueline Pereira de Sousa...................…... 20 A inserção, atuação e permanência da mulher na capoeira - Eliane, Tamara.............................................. 21

Pesquisando o setor moveleiro de Teresina - Elaine Aparecida da Silva............................................................. 8

Bárbaros de nobre sangue: índios, civilização e identidade no Ceará - João Paulo P. Costa.......................… 22

A flora e fauna úteis de pescadores artesanais - Rosemary da Silva Sousa.................................................... 9 O cultivo de tilápias tratadas em lagoas de estabilização - Cleto Augusto B. Monteiro.................................. 10 Mudanças climáticas no semiárido: sobreviveremos! - Eliana Morais de Abreu............................................. 11 Comida ou combustível? - Luís Gonzaga M. Figueiredo Júnior.......................................................................... 11 Diagnóstico geoambiental: zona costeira do Estado do Piauí - Agostinho Paula Brito Cavalcanti............... 12

Isaías caminha: uma voz do “Quilombo” desmascarando a imprensa - Denílson Botelho.................…….. 22

EXPEDIENTE

Educação e extensão rural - Felipe C. M. Tupinambá… 12 A noção de gramática nos estudos de representação rupestre - Carlos Alberto S. Costa…...……………...… 13 Aplicação do balanced scorecard em instituições de Ensino Superior - Ângela E. de Sampaio.................... 14 A escola de Palo Alto e os paradoxos comunicacionais - Camila Calado Lima ................................................. 14 Ação educativa em museus com acervos arqueológicos - Fabiana Comerlato…........…………………….…….... 15

Nº 25 Ano VI Setembro de 2010 ISSN - 1809-0915 Informativo produzido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí - FAPEPI PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL

A competição política piauiense nas eleições de 1996, 2000 e 2004 - Cléber de Deus….................................. 23 A gestão compartilhada na política de inclusão social no Piauí - Roberto Alvares Rocha............………...........… 24 Trabalho e economia solidária - Solimar O. Lima........ 25 As universidades e os estudos de cidade - Antônio Cardoso Façanha.............................................................…..… 25 Voltaire, história e clandestinidade - Leandro de Araújo Sardeiro........................................................………… 26 As rezadeiras do Piauí - Pedrina Nunes Araújo........... 26 O fortalecimento da TV pública no Brasil como ganho democrático - Acácio Salvador Véras e Silva Júnior........ 27 A prática gerencial de enfermagem em hospitais públicos - Fabrícia Cavalcante Rocha....................................... 27 Segunda-feira de águas: prostituição e tradição - Maria das Graças Targino.....................................…............. 28

DIRETOR EDITORIAL Acácio Salvador Véras e Silva CONSELHO EDITORIAL Acácio Salvador Véras e Silva Francisco Laerte J. Magalhães Wellington Lage REVISÃO DE TEXTO Maria do Socorro Rios Magalhães

EDITORA Márcia Cristina Roberta Rocha IMPRESSÃO Grafiset Gráfica e Editora TIRAGEM 8 mil exemplares PROJETO GRÁFICO Tony Cesar (86) 8832-5057

AO LEITOR PARA CRÍTICAS, SUGESTÕES E CONTATO:

www.fapepi.pi.gov.br - sapiencia@fapepi.pi.gov.br OU PELOS TELEFONES: (86) 3216-6090 - Fax: (86) 3216-6092

Acácio Salvador Véras e Silva

Atapulgita no Piauí: possibilidades tecnológicas - Cristiany Marinho Araújo...........................……......... 34 A políticas públicas estaduais de habitação: a atuação da ADH - Alcília Afonso de A. Costa............................ 34 Aquitetura de rua - Ângela M. Napoleão Braz e Silva....... 35 Estudo do potencial eólico no litoral do Piauí - Henrique do N. Camelo............................................................... 35 Vitamina e ou alfa-tocoferol? - Roberto Dimenstein...... 36 Anilhamento de aves no alto Rio Araguaia/MT - Anderson Guzzi..........................................……...…. 36 Musicoterapia e praticante esportivo: ritmo superando barreiras - Nydia Cabral C. do Rego Monteiro.......…. 37 Contribuições reichianas para a psicossomática: o conceito de biopatia - Périsson D. do Nascimento....... 37 Casamentos e deficiências congênitas em São Gonçalo do Piauí - Manoel Cícero R. Júnior.............................. 38 Patologia do material argiloso - Paulo H. C. Fernandes..... 38 Caracterização químico-mineralógica de materiais arqueológicos - Luis C. D. Cavalcante......................... 39 Vertebrados do Parque Nacional da Serra das Confusões/Piauí - Janete D. Nogueira Paranhos................... 39 Restingas: e quando o vizinho não é a Floresta Atlântica? - Francisco Soares S. Filho…………........................… 40


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CIÊNCIAS AGRÁRIAS O solo agrícola é uma importante fonte de nutrientes minerais para as plantas. No caso particular da Olericultura, os nutrientes disponíveis no solo são frequentemente insuficientes, devido à elevada exigência das plantas em nutrientes. Essa limitação da fertilidade natural é bem conhecida, podendo ser corrigida pela aplicação de adubos orgânicos e/ou minerais. A partir da década de 1970, a denominada agricultura orgânica começou a ser disseminada em países europeus, provavelmente como uma reação compreensível, embora extremada, ao uso indiscriminado e abusivo de defensivos e fertilizantes minerais. Nos dias de hoje, há a preocupação em minimizar possíveis danos ecológicos, como a contaminação da água subterrânea por nitratos ou de lagoas por fosfatos. Os benefícios da adubação orgânica têm sido reconhecidos, ressaltando-se que a incorporação de materiais orgânicos, como o esterco animal, torna o solo um substrato mais propício à agricultura. Melhora algumas características do solo que favorecem a agricultura, notadamente a capacidade de penetração e retenção de água; a estrutura, o arejamento e a porosidade aumentam a vida microbiana útil, inclusive com eliminação de fitopatógenos; favorece a disponibilidade e a absorção de nutrientes; os solos argilosos, pesados e compactados, tornam-se mais favoráveis; e igualmente acontece com os solos arenosos, leves e sem boa estrutura. O esterco bovino é comumente o mais utilizado como fertilizante nas olerícolas, por estar presente em quase todas as propriedades rurais. Entretanto, em consequência das atividades suinícolas desenvolvidas na região do Vale do Piranga, na Zona da Mata mineira, os dejetos líquidos de suínos são resíduos orgânicos disponíveis em grandes quantidades, tornando-se viáveis estudos que os envolvam como fonte alternativa de nutrientes, para a melhoria do sistema de produção e proteção do meio ambiente. O projeto de pesquisa intitulado “Manejo e utilização de biofertilizante, proveniente da digestão anaeróbica de dejetos de suínos, para o desenvolvimento

FOTOS: DIVULGAÇÃO

USO DE BIOFERTILIZANTE DE SUÍNO NA PRODUÇÃO DE HORTALIÇAS

da olericultura na microrregião do Vale do Piranga, Zona da Mata Mineira”, foi aprovado pela FAPEMIG e executado na Empresa de Pesquisa Agropecuário de Minas Gerais no período de 2007 a 2009. O biofertilizante foi obtido após a fermentação do dejeto líquido de suíno, proveniente da lavagem das baias, a fermentação foi feita anaerobicamente em caixas de fibra de vidro tampadas, por um período de 30 dias. Após a fer-

mentação esse biofertilizante apresentou as seguintes características, em g L-1: N = 22,7; P = 15,2; K = 11,0; Ca = 17,0; Mg = 7,7; S = 3,9; C. org. = 2,1 e Na = 5,2 e, em mg L-1, Zn = 2068; Fe = 3859; Mn = 176; Cu = 1166; Cr = 0,13; Ni = 0,21 e Cd = 0,01; pH (H2O) = 8,61; densidade = 1,1 g cm-3 e C/N = 0,09. Experimento utilizando doses de biofertilizante suíno na cultura do quiabo, cv Santa Cruz permitiu concluir que a aplicação do biofertilizante proporcionou aumento nos teores foliares de N, Ca e Mg e redução nos teores de P e S, sem perdas na produção por planta. A maior produtividade de frutos comerciais do quiabeiro foi obtida na maior população de plantas (35.714 plantas ha-1) e com 48 m3 ha-1 de biofertilizante maior dose utilizado no experimento (Figura 1). A maior produtividade obtida nas populações de 35.714 e 23.809 plantas ha-1 foi 31,23 t ha-1 e 21,90 t ha-1, respectivamente, ambas alcançadas com a maior dose de biofertilizante aplicada (Sediyama et al., 2009). Tais produtividades são superiores às obtidas por Oliveira et al. (2003) que avaliaram o rendimento de quiabo, cultivar Santa Cruz, em função de doses de N, e obtiveram produção máxima estimada de 16,7 t ha- 1, obtida com 141 kg ha-1 de N. A produtividade média esperada do quiabeiro é de 15 a 20 t ha-1 (SILVA et al., 2007).

Marlei Rosa dos Santos – Profa. Dra. da UESPI marleirs@uespi.br Maria A. N. Sediyama - Pesquisadora Dra. da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) marians@epamig.ufv.br Sanzio M. Vidigal Pesquisador Dr. da EPAMIG sanziomv@epamig.br

MELHORAMENTO GENÉTICO DE CAPRINOS NO ESTADO DO PIAUÍ A região Nordeste se encontra em posição de destaque na criação de caprinos no Brasil, com 91,3% de todo o rebanho caprino do país, sendo que 1.370.372 cabeças (14,6% do efetivo nacional) são criados no estado do Piauí (IBGE, 2007). A caprinocultura nordestina tem grande importância para agricultura familiar, além de ser fonte de renda através da comercialização de subprodutos, como carne, couro e leite. Contudo, ainda, apresenta índices zootécnicos baixos, principalmente pela pouca utilização de um aporte tecnológico eficiente e compatível com as características socioeconômicas da região, necessitando de mudanças culturais importantes, especialmente no setor produtivo. O aumento dos rebanhos precisa ser amparado por programas de Genética, Melhoramento Animal e Biotecnologia, que são básicos para a produção, seleção e multiplicação rápida de animais de elite (SOUSA, 2004). Inseridos nesses programas, estão os estudos relacionados ao crescimento dos animais de corte que proporcionam subsídios para a seleção pela precocidade, ganho de peso, entre outras características de interesse econômico. Dentre as características usadas para mensurar o processo do crescimento, temos o peso dos animais, que é utilizado na descrição da curva de crescimento do animal, na maioria sigmoidal, que relaciona peso à idade, fornecendo, consequentemente, informações do desenvolvimento do animal em todas as fases da vida. Geralmente, estudam-se curvas de crescimento por meio do ajuste de funções não-lineares, pois, dessa maneira, é possível sintetizar informações de todo o período de vida dos animais, ou seja, um conjunto de informações em série de peso por idade, em um pequeno conjunto de parâmetros interpretá-

veis biologicamente (OLIVEIRA et al., 2000). O uso da modelagem no melhoramento genético animal permite a estimação dos parâmetros para as curvas de crescimento e a identificação dos animais mais apropriados economicamente, possibilitando a descrição e a predição do crescimento e da maturidade do animal, bem como as inferências baseadas na interpretação dos parâmetros dessas curvas. No entanto, para que planos de melhoramento possam ser avaliados e definidos, é indispensável que se conheça as fontes de variação não genéticas, para que se possa eliminar as diferenças causadas pelo meio, permitindo a identificação dos animais geneticamente superiores para as características de crescimento. Além disso, é necessário também um estudo da interferência genética, a fim de verificar se a ação genética tem efeito aditivo e, ainda, se existem correlações entre

as características estudadas. No que se refere à espécie caprina, estudos desses fatores e suas estimativas são ainda escassos na literatura. Portanto, o conhecimento e o controle do crescimento e desenvolvimento dos ruminantes são tópicos de bastante interesse para os pesquisadores, pois o seu domínio permite que programas de seleção animal sejam elaborados para as características de crescimento inerentes a cada raça. Para tanto, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Piauí vem realizando registros de informações zootécnicas para o desenvolvimento de diversas pesquisas, dentre elas encontra-se o estudo da curva de crescimento de caprinos Anglonubianos, raça de destaque em criatórios piauienses, bem como a influência de fatores genéticos e não genéticos, no crescimento desses animais, podendo-se promover mudanças genéticas consideráveis no rebanho através de ferramentas como a seleção e os cruzamentos, e por consequência na cadeia produtiva. Com isso, os programas de melhoramento genético animal vêm progredindo com a utilização de métodos de avaliações genéticas utilizados nos processos de seleção e cruzamentos, o que promove mudanças genéticas consideráveis no rebanho e por consequência na cadeia produtiva. Luiz Antônio Silva F. Filho Mestrando em Ciência Animal da UFPI luiz_medvet@hotmail.com


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AVANÇOS METODOLÓGICOS NA AVALIAÇÃO GENÉTICA EM CAPRINOS A Região Nordeste é a maior produtora de caprinos do país, mas apresenta índices zootécnicos baixos, principalmente em razão da não utilização de tecnologias compatíveis com as condições de ambiente e manejo na região, visto que estão presentes na maioria dos rebanhos, condições ambientais adversas ao bom desenvolvimento dos animais. Dessa forma, o conhecimento dos fatores que interferem direta ou indiretamente nestes índices pode auxiliar na melhoria da eficiência produtiva e reprodutiva dos rebanhos. Em termos de avaliação genética, a caprinocultura tem recebido pouca atenção da pesquisa no País, notadamente quanto ao comportamento genético dos fatores a ela relacionados e também quanto à adoção de metodologias com mais recursos técnicos. No tocante às metodologias utilizadas, considera-se que a limitação de dados disponíveis, em razão da desvalorização dada à avaliação genética pelo produtor, por razões diversas, dentre elas o desconhecimento tecnológico, seja a mais forte das dificuldades encontradas para obtenção dos parâmetros genéticos do rebanho. O melhoramento genético animal pode ser entendido como um conjunto de processos seletivos e de direcionamento dos acasalamentos, cujo objetivo é aumentar a frequência dos genes de efeitos desejáveis ou das combinações genéticas boas em uma população, com a finalidade de aperfeiçoar a capacidade de produção dos animais que apresentam interesse econômico para o homem em um dado ambiente. Dessa forma, o avanço genético somente pode ser alcançado a partir do momento em que existam as seguintes condições: variabilidade genética; o efeito ambiental não mascare por completo esta variabilidade; a seleção e a combinação de genótipos superiores possam ser realizadas para o estabelecimento da próxima geração. Trabalhos relacionados à seleção de caprinos baseados no mérito genético de cada animal ainda são escassos na literatura nacional. Diferentemente, em diversas outras espécies, a seleção de animais com base no seu valor genético, tem sido praticada com sucesso. Exemplo marcante é observado em bovinos, em que os animais são selecionados por características de importância econômica e são usados como reprodutores na geração seguinte, alterando-se a constituição genética do rebanho, obtendo-se assim um incremento na produtividade. Os componentes de variância, importantes na predição do mérito genético dos indivíduos, têm sido estimados por diferentes métodos que evoluem à medida que novas teorias e novas técnicas computacionais são desenvolvidas. O método de estimação pode ser um fator importante na obtenção dos parâmetros genéticos, juntamente com o estabelecimento de um modelo matemático que descreva corretamente os dados e com

a inclusão de fatores importantes, como a raça, o sexo, o manejo e a origem dos dados. Para que estes componentes tenham estimativas fidedignas, de alta precisão e acurácia, os estimadores devem apresentar as seguintes propriedades: (1) não vício, tal que a esperança matemática do estimador seja o próprio parâmetro; (2) consistência, tal que, com o aumento do tamanho da amostra, a esperança do estimador convirja para o parâmetro e a variância do estimador convirja para zero. O aumento da acurácia de uma estimativa está relacionado com o aumento do tamanho da amostra; (3) eficiência tal que o estimador apresente variância mínima; (4) suficiência, tal que o estimador condense ao máximo possível a informação contida na amostra e não seja função (dependente) do parâmetro; (5) completitude, que está ligada à unicidade do estimador; (6) invariância à translação, tal que a estimação dos componentes de variância não seja afetada por mudanças nos efeitos fixos. Nas duas últimas décadas, com o incremento da tecnologia de computação, vem crescendo o interesse por métodos mais sofisticados e eficientes na obtenção de estimativas de componentes de variância. O método de máxima verossimilhança restrita (REML) tornou-se o método mais utilizado na estimação de componentes de variância no melhoramento animal, adotando a metodologia conhecida por Melhor Predição Linear Não-Viesada (BLUP) do mérito genético. Os Procedimentos BLUP incorporam toda informação disponível na predição de uma Diferença Esperada de Progênie (DEP) individual. O método de máxima verossimilhança restrita (REML) tem sido preferido pelos pesquisadores, por permitir a inclusão das informações da matriz de parentesco e proporcionar, em geral, estimativas menos viciadas que os métodos antecessores (Análise de Variância - ANOVA, Métodos I, II e III de Henderson, Máxima Verossimilhança – ML, Método de Estimação Quadrática não-Viesada de Norma Mínima – MIVQUE), quando os dados são provenientes de rebanhos sob seleção baseada na característica estudada ou em alguma característica correlacionada. Entretanto, os resultados da estimação de componentes de variância por este método, assim como em todos os métodos frequentistas de estimação, são pontuais e não permitem que outras inferências, além daquelas proporcionadas pelo valor da estimativa e de sua variância sejam feitas. Além disto, o custo computacional cresce exponencialmente com o número de componentes estimados em cada análise, tornando praticamente inviável a sua utilização em análises que envolvam mais de três características, quando o número de dados é grande. Tendo em vista as limitações dos métodos frequentistas, tem-se verificado o desenvolvimento de uma concepção baye-

siana para a estimação de componentes de variância. Diversos autores demonstram que a inferência bayesiana é uma alternativa de grande flexibilidade tanto em relação aos modelos que podem ser utilizados nas análises, quanto às inferências que podem ser realizadas a partir dos resultados, com menor custo computacional, podendo ser utilizado um grande ou pequeno número de dados, fato muito observado nos rebanhos caprinos da região. O uso de características múltiplas em conjunção com a matriz de parentesco dos animais aumenta a acurácia dessas estimativas, pois elas utilizam melhor as informações sobre características correlacionadas e reduzem ou eliminam vícios das estimativas causados pela seleção. O uso das informações de parentesco dos animais, também constitui um entrave na avaliação genética dos caprinos visto que os caprinocultores, em sua maioria, não têm o hábito de guardar estas informações. Uma das principais características da metodologia Bayesiana, que a diferencia da clássica, é a abordagem no momento de se fazer inferência estatística sobre os parâmetros, a partir de uma amostra. Nos procedimentos frequentistas, assume-se que os parâmetros do modelo probabilístico são valores fixos ou constantes, embora desconhecidos, podendo existir vários estimadores. Na técnica Bayesiana, todavia, os parâmetros são vistos como variáveis aleatórias, existindo, a princípio, um único estimador, o qual conduz a estimativas que maximizam uma função densidade de probabilidade “a posteriori”. Outro ponto marcante é o fato de no contexto bayesiano não existir “viés”, uma vez que repetições de um experimento não são consideradas. Com relação à categorização dos efeitos, a princípio, todos são considerados aleatórios, tornando inócua a denominação de modelos mistos. No entanto, essa distinção requerida na genética quantitativa, é providenciada pela atribuição de “prioris” distintas entre os efeitos ditos “fixos” e “aleatórios”. Assim, vê-se a necessidade de estudos aprofundados, com o uso de metodologias que propiciem maior acurácia dos valores dos efeitos genéticos e também dos efeitos ambientais, que influenciam características produtivas e reprodutivas no imenso contingente caprino existente na nossa região para o incremento da caprinocultura, visto o crescente valor que está sendo destinado à atividade no Estado. Natanael P. da Silva Santos Engº. Agrº. Mestrando em Ciência Animal/UFPI natanps@yahoo.com.br

MERCADO DA CARNE CAPRINA E OVINA NA REGIÃO METROPOLITANA DE TERESINA

O Piauí se distingue dos demais Estados pela distribuição dos rebanhos por toda a sua extensão territorial, sendo o detentor do terceiro maior rebanho de caprinos e ovinos do Nordeste. Contudo, o consumo das carnes de caprinos e ovinos em Teresina é ainda classificado como baixo em decorrência da baixa qualidade do produto ofertado. (SILVA & PIRES, 2000) relataram que a variabilidade dos caracteres qualitativos e quantitativos que definem os diferentes tipos de carcaças comercializadas não constitui inconveniente para a comercialização, por oferecer ao mercado carcaças diferentes, que podem satisfazer as mais variadas preferências da demanda. Entretanto, os consumidores tradicionais apreciadores da carne caprina e ovina, começam a tomar conhecimento das qualidades nutricionais desse produto, aumentando sua procura no mercado (SEBRAE-PI, 2003). Com esse trabalho, objetiva-se descrever características da organização da estrutura de mercado da carne caprina e ovina na região metropolitana de Teresina.

MATERIAL E MÉTODOS A coleta de dados foi realizada na cidade de Teresina, capital do Piauí. As entrevistas foram estruturadas segundo Samara & Barros (1997) e aplicadas a gestores de restaurantes, donos de açougues de mercados públicos, feiras livres, pontos fixos, distribuídos em quatro zonas (Norte, Sul, Leste e Sudeste) englobando vários bairros, correspondendo aproxima-

damente a 90% dos estabelecimentos que comercializam e consomem carne caprina e ovina, de acordo com as seguintes variáveis: sexo do animal, idade e sazonalidade de demanda. RESULTADOS E DISCUSSÃO Pode-se indicar, com base nos resultados, que a partir das entrevistas realizadas com os comerciantes, consumidores dentro dos estabelecimentos pesquisados, gestores de bares e restaurantes, sobre o comércio da carne caprina e ovina, que os “atravessadores” geralmente repassam os animais para feiras, açougues e vendem à população em geral. No tocante a bares e restaurantes, geralmente, cada um tem seu próprio fornecedor. O mercado não possui exigência quanto à idade, visto que 43% dizem não ter preferência pela idade, 23% preferem animais com menos de 1 ano, 30% preferem de 1 a 2 anos e apenas 3% preferem com mais de 2 anos. Quanto ao sexo, observou-se que 76% declararam comercializar caprino e ovino independente do sexo, 9% preferem o “macho inteiro” e outros 6% “macho castrado”, enquanto que apenas 10% revelaram preferência pela fêmea. Buscou-se ainda levantar o período de maior demanda de carne caprina e ovina, de acordo com a comercialização. Observou-se que 46% declaram que há uma predileção em consumo nos dias de sábado, 34% preferem no domingo, indicando esses como dias importantes para consumo e comercialização. O fato repor-

tado indica que as carnes de caprino e de ovino são consideradas produtos de finais de semana (SEBRAE-RN, 2001).

CONCLUSÕES O município de Teresina-PI se apresenta como um grande centro consumidor de carne caprina e ovina do Estado, pelo fluxo e canais de comercialização. Há maior prevalência de comercialização e consumo da carne caprina e ovina aos sábados e domingos. Há necessidade de qualificação de mão-de-obra, orientação sobre as raças e espécies de animais aqui comercializadas, maior divulgação da importância do consumo de carne caprina e ovina, não só nos fins de semana e, principalmente, fornecimento à sociedade um produto que venha garantir uma alimentação saudável, desde a chegada do animal ao abatedouro até a mesa do consumidor. Jean Carlos Soares – Zootecnista e Mestrando em Ciência Animal na UFPI - jeancarlosab@bol.com.br Marcos Jacob de O. Almeida – Analista na EMBRAPA Meio Norte, Doutor em Zootecnia


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O gênero Hevea pertence à família Euphorbiaceae que compreende outros gêneros importantes de culturas tropicais, tais como Ricinus (mamona) e Manihot (mandioca). Este gênero tem como área de ocorrência a Amazônia brasileira, bem como Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Suriname e Guiana. Dentre as espécies de seringueira, a originária do Brasil, Hevea brasiliensis, é a que possui a maior capacidade reprodutiva, maior variabilidade genética e maior produtividade de látex. Hevea brasiliensis é uma planta de ciclo perene, de origem tropical, cultivada e utilizada de modo extrativista, com a finalidade de produção de borracha natural. A partir da saída de seu habitat, passou a ser cultivada em grandes monocultivos, principalmente nos países asiáticos. No Brasil, seu cultivo obteve grande sucesso nas regiões Sudeste, Centro-Oeste, na Bahia, Espírito Santos e no oeste do Paraná. A seringueira é uma planta semidecídua, heliófita, característica da floresta Amazônica nas margens de rios e lugares inundáveis da mata de terra firme. Ocorre preferencialmente em solos argilosos e férteis na margem de rios e várzeas. Atualmente os países asiáticos Tailândia, Indonésia, Malásia, China e Vietnã são os principais produtores mundiais de borracha natural, respondendo por cerca de 90% do total. O Brasil ocupa apenas o nono lugar na produção mundial, correspondendo a aproximadamente 1,4% do total. Em âmbito nacional, os estados de São Paulo, Mato Grosso, Bahia e Espírito Santo são os principais produtores, sendo São Paulo responsável pela maior parcela da produção nacional, o que lhe confere a condição de principal produtor de borracha natural do país. Com a utilização do cultivo da seringueira em sistema de monocultura, ocorre um favorecimento à adaptação de insetos que se tornam problema, interferindo na fisiologia da planta e reduzindo a produção de látex. Um número considerável de insetos e ácaros está associado à seringueira, e uma parcela deles se destaca como pragas, pela frequência e níveis de infestação em que ocorrem. Dentre as principais espécies de ácaros fitófagos encontrados na cultura da seringueira estão: Oligonychus gossypii, Eutetranychus banksi, Tetranychus sp. (Acari, Tetranychidae), Calacarus heveae, Phyllocoptruta seringueirae, Shevtchenkella petiolula (Acari, Eriophyidae), Brevipalpus phoenicis e Tenuipalpus heveae (Acari, Tenuipalpidae. Os insetos que apresentam importância econômica na heveicultura brasileira são as espécies: Agrotis subterranea, Spodoptera frugiperda (Lepidoptera: Noctuidae), Erinnyis ello, Erinnyis alope (Lepidoptera: Sphingidae) e Premolis semirufa (Lepidoptera: Arctiidae); ortópteros: Gryllus assimilis (Orthoptera: Gryllidae) e Neocurtila hexadactila (Orthoptera: Gryllotalpidae); cupim: Coptotermes testaceus (Isoptera: Rhinotermitidae); besouros: Platypus mattai (Coleoptera: Platypodidae), Xyleborus confusus, Hipothemes sp. (Coleoptera: Scotylidae), Malacopterus tenellus e Achryson surinamum (Coleoptera: Cerambycidae); formigas: Atta sexdens, Atta cephalotes, Atta laevigata e Acromyrmex sp. (Hymenoptera: Formicidae); tripes: Actinothrips bondari, Anactinothrips distinguendus e Scirtothrips sp. (Thysanop-

tera: Thripidae); hemípteros: Aleurodicus coccois e Aleurodicus pulvinatus (Hemiptera: Aleyrodidae); cochonilhas: Pinaspis sp., Aspidiotus destructor, Selenaspidus articulatus (Hemiptera: Diaspididae), Saissetia coffeae, Saissetia oleae, Parasaissetia nigra (Hemiptera: Coccidae) e o percevejo Leptopharsa heveae (Hemiptera: Tingidae). O percevejo-de-renda ou mosca-de-renda da seringueira, Leptopharsa heveae é o principal inseto-praga da cultura. O ataque em altas infestações provoca uma redução de 28% no crescimento em altura e de 44,5% no diâmetro do colo das plantas, em mudas, podendo ocasionar queda na produção de látex em até 30%. Em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia e Goiás, regiões de escape da doença conhecida como “mal-das-folhas”, causada pelo fungo Microcyclus ulei, o percevejo-de-renda torna-se ainda mais importante, pois sua ação ocasiona a senescência precoce ou a queda anormal das folhas. Deste modo, a seringueira renova a folhagem em períodos quentes e úmidos, favoráveis ao surgimento da doença O controle químico dessa praga tem oferecido resultados satisfatórios, mas o elevado número de pulverizações requeridas para seu controle e o alto custo destas têm induzido os produtores a abandonarem os seringais após o esgotamento destes. Já o controle biológico tem sido utilizado através do uso do fungo Sporothrix insectorum, em diversos locais do Brasil. Em surtos ocorridos no Centro Nacional de Pesquisas da Seringueira e Dendê em Manaus, foi utilizado este micro-organismo, atingindo o percentual de controle de 93% das ninfas e 76% dos adultos em árvores com copas mais densas. Entretanto, sua eficiência está diretamente ligada ao clima, variando de 25,5% a 93,5% do período mais seco ao mais úmido, respectivamente, apresentando, portanto, baixo índice de parasitismo e eficiência em períodos de umidade relativa baixa. Os crisopídeos (Neuroptera: Chrysopidae) também figuram entre os inimigos naturais do percevejo-de-renda. Esses predadores se alimentam de grande variedade de insetos sugadores de seiva (pulgões, cochonilhas e psilídeos), ácaros, tripes, ovos e lagartas de lepidópteros e pequenos hemípteros (Tingidae). Em Ibitinga, SP, foram observados diferentes gêneros de crisopídeos na cultura da seringueira, no clone RRIM

FOTOS: DIVULGAÇÃO

INSETOS E ÁCAROS ASSOCIADOS AO CULTIVO DA SERINGUEIRA NO BRASIL

600; sendo eles: Ceraeochrysa, Chrysoperla, Nodita, Chrysopodes e Plesiochrysa. Foram observados crisopídeos em seringueira no município de Buritama, SP, relacionados com surtos do percevejo-de-renda, predando tanto ninfas como adultos do percevejo-de-renda. No Brasil, já foram observados ovos de tingídeos parasitados por micro-himenópteros do gênero Erythmelus (Chalcidoidea: Mymaridae). O pesquisador Valmir Antonio Costa (APTA/Instituto Biológico, Campinas, SP) e colaboradores observaram um parasitismo de 7% em ovos de Leptopharsa heveae, coleados em folhas do clone PB 235 em Pindorama, SP parasitados pelo parasitoide Erythmelus tingitiphagus. Estudos desta natureza também foram realizados pelo autor, em talhões de seringueira dos clones RRIM 600, PR 255, PB 217, PB 235 e GT 1, na fazenda da empresa “Plantações Edouard Michelin Ltda.”, município de Itiquira, MT. No ensaio realizado em talhão policlonal (sem aplicação de produtos fitossanitários desde dezembro de 2002), foi observada uma porcentagem média de parasitismo de 18,8% por Erythmelus tingitiphagus em condições naturais. Em outro ensaio em talhões que sofrem pulverizações periódicas, foi observada uma porcentagem média de parasitismo de 24,2% para os mesmos clones. Neste sentido, este parasitóide de ovos mostra-se um promissor agente de controle biológico, com alto potencial para ser utilizado em estratégias de manejo integrado do percevejo-de-renda em seringais de cultivo, diminuindo o uso de produtos fitossanitários e os riscos de contaminação ambiental. No entanto, deve-se estimular a realização de estudos de criação em massa deste inseto em laboratório e liberação em campo. Rodrigo Souza Santos Bolsista de Pós-Doutorado na Embrapa do Amapá santos_rss@hotmail.com


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VOLUMOSOS DE BAIXO VALOR NUTRITIVO NA ALIMENTAÇÃO DE RUMINANTES

A necessidade do atendimento às demandas por alimentos para a população humana impõe aos sistemas de produção animal maior produtividade, para o que se faz necessário o fornecimento de alimentos de alto valor nutritivo, o que tem provocado a inclusão de elevada proporção de grãos nas dietas de ruminantes. Este fato reflete em aumento da competitividade por alimento entre seres humanos e animais, uma vez que um terço dos grãos produzidos no mundo é disponibilizado para a alimentação animal, gerando competitividade com a alimentação humana. Além disso, na região Nordeste do Brasil ocorrem prolongados períodos de estiagem e irregular distribuição de chuvas, o que provoca sazonalidade na produção de forragem, levando também à produção estacional dos rebanhos. Dessa forma, uma alternativa para contornar estes problemas é priorizar a utilização de alimentos volumosos e, preferencialmente, alimentos alternativos na alimentação de ruminantes, visando suprir parte das exigências nutricionais de mantença dos rebanhos. Dentre estes, destaca-se alternativas que reflitam na diminuição dos custos de produção, como a utilização de gramíneas em idade avançada, resíduos do beneficiamento da cana-de-açúcar, palhadas, restolhos de culturas agrícolas e resíduos do beneficiamento de grãos de culturas anuais, como o milho, a soja e o arroz. O milho é o principal cereal cultivado no Brasil e, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), em 2009, foram cultivados quase 3 milhões de hectares com esta cultura agrícola, o que resulta em disponibilidade de grande quantidade de palhada e restolho. Considera-se restolho a parte aérea da planta de milho sem as espigas, a qual difere da palhada por ser colhido antes da secagem natural a campo. Este volumoso se mostra promissor para a alimentação de ruminantes, devido 35 a 45% do nitrogênio retido pela planta ser translocado à parte aérea; ao potencial energético pela proporção de parede celular utilizável pelos ruminantes; além da possibilidade de adoção de técnicas para conservação deste resíduo de cultura por técnicas de ensilagem ou fenação. Contudo, resíduos agrícolas, em geral, apresentam baixo valor nutritivo, devido à lignificação da parede celular, correspondendo a cerca de 70 a 80% da matéria seca e baixo teor de proteína bruta, com degradabilidade da matéria seca bastante reduzida. Estes fatores podem ser melhorados, a partir de pesquisas para avaliação de tecnologias simples e adequadas, como a amonização com ureia. A amonização de alimentos volumosos fibrosos consiste do tratamento químico com ureia ou amônia anidra sob condições ideais de temperatura, umidade, quantidade aplicada (em % da matéria seca) e qualidade da forragem. As pesquisas sobre tratamento químico de resíduos da cultura do milho no Brasil são recentes, com resultados satisfatórios, quanto ao aumento do teor e retenção de nitrogênio, à redução dos constituintes da parede celular e ao incremento da degradabilidade

da matéria seca e de constituintes da parede celular. As principais vantagens do uso de uréia no tratamento de volumosos de baixa qualidade são a fácil aplicação; não polui o meio ambiente; fornece nitrogênio não protéico (NNP); provoca decréscimo na proporção de parede celular, por quebra de ligações ésteres entre moléculas do complexo lignocelulose e de outros carboidratos, provoca solubilização da hemicelulose; aumenta a digestibilidade; e ainda conserva as forragens com elevado teor de umidade. A amonização consiste em dois processos, ureólise, uma reação enzimática que, na presença de uréase, produzida por bactérias ureolíticas, sob condições ideais de umidade, libera a amônia da molécula de ureia e gera efeitos na parede celular da forragem; e, hidrólise alcalina, resultante da reação do hidróxido de amônia, uma base fraca formada por reação da uréia com água e ligações ésteres entre os carboidratos estruturais. As recomendações quanto à quantidade de uréia para tratamento da forragem variam muito, em função do material tratado e das condições ambientais. Algumas pesquisas resultaram em maior eficiência do tratamento quando do uso de 3 a 8% de ureia na MS em volumosos com 30% de umidade. Neste tratamento, a uréia é dissolvida em água e aspergida sobre o material a ser tratado e, posteriormente, este é armazenado em ambiente hermeticamente fechado, com auxílio de lona plástica, evitando-se a liberação da amônia (NH3). O tempo de armazenamento sob tratamento é de até 35 dias, e é inversamente proporcional à dose de uréia aplicada. A temperatura também influencia no tratamento de volumosos com ureia, verificando-se reações quase imediatas em ambientes com temperatura mais elevada (34 a 35°C), estando esta diretamente relacionada com a dose de ureia e com a umidade do material. Ainda quanto à interação dos fatores, o aumento do período de amonização de forragens pode não trazer benefícios em termos de elevação do conteúdo de nitrogênio. Assim, é recomendado o mínimo de 15 dias de armazenamento em regiões de temperatura elevada e 30 dias sob temperatura amena. Quanto pior o valor nutritivo da forragem tratada, mais evidentes serão os resultados da amonização sobre os constituintes da parede celular e degradabilidade da matéria seca. O Grupo de Pesquisa e Difusão Tecnológica em Nutrição de Ruminantes do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Piauí, cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem desenvolvido vários trabalhos quanto à utilização de alimentos alternativos para ruminantes. Em especial, com alimentos disponíveis na região Nordeste com potencial para redução dos custos de produção de dietas, como vagens de leguminosas tropicais, resíduos da agroindústria, e mais recentemente, com volumosos de baixa qualidade, como fenos de gramíneas em idade avançada e resíduos de culturas anuais. Em Pesquisa de Dissertação do Mestrado em Ciência Animal da UFPI, foi ava-

liado o feno de restolho da cultura do milho (FRCM) obtido sob diferentes níveis de adubação nitrogenada (40, 120 e 200 kg de N/ha), não tratado e amonizado com 3% de uréia na matéria seca. O feno de restolho da cultura do milho não tratado apresentou, em média, 5,2±0,75% de proteína bruta, 62,9±1,27% de fibra em detergente neutro (FDN) e 35,4±0,79% de fibra em detergente ácido (FDA) e, em % do nitrogênio total, 18,5±1,81% de nitrogênio insolúvel em detergente ácido (NIDA). A amonização com 3% de uréia resultou em 86% de aumento no teor de proteína bruta em relação ao feno não tratado, justificável pela adição de NNP na forma de hidróxido de amônia (NH4OH), podendo este composto ser utilizado como substrato para crescimento da população microbiana do rúmen. Verificou-se ainda solubilização dos constituintes da parede celular, uma vez que os teores de FDN e FDA reduziram 9,5 e 7,7%, respectivamente. A degradação ruminal in situ da matéria seca, proteína bruta e FDN foi 48,7±17,2; 56,5±13,3; 33,6±23,4%, respectivamente. A degradação da proteína bruta aumentou 33,3% com a amonização, indicando maior disponibilidade da proteína bruta, tanto por adição de NNP, quanto pela redução de 93,5% no teor de nitrogênio associado ao complexo lignocelulose (NIDA). A degradação da FDN aumentou 14,4% com a amonização em relação ao FRCM não amonizado, o que pode ser explicado ação da amônia sobre os constituintes da parede celular. Considerando a disponibilidade de restolho da cultura do milho no estado do Piauí, principalmente na agricultura familiar, se justifica a adoção da associação das técnicas de fenação e amonização deste volumoso para superação dos déficits nutricionais dos rebanhos ruminantes nos períodos de estiagem. Esta conclusão se justifica pelos efeitos significativos da amonização com 3% de uréia sobre os teores de proteína bruta e dos constituintes fibrosos do FRCM e incremento da degradação in situ da proteína e FDN.

Arnaud A. Alves – Prof. Dr. da UFPI arnaud@ufpi.edu.br Miguel Arcanjo M. Filho - Doutorando em Ciência Animal na UFPI miguelarcanjo@agronomo.eng.br

AGRICULTURA FAMILIAR CAMPONESA: TERRITÓRIOS EM QUESTÃO Este artigo parte da definição teórica segundo a qual camponeses não são apenas aqueles que possuem propriedade jurídica sobre uma pequena extensão de terra. Ao contrário, trabalhadores sem-terra que produzem para si mesmos, em regime de subsistência e para os donos legais de terras, na condição de meeiros, sob contrato de parceria, ou através da venda pura e simples da força de trabalho, sob a designação de diarista (ou “companheiro”), também podem ser considerados camponeses, desde que vivam na (e da) terra e detenham, por isso mesmo, conhecimentos ou saberes necessários à realização dos ciclos de produção, do cultivo à colheita agrícola e/ou das fases em que se estrutura a pecuária leiteira e de corte e da relação com a extração/preservação de recursos naturais, além de estabelecerem, entre si, laços de reciprocidade sociocultural. Por isso, em termos teóricos, os territórios, constituídos por agricultores familiares camponeses “com-terra” e “sem-terra” (costa Neto, C. 2007. Diversidade social e tecnológica em unidades de produção familiar. In: LIMA, E. et alli. Mundo Rural IV. Configurações rural-urbanas: poderes e políticas. Rio de Janeiro: Edur/UFRRJ, p. 261271), apresentam grande diversidade sociocultural, am-

biental. Neste sentido, percebemos os territórios camponeses contemporâneos como redes intercomunicáveis (Haesbaert, R, 2007. Concepções de território para entender a desterritorialização. In: Santos, M. e Becker, B K. Território, territórios, ensaios sobre ordenamento territorial. Lamparina Rio de Janeiro. p.43-71), para além das cercas das propriedades jurídico-legais. Tomando como ponto de partida esta caracterização teórica, consideramos possível assinalar que os territórios camponeses passam atualmente por transformações em suas dinâmicas sociais. No campo brasileiro, convivem latifundiários e famílias camponesas. Estabelece-se, ali, uma relação mediada pelos diversos grupos de camponeses, entre eles e deles com a terra, dando sentido à organização social de cada família e das formas de produção e/ou geração de renda. Atualmente, estamos realizando uma pesquisa sobre a comunidade dos “agricultores do Pontão”, na Zona da Mata de Minas Gerais. Nela, entrevistamos e convivemos, durante algum tempo, com oito famílias camponesas: seis famílias de proprietários de terra e duas de não proprietários. A complexidade da estruturação territorial resultante da intensa relação entre estas famílias apontou para situações,

tais como: diaristas camponeses, sem-terra, trabalhando assalariadamente para camponeses proprietários e vivendo em terras cedidas por latifundiário; meeiros camponeses, sem-terra, cultivando terra de camponeses proprietários e vivendo na terra destes proprietários; diaristas camponeses, com-terra, trabalhando assalariadamente para camponeses proprietários, com relação de parentesco entre eles e vivendo em sua própria terra etc. Sugerimos, portanto, que as relações sociais nos mundos territoriais rurais estão postas em questão, já que somente as tradicionais relações territoriais entre latifundiários, pequenos proprietários camponeses e não proprietários agrários não são suficientes para identificar e permitir avaliações acerca das atuais conformações socioespaciais rurais, em torno das comunidades camponesas. Canrobert Costa Neto Prof. Dr. da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro canrobertp@uol.com.br


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ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS REOLÓGICAS DO MESOCARPO DO BABAÇU INTRODUÇÃO O Brasil possui a maior biodiversidade do mundo, estimada em cerca de 20% do número total de espécies do planeta. Na floresta de mata seca da Amazônia oriental, principalmente no Maranhão, destacam-se os babaçuais ou cocais de Orbignya spp, que é uma das palmeiras brasileiras mais importantes. Estima-se que potencial produtivo dos babaçuais esteja em 15 milhões t/ano, sendo realmente aproveitados somente 30% do estimado, com grande importância econômica regional. O mesocarpo da fruta é rico em carboidratos e sais minerais e possui atividades anti-inflamatórias. Um bom potencial é demonstrado na área alimentícia, com a utilização do mesocarpo do babaçu como farinha de baixo teor calórico, podendo se tornar uma alternativa para dietas de emagrecimento e uma alimentação saudável. O fruto do babaçu tem potencial em indústria de cosméticos, obtenção de óleo comestível, margarinas, saboarias, velas, carvão, etanol, furfural, ácido acético, metanol, alcatrão, celulose, papel e álcool anidro; em escala industrial, principalmente o carvão e o óleo têm sido produzidos, porém seu potencial para o setor alimentício, com o pó do mesocarpo do fruto, vem crescendo rapidamente. Durante a produção industrial de pós, a avaliação da distribuição de tamanho das partículas é bastante importante, já que afeta vários processos e parâmetros, como compressão, mistura, fluxo das partículas, etc. As propriedades de fluxo do material também influenciam operações industriais envolvidas no processamento do produto. Com base no exposto acima, ressaltando seu uso popular, sua importância regional e seu crescente uso na indústria alimentícia, o presente trabalho visa avaliar as características reológicas granulométricas do pó do mesocarpo de babaçu, fornecendo dados importantes para seu processamento industrial. METODOLOGIA Foram analisadas três amostras coletadas em diferentes regiões do Nordeste com o fruto no estado maduro. A amostra 1 foi coletada em Caxias , no Estado do Maranhão, a Amostra 2, em Parnarama, também no Estado do Maranhão e a terceira amostra, em União, no Estado do Piauí. Analisou-se também o granulado preparado a partir do pó do mesocarpo do babaçu. A determinação da granulometria dos pós foi realizada segundo a metodologia proposta pela Farmacopeia Brasileira (4ª ed.). A determinação do índice de compressibilidade e proporção de Hausner seguiu os critérios descritos pela farmacopeia americana (United States Pharmacopeia, 2006). A determinação do ângulo de repouso estático foi realizada conforme método proposto por Prista et al. (1991) e Staniforth (2005), baseado na altura fixa do funil. Para obtenção das velocidades de escoamento do pó avaliado, utilizou-se o mesmo aparato utilizado para a determinação do ângulo de repouso e, com o auxílio de um cronômetro, determinou-se o tempo necessário para o total escoamento do material através do funil (Farmacopéia Portuguesa, 2002). RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise granulométrica das amostras aponta para uma distribuição com boa uniformidade das partículas nas amostras 1 e 4 (granulado). A presença de partículas grandes e pequenas, segundo Prista, pode melhorar as características de escoamento. (Ver Tabela 01 e Gráfico 01). Uma propriedade intrínseca dos pós é a resistência ao movimento relativo das suas partículas quando submetidos a forças externas. O ângulo de repouso de um pó é uma das manifestações desta propriedade e o seu conhecimento tem contribuído para avaliar a dificuldade apresentada pelos pós para fluírem livremente através de um orifício para uma superfície livre. Considera-se

ÂNGULO DE REPOUSO (°)

GRANULOMETRIA (%)

TEMPO DE ESCOAMENTO (S)

N°.20 N°.40 N°.60 N°.80 N°.120 Resíduo Amostra 1

0,49

28,03

22,15 16,32

11,41

21,6

27,166°

Amostra 2

0,00

1,80

10,49 11,60

8,62

67,49

29,245°

Amostra 3

0,09

1,06

15,14 20,08

18,26

45,37

26,587

Amostra 4

9,48

64,38

0,36

0,18

32,76°

22,89

2,71

FONTE: Laboratório de Tecnologia Farmacêutica, PIBIC e PIBITI, 2010.1.

com boas propriedades de escoamento um pó com um ângulo estático de repouso inferior ou igual a 30°. Ângulos de repouso superiores a 40° sugerem difícil fluxo dos pós ou granulados. Como pode ser verificado na tabela 01 apenas a amostra 4 apresenta um ângulo de repouso um pouco acima de 30°, ainda estando dentro dos limites, o que sugere um bom escoamento. Entretanto, o tempo de escoamento não pôde ser mensurado, pois tendia ao infinito. O método de granulação de pós que possuem escoamento ruim tem sido bastante utilizado pela indústria visando obter componentes com melhores características reológicas. A avaliação das características reológicas das quatro amostras utilizadas neste estudo demonstrou um melhoramento do escoamento de pó de mesocarpo do babaçu com a granulação. Lívio César C. Nunes – Prof. Dr. da UFPI liviocesar@hotmail.com Waleska Ferreira de Albuquerque – Profa. Msc. da UFPI –waleska@ufpi.edu.br André Igor O. Prado – Acadêmico de Farmácia da UFPI carbonyc@gmail.com Marxwell Arruda da Rocha Lima – Acadêmico de Farmácia da UFPI marxwell18@hotmail.com Kamila Maria de H. Sousa – Acadêmica de Farmácia da UFPI kmila.holanda@gmail.com

CONCLUSÃO Com base nos estudos e testes realizados verificouse que o mesocarpo de babaçu apresenta uma grande aceitabilidade de sua utilização como produto alimentício, não apresentando grandes dificuldades no seu processamento, por apresentar características reológicas adequadas, principalmente quando se encontra na forma de granulado.


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DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE A indústria de móveis, bem como a maioria dos outros segmentos industriais, produz, durante o processo produtivo, resíduos. Depois que saem da unidade industrial, os móveis também podem se transformar em resíduo (pós-venda/pósconsumo). Isso acontece quando o sujeito que o adquiriu, na impossibilidade de vendê-lo ou doá-lo, faz o seu descarte. O princípio do poluidor-pagador estabelece que o fabricante é o responsável pelo descarte desse material. No entanto, para que isso aconteça, o móvel tem que fazer o caminho de volta, o que requer uma logística que aconteça no sentido inverso, a logística reversa. A logística reversa é a responsável pelo retorno dos produtos aos fabricantes, para que eles possam reaproveitar os seus componentes ou lhes dar um destino ambientalmente adequado. Dessa maneira, o objetivo da pesquisa nas indústrias de móveis de Teresina/Piauí foi analisar a viabilidade da implantação da logística reversa nesse setor, motivada por seu suporte econômico e ambiental, o que possibilitando o desenvolvimento de estratégias de gestão através das quais os resíduos passam a agregar valor de diversas naturezas, por meio da sua reintegração ao ciclo produtivo e/ou de negócios. Como a logística reversa ainda não se constitui uma obrigação legal, o estudo da sua viabilidade passa pela observação de outros fatores ligados à atividade industrial. Há três pontos que, nesta pesquisa, consideramos fundamentais para as empresas que potencialmente poderiam aplicar a logística reversa: empresas que se preocupam com a gestão da qualidade, com a segurança e que apresentam indícios de cumprimento de sua responsabilidade socioambiental. Identificamos 52 indústrias no setor moveleiro de Teresina, a partir do Guia da Federação das Indústrias do Estado do Piauí (FIEPI) e do Telelistas.net. Foram visitadas dezesseis, entrevistamos os seus administradores e observamos os tipos de móveis produzidos, as matérias-primas utilizadas e a sua origem, as etapas do processo produtivo, os tipos e volumes de embalagens utilizadas para o acondicionamento dos móveis, os tipos de resíduos gerados e o gerenciamento adotado por essas indústrias para os mesmos, além dos aspectos gerais de segurança, qualidade e meio ambiente. Dividimos as indústrias visitadas em dois segmentos: as que produzem móveis para residência (sofás, guarda-roupas, colchões, tábuas de passar roupa, cozinhas e dormitórios feitos sob medida) e as que produzem móveis para escritórios, escolas e hospitais (armários, estantes, mesas, cadeiras, carteiras escolares, gôndolas, estruturas porta-pallets, entre outros). Verificamos que, geralmente, as indústrias do segmento de móveis para residência fabricam móveis de alta qualidade e com maior número de detalhes de acabamento; pois, em sua maioria, são feitos a partir de projetos para um consumidor final específico; enquanto o outro segmento, de móveis para escritórios, escolas e hospitais, as indústrias produzem móveis padronizados, em maior escala. As principais matérias-primas utilizadas nos dois segmentos são a madeira, o compensado de madeira, o MDF (Medium Density Fiberboard – Fibra de Média Densidade), chapas de ferro e de aço. Utilizam-se, também, tubos de aço-carbono, tubos de aço-inox, laminados de PVC, fibras de plástico, tecidos, couros, espuma (para os acentos das cadeiras), cola fórmica, cola branca, selador, prego, solventes e tintas. A matéria-prima é proveniente de diversos estados: Piauí, Ceará, Pará, Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Comumente, a cadeia produtiva do setor de móveis de Teresina é formada somente pelos fornecedores de matérias-primas, fabricantes dos móveis e pelos consumidores finais pois, em sua maioria, os próprios fabricantes comercializam o seu produto. Dessa maneira, essas indústrias atuam, também, como distribuidoras dos seus produtos, fazendo com que assumam um duplo papel na cadeia produtiva. Das indústrias visitadas, somente duas apresentaram setor de reforma, onde é feita a reparação dos móveis que apresenta-

DIVULGAÇÃO

PESQUISANDO O SETOR MOVELEIRO DE TERESINA

ram algum problema no pós-venda e dos que precisam de manutenção. As demais consideram que os custos são elevados e não compensa. Dessa forma, eles optam por somente fabricar. Para um dos administradores entrevistados, é possível que a indústria receba o material para reforma, desde que o cliente se comprometa a comprar o móvel novamente (fidelização do cliente), o que já acontece nessa indústria. Os custos da reforma são, em média, 35% do valor do produto novo. Na opinião de três administradores entrevistados, existe a possibilidade de reinserir o material pós-consumo na cadeia produtiva e de negócios, através de reformas, aplicação de novos revestimentos, trocas de estofamentos e pintura. Para os demais entrevistados, a reinserção do material pós-consumo na cadeia produtiva e de negócios não é possível, por conta da inexistência de espaço físico nas suas indústrias para o recebimento e o reprocessamento desses materiais, além da falta de mercado para esses produtos. Em geral, a estrutura das indústrias visitadas é precária, não possuindo compartimentação dos locais onde são realizadas as distintas etapas do processo produtivo, além de possuírem piso rústico e pouca ventilação. Há um consenso por parte dos administradores da necessidade de qualificação da mão-de-obra para o setor de móveis. Inexistem, em Teresina, cursos profissionalizantes direcionados para esse segmento industrial. Dessa maneira, os administradores têm dificuldade em repor mão-de-obra. Em sua maioria, os funcionários aprendem o ofício durante a atividade na própria indústria. Durante as visitas, observou-se que poucos funcionários utilizavam os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), pois a segurança do trabalho não pareceu ser fator de relevância para essas indústrias, tendo em vista que elas não chegam a possuir um setor responsável pela segurança dos trablhadores, como a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), com exceção de uma, apenas. Contudo, mesmo nessa indústria, nem todos os funcionários utilizavam os EPIs no momento da visita. A gestão da qualidade ainda não é valorizada pelo setor moveleiro de Teresina, somente uma indústria possui certificação ISO 9000 (a mesma que tem CIPA). Embora, durante as entrevistas, tenha sido observado que os administradores têm a preocupação de inserir um produto de qualidade no mercado, estes desconhecem os procedimentos necessários para a certificação e desconsideram que ela seja importante para a fidelização do cliente, pois acreditam que a melhor propaganda é a satisfação dos seus clientes. Com relação à responsabilização socioambiental, as indús-

trias visitadas não apresentam nenhum indicativo direto de reconhecimento desse fator. Se o fazem, é para fins de licenciamento ambiental ou para a economia de matéria-prima, como no caso do seu corte, que é realizado somente após definição de projeto, de modo a minimizar perdas, motivo pelo qual o setor de móveis gera poucos resíduos durante o seu processo produtivo. O estabelecimento da logística reversa no setor moveleiro demanda uma série de atividades, que envolve a coleta, inspeção, separação (desmontagem), reprocessamento (transformar o móvel usado em um móvel reutilizável) e a sua redistribuição. O móvel recuperado pode voltar para o comprador inicial ou pode ser inserido em um mercado secundário. Existe um fator considerado favorável para o estabelecimento da logística reversa nas indústrias de móveis de Teresina: os próprios fabricantes atuam como distribuidores dos seus produtos, o que faz com que tenham um contato direto com o consumidor final, facilitando no momento do resíduo pós-consumo fazer o caminho de volta. Assim, constatou-se que, mesmo havendo possibilidades reais de aplicação da logística reversa no setor moveleiro de Teresina, a sua efetivação é inviável, pois as indústrias não apresentam modelos voltados para a gestão da qualidade, segurança e responsabilidade socioambiental, fatores importantes que antecedem a sua aplicação. Enquanto não houver pressão da sociedade e regulamentação que obrigue a implementação da logística reversa, as empresas analisadas não terão condição de efetivá-la.

Elaine Aparecida da Silva – Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente na UFPI elaine@ufpi.edu.br José Machado Moita Neto – Prof. Dr. na UFPI jmoita@ufpi.edu.br


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As questões ambientais e, em particular, as relacionadas à conservação da natureza, estão entre as mais críticas para a humanidade, pois afetam as condições de sobrevivência da vida sobre a terra e as relações entre grupos sociais e sociedades. No entanto, a conservação é frequentemente definida somente em seus aspectos técnicos e científicos, sem inseri-la em contextos mais amplos relativos aos estudos das relações homem e natureza, posto que os seres humanos dependem da biodiversidade e da capacidade dos ecossistemas de fornecer produtos e serviços que sustentem modos de vida saudáveis, conservando ambientes naturais. A literatura que aborda a interação dos recursos naturais e populações humanas tem caracterizado diversas linhas de pesquisa, como a Etnobiologia, definida como o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo vegetal e animal. Como tema interdisciplinar, possui vários campos, como a Etnobotânica, que trata do estudo das interrrelações das sociedades humanas com os vegetais, e a Etnozoologia, que visa à compreensão dos modos de interação entre o homem e a fauna, dentre outras áreas. Os pescadores artesanais estão em constante contato com a natureza através da atividade pesqueira e possuem um conhecimento único e detalhado sobre a dinâmica do ecossistema fluvio-estuarino-lagunar. A reprodução e criação de estratégias de pesca com base na experimentação se baseiam na utilização dos recursos naturais do ambiente onde vivem, permitindo o desenvolvimento econômico, social e cultural. Vários trabalhos de enfoque etnobiológico com pescadores artesanais vêm sendo desenvolvidos no Brasil, concentrando-se principalmente nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste, versando sobre análise de categorias de uso (medicinal, alimentícia, artesanal, tecnológica, etc.), da diversidade de espécies úteis, da associação do conhecimento às tradições locais, da classificação das (etno) espécies, do registro de aspectos socioeconômicos e culturais, da potencialidade das artes de pesca e sobre os pescados capturados. No Piauí, recentemente foram desenvolvidos dois trabalhos de cunho etnobiológico, com pescadores artesanais sob a orientação da Profa. Dra. Roseli Barros, através do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí. Um deles foi realizado por Alexandre Nojoza Amorim, na comunidade de pescadores artesanais do bairro Poti Velho, o qual, através de estudo etnobotânico, caracterizou os quintais como espaços de convivência e de cultivo, na maioria, de plantas medicinais, principalmente exóticas, inferindo que a concentração do conhecimento tradicional na população adulta e do gênero feminino ocorre devido à influência urbana e a maior tendência das mulheres em cuidar da residência enquanto os homens pescam. Ao descrever os modos e artes de pesca e usos das espécies vegetais na construção de embarcações, constatou a transmissão familiar do conhecimento sobre a carpintaria naval, e investigou acerca da Etnozoologia, registrando principalmente o caráter da pesca de subsistência

e a zooterapia com peixes. O outro foi desenvolvido por Rosemary da Silva Sousa em comunidades pesqueiras da APA do Delta do Parnaíba, o qual investigou a distribuição de conhecimento sobre a flora e fauna úteis, identificando que há um compartilhamento de conhecimento da flora útil por gênero e que os idosos são os detentores do saber na comunidade. Quanto à etnozoologia, inferiu que os homens possuem maior conhecimento, por estarem em maior contato com a natureza do que as mulheres, que se dedicam aos afazeres domésticos, e os jovens, por atuarem no turismo e artesanato, usando recursos da fauna na confecção de produtos. O conhecimento etnobotânico e etnozoológico deve ser considerado na conservação e preservação da biodiversidade e da cultura local, valorizando e evidenciando o direito e a necessidade da participação das populações, nos planos de manejo, apontando caminhos para estudos que abordem a especificidade do conhecimento local que contribuam na ciência convencional e nas relações entre as populações de pescadores artesanais e o ambiente, incentivando atividades sustentáveis e tornando esses dados úteis na gestão e conservação de áreas.

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A FLORA E FAUNA ÚTEIS DE PESCADORES ARTESANAIS

Rosemary da Silva Sousa – Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente biologarosemary@gmail.com Alexandre Nojoza Amorim – Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente alexandrenojoza@hotmail.com Roseli Farias M. de Barros – Profa. Dra. da UFPI rbarros.ufpi@yahoo.com.br


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O conjunto das atividades humanas está cada vez mais diversificado e associado ao crescimento demográfico, exigindo atenção maior às necessidades de uso da água para diversas finalidades. Essas necessidades cobram seus tributos, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, e se evidenciam principalmente em regiões com características de maiores desenvolvimentos urbanos, industriais e agrícolas (MANCUSO; SANTOS. et al 2003). Segundo Costa et al (2007), o crescimento populacional, associado aos processos de degradação da qualidade da água, vem acarretando sérios problemas de escassez, quantitativa e qualitativa, bem como conflitos de uso até mesmo em regiões com excelentes recursos hídricos, que tendem a exigir, cada vez mais, enormes esforços para reduzir o déficit crônico de abastecimento de água e o esgotamento sanitário adequado. No entanto, há que se destacar a existência de regiões onde a escassez e a má distribuição de água tornam-se fatores limitantes ao seu próprio processo de desenvolvimento. Tais limitações são características das regiões áridas e semiáridas, notadamente no polígono das secas do Nordeste brasileiro. Portanto, em qualquer circunstância, a grande questão que se verifica é como equacionar a relação demanda versus oferta de água, posto que, quase sempre, tem-se uma situação de flagrante desequilíbrio. Segundo projeções das Organizações das Nações Unidas (ONU), em 2025, dois terços da população mundial (5,5 bilhões de pessoas) viverão em locais que sofram com algum tipo de problema relacionado com a água. A produção de esgotos, cada vez mais intensa com o aumento da população, pode vir a ser a única forma significativa, crescente e confiável de água para o reuso, em demandas futuras, com destaque para o uso agrícola (Fertirrigação) nestas localidades, tornando oportuna a reutilização da água dentro da própria comunidade geradora do esgoto. O reuso subtende uma tecnologia desenvolvida em maior ou menor grau de eficiência, dependendo dos fins a que se destina a água e de como ela tenha sido usada anteriormente, além de representar uma possibilidade efetiva de economia e racionalização deste recurso natural. O reaproveitamento de águas residuárias em piscicultura é uma forma de produção de proteínas animal de baixo custo, que pode ser explorada pela iniciativa privada ou pelo setor público. Este cultivo pode atingir bons níveis de produtividade em função dos efluentes das ETEs (Estações de Tratamento de Esgotos) serem ricas fontes de nutrientes, promovendo, assim, o desenvolvimento, em abundância, do alimento natural para peixes em viveiros. É possível considerar que as lagoas de estabilização e, particularmente, as lagoas de polimento e de maturação, são ambientes bastante semelhantes aos tanques de piscicultura, em termos de morfometria e da dinâmica da qualidade da água, cujo efluente produzido por este tipo de tratamento biológico de esgoto apresenta enorme potencial de reuso, para o cultivo de peixes. Neste processo, tem-se como desejável uma reciclagem de nutrientes, na medida em que a produção da biomassa de algas nestes reatores vai sustentar a alimentação básica do estoque de peixes cultivados, neste ambiente. Para aproveitar de forma eficiente todas estas biomassas de qualidade, devem ser utilizadas espécies de peixes que possuam a capacidade de assimilar esta fonte protéica com eficiência. Dentre as espécies mais utilizadas nas pesquisas e nos cultivos com reúso de esgoto ao redor do mundo, estão as carpas e as tilápias. No estado do Piauí, considerando as potencialidades naturais, especialmente quanto aos seus recursos hídricos, as atividades em aquicultura, com ênfase na piscicultura, podem ser enquadradas dentre as atividades com excelentes perspectivas de crescimento, muito embora o cenário atual seja bastante incipiente, se comparado com outros estados da região nordestina ou com as estatísticas de outras regiões brasileiras. Mas, no contexto das políticas do setor, é possível adotar mecanismos capazes de modificar o status quo vigente. Em Teresina, mais especificamente na área anexa à Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) da zona leste, foi implantada e encontra-se em pleno funcionamento a Unidade Experimental de Réuso do esgoto doméstico tratado, que recebe o efluente final produzido pelo sistema de lagoas de estabilização. Determinado volume deste efluente é aplicado no cultivo

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O CULTIVO DE TILÁPIAS TRATADAS EM LAGOAS DE ESTABILIZAÇÃO

Tilápias cultivadas em esgotos domésticos tratadas em Lagoas de Estabilização.

de tilápias do Nilo (Oreochromis niloticus), em face da rica densidade de nutrientes (compostos de Nitrogênio e Fósforo) com elevado valor nutricional na dieta dos peixes, e são encontrados na composição do efluente de esgoto lançado no corpo receptor (rio Poti) desta unidade de tratamento. A unidade experimental é composta de uma bateria com 18 tanques de fibra de vidro, com volume útil de 3,80m³, distribuídos em três tratamentos, da seguinte forma: Tratamento T-01 (água da rede de abastecimento + ração industrial); Tratamento T-02 (esgoto tratado sem adição de ração) e Tratamento T-03 (esgoto tratado, com oxigênio mecanicamente injetado e sem adição de ração). Todos os tanques foram igualmente poEstação de Tratamento de Esgotos da zona leste de Teresina (ETE-Leste). voados, com 10 alevinos de tilápia cada (densidade de 2,63 peixes /m³), revertidos com os valores normativos vigentes, que permitiriam até mesmo sexualmente para macho num total de 180 animais e, após o o consumo deste pescado, desde que, devidamente processado ciclo do cultivo de 124 dias, com reciclagem diária de 15% do por cozimento. Este produto também pode ser utilizado na comvolume dos tanques abastecidos com esgoto a titulo de reposiposição de ração balanceada fornecida em projetos para desenção de nutrientes, foram obtidos os seguintes resultados: nível volvimento e engorda de alevinos. médio de sobrevivência do plantel (>80%); produtividade em Esta pesquisa foi viabilizada pela parceria entre a compakg/ha.dia( T-01=58,22 ;T-02= 5,12;T-03=8,89); comprimento nhia Águas e Esgotos do Piauí S.A (AGESPISA) e a Universimédio em cm/peixe (T-01= 26,0;T-02= 13,36;T-03= 15,50); dade Federal do Piauí (UFPI), cujo objetivo primordial foi o de peso médio em g/peixe (T-01=372,51 ;T-02=40,05 ;Tcontribuir para a consolidação e o desenvolvimento das unida03=60,45). des de tratamento de esgotos sanitários, com vistas ao estimulo Com estes resultados, constatou-se que o cultivo com espara o reuso do efluente tratado por este sistema de tratamento goto doméstico tratado era promissor, muito embora não se biológico, do tipo lagoas de estabilização, tanto na produção tenha alcançado os parâmetros zootécnicos ditos comerciais, tal de proteína animal de baixo custo, ou em intervenções favocomo o peso médio de 380 a 400 g/peixe, obtidos em pisciculráveis aos preceitos fundamentais tura convencional, com oferta de ração balanceada por um peda correta gestão ambiental como a ríodo de cultivo da ordem de 180 dias. redução do lançamento de efluenNeste experimento, considerando-se que nos custos de uma tes de esgotos em mananciais de piscicultura tradicional a ração pode representar até 70% das superfície, conjugando e intedespesas de produção do pescado, os nutrientes remanescentes grando fatores bióticos e abióticos no tratamento biológico do esgoto doméstico apresentam grande em nome da sustentabilidade, invantagem na alimentação de peixes do tipo filtradores, por ser clusive, nos aspectos da dimensão um subproduto do tratamento de esgotos, normalmente lançado socioeconômica. nos corpos receptores do efluente tratado, não apresenta, portanto, custos adicionais. Cleto Augusto B. Monteiro Por outro lado, os resultados das análises físico-químicas Prof. Msc. da UFPI e microbiológicas realizadas, na água dos viveiros e nos tecidos cbaratta@ufpi.br dos peixes apresentaram os padrões sanitários em conformidade


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MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO SEMIÁRIDO: SOBREVIVEREMOS! Na região semiárida do Nordeste, as chuvas são escassas, irregulares e mal distribuídas. A anormalidade na precipitação da chuva decorre da presença de uma massa de ar quente e seca que permanece por longo período de tempo impedindo a formação das chuvas. Ali a seca predomina, ao longo do ano, sendo favorecida pela elevada disponibilidade de energia solar e altas temperaturas. As peculiaridades climáticas dessa região expõem a população a longos períodos de seca, o que torna a oferta de água e alimento cada vez mais escassa. Embora as condições adversas do clima perdurem por longo período de tempo, o nordestino consegue manter uma íntima relação de convivência com esse ambiente hostil. Isto se deve à grande capacidade de adaptação e à força de vontade desse povo em superar condições desfavoráveis. Além das adversidades climáticas e da degradação ambiental que vem ocorrendo nos ecossistemas dessa região, quando se compara os indicadores sociais e de saúde do semiárido com os de outras regiões do país, verifica-se que ali a expectativa de vida da população ainda é muito baixa, o que contribui para elevar as taxas de mortalidade infantil. Este panorama combinado com as adversidades do clima é sugestivo de uma elevada vulnerabilidade socioambiental, que tende a se agravar com problemas relacionados ao desmatamento e queimadas. Ora, se o semiárido é, por natureza, uma região com elevado déficit hídrico e o nordestino um sobrevivente da seca, como esta região poderá superar o aquecimento global? Esta questão merece uma reflexão, sobretudo no tocante aos possíveis cenários de mudanças de clima projetados para o Nordeste. Estudos revelam que o aumento da temperatura nesta região foi de 1,5 a 2ºC na temperatura máxima, em 41 anos. Com as mudanças de clima, esta região poderá ser fortemente afetada com o crescente aumento da temperatura, implicando redução drástica na frequência das chuvas. Nesse sentido, uma elevação na temperatura média do planeta até o final do século poderá reduzir a disponibilidade de alimentos, levando milhares de pessoas a passar fome. Ademais, pesquisas recentes sugerem que os efeitos das mudanças climáticas ameaçam intensificar as dificuldades de acesso à água em várias regiões do mundo, incluindo o Brasil. Além do que, a ocorrência de eventos climáticos decorrente do aquecimento global, num futuro próximo, poderá reduzir drasticamente a oferta de recursos naturais, sobretudo no semiárido, com comprometimento da base de sua sustentação econômica. Neste contexto, a elevação da aridez no semiárido, num clima mais quente e seco no futuro, quando combinado com

a maior frequência de secas poderá reduzir drasticamente a base de sustentação de muitas atividades humanas com comprometimento da qualidade de vida do nordestino, que já convive recorrentemente com a seca. Ocorre que no semiárido, a seca além de ser um problema social crônico e continuado, com as mudanças no clima, é possível que ocorra uma redução no volume das chuvas e a consequente elevação da temperatura. Com isso, aumenta a evaporação dos corpos d’água, causando sérias dificuldades para o desenvolvimento das culturas de subsistência, uma vez que as terras produtivas ficarão mais expostas a riscos de desertificação. Tomando por base as condições climáticas ora vigentes no semiárido e os possíveis cenários de mudanças climáticas previstas para até 2100, pode-se supor que esta região seja duramente atingida por eventos climáticos relacionados ao déficit hídrico. Como a população mais pobre é sempre a mais afetada, é possível que estes eventos provoquem o crescente deslocamento dessa população para outras regiões com melhores condições de vida, gerando espaços completamente inabitáveis e sérios problemas urbanos. Dada a fragilidade socioambiental dessa região, urge necessidade da adoção de uma política ambiental de longo prazo que potencialize o desenvolvimento local sustentável priorizando o uso mais eficiente da água disponível, bem como o desenvolvimento de atividades econômicas adaptadas ao clima e ao solo dessa região. Também é importante investir em programa de educação ambiental que possibilite a população a entender o problema de mudanças de clima e os seus impactos no cotidiano dessa população. Com os avanços tecnológicos, tornou-se possível construir estratégias eficientes de convivência sustentável para o

semiárido. Contudo, nesta região os efeitos da seca são amenizados com a construção de pequenos açudes e cisternas, prevalecendo também o modelo assistencialista de distribuição de cestas básicas e de água em carros-pipas. São práticas de caráter paliativo que, além de não resolver o problema, gera um grande desrespeito à capacidade criativa desse povo. É inquestionável que a seca oprime e gera inúmeras dificuldades sociais para o povo do semiárido. Mesmo assim, este mote ainda é utilizado por políticos oportunistas para a obtenção de votos. Entretanto, apesar das limitações naturais, esta região possui potencialidades que, quando dinamizadas com o adequado tratamento político e tecnologias ecologicamente corretas, podem resultar na sensível melhoria da qualidade de vida desse povo. Em vista disso, é de suma importância que os efeitos das mudanças climáticas nesta região sejam tratados com políticas de desenvolvimento sustentável, pautadas nos princípios da equidade social, da prudência ecológica e da eficiência econômica de modo que fortaleça a convivência sustentável com o semiárido. Somente assim, a prática do assistencialismo, ainda vigente no Nordeste, poderá ser completamente desestimulada. Eliana Morais de Abreu Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente Dir. Tec. Cientifico da FAPEPI eliana@fapepi.pi.gov.br

COMIDA OU COMBUSTÍVEL ?

“Nessa terra, em se plantando, tudo dá.” É provável que nem mesmo Pero Vaz de Caminha, em seu momento de contemplação, imaginou que “tudo” incluiria tão vasta gama de produtos oriundos da terra, até mesmo combustível. O Brasil se destaca no cenário internacional não só como um dos maiores produtores e exportadores de alimentos, mas também de etanol e biodiesel, incluindo a vanguarda na geração das tecnologias mais avançadas do setor, no mundo. Os biocombustíveis compõem a agenda de prioridades dos principais atores no cenário internacional. A preocupação com a questão energética está na ordem do dia, e a busca por alternativas aos combustíveis fósseis vem assumindo um papel de destaque no processo decisório dos países e em suas políticas públicas nesta área. O assunto vem ganhando relevância estratégica, impulsionado pelo aumento nos preços do petróleo, pela perspectiva de que esses se mantenham elevados principalmente em razão da demanda de grandes países, como EUA, China e Índia. Além disso, a utilização de biocombustíveis possibilita significativa redução nas emissões de gases de efeito estufa (CO2, principalmente), sendo um incentivo aos países que possuem compromissos de redução de emissões assumidos no Protocolo de Quioto das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. No Brasil, conforme dados publicados pelo Ministério das Relações Exteriores, o uso do etanol combustível significou, no período de 1970 a 2005, a

não emissão de 644 milhões de toneladas de CO2. Nesse contexto, é imprescindível reduzir a dependência em relação ao petróleo, que atualmente responde por aproximadamente 98% da demanda mundial de combustíveis e cujo nível de preços pode impor limites indesejáveis ao crescimento da economia mundial. A perspectiva de esgotamento das reservas mundiais de petróleo torna premente, sobretudo para os países em desenvolvimento, o incentivo à produção de fontes alternativas de energia, sob risco de comprometer seriamente o processo de desenvolvimento dessas nações. Por outro lado, vem à tona uma importante questão: até que ponto a produção de biocombustíveis pode avançar, sem comprometer o abastecimento da população em alimentos? O debate foi lançado há alguns anos na pauta internacional e o assunto é bastante polêmico, dividindo opiniões de especialistas e autoridades, criando espaço para especulações e jogo de interesses. A verdade é que o Brasil necessita mais do que nunca de regulação, quanto ao uso e ocupação de terras agrícolas, pois o crescimento desordenado das áreas exploradas com matéria-prima da bioenergia provocará um aumento cada vez mais acentuado na concentração de renda e nas desigualdades sociais do país. Em todo o mundo, as autoridades devem urgentemente atentar para essa questão, não deixando que o mercado por si só encontre o ponto de equilíbrio entre as terras destinadas à produção de alimentos e à produção de

energia. Isto fatalmente provocaria oscilações imprevisíveis na oferta de comida e de combustível mundo afora, com impactos severos na economia mundial. O Brasil não pode atuar como coadjuvante nesta discussão, sob pena de tornar-se mero fornecedor de energia barata para os países ricos. É fundamental estimular estudos científicos e inovações tecnológicas que garantam a sustentabilidade no longo prazo da produção de biocombustíveis, assim como a não interferência de sua produção no cultivo de alimentos. Nosso país possui a maior extensão de terra do mundo que ainda pode ser incorporada ao processo produtivo. Esta posição privilegiada do Brasil quanto à disponibilidade de terras agricultáveis e de água em abundância nos credencia a conduzir o debate e estabelecer as diretrizes que norteiam a solução desse problema. Colocar a ética na ordem do dia é condição sine qua non, para viabilizarmos uma saída racional. Luís Gonzaga M. F. Júnior Prof. Dr. da UESPI luisuespi@hotmail.com


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A ciência necessita elaborar novos critérios conceituais, técnicas e meios mais eficientes para estudar as relações que ocorrem entre os fenômenos naturais e sociais. Isto só será conseguido através de trabalhos constantes e intensivos de caráter específico, com a difusão de métodos e técnicas adequadas de manejo do meio ambiente, como estratégia de utilização plena e equilibrada dos recursos naturais, para cumprir seu papel nos processos de desenvolvimento e planejamento. Os impactos ambientais induzidos pela pressão humana são extremamente significativos nas áreas costeiras, trazendo sérios problemas, sendo, muitas vezes, superiores à capacidade de assimilação dos sistemas naturais, exercendo pressões no ambiente ou produzindo vários impactos negativos, como a locação de materiais impróprios, suporte da infraestrutura e modificação do escoamento superficial e a drenagem subterrânea, e desmatamento de áreas naturais. DIAGNÓSTICO GEOAMBIENTAL O diagnóstico geoambiental trata de analisar as consequências das ações ocorridas em uma determinada área, com o intuito de verificar sua qualidade ambiental. Considera ainda os efeitos sobre o meio ambiente de uma nova atividade, o estabelecimento de planos e programas ou novos projetos e possíveis alternativas. É fundamentalmente um instrumento específico das políticas ambientais preventivas, com decisões baseadas em conhecimento dos efeitos ambientais de uma determinada ação, sobretudo nos planos de urbanização e organização do espaço, oferecendo subsídios para o desenvolvimento. Este diagnóstico foi obtido através da observação e análise das condições ambientais, considerando-se as interrelações entre os componentes físicos, biológicos e humanos, coletados através de estudos sistemáticos (de campo e gabinete), sendo posteriormente interpretados com visão crítica, com o intuito de serem aplicados nas propostas de desenvolvimento. Avaliação e análise dos impactos ambientais A avaliação e análise dos impactos ambientais passaram a serem vistos como uma atividade sistematizada e institucionalizada, sendo incorporada ao processo de desenvolvimento, tornando-se parte constituinte das políticas ambientais, que abrangem não só a análise dos aspectos físicos e biológicos, mas contempla também os aspectos sociais e econômicos. A partir das características naturais e antrópicas dominantes, foram estabelecidos os graus de artificialização e a caracterização antrópica foi obtida através da tipologia dos sistemas

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DIAGNÓSTICO GEOAMBIENTAL: ZONA COSTEIRA DO ESTADO DO PIAUÍ

de produção (uso da terra) e dos impactos ambientais advindos desse uso. Ressalte-se que estes tópicos serão estudados, seguindo-se a ordem estipulada quando da determinação dos indicadores naturais, potencialidades, limitações e impactos. 1. Praias e campo de dunas: os impactos ambientais estão vinculados ao desenvolvimento de núcleos urbanos e a pesca predatória. As formas de uso e ocupação não observaram as limitações impostas pela dinâmica natural, constatando-se ocupações residenciais de diversas tipologias, construção de áreas de lazer, instalações comerciais, estruturação de rodovias, além da retirada de sedimentos para a construção civil, em função do crescente incremento de construção de segundas residências, comércio e infra-estrutura para recreação e lazer. 2. Planícies fluviais: os impactos ambientais decorrem das atuais formas de uso e ocupação, principalmente as relacionadas ao extrativismo vegetal, provocando desmatamento das margens dos cursos de água com a retirada da vegetação nativa para uso energético, construção de embarcações, habitações e cercas, causando modificações que levam ao aumento da temperatura, evaporação hídrica superficial e edáfica, aumentando a perda de água do solo. Através do diagnóstico ambiental, constatou-se o aumento do processo de erosão nas margens dos canais fluviais e sua capacidade de retenção de águas superficiais e produtividade biológica. 3. Planícies flúvio – marinhas: com relação ao diagnóstico ambiental, observou-se que a dinâmica natural atua de forma significativa, em função do recobrimento vegetal propiciado pelo manguezal e pela deposição sedimentar ao longo dos cursos de água e nas margens dos canais. Atualmente verifica-se um gradativo aumento das atividades humanas relacionadas ao extrativismo vegetal e animal, agricultura e construção de salinas, ocorrendo, ainda, em algumas áreas, a

introdução de atividades turísticas. 4. Tabuleiros costeiros: os impactos ambientais estão condicionados às condições de xeromorfismo bem mais acentuadas que nas outras unidades ambientais. Devido ao processo de urbanização, que vem se desenvolvendo, bem como as atividades agropecuárias, tanto a vegetação natural como a secundária têm sido continuamente degradadas. Na avaliação dos impactos ambientais, constatou-se que o tabuleiro costeiro requer soluções que reduzam os efeitos negativos como a diminuição da produtividade biológica; alterações no funcionamento e redução da disponibilidade dos recursos naturais. CONCLUSÕES Recomenda-se a priorização das pesquisas científicas e desenvolvimento tecnológico voltados para as atividades socioeconômicas e proteção ambiental, no sentido de diagnosticar o estado, potencialidades e limitações das unidades ambientais, de acordo com as necessidades das comunidades locais. A incapacidade de atender à demanda de serviços de transporte, habitação, saneamento, saúde e educação vem criando um quadro crítico nas localidades, acentuando a degradação ambiental e deterioração da qualidade de vida, causando sérios problemas e prejuízos às atividades turísticas e de lazer, acentuando o processo de urbanização desordenada e destruição de áreas de interesse ecológico. Recomenda-se a adoção de medidas de proteção ambiental na concepção, implantação e operação dos empreendimentos potencialmente impactantes e a priorização no zoneamento das funções de turismo, lazer, proteção ambiental, cultural e histórica dos bens e recursos costeiros, apontando espaços favoráveis à ocupação produtiva para expansão e melhoria da oferta de serviços básicos. De modo geral, a zona costeira do Estado do Piauí necessita de uma maior articulação entre os diversos setores envolvidos, na busca de inovações tecnológicas nos métodos e práticas, maior eficiência e controle dos processos e observância da legislação ambiental. Agostinho Paula B. Cavalcanti Prof. Dr. da UFPI agos@ufpi.br

EDUCAÇÃO E EXTENSÃO RURAL

A extensão rural no Brasil surge impulsionada pelo capitalismo norte-americano tendo como objetivo inserir nossa agricultura na chamada modernidade. As tradições dos agricultores e suas técnicas produtivas são vistas como inadequadas e insuficientes, a ponto de se achar que o agricultor não é capaz nem mesmo de adaptar suas próprias tecnologias, o que demonstra uma visão preconceituosa do camponês e do seu meio de trabalho (CANUTO, 2005). Nos cinco anos de exílio no Chile, Paulo Freire trabalhou como consultor da UNESCO. Em 1969 foi publicada em espanhol sua obra: Extención o Comunicación?, pelo Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agrária - ICIRA, em Santiago do Chile. “Mais do que uma análise do trabalho do agente de extensão como educador, equivocadamente chamado extensionista, a obra faz uma síntese muito profunda do papel que Freire assinala à educação compreendida em sua perspectiva verdadeira, que não é outra senão a de humanizar o homem na ação consciente que este deve fazer para transformar o mundo”, assinala o pensador chileno Jacques Chonchol (2006). Segundo Freire, na ação extensiva do conhecimento: um sujeito leva o conhecimento a outro, faz com que a prática “extensionista” facilmente caia no uso de técnicas de propaganda, de persuasão, utilizando-se de forma abundante dos chamados “meios de comunicação em massa”. À pergunta que dá título ao livro: “Extensão ou Comunicação?”, responde-se negativamente à extensão e afirmativamente à comunicação. Comunicação pressupõe uma sapiência – palavra antiga que engloba “sabedoria” e “ciência”. Na Educação, (comunicação) trata-se de transformar as informações em conheci-

mento, de transformar o conhecimento em sapiência. Ensinar a viver necessita não só dos conhecimentos, mas também da transformação do conhecimento adquirido em sapiência, adverte E. Morin (2009) na sua obra Cabeça bem-feita. Em Pedagogia da autonomia, Freire (1996) elenca uma série de saberes necessários à prática educativa transformadora, sugere então uma pedagogia fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando. Para Freire, formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas e nos adverte da malvadeza neoliberal e do cinismo de sua ideologia que não favorece a transformação da curiosidade ingênua – inerente de todo ser humano - em curiosidade crítica ou epistemológica. Assim, no Brasil, a partir dos escritos de Freire e também devido ao término do crédito agrícola subsidiado a partir dos anos 1980 (LISITA, 2009), inicia-se uma nova proposta de extensão rural que preconiza a construção de uma “consciência crítica” nos extensionistas, fomentada, inclusive pela “Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural” (2009) brasileira. O agente de extensão, apesar de toda a orientação dos órgãos públicos de extensão rural, ao contrário, tem dificuldade de construir espaços educativos diferentes, de diálogo e respeito pela experiência do camponês, daí a importância de se estar sempre apontando e re-apontando as leituras e debates das obras de Freire, caso se queira fazer educação em sua perspectiva verdadeira. Que seria, então, segundo Freire (2006), a verdade da prática educativa “extensionista”? Responde o autor: “A nós, não nos é possível persuadir a aceitarmos a persuasão para aceitação da propaganda como uma ação educativa. Não vemos como

se possa conciliar a persuasão para a aceitação da propagando como a educação...” Essa prática “educativa”, porém, foi reproduzida por muito tempo por técnicos, caracterizando o camponês apenas como um aplicador de técnicas. Mas o movimento de revalorização da cultura camponesa fomentado pelos movimentos sociais permitiunos enxergar que não seria possível, para o camponês, sobreviver às mudanças, sem que tivesse implícita em si a capacidade de pesquisar, mesmo que de forma mais simplificada, [a educação] só é verdadeira quando encarna a busca permanente que fazem os homens, uns com os outros, no mundo em que estão, de seu Ser Mais. Não podemos esquecer que a realidade é cambiante e mutável, como já ensinava o velho filósofo de Éfeso, a guerra é o pai e a mãe de todas as coisas, ou seja, a discórdia, a contrariedade é a origem de tudo no mundo. O mundo é um eterno fogo que se transforma. O que implica que nossos sonhos e realizações sejam projetos pelos quais devemos lutar “Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta...” (FREIRE, Pedagogia da Indignação, 2000). Felipe César M. Tupinambá Prof. Msc. Colégio Agrícola de Floriano da UFPI felipe_tupinamba@yahoo.com.br


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EDUCAÇÃO E LETRAS As representações rupestres constituem uma das principais evidências da presença humana na pré-história. Esta afirmação, para o território brasileiro, é sem dúvida adequada, na medida em que as representações rupestres conformam um dos documentos acerca das ocupações humanas ocorridas em tempos pré-coloniais que mais resistem ao tempo, em função da natureza dos materiais que as constituem: minerais. Entretanto, apesar desta excepcional característica, que é a durabilidade, tratam-se dos documentos arqueológicos de mais difícil abordagem. Conforme nos orienta María Isabel Hernández Llosas, as representações rupestres podem ser abordadas de diferentes perspectivas: 1) a partir da ótica das Artes Plásticas, que proporciona a análise das características estéticas das representações, observando as técnicas de aplicação dos pigmentos e características dos desenhos; 2) a partir da perspectiva da História da Arte, que questiona as formas de desenvolvimento das manifestações plásticas através do tempo, levando em conta as técnicas aplicadas e produtos gerados, aliados às variações na confecção e valorização estética ao longo dos tempos; 3) partindo de uma ótica Antropológica, que se interessará pelas mudanças e análises das diferentes manifestações culturais que originaram as manifestações artísticas, tentando observar o sentido estético que cada uma detenha, de acordo com a noção de beleza imposta pelos distintos contextos sociais; e, por fim, 4) partindo do ponto de vista da Arqueologia, que se orienta pelo viés antropológico, pois busca as informações e características dos grupos humanos que produziram as representações. Entretanto, apesar dos diferentes olhares, uma das grandes questões que se apresentam, sobretudo para os estudos de representações rupestres, é a impossibilidade de interpretação dos significados. Isto se deve a um fator simples: percebemos claramente a intenção humana na confecção das representações rupestres, mas, contrariamente a isto, jamais poderemos entender o que as mesmas significaram, uma vez que os autores de tais representações não existem mais. Assim sendo, presumimos que os conteúdos significativos destes signos se extinguiram com as populações humanas que detinham os mecanismos de leitura e compreensão dos mesmos. Esta consideração impõe uma grande limitação aos estudos das representações rupestres. Contudo, é justamente esta impossibilidade que nos leva a refletir sobre a necessidade de abordar este documento arqueológico testando outras ferramentas teórico/metodológicas, que permitam resultados que expressem o que eram e quem eram as sociedades passadas. É partindo destas perspectivas que temos testado a noção de gramática decorativa imposta por Marcel Otte aos estudos das representações rupestres. A partir desta noção, interessa-nos classificar os diferentes signos dos sítios rupestres e buscar levantar convergências entre eles. Para tanto, tomamos como parâmetros para leitura arqueológica dos motivos gráficos critérios como dispersão, concentração, associação, centralização, isolamento, marginalização, etc. Entendemos que as posições que os diferentes signos assumem num sítio rupestre podem indicar a intencionalidade de escolha de locais específicos no suporte rochoso para a confecção de certos motivos, representados em situações igualmente específicas e que, por estas características, levavam consigo significados particulares. Se constatada esta possibilidade, estaremos afinando dados acerca da citada gramática gráfica. Frente às discussões preliminarmente esboçadas, cabe explicitar o que compreendemos, ao utilizar a noção de gramática decorativa. Um dos princípios que rege a ideia de gramática é o de que a recorrência de ícones idênticos, associados com outros ícones e dispostos de maneira semelhante em diferentes espaços representam ideias iguais. Ou seja, estamos tratando as representações rupestres como códigos de linguagem, intencionalmente elaborados e com princípios rígidos de confecção, culturalmente determinados, a ponto de serem identificáveis por distintos indivíduos que detinham os mecanismos de leitura e compreensão das representações. Assim, a sugestão do uso na noção de gramática nasce da nossa compreensão de que as representações rupestres sugiram códigos gráficos específicos, dos quais jamais saberemos os significados, mas que nos possibilitará, nos estudos regionais, reconhecer as normas explícitas na confecção dos painéis rupestres e caracterizar territórios particulares de

FOTOS: DIVULGAÇÃO

A NOÇÃO DE GRAMÁTICA NOS ESTUDOS DE REPRESENTAÇÃO RUPESTRE

uso de determinadas populações, que tinham como elo comum códigos gráficos. Em síntese, as representações rupestres entendidas como gramática, no plano dos significados, permite três outras considerações, que podem ser atribuídas aos indivíduos que confeccionaram os motivos gráficos: 1) que eles tinham a possibilidade de representação de ideias a partir de códigos gráficos; 2) que esta representação por códigos gráficos possibilitava a transmissão de ideias para outros indivíduos; 3) e que estas ideias estariam materializadas e propagadas para além da permanência física do indivíduo no espaço. Cabe, ainda, frisar o nosso interesse na condução desta forma de perceber as representações rupestres. Tem sido tendência nos estudos arqueológicos a canalização de energia para observação dos sítios com pinturas reconhecíveis no nosso plano cognitivo, com motivos figurativos, exemplo dos antropomorfos, zoomorfos e fitomorfos. Em face deste interesse, sítios com pinturas geométricas são negligenciados aos estudos, na medida em que paira no meio científico um entendimento, que tem certo consenso entre os arqueólogos, de que as representações geométricas são universais e, desta modo, seriam genéricas para construção de contextos arqueológicos. Nossa experiência no estudo de representações rupestres com padrões geométricos no Piemonte da Chapada Diamantina tem demonstrado justamente o inverso. Temos observado que apesar de geométricos, a maneira com que os motivos estão dispostos e associados nos sítios permite perceber particularidades para interpretação arqueológica, que podem vir a indicar repertórios

gráficos significativos relacionados, possivelmente, a sociedades que se apropriaram da região. Desta forma, inequivocamente, começamos a nos afastar da dúvida desta impossibilidade, frente aos dados empíricos de que dispomos. Os signos geométricos compreendidos pelas suas normas próprias de confecção e disposição nos sítios, a dita gramática decorativa, passam a ser vistos como importantes elementos para as interpretações arqueológicas de contextos regionais. Saímos, portanto, da impossibilidade para um cenário mais profícuo. Por outro lado, trabalhando ainda sobre a noção de gramática decorativa, cabe ainda uma breve reflexão. Se observarmos de maneira cuidadosa, perceberemos que os estudos arqueológicos sobre representações rupestres no Brasil têm se orientado, em sua maioria, à observação desta categoria de cultura material a partir da noção de Tradição Arqueológica. Por sua vez, o conceito de Tradição Arqueológica, de acordo com as perspectivas de Valentin Calderón, André Prous e Gabriela Martín, leva em consideração três pilares fundamentais: 1) cultura, reconhecida a partir de certas características recorrentes nos materiais arqueológicos de diferentes sítios; 2) tempo, na medida em que o componente cultural deveria, em tese, ter reconhecido um lapso de tempo de ocorrência; 3) e espaço, no qual estariam distribuídos os vestígios com características similares (cultura), num lapso de tempo circunscrito. Ora, como podemos ver, a noção de Tradição Arqueológica detêm parâmetros concretos e invariáveis que embasam a observação das representações rupestres a partir de uma lógica normatizadora, com uma natureza recorrente num tempo e espaço específicos. Neste sentido, do que estaríamos falando, senão de um código específico de linguagem, de uma gramática decorativa? Esta é uma pergunta para reflexão. Entendemos que as bases para a discussão estão lançadas, de maneira que ficamos à disposição. Nosso interesse, de fato, é testar parâmetros de estudos que sejam adequados a nossa realidade arqueológica. Não sabemos, de fato, se a construção teórica que fazemos é a mais adequada. No entanto, sem se testar, e possibilitar que outros colegas façam o mesmo, jamais saberemos da validade de nossos postulados. Este é o nosso interesse. Carlos Alberto S. Costa Prof. Msc. da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia carloscostaufrb@gmail.com


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APLICAÇÃO DO BALANCED SCORECARD EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR O aumento da competitividade e a globalização dos mercados têm levado as organizações a se empenharem para se diferenciarem de seus competidores. Os mercados são direcionados mais pelo valor do que por preço, forçando as organizações a considerarem qualidade, serviço ao consumidor e outros atributos. De acordo com Oliveira (1996), uma das tendências mais importantes do mundo empresarial atual é a transição de uma economia baseada na produção para uma economia baseada nos serviços. Estamos na Era dos Serviços, na qual aqueles que estão incumbidos de liderar empresas de prestação de serviços detêm uma responsabilidade especial em relação aos seus clientes, funcionários e acionistas. A introdução dos prêmios nacionais e internacionais de qualidade motivou as empresas no desenvolvimento de medidas de desempenho mais sofisticadas, com uma gama maior de informações que auxiliem o controle estratégico das organizações, definindo metas e demonstrando iniciativas de sucesso ou falhas. Durante muitos anos se utilizaram apenas indicadores financeiros para medir o desempenho das organizações, entretanto, a partir de 1980, percebeu-se a necessidade de uso de outros critérios nesta avaliação. O lucro continua sendo uma meta para as organizações, porém não é medida de desempenho suficiente. As organizações devem gerenciar outros atributos, isto é, ter outras medidas de desempenho para se alcançar o lucro. O Balanced Scorecard teve a sua origem num estudo realizado durante o ano de 1990, o qual tinha por base mostrar que a avaliação da atuação empresarial fundamentada apenas na contabilidade financeira tornara-se insuficiente. Segundo Kaplan e Norton (1997) o Balanced Scorecard inclui um conjunto de medidas que dão uma visão rápida e global da atividade empresarial, onde estão incluídas as medidas financeiras, complementadas com medidas operacionais. Assim, as medidas financeiras permitem expressar os resultados das ações tomadas e as operacionais representarem medidas como a satisfação do cliente, melhoria dos processos e atividades internas, de inovação e progresso da organização. Para Ramos e Gonçalves (2002), o Balanced Scorecard mostra onde se deve competir, que clientes conquistar e o que é ne-

avaliação das instituições de ensino superior. São elas: cessário fazer para criar valor para os mesmos. 1. A missão e o Plano de Desenvolvimento InstitucioConforme Kaplan e Norton (1997) O BSC deve levar à nal; 2. Perspectiva científica e pedagógica formadora: pocriação de uma rede de indicadores de desempenho que deve líticas, normas e estímulos para o ensino, a pesquisa e a atingir todos os níveis organizacionais, tornando-se, assim, extensão; 3. Responsabilidade Social da Instituição de Enuma ferramenta para comunicar e promover o comprometisino Superior; 4. Comunicação com a sociedade; 5. Polítimento geral com a estratégia da corporação. cas de pessoal, carreira, aperfeiçoamento e condições de Este método resume em um único documento, indicadores trabalho; 6. Organização e gestão da Instituição; 7. Infrade performance em quatro perspectivas: financeira, clientes, estrutura física e recursos de apoio; 8. Planejamento e avaprocessos internos e aprendizado e crescimento. (Kaplan e Norliação; 9. Políticas de atendimento aos estudantes; 10. ton, 1997). Estas perspectivas devem dar respostas às seguintes Sustentabilidade financeira. questões: Como nos veem os investidores? Como nos veem os Considerando as dificuldades enfrentadas pelos gestores clientes? Em que devemos nos sobressair? Como podemos das instituições de ensino superior no que se refere ao plaprosseguir de forma a melhorar e acrescentar valor? nejamento de suas ações, este trabalho procura analisar o A análise de cada perspectiva possibilita a identificação balanced scorecard como instrumento de avaliação de dede inexistência de processos ou falhas nos existentes, evidensempenho, considerando-se as dimensões do SINAES enfaciando os pontos principais que poderão afetar a realização das tizando, principalmente, que, com sua utilização, se pode metas principais; na perspectiva dos clientes / sociedade, o esmelhorar o resultado apresentado por estas organizações. tabelecimento de indicadores que permitam o controle ou mesmo o monitoramento da situação atual. Em 2004, o Ministério da Educação criou o Sistema de Avaliação da Educação Superior (SINAES), estabelecendo parâmetros para a avaliação de instituições de ensino superior. O Sistema integra três instrumentos de avaliação: a Avaliação das Instituições consideradas em seu conjunto, compreendendo Avaliação Interna e Externa; o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes Angela E. de Sampaio– Profa. Msc. da UESPI - angel.la@ig.com.br (ENADE) e a Avaliação dos CurMaria Valéria S. Leal - Profa. Esp. da Faculdade Piauiense sos de Graduação. valeria.santos@tce.pi.gov.br A lei 10.861/2004 estabelece, Elenir C. Figueiredo – Profa. Esp. da Faculdade Piauiense em seu art 3º, as dimensões instielenir.figueiredo@hotmail.com tucionais a serem consideradas na

A ESCOLA DE PALO ALTO E OS PARADOXOS COMUNICACIONAIS

O homem que anuncia “Estou mentindo” está dizendo a verdade? O paradoxo semântico transcrito acima é um exemplo das várias questões que impulsionam o antropólogo Gregory Bateson a elaborar uma nova Teoria da Comunicação, em oposição aos modelos de inspiração positivista dominantes na década de 40 do Século XX. Surgia, assim, uma corrente de estudos da Comunicação que recebeu diversas denominações: Escola de Palo Alto, Colégio Invisível e, ainda, Nova Comunicação. Bateson estava preocupado em inscrever a comunicação – enquanto prática - no centro de outras abordagens teóricas, entendendo-a como a matriz de todas as atividades humanas. Mas Bateson não seguiu as ideias dominantes da época, sobretudo a de que a comunicação é uma atividade fundada numa lógica formal voltada à tentativa de anulação das incertezas de uma dada situação (o pressuposto básico da Teoria da Informação que vigorava no período mencionado era o de que só há comunicação quando há incerteza, donde a comunicação se torna a medida da incerteza de uma determinada situação). Opondo-se à ideia de que as trocas comunicacionais podem ser mensuradas estatisticamente e baseando-se nos conceitos de sistema aberto, da Teoria Geral dos Sistemas, e de retroalimentação, da Cibernética, Bateson trouxe à baila o estudo das contradições e paradoxos comunicacionais, que se apresentam de diferentes formas: lógico-matemática, semântica e pragmática. Numa clara tentativa de conferir complexidade ao objeto de estudo da Comunicação, Bateson entende que uma interação comunicativa só pode ser entendida como parte de um sistema e também enquanto sistema autorregulável pela ação dos sujeitos no contexto em que tal interação acontece. Portanto, a retroalimentação – troca de informação entre as partes do sistema e desse com o meio – torna possível a autorregulação dos sistemas abertos, uma vez que eles tendem à desordem. Os paradoxos comunicacionais são uma forma de desvio do processo de autorregulação sistêmica. Eles tanto desafiam a coerência lógica (níveis sintático e semântico) de certas sentenças comunicacionais quanto podem afetar a ação e o comportamento dos sujeitos que interagem (nível pragmático). Em alguns casos, um paradoxo comunicacional acontece quando a mensagem gera um conflito entre seu conteúdo e a ordem ou o comando repassado pela mesma mensagem. Assim, a troca

de informação que deveria regular o sistema põe em conflito o bicho pega, se ficar o bicho come” e “morde e assopra”. as suas partes, provocando uma desordem até certo ponto irPaul Watzlawick, psiquiatra, seguidor das ideias de Batereversível, como nos casos de esquizofrenia, que, segundo Bason, acata a definição de um paradoxo pragmático como sendo teson, decorre de um problema de metacomunicação: o sujeito o conflito entre o significado da mensagem e seu comando ou já não consegue comunicar consigo mesmo e, então, entra em sua ordem. Tome-se como exemplo um outdoor eletrônico inssurto delirante. talado no final dos anos 90 entre duas pontes sobre o rio Poti, O estudo da comunicação, nas primeiras décadas do século em Teresina, Piauí. A mensagem dizia: “Preste atenção ao trânXX, inscrevia seu objeto num frame teórico capaz não só de sito!”. Nada de antinômico no significado do texto. Contudo, apreendê-lo logicamente, mas de impor essa lógica ao próprio o motorista que quisesse prestar atenção ao trânsito, jamais objeto: a comunicação é da ordem do previsível, do planejável, deveria ler a mensagem, pois essa, ao anunciar a necessidade do lógico. Não há, a rigor, para esse tipo de teoria, a possibilide estar atento ao trânsito, desviava o olhar do motorista para dade da contradição. a própria mensagem. Significado e ordem não se coadunam, neste caso. Em meados do século XX, a formalização das linguagens, Como se percebe, é com Bateson que a comunicação, sobretudo a partir dos estudos estruturalistas, levou à reificação agora da ordem do complexo, abandona as certezas da lógica das estruturas e à afirmação desse princípio: dentro dos quadros formal e instaura o paradoxo. O que caracteriza o duplo víndo código utilizado, a mensagem só pode significar o que se preculo é o fato de que em certas situações de interação, qualquer tende que ela signifique. O significado assumiu o caráter de menque seja a alternativa assumida pelo interlocutor, a ação que sagem lógica, considerando-se apenas um nível de abstração, o daí decorre será sempre a mesma. O sujeito se torna prisioneiro do próprio conteúdo inscrito num código. Assim, a comunicação da própria mensagem. tornaria as relações transparentes; conhecendo as suas regras, tudo seria previsível e controlável. No entanto, esta comunicação autoreguladora é, tal como Bateson constatou, insuficiente no que diz respeito à ação interior de cada um. Portanto, é com Bateson que se iniciam os estudos sobre os paradoxos e as contradições das mensagens. “Não me obedeça!”, diz a mãe para o filho excessivamente obediente. Mas qualquer que seja a reação do filho ele estará obedecendo. Cilada da comunicação, essa situação específica expressa Gustavo Said – Prof. Dr. da UFPI - gsaid@ufpi.br um duplo vínculo (double bind) Camila Calado Lima - graduada em Publicidade e Propaganda pelo CEUT com a mensagem, conforme o concamilacaladolima@hotmail.com ceito criado por Gregory Bateson. Caio Bruno Silva do Carmo - acadêmico de jornalismo da UFPI A sabedoria popular há muito já caiobrunosc@gmail.com havia identificado o double bind, Thiago Meneses Alves - graduação em jornalismo pela UFPI que tomou a forma de pelo menos thiagomeneses85@hotmail.com dois ditados populares: “Se correr


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DIVULGAÇÃO

AÇÃO EDUCATIVA EM MUSEUS COM ACERVOS ARQUEOLÓGICOS

Os museus de arqueologia ou com acervos arqueológicos são utilizados como recursos didáticos pelos professores. Em geral, as visitas ocorrem sem orientação e planejamento, de forma que, ao longo dos anos, existe a tendência dos grupos escolares não voltarem aos museus. Porque isto ocorre? Em parte pela visão ainda bastante disseminada de museu como “depósito de velharias” e de discursos expositivos que reforçava o culto do objeto pelo objeto. Então, qual seria a função didática dos museus? De acordo com Joan Santacana e Xavier Hernàndez, “os museus não são somente instituições onde se aprende conceitos, hoje e no futuro, o museu deverá ser o lugar onde atenda os alunos para aprender a formular hipóteses, a classificar, a emitir juízos críticos, em suma, a colocar em questão as capacidades próprias de sua idade” (1999, p.180). Até agora o museu foi utilizado como uma “ilustração” daquilo que o professor havia explicado em sala ou como uma “motivação” para introduzir um tema. O professor pode ultrapassar esta visão simplista, ao ver no museu um instrumento útil, como um espaço de interação e ação para a sua prática pedagógica. Em uma exposição de arqueologia, por exemplo, não será importante somente o resultado da pesquisa arqueológica, colocando à mostra os artefatos e estruturas, mas igualmente será fundamental conhecer os procedimentos de pesquisas adotados. Este tipo de análise se preocupa muito mais com o método e com a avaliação crítica do conhecimento, do que somente buscar sínteses já acabadas. As exposições devem ser um meio de comunicar um contexto de forma a relacionar os artefatos, as realizações e as ideias (Fernández & Fernández, 1999, p. 157). O museu, além de conservar o seu acervo, deve ser um promotor de atividades educativas e não somente um receptor passivo de alunos e visitantes. Um exemplo desta prática é a existência de museus de arqueologia no Brasil, que mantêm ações educativas de maneira sistemática, a exemplo do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville (MASJ), do Museu Arqueológico de Xingó (MAX) e da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAN). Com estas considerações, compreendemos que existe um campo amplo a ser explorado pelo educador e, por outro lado, os museus de arqueologia se apresentam como cenários privilegiados para um aprendizado significante. Assim sendo, algumas

orientações são fundamentais para o uso dos museus como ferramentas pedagógicas (Santacana & Hernàndez, 1999; Horta et. al., 1999; Bruno, 1999; Hérnandez Hérnandez, 2003; Swain, 2007): 1.Preparar as atividades a serem desenvolvidas, observando o tempo necessário para executá-las; 2.Vincular as ações planejadas aos princípios norteadores da Educação Patrimonial, para a sensibilização e apropriação dos bens arqueológicos pelos estudantes. As atividades que proporcionem o manuseio de artefatos, a reconstituição de técnicas e modos de fazer antigos, a dramatização de acontecimentos históricos, a experiência da descoberta através de atividades que simulem ou recriem os métodos da arqueologia são algumas atividades possíveis em museus de arqueologia; 3.Estudar o trajeto e salas do museu, o escolar não precisa necessariamente fazer uma visita completa à instituição; 4.Selecionar os elementos a serem trabalhados em função da idade. Não estudar mais de dez peças para alunos de dez anos; acrescentando um elemento a mais, a cada ano até o máximo de quinze elementos. Esta escolha dependerá da temática de trabalho, é importante desvincular a ideia de arqueologia estar relacionada com objetos exóticos. Assim, a sua escolha deve se basear não em critérios somente estéticos, mas nas informações tecnológicas, sociais e simbólicas dos artefatos e, sobretudo, no contexto arqueológico; 5.Ter atenção com os textos escritos, primando por aqueles concisos e com letras legíveis. Evite que o aluno copie e observe se existe algum termo de difícil compreensão e ex-

pressões próprias da ciência arqueológica que necessitem de maiores explicações; 6.Elaborar jogos para exercitar o que estão vendo no museu. Para crianças entre cinco a sete anos, os jogos de observação são os melhores. Faça com que seja valorizado o lado lúdico e que não pareça um teste ou avaliação; 7.Se forem acompanhantes, como outros professores e pais, façam com que se inteirem das atividades; 8.Antes de agendar a atividade, verifique se os expositores do museu são adequados para a sua visita. As vitrines devem ter uma altura que facilite a visualização dos alunos das séries iniciais; 9.Agende a sua visita e no dia procure chegar no horário marcado. Informe-se dos serviços do museu e de sua estrutura física (ex.: banheiros, lanchonete, acesso a portadores de necessidades especiais etc.); 10.Informe com antecedência aos alunos que alguns procedimentos devem ser respeitados, seguindo as recomendações do pessoal do museu. Verifique a possibilidade do uso de máquina fotográfica, em coleções que apresentam plumária, por exemplo, não é permitido o uso de flash. Esclareça aos alunos sobre os cuidados de não ingerir alimentos nos espaços visitados, pois isto poderá afetar a conservação do acervo, atraindo insetos e roedores; 11.Se o museu apresentar expostos ossos humanos ou sepultamentos de sítios arqueológicos, avise aos seus alunos e aborde o tema com naturalidade. Muitas crianças e jovens quando surpresos podem ficar impressionados ou comovidos. O mais importante é realizar o trabalho de forma a integrar as atividades preparatórias, as desenvolvidas no museu e aquelas novamente realizadas em sala de aula. Para isso, estimule sua criatividade, propondo questões e atividades práticas aos alunos, de forma que eles possam desenvolver suas habilidades e construir uma visão do passado mais plural e diversa. Fabiana Comerlato Prof. Dra. da Univ. Federal do Recôncavo da Bahia fabilato@gmail.com

APRENDIZAGEM NA FAP TERESINA: VISÃO DE PROFESSORES E ALUNOS

Com o objetivo de analisar a visão de professores e alunos da FAP sobre o processo de ensino-aprendizagem foi desenvolvido esse projeto de pesquisa que contou com o financiamento da FUNPESQ - Fundação de Incentivo à Pesquisa, através da parceria com a FAP Teresina. A educação ocupa papel central na trajetória histórica do desenvolvimento do potencial humano desde os primórdios da humanidade. Ela é inerente ao homem. A procura incessante pelo novo faz com que este se lance numa busca desenfreada por inovações tecnológicas, nas mais diversas fases da sua vida. Com a evolução, as novas tecnologias, a era espacial e a informática, a educação se transformou, seus objetivos mudaram, seus métodos se aperfeiçoaram muito. A abordagem tradicional do ensino foi sendo abolida. Surge, então, a andragogia: a arte de ensinar a adultos, segundo Rosenbach, a Andragogia, revolucionou a sociedade, transformando o adulto, em superadulto. Seu método favorece e estimula o adulto a aprender, uma necessidade na sociedade contemporânea. Esses adultos estão cada vez mais dispostos a iniciar um processo de aprendizagem, desde que compreendam sua utilidade. Assim, ensinar a um adulto é diferente de ensinar crianças e adolescentes. É preciso fazê-lo entender o que está estudando, para que está estudando e se o estudo irá favorecê-lo futuramente. Pelo fato de o adulto já ter uma bagagem de vida, ele precisa apenas reforçar seus conhecimentos e, para isso, é necessário alguém que tenha um conhecimento a mais que ele. Muitas vezes ele já tem a parte prática e precisa aprender a parte teórica, para poder desenvolver condizentemente suas habilidades profissionais. O filósofo norte-americano Israel Scheffler caracteriza o ensino como uma atividade cujo propósito é a realização da aprendizagem, sendo praticado de maneira a respeitar a integridade

intelectual do aluno e sua capacidade de fazer juízos independentes. Observa-se, então, que ensino e aprendizagem andam lado a lado. E que um não pode ser executado plenamente sem o outro. A pesquisa revelou que o corpo docente da FAP Teresina é jovem, a maioria dos professores têm nível de mestrado e são comprometidos com o ensino – aprendizagem e com a aprendizagem do aluno e buscam seu aperfeiçoamento profissional. Já a maioria do corpo discente é composta de solteiros, pessoas jovens que trabalham e estudam. A pesquisa revelou também que a visão sobre aprendizagem de alunos e professores é praticamente a mesma, no que se refere às características de uma boa aula, um bom professor, um bom aluno e o método de aferição de conhecimentos do aluno. Professores e alunos concordam que uma boa aula é a expositiva, que o professor deve dominar o assunto e ligar a teoria à prática, em que o aluno expõe suas ideias, opiniões e promove a reflexão sobre o assunto ensinado. Os fatores que contribuem para dificultar o processo de aprendizagem dos alunos são originados pelo fato de o aluno trabalhar e estudar, além do seu nível cultural, aliado ao desinteresse, falta de esforço, de aptidão e habilidades. Não há nada que indique que estas dificuldades possam estar centradas na relação aluno - professor ou na falta de comunicação entre professor - aluno. A aprendizagem é concebida e demonstrada pelo aluno

através das boas notas, que demonstram sua aprendizagem, aliada aos questionamentos e comentários, do modo que tratem dos assuntos aprendidos fora da sala de aula. Com relação ao bom professor, ressalta-se o domínio dos conhecimentos, mostrando como se faz na prática, incentivando o aluno a buscar o conhecimento fora da sala de aula. Ele deve ser exigente quanto a prazos e trabalhos, impor respeito, ouvir o aluno e o incentivá-lo a participar da aula com ideias e pontos de vista. Com base nos resultados obtidos, percebe-se que não houve uma distinção marcante de opiniões entre os alunos e professores dos diversos cursos da FAP Teresina, sobre o ensinoaprendizagem. O resultado completo da pesquisa realizada por curso e de forma global encontra-se à disposição de todos na FAP Teresina – FUNPESQ.

Ana Maria Chaib G.. Ribeiro – Profa. Msc. da FAP Teresina amchaib@hotmail.com Denille Chaib G. Ribeiro – Profa. da FAP Teresina Maurício M. Boavista de Castro – Prof. da FAP Teresina


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A CIÊNCIA DO LIVRO DA NATUREZA

“[...] Sólo que yo creo que el verdadero libro de la filosofía es el libro de la naturaleza, que tenemos siempre abierto ante los ojos; aunque no todos pueden leerlo, pues que está escrito en caracteres distintos a los de nuestro alfabeto”, Galileo. (Cf. BLUMENBERG, Hans. Paradigmas para una metaforología. 2003, p.155). “O conhecimento dos animais que tinha a sua volta, daqueles que o ameçavam e aos quais dava caçada constitui o mais antigo saber do homem. Ele aprendeu a conhecê-los pelo ritmo dos seus movimentos. A escrita mais antiga que aprendeu a ler foi a dos rastros – uma espécie de notação rítmica que sempre existiu. Tal notação se estampava por si só na terra macia, e o homem que a lia associava a ela o ruído que lhe dera origem.” (CANETTI, Elias. Massa e poder. 2005, p.30). A imagem do livro da natureza aflora em uso na Idade Média, se desenvolve no Renascimento e transcorre até a Modernidade. Ramón Sibiuda (1436), Mestre em Artes e Medicina e distinguido Professor de Letras Sagradas, veio ser importante referência a muitos estudiosos, a filósofos, como Montaigne, a educadores, como Juan Amós Comenio, Galileo, Bacon e tantos outros que reconhecem esta ciência da leitura do mundo. Sibiúda apresenta seu livro como “Ciência do livro das criaturas, ou livro da natureza, e a Ciencia do homem, que é própria do homem enquanto homem, pelo que é necessária para todos os homens, e lhes resulta natural e conveniente” (Theología naturalis seu liber creaturarum. 1480), aí utiliza a bela metáfora da natureza como um livro, esta nova ciência era como o alfabeto, que de modo admirável está incorporado a todos os livros, assim, devia ser o primeiro aprendido por todos, era a ciência comum a todos, “esta ciencia não é outra coisa que ver e conhecer a sabedoria escrita nas criaturas”, constitui o primeiro livro entregue ao homem, desde o princípio, nele está também contido o próprio homem, que é a principal de suas letras, este livro contém a ciência necessária para o homem. Para o educador Paulo Freire, uma compreensão crítica do ato de ler não se limita à decodificação da palavra ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se prolonga na inteligência do mundo, afirma: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”, e a posterior leitura desta não pode prescindir da continuidade da leitura daquele; com fundamentos similares, o filósofo Hans Blumenberg levantou as teses sobre a Legibilidade do mundo e a Metaforologia, esta como ciência que estuda a linguagem do espirito em seu movimento de antecipação do mundo ainda não reduzido a conceitos. Deduzimos que ainda sem palavras existe escrita e leitura, isto, por si, valoriza culturas cuja expressão ou deciframento do mundo - quer dizer, o extrair do vazio ou do silêncio- se dá, por exemplo, através de imagens e música; com razão Hegel define a música como a arte da interioridade subjetiva: “Com o som […] sentimos que entramos em uma esfera superior: o som toca nossa sensibilidade mais íntima. Dirige-se ao interior da alma, posto que o próprio som é o interno, o subjetivo” (curso de Estética em Berlin, 1823, transcrição de Heinrich Gustav Hotho); não é qualquer som, trata-se da música própria da natureza do homem; existem cifras, acordes de uma natureza mais perfeita que ressonam no homem que cuida dos seus sentidos, modo, talvez, mais seguro de escutar o ruído que lhe dera origem.

O silêncio diz, significa, é signo, está cheio, pelo qual não é o mesmo que falta ou ausência, tal silêncio contém o pensamento, brilha a ideia no mar do silêncio, paira sobre suas águas o espírito, o silêncio comporta a contemplação. No tradicional conceito da creatio ex nihilo - crear de la nada- subjaz a “possibilidade”, não só do que devem per si, mas que o mundo como expressão, é a sabedoria própria do homem simples e puro, como o concebeu Nicolás de Cusa na tese da docta ignorantia; pois, em seus Diálogos, o idiota é figura do imediato: dado que a sabedoria criadora há criado ela mesma, igualmente, ao interlocutor a quem se dirige sua automanifestação no mundo, aquele será capaz de entender sem ajuda se persiste em sua condição de inalterada naturalidade em relação a ele. [Nicolás de Cusa, em seu sermão Verbum caro factum est (de 1454), em Cusanus-Texte, I, Predigten, 2./5., “Vier Predigten im Geist Eckharts”, ed. de J. Koch, Heildelberg, 1937 (Sitzungsberichte der Heildelberger Akademie der Wissenschaften, Phil.-hist. Kl, 1936/1937, n.2, pp.75-83): Mundus est tu liber artis aeternae seu Sapientiae. Unde adhuc Sapientia creavit aliqua capacia Sapientiae, quae habent simlitudinem eius magis propriam, et sunt intellectuales naturae, sicut liber demonstrative procedens clarius ostendit

sapientiam quam rhetorice]. É este o espírito livre que cantam os poetas da Arcádia, entre eles Virgilio. Fray Luis de León, em De los nombres, comenta a visão do pastor, o qual conhece e fala do amor verdadeiro, não pelo domínio da palavra, mas sim por seus sentidos puros e agudos, sua sabedoria vem da natureza, sem que isto implique dependência, tal conhecimento é fruto da sua própria natureza. Educar para a leitura do livro da natureza, para a atitude de escuta, é criar condição para uma autoeducação. Seus deleites - do pastor- são tanto maiores quanto mais nascem das coisas mais simples, mais puras e mais naturais: da vista do céu livre, da pureza do ar, do campo, do verde das matas e da beleza das rosas e das flores, das aves com seus cantos e das águas com sua frescura; com anônimos simples e não contaminados com vícios, seu amor e saber são puros e ordenados a bom fim; tudo isto é já uma imagem clara, ou por melhor dizer, como uma escola de amor puro e verdadeiro; admira na natureza a todos irmanados entre

si e postos em ordem, concertados com harmonia grandíssima, e comunicando-se suas virtudes e produzindo os frutos que enfeitam e encantam o ar e a terra. Houvesse mais cuidado com as virtudes, talvez o ensino das ciências e o desenvolvimento seriam sempre ecológicos. Platão, em Protágoras, indica quanto se distancia do bem e da justiça quando são estranhos o saber e a virtude, sanar tal falha passa por entender o fazer bem como a arte de articular o útil, ou o bom, ao belo. Segundo Ernst Robert Curtius (Literatura europea y Edad Media Latina, 1975, I, p.486) em seu capítulo sobre o livro como símbolo, esclarece que a palavra árabe cifr, que significa vazio e designa o zero matemático, passou às línguas romances desde o século XII. Portanto, creatio ex nihilo teria a ver com palavras do livro silente, o primeiro livro, onde se ouve a voz do silêncio (conforme o Livro dos Preceitos Áureos, traduçao de Fernando Pessoa) criar do nada, seria o poder de chamar, evocar ou pronunciar o Nome. Aqui, a leitura ainda se dá de modo imediato; exige meditação, leitura e pureza, quer dizer: profundo cuidado dos sentidos. Para ler o livro da naturaleza, é necessário ouvir a voz do silêncio, a esta não se ouve se o aprendiz não ouve a si mesmo: “Conhece-te a ti mesmo!”. O que extrai o homem da natureza é fruto seu. Daí que o silêncio seja DIVULGAÇÃO inclusive caminho, méthodo de preparação e adoração. Na Grécia, o silêncio tinha um lugar importante nas sociedades pitagóricas e nos círculos órficos; exigia-se de um a três anos de silêncio como forma de iniciação. Sócrates comenta muitas vezes a importância do silêncio como forma de conhecimento e, em comparação com a fala, afirma que o silêncio é bem mais decisivo. Os místicos, os cristãos, os neoplatônicos, os persas, os hindús, os árabes, os judeus na Idade Média, fizeram largo uso do silêncio como meio de chegar a Deus. Os místicos católicos da Contra-Reforma e os Quietistas do século XII apreciam o silêncio e fazem da prática da presença de Deus no silêncio o centro da religião. Presença (praescientia), meyen em grego, o mesmo que dizer. Conclui Eni Puccinelli Orlandi (As formas do silêncio, 1993) que o silêncio não fala; o silêncio é; ele significa. Ou melhor: no silêncio, o sentido é. Estuda-se os sentidos das descobertas? Descoberta, é metáfora para muito. A etimología de silentium, referida a silens que significa: que se cala, silencioso, que não faz “ruído”, calmo, que está em repouso, sombra etc; calar é também marcar, penetrar, atravessar. Ainda que na época clássica não haja diferença de sentido entre sileo e taceo (calar), primitivamente sileo não designava propriamente “silêncio” porém “tranquilidade”, ausência de movimento ou ruído. Estar em silêncio seria idéntico a estar quieto. Empregavase sileo para se falar de coisas, de pessoas e, especialmente, da noite, dos ventos e do mar. Silentium, mar profundo. E aí nos deparamos com o aspecto fluido e líquido do silêncio. As ondas são apenas seu ruído, suas bordas, limites, seu movimento periférico, as palavras, imagens. A ciência do libro da natureza é, pois, assunto da estética e das demais ciências interessadas em reatar o saber à virtude, esta ciência naceu quando converter vil metal em ouro, consistia em articular a ciência a um puro ideal, mente e coração, buscava-se o secredo de uma pedra filosofal, a fons vitae .

Francisco das Chagas Amorim de Carvalho Prof. Msc. da UFPI fcarvalho@ufpi.br


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CENSURA ÀS HQs. ESSA HISTÓRIA NÃO ESTÁ NO GIBI senvolveu e os gibis chegaram até a serem queimados em praça pública, numa atitude de extrema intolerância aos quadrinhos; a censura ao gênero se tornou obrigatória e listas de “títulos proibidos” correram o país. Em Teresina, o jornal católico O Dominical divulgou lista de revistas e jornais, os quais os católicos não poderiam ler, sob recomendação do Departamento Nacional de Defesa da Fé e da Moral; os títulos abrangiam desde revistas de fofocas e bastidores do rádio e do cinema, consideradas indecentes, até as infantis de quadrinhos que eram desaconselháveis para crianças, pois, segundo o pensamento corrente, as mesmas estimulavam o crime e perturbavam a fantasia.

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Quem um dia já não levou na mochila, escondidas entre os livros escolares, revistas em quadrinhos para ler na sala de aula sob os cadernos, longe do olhar de reprovação dos professores? Hoje esta pergunta pode até parecer estranha aos olhos do leitor atual, que além de buscar prazer na leitura de gibis, se utiliza destas e de outras linguagens para ampliar o conhecimento. Mas, na verdade, não foi sempre assim, muitas gerações apaixonadas por quadrinhos no Brasil e no mundo viveram a circunstância descrita acima e puderam testemunhar um longo período de intolerância contra as histórias em quadrinhos (HQs), que, no Brasil, se popularizaram com a denominação de “gibis”. Desse modo, é necessário desmistificar verdades, antes tidas como absolutas e que, por muito tempo, alimentaram o terrorismo ideológico contra as HQs, e que ainda hoje despertam polêmicas. É preciso compreender de fato que a leitura de gibis influencia positivamente a aprendizagem e a formação de um leitor crítico. E porque será que as HQs brasileiras são chamadas de gibis? E qual a razão de tanta censura às revistinhas? No Brasil, o sucesso dos quadrinhos, desde seu surgimento, foi tamanho, que originou inclusive uma expressão que se imortalizou no vocabulário nacional: “não está no gibi”. Gibi, na verdade, foi o nome de uma revista em quadrinhos (Gibi Trissemanal) lançada em 1939, por Roberto Marinho (1904-2003). O novo lançamento do então jovem editor obteve grande popularidade e logo se tornou sinônimo de histórias em quadrinhos no país. Na época, década de trinta do século passado, as HQs foram recebidas com euforia e entusiasmo pelos jovens leitores que corriam às bancas de jornal, para adquirir seus gibis ou fazerem trocas, algo comum entre os leitores do gênero. Entretanto, o público adulto (que não vivera aquela experiência, quando criança ou adolescente), recebeu a nova mídia com grande desconfiança, muita censura e enorme intolerância. Roberto Marinho é apenas um dos personagens que protagonizaram essa história no país. Ele lançou diversos títulos (inicialmente através do jornal O Globo, mais tarde fundou a Rio Gráfica Editora (RGE) hoje Editora Globo) e conquistou a fidelidade do público infanto-juvenil para os gibis, se mantendo como um dos grandes editores de quadrinhos no país. Mas, com ele, outros nomes se tornaram defensores convictos das HQs, como Adolfo Aizen (1907-1991), fundador da Editora Brasil América (EBAL), que publicou inúmeros títulos e se tornou líder do mercado de quadrinhos por muito tempo, Victor Civita (1907-1990), editor de Walt Disney no Brasil, pela Editora Abril e Assis Chateaubriand (18921968), que também entrou em campo com diversas publicações, através dos Diários Associados, mais tarde fundaria outra mídia no país: a televisão. Os quatro editores concorreram entre si na disputa pelo mercado, mas, juntos, combateram a intensa campanha difamatória às HQs, orquestrada pela sociedade e imprensa da época, que viam grandes malefícios na leitura do gênero. Toda essa história começou na Itália, no final dos anos trinta, quando o líder fascista Benito Mussolini proibiu a entrada de quadrinhos dos Estados Unidos (EUA), no país. A partir desse momento, posturas cada vez mais agressivas e contrárias aos quadrinhos se manifestariam em todas as partes do mundo. No Brasil, representantes da sociedade civil, como padres, educadores, intelectuais passaram a atacar publicamente as HQs, através de artigos na imprensa, os quais alertavam a todos sobre o “perigo” que representavam os gibis; diziam que os mesmos prejudicavam o rendimento escolar, ofereciam maus exemplos, estimulavam a violência, ou seja, influenciavam a juventude da forma mais negativa. Nesse contexto, o psiquiatra norte-americano Fredric Wertham, assustou o mundo ao defender a ideia de que os gibis levavam ao crime, à violação da lei, à prostituição e ao homossexualismo. Assim, uma intensa campanha contra as HQs se de-

Foi neste cenário que as HQs se desenvolveram e se tornaram um fenômeno, conquistando milhões de leitores por onde passavam, apesar de tudo que se dizia contra elas, pois não foi por acaso que várias gerações cresceram lendo Capitão Marvel, Tarzan, Fantasma, SuperHomem, Batman, Homem-Aranha, Pato Donald, Mickey Mouse, Luluzinha, Tio Patinhas, Zé Carioca, Mônica, Corto Maltese, Mulher Maravilha, Thor, Hulk, Flash Gordon no Planeta Mongo, Dick Tracy, Asterix, Zorro, Mandrake, Betty Boop, O Espírito, Zagor, Tex Miller, Zas Tras, Pererê, Shazam! Gato Felix, Bronco Piler, Brucutu, O Príncipe Valente, X-9, o detetive, Jim das Selvas e tantos outros. Na verdade, os quadrinhos, acabaram se tornando a cartilha de “bê-a-bá” para muita gente, embora não fossem plenamente aceitos na escola. Hoje, felizmente a realidade mudou e as HQs ganharam força e respeitabilidade também no ambiente escolar.

Desde 2007, os quadrinhos se transformaram em política de governo, quando 14 obras entraram no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Desde então, o número cresce e atualmente já chega a mais de quinhentos títulos, ou seja, as HQs romperam a barreira do preconceito social que sempre as cercaram e conquistaram de vez o espaço escolar. Se antes elas chegavam escondidas nas mochilas das crianças à escola, porque eram vistas como subversivas pelos professores, hoje ganham lugar de destaque até em livros didáticos, pois se tornou um dos recursos preferidos dos autores, para melhor explorar a aprendizagem. Do mesmo modo, diversas editoras já produzem livros paradidáticos, inteiramente com o formato e a linguagem dos quadrinhos, como a Coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos (Ed. Escala Educacional), que reúne grandes clássicos da Literatura. Assim, a leitura de gibis e a sua presença na escola contribuem para que os pequenos leitores desenvolvam o domínio dessa habilidade, com prazer, exercitem mais a criatividade, enriqueçam a aprendizagem e, desse modo, ampliem conhecimentos. Tudo isso, possibilita ao educando (que já é consumidor de HQs), a construção de diversas leituras e formas de ler o universo ao seu redor, ou seja, as HQs interferem positivamente na formação de leitores, mais que isso, na formação de leitores críticos. Mas, o que realmente conquista o leitor de quadrinhos e faz dessa mídia artística e cultural uma autêntica fonte de informação e conhecimento? Um fator que concorre decisivamente para isso é a linguagem própria dos quadrinhos, que se apóia no código escrito e gráfico. Ao lidar com a palavra e a imagem simultaneamente, as HQs desenvolvem uma narrativa que pode obedecer a ritmos diferentes de ação e disposição na página. Além disso, os gibis lançam mão de diversos símbolos, sonoros e visuais, que pontuam toda a narrativa e exige uma sólida compreensão leitora, ou seja, a leitura de HQs oferece um aprendizado essencial e que permanece por toda a vida. Assim, evoluir desse estágio para outros níveis de leitura, como jornais ou livros, não será nem um pouco difícil. Portanto, não é compreensivo que as HQs ainda sejam alvo de determinadas polêmicas. Em 2009, o caso da adoção de um livro em quadrinhos para crianças do Ensino Fundamental em São Paulo provocou estranhas reações de autoridades e da mídia em geral, comprovando, mais uma vez, que o desconhecimento das HQs, de sua história, produção e sua importância enquanto mídia artística e cultural fez reacender a chama do preconceito, que tanto envolveu os gibis durante sua trajetória. Na verdade, o caso demonstrou falta de bom-senso por parte dos responsáveis pela adoção, pois o livro em questão era dirigido ao público adulto e não ao infantil; a ideia de que os gibis são apenas para crianças é um erro, as HQs se dirigem a todas as faixas etárias, possuem públicos específicos de leitores entre crianças, jovens e adultos. Assim, é preciso conhecer o universo dos quadrinhos, suas peculiaridades, formatos e linguagem para se apropriar desse veículo e explorá-lo corretamente, afinal a leitura de gibis exerce “superpoderes” sobre a aprendizagem e representa excelente recurso de ensino. A censura a esta mídia, realmente, não está no gibi. Angely Costa Cruz Bibliotecária Esp. do Centro de Estudos Superiores de Timon - Universidade Estadual do Maranhão angely@colegioglauciacosta.com.br


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A MENSAGEM DO SALMO: O EVANGELHO SEGUNDO JÚLIO ROMÃO DA SILVA cia deram a tais ritos um verniz inicial de cristianismo e, após o lapso de muitas gerações, a igreja negra tornou-se cristã” (DU BOIS, 1999, p. 248). N’A Mensagem do Salmo, Júlio Romão apresenta o teatro histórico, religioso e engajado afro-brasileiro que conclama os direitos universais do homem e da mulher: igualdade, liberdade e fraternidade para todos os povos, no tom profético das parábolas do Evangelho, o

projeto literário de Romão dialoga com as ideias marxistas dos escritores afro-descendentes do movimento da Negritude dos anos 30/40 dos países do Caribe e da África, como Aimé Césaire da Martinica, Senghor do Senegal, dentre outros. Numa entrevista ao informativo Sapiência, de março de 2008, o autor esclarece: “Usei o salmo (sic) como poesia para criticar o que acontecia na ditadura [...]. A peça foi produzida e estreada no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, com a direção de Aldo Calvet. Inspireime no simbolismo das parábolas de Cristo e remeti para o nosso tempo verdades eternas trazidas ao mundo há mais de dois mil anos pelo esperado Rei dos Judeus” (SILVA, 2007, p.7). O texto se constitui de “Prólogo”,

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A Mensagem do Salmo (Saga dramática do Cristianismo), de Júlio Romão, foi publicada e encenada pela primeira vez em 1967, no Rio de Janeiro. O Brasil vivia a crise política que se instalara com o golpe militar de 31 de março de 1964. A história da vida de Romão e a de Cristo se assemelham em vários pontos. Os dois são de origem humilde, filhos de operário e carpinteiros, respectivamente, na juventude. Júlio é negro. Cristo é judeu. Ambos descendem de povos que foram vitimados pela violência dos sistemas de escravidão e de preconceito racial. Sob a perspectiva da escrita afro-descendente, Júlio Romão recria os Evangelhos bíblicos de Mateus, Marcos, Lucas e João, que, através de parábolas contam a Saga do Cristianismo e a de Jesus. A ação dramática se inicia com a narração do nascimento de uma criança pobre - na “manjedoura” -, agasalhada ao humilde presépio de palha. As vozes do “Coro”, no “Prólogo” ou início da peça, anunciam a “Boa Nova”, a chegada do Filho de Deus ao mundo, cujas vozes são entrecortadas pelos gritos e exclamações dos convertidos pela anunciação do Anjo divino: ”CORO - I FIGURA FEMININA (numa extremidade do proscênio) / Da palha que o boi comia / No chão estrumoso, / Cheirando a esterco, O ninho moldou-se” (SILVA, 2007) A música, o lirismo, a melodia, as palavras simples dos versos que compõem o “Coro”, transmitem o cheiro, arquitetam, desenham, pintam o lugar, a atmosfera física e espiritual do espaço improvisado e humilde do nascimento de uma criança, ante a presença dos pais e de animais, estes: “A cabra”, “A vaca”, “O bezerro”, compondo a cena. O “Coro” lembra as doces canções de ninar e as histórias de fadas que os nossos pais, tias, avós cantaram ou contaram para acalantar o nosso sono quando éramos crianças. A transculturação desse modo de cantar e narrar reterritorializam no Novo Mundo a tradição das narrativas orais que migraram da África através da “Porta do Não Retorno” (BRAND, 2002), no porão do navio negreiro, e pulverizaram com seus mitos, experiências, sabedorias e beleza as narrativas e as canções das cidades, campos e lugares longínquos das Américas. O cativo africano não chegou de alma vazia, trouxe a riqueza de sua cultura: “... a história social do Negro não começou na América. O Negro foi trazido de um meio social definido - a vida polígama do clã, sob o comando do chefe e a poderosa influência do sacerdote. Sua religião era o culto à natureza, com uma profunda crença nas influências invisíveis circundantes, boas e más”, (DU BOIS, 1999, 245-6). A Mensagem do Salmo é uma escrita híbrida, creolisada, que significa a dinâmica, a circularidade da cultura negra em Diáspora e seu diálogo com outras culturas: “...a crioulização supõe que os elementos culturais colocados em presença uns dos outros devam ser obrigatoriamente “equivalentes em valor” para que essa crioulização se efetue realmente” (GLISSANT, 2005, p.28). Isso propicia os modos de narrar e conceber um Cristianismo recriado à imagem do próprio negro e ressignificado nas Américas. A escrita de Júlio Romão da Silva desloca a ideia do Cristo puramente ocidental, reinscrevendo-o num espaço aberto à relação com a religiosidade do outro, em simbiose com a cultura da diáspora africana. W. E. B. Du Bois discorre sobre a herança religiosa dos nossos antepassados negros durante os ritos evangélicos e o diálogo que se estabeleceu entre as religiões desses africanos e o Cristianismo no Novo Mundo: “Assim, como bardo, médico, juiz e sacerdote, dentro dos estreitos limites impostos pelo sistema escravista, ergueu-se o pregador negro e, sob seu comando, surgiu a primeira instituição afro-americana, a igreja negra. De início, essa igreja não era cristã, tampouco claramente organizada; em vez disso, constituía, nas diferentes plantações, uma adaptação e uma mistura de ritos pagãos, sendo vagamente designada como vodu. A associação com os senhores, o esforço dos missionários e motivos de conveniên-

“Sequências” e Epílogo. O “Coro” representa o povo convertido e crente na Palavra de Cristo, cujas vozes fazem a intermediação das falas das personagens e perpassam todas as cenas: as 20 “Sequências” e o “Epílogo”. A Mensagem reatualiza o Evangelho cristão pronunciado há dois mil anos, agora reescrito e montado noutro contexto ou espaço histórico, político e cultural. No Brasil, em 1967, o país vivia sob o regime do governo militar, que usava da estratégia de patrulhar e coibir a liberdade de expressão e a democracia política sonhada pelos brasileiros, inspiradas pela Palavra insubmissa de agremiações estudantis, intelectuais, artistas, setores progressistas da Igreja Católica e cidadãos insatisfeitos. Na narrativa dramática, a criança pobre que nasce na manjedoura, é “O ESPERADO”, o hábil semeador da Palavra de Deus. Ele é aquele que cura, ressuscita, encanta e seduz os humildes com a Palavra e é aclamado “Rei dos Judeus”. Por isso julgado pela lei do Estado romano e dos homens afortunados ao martírio da cruz – à crucificação: “CAIFÁS Ele é um bruxo. Além do mais, subverte os costumes e ilude as criaturas ingênuas, para corrompê-las. Os meus próprios escravos, tanto homens como mulheres, depois de ouvirem-no falar, tornaram-se idiotas, rabugentos e petulantes. Antes tinham os seus deuses e os alimentavam. Agora, repudiamnos por um deus que não conhecem” (SILVA, 2007, p.43). O presente texto apóia-se na tradição dramática ocidental e nas culturas de origem africana, como na “chamada e resposta” ou co-réplica (call-response) da herança griô em Diáspora, este, poeta, cantor e músico da tradição africana. Tal estratégia se apóia na voz do solista e na resposta do “Coro” da peça, este representado em geral pelas personagens convertidas ou curadas pela Palavra de Jesus Cristo. Em particular, o griô é o poeta. Ele narra as experiências vividas pelo grupo e indivíduos ilustres da comunidade, ocupando a função social de notável relevância enquanto acervo e guardião da memória oral de sua comunidade e às vezes também exerce a o papel de sacerdote: “... ambos, o griot e o pastor compartilham de hábitos linguísticos, culturais e valores dos seus respectivos ouvintes. Em última análise, dever-se-ia estar consciente do fato de que nos sistemas religiosos africanos tradicionais é geralmente difícil, senão impossível, dissociar música e rituais religiosos: os dois andam de mãos dadas” (DIOP, 1999, p.123, tradução nossa). A Literatura Afro-Brasileira é uma escrita inacabada, um discurso poético em “construção” e de constituição híbrida, que se configura como tal através do diálogo entre as culturas de diferentes povos e etnias africanas e o entrecruzamento dessas narrativas com as culturas europeias, indígenas, árabes, asiáticas na diáspora negra (SOUZA, 2006). Este lugar de encruzilhadas, de memórias fragmentadas e re/criação de novas identidades culturais abrigaram experiências e narrativas daqui e de alémfronteiras, que são ressignificadas na escrita afro-descendente, tradição africana: a performances dos mestres de cerimônia da cultura popular, a herança griô, a música, as canções, os contos maravilhosos, as narrativas míticas, as narrativas de memória ou de experiências vivenciadas pelos antepassados, pessoas da comunidade, parentes ou pelo próprio escritor negro. Essa escrita recriada nas forjas e bigornas da Diáspora negra dispensa essencialismos e purismos do cânon literário ocidental. Elio Ferreira de Souza Prof. Dr. da UESPI elioferreir@yahoo.com.br


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CIÊNCIAS HUMANAS DIVULGAÇÃO

A CIENTIFICIDADE DO TURISMO

Há muito se discute no meio acadêmico a problemática do turismo frente ao reconhecimento como ciência. A falta de consenso se deve ao fato de ser visto como uma atividade prática que envolve elementos reais ou potenciais, como os destinos turísticos e os turistas, e de ser um fenômeno dependente de outras ciências, produzindo uma relação de grande amplitude e complexidade. A palavra ciência tem sua origem no Latim e significa conhecimento. Define-se como sendo um “conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e orientar a natureza e as atividades humanas” (DEMO, 2005 p.15). Desta forma, vários são os autores que defendem a compreensão do turismo como uma não ciência, sendo Boullón (1990) um desses autores, que apresenta o entendimento de que as ideias que se derivam dos estudos em turismo estão desligadas entre si, principalmente as que são geradas em outras áreas do conhecimento humano. Este autor afirma, ainda, que o turismo não nasceu de uma teoria, mas de uma realidade que foi surgindo de maneira espontânea e que se configurou a partir das descobertas em outras áreas. Mas, o que dizer da cientificidade do turismo para caracterizá-lo como ciência? Sabe-se que o estudo do turismo tem passado nos últimos anos por um processo de evolução e consagração de teorias e que muito do conhecimento adquirido pode ser considerado como proveniente do desenvolvimento de pesquisa científica e de métodos racionais aplicados à observação empírica. Os estudos que são desenvolvidos na atualidade em universidades públicas e na iniciativa privada já se valem do fornecimento de elementos para verificação e contestação das hipóteses apresentadas. Portanto, esses estudos já proporcionam provas indicativas, descrevem como foram os procedimentos de construção do novo conhecimento e informam como se deve proceder para achar outros. Mas, mesmo com todos os indícios elencados acima, que fazem do turismo candidato nato ao reconhecimento como ciência, grande parte dos pesquisadores ainda concebem o turismo apenas como saber. A diferença entre ciência e saber é de que a

primeira, ao contrário do segundo, tem um objeto definido de estudo, utiliza-se de métodos de pesquisa que permitem a verificação dos resultados e, por tratar de aspectos regulares passíveis de detectar, possibilita realizar prognósticos relativamente seguros. Já o saber, no entanto, sustenta-se nas experiências que já passaram, apesar de cumulativas, não necessariamente permitem a verificação, o que não provém certezas. Mesmo com correntes de pensamento fortemente fundamentadas e contrárias ao reconhecimento do turismo como ciência, autores como Jean-Michel-Hoerner (2003), que publicou suas ideias sobre a ciência do turismo ou, como ele intitulou, a turismologia, insistem nos argumentos que revelam o desenvolvimento do estudo do turismo para o grau de ciência, como: a turismologia poderá estudar o que estiver relacionado com o objeto de estudo “viagem”, desde a sua concepção, a abrangência do mercado de viagens, o seu desenvolvimento e suas consequências, os contextos sociais e culturais, as relações entre os turistas e as sociedades receptoras, ou seja, a turismologia, no entendimento de Hoerner, será uma ciência humana, orientada para o estudo da viagem e aplicada às profissões relacionadas com o turismo e a hotelaria. Hoerner finaliza sua argumentação expondo que o turismo abarcará um campo vasto de estudos, mas não diferente de outras ciências como a geografia, a sociologia, a economia, a história, entre outras. Com tantas contradições e parca compreensão da complexidade do fenômeno do turismo, a cientificidade no estudo do tu-

rismo encontra resistência de outras ciências ligadas ao tema, pois tentam, cada uma, aprofundar as bases de uma teoria transferindo os seus modos de abordagem. Assim, o termo turismologia, embora corresponda etimologicamente ao discurso sobre o turismo, veicula uma imagem científica, mas ainda pretensiosa, pois, transforma o turismo em um campo único do saber, omitindo a natureza multidisciplinar.

Vicente de Paula Censi Borges - Prof. Msc. da UFPI vpborges@ufpi.edu.br José Pedro da Ros – Prof. Msc. da UFPI ros@ufpi.edu.br

COMUNIDADE QUILOMBOLA E O USO DOS RECURSOS VEGETAIS NO PIAUÍ O termo quilombola antigamente era utilizado para designar escravos fugitivos das senzalas e que se refugiavam na mata em áreas de difícil acesso. O Quilombo dos Palmares era o mais conhecido, tendo Zumbi como o líder maior. Atualmente, segundo a Associação Brasileira de Antropologia – ABA, o termo quilombo é definido como um conjunto de pessoas que desenvolveram práticas cotidianas de resistências na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação de um território próprio. O Artigo 68 da Constituição Federal abriu um novo horizonte para as comunidades remanescentes de quilombo, ao estabelecer, posteriormente, por meio de Decreto, a necessidade de restituir os territórios tradicionalmente ocupados pelas comunidades e assegurar a sua titulação definitiva como território de uso comum. O Decreto Lei Federal Nº 4.887/2003 define que a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante auto-definição da própria comunidade e denominação do seu território, sendo o INCRA o órgão responsável pela demarcação do território. No Piauí, existem mais de 100 comunidades remanescentes de quilombo, porém apenas 38 são reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares, órgão responsável pela expedição da Certidão de Autorreconhecimento como comunidade quilombola. No mapeamento e caracterização sociocultural realizado em oito comunidades negras rurais do Piauí, conduzido pelos pesquisadores Francis M. Boakari e Ana Beatriz M. Sousa, em 2006, ligados ao IFARADÁ (Núcleo de Pesquisa sobre Africanidade e Afrodescendência da UFPI), foi constatado que o histórico das comunidades, suas atividades socioculturais e a vida cotidiana são muito parecidos, sendo que o ponto comum reside na dificuldade de acesso aos seus locais de residências, haja vista muitas se encontrarem escondidas em grotões, chapadas e vales, característica dos antigos quilombos. A atividade de destaque consistia da prática religiosa católica, além de danças, como o reisado, futebol nos fi-

nais de tarde e as conversas nas portas das casas. Quanto ao uso da vegetação por comunidades quilombolas no Piauí, temos estudos de caso em três comunidades; primeiro foi realizado em Amarante na Comunidade Mimbó, por Jeane Abreu, em 2000, que verificou a utilização de 73 espécies, distribuídas em oito categorias de uso (medicinal, construção, tecnologia, alimento humano, alimento animal, combustível, místico/religiosa e venenosa). A autora conclui existir entre os Mimbós um apreciável nível de conhecimento sobre a utilidade das espécies vegetais do cerrado, os quais reconhecem dentro de seu território duas fitofisionomias distintas, a Chapada (cerradão) e o Baixão (cerradão/mata ciliar), de onde procede grande parte dos recursos por eles utilizados. Os outros dois estudos foram realizados dentro do programa de pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPI (Mestrado e Doutorado), orientados pela Profa. Dra. Roseli Barros, que trabalha na área de etnobiologia de comunidades rurais, pesqueiras e quilombolas. Em 2005, Eldelita Franco verificou a diversidade etnobotânica no Quilombo Olho D’água dos Pires, em Esperantina, reunindo informações sobre 177 etnoespécies, pertencentes a 57 famílias botânicas, agrupadas em doze categorias de uso: medicinal, alimentação, madeira, forrageira, ornamental, artesanal, veterinária, mágico-religiosa, comercial, fibra, higiene e energética. As etnoespécies indicadas pelos quilombolas estão presentes em área de vegetação nativa de transição entre o cerrado e a floresta decidual mista e em outros locais, como quintais, roças e capoeiras. Segundo a autora, a comunidade utiliza a vegetação nativa como fonte principal de aquisição de matériaprima, e o número de espécies úteis encontradas indica a importância dos recursos vegetais para a sobrevivência do quilombo; ressalta o alto nível de conhecimento que os membros mais antigos da comunidade detêm sobre o ambiente em que vivem, e considera a necessidade urgente o repasse de conhecimento aos membros mais jovens, para que o saber

tradicional adquirido das gerações anteriores possa ser perpetuado e valorizado entre as gerações futuras. E por último, em 2008, Fábio Vieira realizou o levantamento de 225 espécies úteis em uma área de transição vegetacional entre a Caatinga e o Cerrado, na Comunidade Quilombola dos Macacos em São Miguel do Tapuio, identificando 13 categorias de uso, destacando-se principalmente os usos medicinais, forrageiro, alimentício, melífero e madeireiro. Destacam também uma preocupação por parte dos moradores em preservar determinadas espécies, por considerarem importantes na manutenção da tradição e, por conseguinte, entre elas estão duas que aparecem na lista do IBAMA, na categoria vulnerável: Myracroduon urundeuva Allemão (aroeira) e Astronium fraxinifolium Schott (gonçalo-alves); outra espécie que vem recebendo atenção por parte dos quilombolas é a Amburana cearensis (Allemão) A.C.Sm. (imburana-de-cheiro), por considerarem uma espécie com alto valor, principalmente madeireira e medicinal. Esta preocupação é também verificada na utilização das espécies que crescem nas áreas de pousio e de galhos caídos, para o uso como lenha e fabricação de carvão vegetal, conservando, assim, as áreas de vegetação nativa. Por fim, comparando os dados dos três estudos, observamos que as comunidades quilombolas estudadas no Piauí têm em comum a vegetação nativa como fonte importante de recursos, para a sobrevivência das mesmas. Fábio José Vieira Doutorando em Desenv. e Meio Ambiente – UFPI, fabao.bio@hotmail.com Roseli F. Melo de Barros Profa. Dra. da UFPI rbarros.ufpi@yahoo.com.br


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RAWLS: A JUSTIÇA COMO EQUIDADE E A JUSTIFICAÇÃO COERENTISTA No cenário anglo-americano, três justificativas eram correntes na época em que Rawls iniciou sua vida acadêmica: o fundacionismo moral, o intuicionismo e o utilitarismo. Contrapondo-se a esse cenário, Rawls passa a utilizar na sua teoria o procedimento coerentista da posição original e do equilíbrio reflexivo para justificar princípios e juízos morais. Em outras palavras, o objetivo da justiça como equidade é elaborar princípios de justiça justificados. Justificar significa mostrar como seria possível a adoção de determinados princípios de justiça mais razoáveis em relação a outros. Para tanto, é necessário demonstrar que pessoas racionais, em uma situação de equidade, escolheriam determinados princípios de justiça por serem mais razoáveis, em detrimento de outros encontrados em diversas concepções de justiça. Sob essa ótica, o procedimento rawlsiano é elaborado por meio de um sistema que harmoniza o mecanismo da posição original e o que ocorre em seu interior: o equilíbrio reflexivo. Este, por sua vez, não possibilita uma inferência de uma crença em relação à outra, ou outras, mas reflete a racionalidade de um ajuste de avanços e recuos entre juízos ponderados e princípios de justiça. Tal ajuste é simétrico, onde cada crença tem o papel de suportar e de ser suportada pelas crenças num mesmo sistema. Na posição original são especificadas as condições formais para a elaboração dos princípios de justiça, dado que oportuniza o esclarecimento público no qual as deliberações são efetuadas por meio de restrições e estabelece os termos justos de cooperação, formalizando as convicções ponderadas de pessoas razoáveis de maneira equitativa com o intuito de instalar os princípios de justiça. Sob essa visada, a posição original, embora sendo um critério formal de representação, utiliza os juízos ponderados dos indivíduos para a justificação dos princípios: por esse motivo, o procedimento da posição original encontrase vinculado intrinsecamente com o mecanismo do equilíbrio reflexivo. Sob outro prisma: a ideia central da posição original é tentar impedir que concepções individuais vigentes sobre os conceitos de bem afetem os princípios eleitos. As partes interessadas, nessa situação inicial, são iguais, isto é, têm os mesmos direitos no processo da deliberação dos princípios. Para tanto, podem propor e apresentar razões, a razoabilidade, pois possuem as suas concepções do bem e a faculdade do senso de justiça. No entanto, esses princípios têm que ser coerentes com os juízos refletidos, isto é, estar em equilíbrio, o que significa ter coerência: o recurso à coerência entre juízos morais considerados e os princípios de justiça aponta para a possibilidade

de justificação coerentista, na teoria da justiça como equidade. No entanto, somente a característica da coerência não é um distintivo suficiente para que se possa afirmar tal coisa, porquanto o fundacionismo moderado também possui tal propriedade. O argumento mais relevante para determinar o procedimento do equilíbrio reflexivo amplo, enquanto modelo coerentista de justificação é, mais especificamente, o caráter dinâmico que ele encerra, e o não apelo às crenças básicas, pois no equilíbrio reflexivo amplo é possível observar avanços e recuos, podendo, com isso, até mesmo ser alterado todo o conjunto de julgamentos morais iniciais. Por conseguinte, esse movimento progressivo e regressivo que gera equilíbrio ou coerência entre princípios e convicções morais no interior da posição original, poderia garantir um suporte argumentativo para afirmar a existência do procedimento de justificação coerentista na teoria da justiça como equidade, porquanto a característica peculiar do coerentismo é aquela que afirma que as crenças de um mesmo sistema devem ter um apoio mútuo entre elas, não existindo, assim, nenhum aspecto a priori nem crenças básicas ou fundacionais. Portanto, a sutileza por meio da qual funciona o mecanismo da posição original e do equilíbrio reflexivo pode ser relacionada com as características do coerentismo emergente. Em tal mecanismo, a ideia de justificação pública está associada ao fato de que o pluralismo razoável presente nas sociedades bem-ordenadas e os juízos políticos são justificados por meio dos cidadãos que compõem uma sociedade bem-ordenada por meio de uma razão publicamente compartilhada e que tem como pontos fixos provisórios as ideias contidas na cultura política. Para tanto, tais juízos políticos não necessitam ser verdadeiros, apenas razoáveis. Por esse motivo, a justificação pública, alcançada por meio do equilíbrio reflexivo, ocorre pela coerência entre juízos particulares, convicções gerais e os princípios de justiça. Outro aspecto relevante para se compreender, na justiça como equidade, a utilização de uma justificação do tipo coerentista é a relação entre o equilíbrio reflexivo concomitante com a distinção entre o razoável e o racional: Rawls concebe a razoabilidade como o princípio da razão pública. Esta é uma forma de justificação pública que não faz apelo para nenhuma ideia transcendente ou a algum conceito além do que pode ser racional ou razoável e consensualmente aceito por cidadãos livres e iguais. Sendo assim, a justificação rawlsiana, pelo fato de não apelar às instâncias exteriores tal como um paradigma, é do tipo coerentista; não fosse assim, a justiça como equidade teria uma justificação

fundacionista moderada, resultando em algo análogo a “alinhar tropas e intimidar o outro lado (... ). O pensamento que se encontra por trás disso é que ter caráter é ter convicções firmes e estar pronto para proclamá-las de modo desafiador aos outros ”. Por conseguinte, se encarada dessa forma, tal aspecto seria contrário, por exemplo, à concepção de pessoa como livre, autônoma e igual, e, em virtude disso, a teoria de Rawls se identificaria com a sua própria crítica. Em contrapartida, o recurso na justiça como equidade às ideias implícitas na cultura de uma sociedade democrática e a utilização do procedimento representacional da noção de posição original destaca a ênfase que a teoria rawlsiana concede à característica da liberdade e da autonomia para as partes, pois, na posição original, as partes que a compõem, envoltas pelo véu de ignorância, seriam mutuamente desinteressadas de sua situação — embora lhes fossem concedidas algumas informações gerais. Por conseguinte, a ausência de dados sobre a posição dos agentes na sociedade produziria uma imparcialidade no momento da deliberação: é dessa forma que é considerada a justiça tal como equidade, ou seja, possibilitar a conjugação da liberdade com a igualdade, não violando nenhum acordo sobre as liberdades básicas, assegurando uma concepção de autonomia ampliada ao político como aspecto constituinte das sociedades bem-ordenadas. Em contrapartida, na justiça como equidade não é constatado nenhum aspecto conceitual na teoria que seja considerado como um objeto privilegiado da investigação, do contrário seria preciso admitir a hipótese de um paradigma único — fato que traria prejuízos incomensuráveis ao conceito de equidade e, em decorrência, à concepção de justiça. Esse fato seria contrário à meta da teoria rawlsiana: fornecer uma base razoável para a justificação das instituições democráticas. Sob essa ótica, se a justiça como equidade se utilizasse de crenças fundacionais, isso significaria que nela não se encontraria presente uma justificação do tipo coerentista. Mas contrário a isso, o próprio Rawls afirma que “nenhuma concepção moral geral pode fornecer um fundamento publicamente reconhecido para uma concepção de justiça”. Elnora Maria G. M. Lima Profa. Msc. da UFPI elnoragondim@ yahoo.com.br

O LUGAR DA MORTE: MARCADORES IDENTITÁRIOS NOS RITUAIS FÚNEBRES Pensemos em cinema no Piauí: temos de um lado o filme Cipriano (dirigido por Douglas Machado, 2004), a partir da narrativa de um senhor morador do interior piauiense que sente a morte chegar e deseja ser enterrado de frente para o mar. Percorrendo territórios sagrados e profanos, criam-se diálogos e possibilidades de um entendimento com a morte. De outro lado, temos o filme cômico Ai, que vida (dirigido por Cícero Filho, 2008) , num contexto em torno de uma funerária que vende caixões para a prefeitura de forma ilícita, onde o ritual de passagem acontece em um rito fúnebre. Diante da postura desrespeitadora do prefeito embriagado, a mulher de um vereador resolve se candidatar ao cargo de prefeita. Diante desse exemplo – que poderia ser qualquer outro, tal qual a saga de Ataliba, o vaqueiro (CASTELO BRANCO, Francisco Gil, 1878) – a postura da identidade piauiense ganha sentido na sua ligação com a morte. Fazendo parte de sua marca, desde o respeito aos falecidos, nas orações ou na visita ao cemitério, local onde não se guardam apenas corpos, mas toda uma memória nas lápides, nas formas de conceber cada jazigo, túmulo. Alguns dos velórios se caracterizavam pela realização na casa do falecido, com o corpo estendido no meio da sala principal, num caixão construído pelos familiares. Pessoas em volta do morto, elegantes; com suas melhores roupas. Vestidas de preto, apenas a viúva e as filhas. As mulheres mais velhas, de hora em hora, rezavam um terço com a função de encomendar a alma do falecido aos cuidados das divindades (desde outros mortos até Anjos, Santos e Deus), em harmonia a um choro discreto e incessante, lembrando

carpideiras. Muito café para que as pessoas aguentem a vigília pela madrugada. No lado de fora da casa, outros riem, conversam, “bebem” o morto: se socializam. A simbologia da morte nos rituais fúnebres está ganhando nova configuração, dentro dos contextos culturais das sociedades modernas, e mesmo que existam tantas formas diferentes de lidar com o morto – e não só com a morte -, a “padronização” dessas experiências ritualísticas impossibilita o desencadear das exéquias. Quem em Teresina ainda vela seus mortos em casa? Talvez a população empobrecida, provinda de uma desigualdade socioeconômica, e por isso, impedida de participar dessas novas configurações, restando-lhe apenas o plano- funeral. Negar a morte é próprio de nossa civilização tecnológica, o que nos leva a não tolerar sua ritualização, banindo o moribundo aos cuidados médicos, e ao morrer, delegamos os tratos do corpo às casas funerárias, responsabilizadas desde o deslocamento do hospital - pois já não se morre em casa, procurando prolongar ao máximo a (sobre) vida dos moribundos - banho, vestimentas, maquiagem, atribuindo ao cadáver um ar “saudável” para a despedida – e não a última, já que contamos com as visitas no dia de finados. Os velórios são realizados nos ambientes propícios das casas funerárias, mostrando o distanciamento daquela morte domesticada (ARIÈS, p. 1977), conduzida pelas relações próximas de parentes e amigos, enquanto fenômeno público, composto por elementos de estratégia e solidariedade familiar. Rituais fúnebres estabelecem comportamentos; condutas atra-

vés de símbolos tão contaminados de significados, facilmente identificados nos piauienses, como celebradores (celebra- dores) da morte – tal qual símbolos que estereotipam uma identidade, como na Batalha do Jenipapo, que em sua significância de produção referencial de uma piauiensidade, consiste em um cemitério representando o heroísmo desse povo. Os rituais fúnebres, enquanto performances nos revelam aspectos fundantes de uma cultura, enraizados na memória e nos fazeres da tradição, nos socializam, refletindo nesses acontecimentos, os traços identificadores de uma sociedade: os próprios marcadores identitários. Identidade é tudo que nos faz pensar em “nós-mesmos” e “nós-outros”, (re)inventando tradições; (re)fazendo o imaginário.Identidade não é conceito, porque não pode ser definida, pois é “múltipla, inacabada, instável, sempre experimentada mais como uma busca que como um fato” (AGIER, 2001, p. 10). Mas pode ser narrada – e nas narrativas piauienses, encontramos o lugar da morte por entre fotografias, preces, semanas-santas, literatura, religiosidade, enfim, nos gestos e fazeres; nos ditos e feitos: “Esses homens sabiam honrar a morte” (MANN, 1953, p.130). Jaqueline Pereira de Sousa Mestranda em Antropologia e Arqueologia na UFPI jaqpsousa@hotmail.com


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A INSERÇÃO, ATUAÇÃO E PERMANÊNCIA DA MULHER NA CAPOEIRA nos momentos de encontros e no cotidiano dessas mulheres em seus grupos de origem e em possíveis momentos de integração com outros grupos. O problema que motivou o estudo girou em torno da indagação de como se dá o processo de inserção, atuação e permanência da mulher nos grupos de capoeira de Teresina-PI. A partir dessa questão efetivamos uma investigação a respeito de algumas considerações sobre a trajetória da mulher na capoeira, analisando e interpretando como se dá esse processo, com uma orientação antropológica, se caracterizando pela natureza qualitativa, utilizando a observação participante e a entrevista em profundidade, de caráter etnográfico, em que o pesquisador se insere nos locais de investigação convivendo e interagindo diretamente com os sujeitos pesquisados. Teve como principais referenciais Barbosa (2005), Louro (2001, 2003), Muraro (1992), Damatta (2000), Priore (2008) e Silva (2005). Os dados foram coletados de três formas: registros escritos, registros fotográficos e entrevistas com aplicação de questionário presencial, além do registro audiovisual de algumas rodas de capoeira. Os registros escritos e fotográficos foram feitos durante os encontros com as mulheres entrevistadas, buscando, porém, contextualizar as práticas, os costumes, os rituais, os hábitos, as formas de organização, dentre outros aspectos que caracterizem as práticas exercidas nos grupos, enfatizando a participação das mulheres. As análises se debruçaram sobre as seguintes categorias: inserção (motivo da procura pela capoeira), aceitabilidade (reações no interior do grupo), participação (integração e atuação nas atividades), permanência (o que a mantém), preconceito (no grupo e na sociedade) e percepção (visão de si, a partir da condição de mulher capoeirista). Os resultados obtidos na pesquisa demonstram que a mulher vai aos poucos assumindo funções hierarquicamente importantes no contexto dos grupos de capoeira, sem atrelar essas conquistas aos homens, sejam seus parceiros ou seus su-

ou seja, independe de serem grupos centrais ou periféricos, grupos com maior ou menor números de participantes, ou mesmo de sua representação junto à sociedade teresinense. Constatamos a existência de um acentuado preconceito da sociedade em geral em relação às mulheres praticantes de capoeira, ao qual podemos relacionar o conceito ainda presente em relação às questões de gênero e que se constitui em construções culturais que apontam aquilo que é considerado de homem ou de mulher, tais como os papéis destinados socialmente para homens e mulheres, o que pertence à esfera do masculino e do feminino, descortinando uma concepção que enxerga na construção de gênero um aspecto natural, ou seja, algo próprio da natureza, numa clara confusão do biológico com o gênero. Na própria família são identificadas muitas barreiras edificadas desde bem cedo na educação das crianças e que se encarregam de determinar o papel dos meninos como naturalmente próximos da competitividade, enquanto as meninas ficam relacionadas aos padrões de comportamentos de fragilidade e de estética. Neste sentido, uma prática com fortes conotações de luta como a capoeira pode ser facilmente considerada como um esporte agressivo, que não combina com a suposta fragilidade da mulher e que acaba reforçando entendimentos, representações, discursos e comentários preconceituosos e fortemente “machistas” em relação às mulheres, meninas, jovens e adultas praticantes de capoeira, mas que, por outro lado, favorece o espírito e a gana de resistência, de luta e de superação que vão assumindo enquanto características marcadamente femininas, próprias do orgulho de pertencimento e identitário das mulheres contemporâneas.

DIVULGAÇÃO

A pesquisa “A Inserção, atuação e permanência da mulher nos grupos de capoeira de Teresina-PI: notas etnográficas” é resultado de um estudo que faz parte do programa PIBIC/UESPI, da Pró-Reitoria de Pesquisa da UESPI, versão 2008/2009, sob orientação do Prof. Mestre Robson Carlos da Silva e contou com uma bolsista, Tamara Sobral da Costa Caland, e uma colaboradora, Eliane Alves Reinaldo, ambas estudantes do curso de Pedagogia da UESPI. O campo de estudo se deu nas relações de gênero, enfatizando investigações sobre a mulher, sua participação e representação na sociedade, em especial, como se dá sua inserção, atuação e permanência nos grupos de capoeira. De acordo com Louro (2001) “gênero”, hoje, diz respeito aos aspectos socialmente construídos do processo de identificação sexual, se opondo a “sexo”, que se refere aos aspectos estritamente biológicos da identidade sexual, se voltando mais precisamente às desigualdades que dividem homens e mulheres, com os primeiros se apropriando de uma parte desproporcional dos recursos materiais e simbólicos da sociedade. As investigações visaram contribuir para as discussões acerca do papel da mulher na sociedade, desvelando formas de preconceitos, estratégias de diferentes tipos de violência contra a mulher, representações das e sobre as mulheres, dentre outros aspectos que envolvem e dizem respeito ao universo do feminino em nossa sociedade, em especial, para os propósitos da pesquisa, da participação da mulher em grupos sociais de Teresina e, dentro desse universo, voltando nosso olhar para os grupos de capoeira. Trata-se de movimento que, marcado por sua significativa presença no cenário político-social da história do Brasil, ocupa lugar de relevância na atualidade, conquistando espaços nas escolas e universidades de todo país, sendo objeto de estudo em programas de pós-graduação em mestrado e doutorado em universidades de renome no Brasil e no mundo, enfim é cada vez mais evidente a necessidade e relevância de estudos e pesquisas sobre os benefícios e as contribuições da capoeira, inclusive sendo reconhecida em novembro de 2008, enquanto patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo IPHAN. O universo da pesquisa foi constituído por grupos de capoeira de Teresina, escolhidos e organizados por meio de dois aspectos: grupos centrais, assim denominados os grupos de maior evidência em nossa sociedade, com maior número de praticantes, que realiza e promove eventos de destaque, os chamados “grupos grandes”; e os grupos periféricos, que possuem pouca relevância social, realizam somente pequenos eventos, envolvendo apenas pessoas da comunidade próxima, com poucos praticantes, são os chamados “grupos pequenos”. Dentro desses universos, foram sujeitos da pesquisa as mulheres praticantes de capoeira, considerando tanto as com maior tempo de prática, como as iniciantes, sendo investigadas sobre suas ações, escolhas, opções, sua participação, sua importância dentro do grupo, sua atuação, as dificuldades encontradas dentro e fora do grupo, devido a sua identidade de “capoeirista”, suas percepções e entendimento a respeito de como os “outros” a representam, dentre outros aspectos que foram identificados como relevantes para a pesquisa. Como instrumento de coleta, foram utilizados o diário de campo observacional e as entrevistas semiestruturadas, bem como registros fotográficos e vídeográficos das experiências vivenciadas durante a pesquisa,

periores (mestres ou professores), porém, com fortes conotações de que ainda não conseguem exercer posições de liderança e comando, apesar de algumas contarem com vasta experiência na capoeira, sendo conhecidas e respeitadas por seu desempenho e suas conquistas, o que deixa evidente, ainda, um acentuado “machismo” que insiste em pontuar as relações de gênero em nossa sociedade. Ressaltamos que não foram identificados sinais ou rastros que evidenciem que a posição, representação e identidade das mulheres nos grupos de capoeira de Teresina participantes da pesquisa, estejam condicionadas à posição ou local de funcionamento dos grupos,

Robson Carlos Silva Prof. Msc. da UESPI - bobraizes@hotmail.com Tamara Sobral da Costa Caland Eliane Alves Reginaldo


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BÁRBAROS DE NOBRE SANGUE: ÍNDIOS, CIVILIZAÇÃO E IDENTIDADE NO CEARÁ O debate sobre a questão indígena no Ceará ganhou notoriedade, e atualmente é motivo de preocupação na construção da historiografia cearense. Surpreendentemente, até o ano de 1988, os trabalhos sobre os povos indígenas nesse estado se limitavam a afirmação de sua completa extinção. Entretanto, a partir da mobilização das políticas indigenistas, foi possível detectar a existência, atualmente, de mais de 12 etnias. Por isso, diversos setores da sociedade, como universidades, autoridades políticas e o povo em geral, têm cada vez mais discutido sobre a legitimidade de tais movimentos, que, por mais que estivessem silenciados até a década de 80, não passam despercebidos atualmente. Não são poucos aqueles que desaprovam a luta indígena. Seus argumentos, além dos conhecidos adjetivos de “preguiçosos” e “aproveitadores”, são bem precisos e objetivos: como podem índios usar roupas, celular e outros acessórios típicos do “homem civilizado”? Onde está a língua indígena? Como pode haver entre eles pessoas de olhos azuis ou pele clara? E o mais importante: se eles realmente nunca acabaram, onde estavam durante todos estes 125 anos de silêncio? Entretanto, é justamente sobre as contradições e oscilações dos acontecimentos que motivaram estes “125 anos de silêncio” (de 1863, quando se “declarou” oficialmente a “extinção dos índios no Ceará, até o ano da Constituição Cidadã) que pesquisadores de diversas áreas das ciências humanas têm se debruçado nos últimos anos com trabalhos inovadores e, certamente, bastante polêmicos. As causas de tanto desconforto que este tema provoca parecem vir de longe, e têm muito a ver com o que ocorre hoje. Já no período colonial, a procura e disputa pela mão de obra nativa eram intensas e encontravam fortes obstáculos na própria resistência dos índios, que batiam de frente também com a frequente expropriação de seus territórios. Nos dias atuais, os problemas parecem ser semelhantes, até porque conceber que populações vivam de modo tradicional, com formas não condizentes com o nosso velho conhecido “sistema capitalista” e, além disso, requerendo terra, é por demais ofensivo para muitas pessoas, principalmente para aqueles que estão diretamente ligados com o latifúndio ou à valorização imobiliária. Ao longo da história dos índios que habitaram o território brasileiro, isso não foi diferente: desde os jesuítas, passando pelo famoso Diretório Pombalino, indo até as denominadas políticas progressistas do período da Ditadura, sempre se pretendeu possuir as suas terras, e levar àqueles povos “bárbaros”, arredios ao trabalho e dados a bebedeiras e feitiçarias, os bons costumes da civilização. No início do século XIX, no Ceará, o plano sempre foi este: transformar os índios em homens trabalhadores, ordenados e, principalmente, fiéis súditos da coroa portuguesa. A partir da pesquisa que desenvolvo atualmente no Mestrado em História do Brasil, pela UFPI, venho analisando diversos me-

canismos que fizeram parte dessa política civilizatória sobre a população indígena, especialmente os que tiveram lugar durante o governo de Manuel Ignácio de Sampaio, que esteve na capitania entre 1812 e 1820. A palavra de ordem de sua prática era “disciplina” e através dela foram estabelecidas as primeiras ações no sentido de controle da população, como os mapeamentos gerais nas vilas e a chamada “política de passaportes”, que limitava o trânsito de indivíduos pelo território. Com ela foi dada forma àquilo que ficou conhecido na historiografia como a “caça aos vadios”, ou seja, um conjunto de atos que visavam combater o grave problema da dispersão populacional pela Capitania. Mas a parcela desse povo que mais seria atingida por essa política foram os índios, tendo sido prioridade do governador a criação e reativação de diversos planos direcionados especialmente para eles que, apesar de se constituírem como a principal força de trabalho desde o século XVIII, eram considerados os mais carentes da “luz da civilização”. Para fazer com que aquele povo ainda “bárbaro”, espalhado de forma desordenada pelos sertões, e tido como “vagabundo” se transformasse em cidadãos honrados, ordenados e verdadeiramente fiéis à coroa portuguesa, era preciso obrigálos ao trabalho regular. Várias foram as modalidades de serviço desempenhadas pelos nativos, indo desde a participação em obras e reparos de edificações até a venda de produtos alimentícios nas feiras da capital. Mas a modalidade mais praticada pelos índios eram os trabalhos agrícolas, seja nas suas terras (cuja parte da colheita era vendida) como também de aluguel em casas de proprietários. Outro serviço bastante exercido pelos indígenas era o de correio entre as vilas do Ceará e até mesmo fora, em capitanias como Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí (com uma agência em Parnaíba) e Maranhão, tendo sido mais conhecidos como os “índios correio”. Com horários determinados e rigoroso controle de acesso e saída, nas vilas, a condição de pagamento fortalecia entre os povos indígenas noções de tempo, lucro e ordem. De certa maneira, podemos observar que esse povo, que até hoje é visto como “preguiçoso”, foi em muitos momentos a força matriz da capitania do Ceará. Outro elemento importante que fez parte do projeto de civilização da população indígena foi a militarização. Estando intimamente ligados à questão do trabalho, os alistamentos agiam de forma crucial na redistribuição de pessoas pelo território, e as constantes revistas visavam monitorar, adestrar aqueles antigos selvagens em verdadeiras máquinas produtivas. Mas nem só de rigor vivia o mundo militar, e já que se queria acabar com os antigos costumes nativos e produzir sentimentos novos de amor a Portugal, o discurso patriótico do governador também teve papel importante. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, quando foi formada uma tropa de 300 índios armados de arco e flecha, não faltaram palavras enaltecedoras

sobre os indígenas, e através dos registros documentais pudemos encontrar diversas referências de Sampaio ao “honrado e nobre sangue” desses que eram os “gloriosos” descendentes dos “antigos libertadores de Pernambuco da mão dos holandeses”. E, em rara proclamação do governador encaminhada à própria tropa que partia para o Recife, em 26 de maio, depois de varias exaltações, o remetente finaliza, de maneira emocionante e impressionante, com a seguinte exclamação: “Viva os índios do Ceará” ! Por mais contraditórios que pareçam, tais “bons tratos” casam perfeitamente com toda a rigidez da política de disciplina, pelo fato de que, ao nomear os índios de “fiéis súditos”, e buscar incentivá-los para isso, tentava-se apagar tudo aquilo que significasse resistência à civilização e a um modo disciplinado de vida. Buscava-se acabar com os antigos costumes “bárbaros” dos “selvagens”, criando novos sentimentos de ordem e amor ao rei. Queria-se, enfim, igualar todos os habitantes, apagar as diferenças, levá-los a “luz”, e finalmente, extinguir os índios. Ao longo do tempo, todo esse esquema que ia sendo montado, com seus rigores e “vantagens”, fazia com que fosse cada vez mais difícil ser índio, não só no Ceará, mas em todo o Brasil, e obviamente, a política teve seus efeitos, sendo um deles os “125 anos de silêncio”. Mas acreditar em seu sucesso total é muita ingenuidade, e apesar de já não ter mais muito de seus costumes, várias comunidades superaram o medo e assumem suas identidades, mesmo tendo hoje que vestir roupas ocidentais, falar português, usar celular, e ter um ou outro representante de olhos azuis, frutos de mestiçagens muitas vezes violentas. Apesar de todas as tentativas para que esse silêncio fosse definitivo, os “honrados bárbaros de nobre sangue” não acabaram, e hoje mostram que estão vivos, lutando pelo que é deles, e como sempre, incomodando muita gente! Para concluir, lembro de uma frase que um amigo de São Paulo me disse certa vez, ao observar o povo de Fortaleza: “é só olhar os rostos: o povo cearense é índio, mas não se reconhece como tal”. Pelo visto, cada vez mais, esse povo “disperso” pelo Ceará está perdendo o medo de se lembrar do passado. Cf. Livro 28: Officios ao Escrivão Deputado, Intendente da Marinha, Juiz da Alfandega, Agentes de Correios e Pessoas Particulares da Capitania – 1816-1819, pág. 45V. Arquivo Público do Estado do Ceará. João Paulo P. Costa Mestrando em História do Brasil na UFPI qdedo@hotmail.com

ISAÍAS CAMINHA: UMA VOZ DO “QUILOMBO” DESMASCARANDO A IMPRENSA Ao descobrir que palavras são também ações, muita gente passa a cultivar o sonho de fazer das letras seu ofício, sua profissão. É assim que nascem, muitas vezes, vocações para o jornalismo e a literatura. Escrever se apresenta como uma forma de intervir no mundo, participar, interferir na realidade. É, ao mesmo tempo, o exercício da cidadania e da paixão. Tudo indica que o fascínio pela liberdade de expressão, tanto no jornalismo como na literatura, atravessa o tempo e constitui um território pelo qual se nota um sempre vivo e renovado interesse, especialmente para os jovens de todas as idades. Esta é uma possível explicação para a efervescência que tomou conta da internet, através da qual temos conhecido uma vigorosa mídia alternativa e contrahegemônica, como os blogs, por exemplo. Nada melhor para celebrar esse fascínio do que lembrar o recente centenário da publicação de Recordações do escrivão Isaías Caminha, um romance que sintetiza esses anseios literários e retrata as históricas frustrações que temos vivido nesse campo da informação e do jornalismo. Ao publicá-lo, em dezembro de 1909, Lima Barreto estreava na literatura brasileira e sacudia a imprensa carioca do início do século XX, abalando reputações e desmascarando as redações farsescas, que, naquele período, fabricavam celebridades. Quem se dispuser a conhecer as desventuras de Isaías Caminha, certamente há de se perguntar: o que de fato mudou de ontem para hoje? É notável a atualidade de Lima Barreto! E não pense o leitor incauto que a redação d’O Globo a que o escritor se refere era a

do jornal impresso de mesmo nome que hoje se publica no Rio de Janeiro. Esse bem pode ser um caso em que a realidade imitou a ficção, pois embora o jornal de Irineu Marinho tenha nascido somente em 1925, também se especializou – hoje com o auxílio da TV e outras mídias – em fabricar falsas celebridades e defender certa plêiade de políticos e banqueiros, a serviço do capitalismo perverso que sempre nos vilipendiou – estratégia que Lima Barreto insistia em denunciar. Os bastidores do jornal retratado naquele romance eram na verdade os do Correio da Manhã, então dirigido por Edmundo Bittencourt. Ainda que desprezado pela crítica literária da época, a força de Recordações pode ser percebida através do próprio veto que o livro sofreu. Com a publicação do romance, o nome de Lima Barreto foi proscrito das páginas do jornal de Bittencourt. Isso não impediu, como relata seu biógrafo, Francisco de Assis Barbosa, que a tentativa de adivinhar quem tinha servido de inspiração para cada personagem se tornasse assunto frequentado animadamente nas rodas intelectuais e nos bares da capital republicana, nos meses seguintes ao lançamento. Mal comparando, seria como imaginar um romance de um jovem e estreante escritor que ousasse ambientar sua trama desmascarando as engrenagens internas e ocultas que regem o funcionamento das organizações Globo, do grupo Abril ou outro oligopólio qualquer da mídia tupiniquim. Quem ousaria ao menos comentar o livro? Que espaço ele teria na mídia?

A força de Isaías Caminha está na temática que aborda – o mundo das letras e do jornalismo – mas também no seu criador. Lima Barreto viveu boa parte de sua vida na periferia, no subúrbio do Rio de Janeiro, o qual talvez nenhum outro escritor dessa época conhecesse tão bem quanto ele. Apelidara sua casa de “Vila Quilombo”, afirmando em seu diário que isso era uma forma de implicar com Copacabana. Mas, em plena era pós-abolição, o apelido sugere a concepção do lar como um distante refúgio a partir do qual realizou com coragem e liberdade o sonho de tornar-se um literato. Sugere ainda que os subúrbios, mesmo diante da extinção formal da escravidão, insistiram e insistem em abrigar a população brasileira mais pobre e negra, que fez e faz das periferias um vasto “quilombo”, fora de época. Assim como deu vida a Isaías Caminha, Lima Barreto ainda ecoa, cem anos depois, o mesmo fascínio capaz de fazer surgir muitos outros jovens talentos negros das periferias desse Brasil, que ninguém conseguirá jamais calar. Denílson Botelho Prof. Dr. da UFPI ahlb@uol.com.br


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A COMPETIÇÃO POLÍTICA PIAUIENSE NAS ELEIÇÕES DE 1996, 2000 e 2004 As interpretações sobre o funcionamento das disputas eleitorais e políticas piauienses eram categóricas em afirmar o caráter oligárquico e não-competitivo dos subsistemas municipais. A razão fundamental apresentada para justificar o atraso e conservadorismo dos subsistemas políticos municipais era o caráter centralizador das funções administrativas, financeiras, orçamentárias e fiscais no governo federal e estadual. Tendo o arranjo institucional brasileiro tal perfil, seria inevitável a oligarquização da competição política no âmbito municipal. Os subsistemas políticos municipais seriam fontes exclusivas de clientelismo e fisiologismo. A rota para mudança política, assim, estaria fadada ao fracasso. Contudo, se as instituições importam, é possível se levantar novas hipóteses a respeito do funcionamento de tais instituições federativas e políticas. A Constituição de 1988, conjugada com um sistema político multipartidário, adotou medidas alteradoras do formato centralizador antes prevalecente. Em sendo assim, foi possível aventar a seguinte hipótese para verificar se aconteceram mudanças significativas na competição política e no quadro partidário dos subsistemas partidários municipais: parto da suposição de que o regime multipartidário e a descentralização de competências e prerrogativas democratizaram a competição política, ao menos parcialmente, nas cidades piauienses nas eleições majoritárias (prefeituras) de 1996, 2000 e 2004. Além disso, incorporo à minha análise da competição política local piauiense na nova ordem federativa e partidária do pós-1988, a ideia de “racionalidade política contextual”. Acredito que esta ideia capta as peculiaridades dos subsistemas partidários locais, ou seja, dos municípios piauienses. O objetivo é compreender como se relacionam contextos socioeconômicos diferentes (heterogeneidade demográfica, eleitoral, econômica, entre outros) e o arranjo político federal (as regras que balizam a disputa partidário-eleitoral no plano nacional) nas competições políticas de caráter local. Neste caso, a suposição central é que as mesmas instituições podem operar de forma diferenciada, dependendo do ambiente social. Ou seja, a interação definida pelo regime constitucional brasileiro entre Federação e o sistema representativo se constitui em um mecanismo fundamental, para se explicar os padrões de competição política local, consolidados no recente período democrático. Neste caso, trabalhei com a questão da geografia eleitoral, mapas de votação e um modelo econométrico. A análise dos mapas eleitorais por blocos ideológicos (centro, direita esquerda) e partidos (PFL, PMDB, PSDB e PT), permitiu fazer algumas considerações de base comparativa sobre as tendências ou rumos seguidos pela geografia política nas municipalidades piauienses. Como se processou a mudança da política geográfica do voto nos casos analisados? Existem diferenças substantivas nos padrões da competição política nos municípios? A primeira constatação mais evidente é que a geografia política municipal sofreu um deslocamento do eixo direitista ao centrista no conjunto dos municípios. As influências do sistema partidário nacional impactaram na configuração das disputas locais reorientando sua natureza no Piauí (macro-tendência do período analisado). O fracasso da direita é evidenciado pela total perda de influência pefelista, principal representante desta clivagem ideológica no caso relativo do Piauí. O outrora hegemônico PFL, agremiação oriunda da ARENA e PDS, principal partido de direita, em etapas anteriores nas municipalidades piauienses, entra numa trajetória declinante na nova ordem constitucional e multipartidária: faz 87 prefeituras em 1996; 73 na eleição de 2000 e 64 no pleito de 2004. Tais evidências são bastante esclarecedoras dos rumos e caminhos seguidos pela nova ordem política. A direita, representada pelo PFL, sofreu gradativamente perda do seu domínio no contexto municipal piauiense. O enfraquecimento pefelista é refletido no seu baixo êxito eleitoral nas campanhas majoritárias. A tendência centrista estabelecida no plano nacional ecoou nos subsistemas partidários municipais piauienses e novos atores adentraram à competição eleitoral e política. O resultado da eleição de 2006 no Estado do Piauí confirma esta

tendência. A bancada pefelista na Assembleia Estadual diminuiu, e o partido conseguiu eleger somente dois (2) deputados federais e novos partidos políticos são incorporados ao processo político-decisório. A fragmentação, portanto, amplia-se e dissemina-se nas localidades menos densamente povoadas. Logo, há um aumento da competição política municipalista no Piauí. O PFL exerceu tão somente um papel de ator coadjuvante. Os sinais de mudança são expressos pelas evidências empíricas. Um fato adicional pode ser arrolado nesta questão: o PT elege oito (8) prefeitos em 2004 e o Governador do Estado. Neste sentido, por se tratar duma elite dirigente oriunda do sindicalismo-corporativista representa um ponto de inflexão na estrutura competitiva anterior. Há, em verdade, no caso piauiense uma transformação mais radical de mudanças no plano da política estadual (Executivo). O referido processo, como não poderia deixar de ser, reorienta as disputas partidárias municipais, introduzindo um elemento de incerteza eleitoral, isto é, amplia as possibilidades de novos atores políticos disputarem e conquistarem postos antes basicamente dominados pelos esquemas pefelistas e peemedebistas. Nesta linha de argumento, a geografia eleitoral é o suporte empírico que comprova a tese da desoligarquização dos antes denominados “contextos” ou “subsistemas partidários municipais oligárquicos”, por espelhar um mercado político de padrão competitivo ou democrático, ou se quiser usar uma denominação presente nos estudos da distribuição espacial do voto, assemelha-se a um padrão aberto, fragmentado e competitivo. Como mencionado anteriormente, o principal ponto merecedor de ênfase, no que tange à geografia espacial do voto no Piauí, é a verificação do fracasso direitista como eixo orientador das opções políticas e partidárias naqueles subsistemas políticos municipais. A macro-tendência registrada exibe explicitamente a contínua derrocada do outrora todo poderoso PFL nas eleições de 1996, 2000 e 2004. O pluripartidarismo já é uma realidade presente nos municípios piauienses. As disputas aos cargos majoritários em tais cidades mostraram-se menos polarizadas por partidos políticos historicamente controladores do processo decisório, isto é, houve uma redefinição ou realinhamento da competição política em outra direção ou rota menos restritiva e mais aberta a novos participantes ou atores sociais A outra evidência apresentada para sustentar a confirma-

ção da mudança no quadro da competição municipal é o resultado apresentado pelo número de partidos efetivos (N). Tanto na análise macro quanto micro, este indicador situou-se nas faixas de média ou alta competitividade. Fundamentado na classificação definida com o objetivo de mensurar o nível da competitividade dos subsistemas partidários municipais, notou-se claramente um aumento no número de competidores: em nenhum dos três pleitos ou eleições estudados tal índice se igualou ao limite estabelecido como não competitivo ou oligárquico: (N) igual até dois (2) partidos políticos. Dessa forma, as evidências contidas nos mapas eleitorais e no número de partidos efetivos (N) mostraram esse processo de transformação da competição política municipal no Ceará e Piauí. A volatilidade eleitoral obedeceu à trajetória de derrocada da direita – diminuição do percentual de votos obtidos e redução do número de prefeitos eleitos pelo PFL – direcionando-se ao centro político. Logo, pode-se afirmar que realmente as bases das disputas políticas municipais tornaram-se menos onerosas a outros postulantes aos cargos majoritários (prefeituras). Assim, percebe-se que a tendência (macro), uma maior competitividade no plano nacional, atingiu o municipalismo brasileiro. A competição política foi afetada pela mudança das regras que processam as disputas eleitorais e dispersam os recursos de poder nos entes federados. A política municipal pode também ser explicada como um resultado do sistema políticopartidário existente no nível federal (nacional). Nesta lógica, realmente, a transformação das regras institucionais teve capacidade para engendrar mecanismos propiciadores a um maior embate (disputa) entre os atores políticos (partidos) em ambientes historicamente apontados como impermeáveis à desconcentração do poder político (Ceará e Piauí). Como exposto, o quadro partidário-eleitoral (municipal) encaminhou-se para uma direção em que a possibilidade de alternância no processo decisório das escolhas públicas foi real. Cleber de Deus Prof. Dr. da UFPI dideus@superig.com.br


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Neste artigo, busca-se apresentar o resultado de um estudo analítico realizado a partir da experiência em gestão compartilhada no governo do Estado do Piauí, na área da saúde, implementada no Centro Integrado de Reabilitação – CEIR, fundado nos princípios da descentralização e participação social na gestão das políticas públicas, consubstanciados no aparato constitucional e legislações específicas vigentes. A partir da Constituição Federal de 1998, institui-se no país uma nova configuração na gestão das políticas públicas, assegurando-se novos mecanismos legais nos processos de tomada de decisões, emergindo um regime de ação pública descentralizada e participativa, no qual são criadas formas inovadoras de interação entre governo e sociedade, dentre elas, a gestão compartilhada. Esse novo formato sinaliza a emergência de novos padrões de interação entre governo e sociedade, com a inserção da participação da sociedade civil através das chamadas organizações do Terceiro Setor. Segundo Tenório (1999), o Terceiro Setor é formado por organizações sociais, sem fins lucrativos, autônomas, isto é, sem vínculo com o governo, voltadas para o atendimento das necessidades de organizações de base popular, complementando a ação do Estado. Ele é centrado em três eixos: “a maior responsabilidade dos governos em relação às políticas sociais e às demandas dos seus cidadãos; o reconhecimento dos direitos sociais; e a abertura de espaços públicos para a ampla participação cívica da sociedade” (SANTOS JÚNIOR, 2001, p. 228). A necessidade de implementar esse novo formato de gestão pública participativa/compartilhada está relacionada a um processo mais amplo de discussão em torno dos limites do modelo estatal, marcado pela forte centralização do poder no governo federal. Mas, a partir da década de 1980, intensificou-se o debate acerca dos limites da participação, impostos pelo modelo representativo, com autores incorporando, em suas análises, a premência de se construir ou ampliar os mecanismos diretamente vinculados a essa questão. Nesse contexto, os princípios da descentralização e participação emergem associados à redefinição de atribuições e competências em torno das políticas públicas, passando a vigorar, no Brasil, um novo formato institucional, marcado pela descentralização da gestão das políticas públicas (ARRETCHE, 2000). Nesse novo desenho institucional, cabe ao Estado oferecer as condições necessárias para a inserção da participação da sociedade civil na gestão das políticas públicas. Entre as diversas razões para isso, destacam-se a proximidade entre governo e as organizações sociais, na qual se supõe que exista mais facilidade de comunicação e mobilização entre estas e os diversos atores sociais, além do que as ações e intenções do governo são percebidas e acompanhadas pela população, e as aspirações e as relações funcionam como uma caixa de ressonância no âmbito da gestão pública compartilhada. Nesta perspectiva, destaca-se como uma ação inovadora em gestão pública compartilhada, no Estado do Piauí, o Centro Integrado de Reabilitação – CEIR, que surgiu a partir da necessidade de se dotar o Estado de um serviço de referência nas áreas de reabilitação e readaptação, destinado às pessoas com deficiência física e/ou motora, sobretudo, à população de baixa renda. É importante destacar que, segundo o Censo Demográfico (IBGE/2000), no Piauí, 501.409 pessoas (17,6%) foram identificadas com pelo menos algum tipo de deficiência, sendo que 24.978 possuem deficiência física e 145.325 motora. Daí a necessidade de se implantar um Centro, que contando com a capacidade de 1.433 atendimentos/dia, oferece serviços especializados de saúde, inspirado no modelo de gestão compartilhada. O Centro é uma idealização da Secretaria Estadual para Inclusão da Pessoa com Deficiência - SEID, com o apoio do Governo Federal, sendo gerenciado por uma organização social sem fins lucrativos e de interesse público, a Associação Piauiense de Habilitação, Reabilitação e Readaptação – Associação Reabilitar. A gestão comparti-

DIVULGAÇÃO

A GESTÃO COMPARTILHADA NA POLÍTICA DE INCLUSÃO SOCIAL NO PIAUÍ

lhada do CEIR foi formalizada, através de um contrato social, legitimado pela Lei Federal nº 9.637/1998, que qualifica como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos. Essa nova modalidade de gestão apresenta como resultados a otimização de recursos humanos e financeiros, a busca da qualidade nos procedimentos administrativos, a transparência, a desburocratização, a descentralização de ações e a excelência no atendimento. Com esse novo arranjo institucional, há uma clara percepção de que os atores sociais/sujeitos coletivos presentes na gestão pública são co-responsáveis na implementação de decisões e respostas às necessidades sociais. Como afirma Carvalho (1999, p. 25), “não é que o Estado perca sua centralidade na gestão do social, ou deixe de ser o responsável na garantia de oferta de bens e serviços de direito dos cidadãos; o que se altera é o modo de processar esta responsabilidade”. Dessa forma, a descentralização, a participação, o fortalecimento da sociedade civil pressionam por decisões negociadas, por políticas e programas controlados por organizações sociais, por uma relação de parceria que seja publicizada. A gestão compartilhada confere maior democratização na gestão das políticas públicas, bem como possibilita a racionalização e a rentabilidade dos recursos do setor social, permitindo tratamento diferenciado a problemas específicos de diversas comunidades. Ademais, permite a proposição e a revisão de critérios de aplicação e controle dos recursos públicos, em comum acordo com a sociedade civil, não se tratando, no entanto, de mera apropriação de recursos federais ou estaduais pelas organizações sociais. Argumenta-se, ainda, que a gestão pública compar-

tilhada contribui para uma maior transparência e otimização dos recursos públicos, além de estimular a participação da sociedade civil na formulação, gestão e controle social das políticas públicas. Contudo, não se pode desconsiderar que, na área social, por exemplo, o processo de redefinição de competências e atribuições pode assumir alternativas divergentes, pois tanto é capaz de apontar um direcionamento técnico-liberal, privilegiando o mercado, restringindo ou extinguindo direitos e retomando práticas seletivas e focalistas de proteção social, quanto se voltar para uma perspectiva democrática e valorizadora da participação da sociedade, sem minimizar a responsabilidade do Estado no processo de provisão social. Sem dúvida, um fato passou a se impor no panorama político brasileiro: a colaboração entre entidades da sociedade civil e órgãos governamentais multiplicou-se, em vários níveis, desde a atuação comunitária até a parceria institucionalizada em programas e políticas sociais, como a experiência do CEIR, aqui apresentada. Neste caso, podese afirmar que a construção de uma gestão compartilhada seja a busca de um modelo em que Estado e sociedade se confirmem como partes do processo de redefinição e gestão de políticas públicas. Roberto Alvares Rocha Prof. Msc. da UESPI rrochapi@yahoo.com.br


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TRABALHO E ECONOMIA SOLIDÁRIA

Há muito foi dito que o trabalho humano é a fonte de produção de todas as riquezas. A constatação, embora historicamente combatida, expõe, em verdade, a história da organização dos trabalhadores, para produzir e da apropriação desta produção por diferentes formas de organização social, isto é, das classes sociais que compõem a sociedade. Sob o secular domínio do capital, os trabalhadores, não possuindo os próprios meios de produção, passam a vender sua força de trabalho. Entretanto, o que recebem como salário não corresponde à totalidade do que o seu trabalho produziu, haja vista que uma parte do produto é apropriada pelo patrão e irá constituir a base do contínuo enriquecimento. Esta coerção econômica ao assalariamento tem se fragilizado consideravelmente com o avanço do desenvolvimento das forças produtivas. Contemporaneamente, a perda de postos de trabalho frente às crescentes novas tecnologias tem aumentado o desemprego estrutural. A isto se associa a necessidade de ampliação de consumidores. Forjam-se , então, outras alternativas, para a ocupação e geração de renda da classe trabalhadora, ainda principal base do mercado consumidor capitalista. Uma delas  resultado da liberação dos assalariados  é a produção direta independente. Contudo, a produção independente permite aos trabalhadores uma autonomia frente às relações socias predominantes, que se baseiam na propriedade exclusiva pelo capital dos meios de produção. Os produtores, em geral pequenos, passam a ter, diretamente, a propriedade dos intrumentos de trabalho e do resultado do trabalho  a produção. Passam relativamente a controlar o processo de comercialização, determinando preços e gerenciando renda. Historicamente, a existência desta produção independente, absorvendo predominantemente a mão-de-obra, constituiu momentos de transição para outras formas de organização social. A precarização das relações de trabalho e o processo de terceirização da produção têm fabricado cada vez mais trabalhadores inseridos neste contexto. Uma possibilidade resulta nos chamados empreendedores, individuais ou empregadores. Investimentos em mídia, treinamentos e incentivos fiscais e financeiros motivam e multiplicam os pequenos négócios. Fundam-se no idealismo e individualismo como alternativa de melhoria de vida, fortalecendo a ideologia dominante do sucesso e mobilidade social para o

mundo da pequena burguesia. Esta pequena produção em nada incomoda o capitalismo, pelo contrário, continua a fortalecer, pela concorrência, o processo de apropriação do trabalho, ainda que o produtor não seja mais assalariado. Esta experiência reafirma um caráter conservador da produção direta independente. Outra possibilidade é o trabalho associado. A Economia Solidária é uma experiência de produção direta baseada na cooperação do trabalho, na propriedade coletiva, na autogestão da produção e socialização dos resultados entre os trabalhadores. Esta Economia é revolucionária. Não é por outro motivo que a produção solidária, desenvolvida, a partir das próprias iniciativas dos trabalhadores, é cada vez mais incentivada pelas forças de mercado e do Estado como estratégia de controle. O percurso delineado pela responsabilidade social do capital e pelas políticas públicas do Estado tende a transformar a Economia Solidária em uma experiência complementar ao processo de acumulação capitalista. As ações de contribuição do mercado e do Estado à economia solidária apontam para um enfraquecimento de sua força política de transformação. Na linguagem oficial da parceria público-privada, as experiências solidárias já são identificadas como empreendimentos solidários. Este é apenas um exemplo. A Economia Solidária enfrenta ainda outros desafios. Vejamos alguns aspectos tendenciais. Na produção solidária, percebe-se uma reduzida capacidade produtiva que decorre fundamentalmente da simplicidade da base tecnológica e elevada dependência do elemento subjetivo  trabalho humano. Com produção limitada, e quase sempre com problemas de qualidade, frente ao padrão capitalista mercantil, a tendência é a redução da capacidade de gerar renda. O caratér mercantil da produção solidária para se concretizar de forma independente necessitaria de circuito específico de comercialização, o que efetivamente ainda não acontece, visto serem poucas as experiências, além de muito frágeis. Assim, a comercialização assenta-se no processo comercial predominante, enfrentando a voraz concorrência capitalista. Ampliar a capacidade competitiva no mercado capitalista poderia ser uma estrátégia, contudo não fortalece os princípios da solidariedade. A produção baseada na cooperação igualitária tende a fortalecer vínculos familiares e comunitários, além de recuperar a ex-

periência da gênese do trabalho, que é a socialização. Na cultura originária do trabalho, apenas há lugar para a divisão natural, sem fazer dela base para diferenças e desigualdades sociais. Contudo, a solidáriedade é de pequena abrangência  embora esteja presente em quase todos os municipios, e ainda se constitui como uma experiência de grupos focalizados e específicos. Em uma perspectiva coletiva, carece de maior aceitação pelo conjunto dos trabalhadores que se mantém fidelizados aos vínculos e obrigações predominantes no mercado de trabalho. O fortalecimento da Economia Solidária, mantendo seus princípios a serviço dos trabalhadores, pressupõe uma compreensão política do não deslocamento do trabalho do coração das relações sociais de produção capitalista. Os produtores, em geral, e, em particular, o movimento social, não devem naturalizar, tampouco positivar o desaparecimento do trabalho do contexto da produção nos moldes preconizados pelo capital. Esta movimentação provoca uma nova alienação do trabalho no processo produtivo, arrefecendo a luta pela emancipação. O capital contemporâneo já demonstrou que o antagonismo de classes não desaparece com a desproletarização. A apropriação do trabalho, ainda que sob novas estratégias, continua a ser o foco da luta de classes. Se outro mundo é possível, não é preciso fazer dele uma reedição do atual. Não se necessita repetir as experiências dos trabalhadores do passado que acabaram por recriar classes dominantes que seguiram e seguem expropriando o trabalho. Para fortalecer a solidariedade na produção e comercialização, um caminho seguro parece ser o de investir nestas experiências que se mostram transgressoras da ordem capitalista. Solimar Oliveira Lima Prof. Dr. da UFPI s.olima@bol.com.br

AS UNIVERSIDADES E OS ESTUDOS DE CIDADE

O objetivo deste texto é refletir sobre o papel das Universidades em relação aos estudos de cidade. A estratégia dessa reflexão visa estimular o debate já existente no meio acadêmico, a partir de oito pontos de discussão, esperando que sirvam para que as instituições repensem os limites e as possibilidades de poder contribuir para a realização de gestões urbanas democráticas e construtoras da sustentabilidade de um desenvolvimento urbano justo. O primeiro ponto é sobre as produções acadêmicas ocorridas na graduação e pós-graduação, para que sejam potencializadas, demonstrando os resultados dos estudos, a exemplo da iniciação científica e dos trabalhos de final de disciplinas, como forma de fornecer as bases teóricas para futuras pesquisas. Na pós-graduação, ampliar o diálogo entre as instâncias internas das Universidades como forma de potencializar os estudos desenvolvidos pelos grupos e núcleos de pesquisa, bem como nos programas de pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado) através das monografias, dissertações e teses. O segundo ponto é o de articular as instituições de ensino superior – públicas e privadas - que desenvolvem atividades relacionadas aos municípios. É notória a falta de diálogo entre diversos cursos que tratam direta ou indiretamente da temática urbana, a exemplo dos cursos de Geografia, História, Arquitetura, entre outros, precisando que sejam realizados eventos em parceria, na possibilidade de ampliação das discussões sobre cidade, desejando-se com isso a construção de um grupo coletivo que pense as transformações espaciais contidas nas cidades. O terceiro ponto se refere à necessidade de um maior envolvimento das instituições no apoio à participação na elaboração de planos diretores das cidades, planos municipais e estaduais de habitação de interesse social e relatórios de impactos ambientais. O papel das Universidades vem no sentido de fornecer elementos teóricos e analíticos que aprofundem a dimensão da questão urbana, aliando os diversos saberes dos segmentos da sociedade ao que está sendo discutido em suas instâncias. O diálogo entre o saber técnico e o saber político

qualifica o debate urbano, tanto para a sociedade como para os que fazem as Universidades. Talvez esse seja um dos maiores obstáculos internos a serem enfrentados nas instâncias deliberativas das Universidades: o reconhecimento de que é preciso que as instituições apóiem as iniciativas oriundas da sociedade. O quarto ponto enfoca que os grupos de pesquisas precisam aprofundar as questões referentes ao processo de urbanização, bem como do entendimento das recentes transformações por que passam as cidades contemporâneas. O aprofundamento irá gerar um ambiente propositivo, no sentido de contribuir na formulação de políticas públicas nas instâncias de discussão da sociedade, a exemplo dos orçamentos participativos, das audiências públicas, dos fóruns sociais e dos conselhos representativos. O quinto ponto se baseia em um distanciamento entre as Universidades e os diversos segmentos da sociedade - IBGE, CREA, Prefeituras Municipais, Federações de Moradores, Entidades, ONGs... -, ocorrendo, geralmente, inúmeros entraves burocráticos e políticos que esbarram na construção de parcerias. Faz eco o reclame de entidades que insistem – e muitas vezes com razão – na crítica quanto ao silêncio das Universidades no apoio à realização de atividades desenvolvidas pela sociedade. O sexto ponto é fornecer as bases teóricas que contribuam na formulação de políticas que valorizem o patrimônio histórico das cidades e, em especial, dos espaços existentes nas áreas centrais e nas zonas rurais. Existe um fosso imenso que abre a possibilidade de que as cidades sejam vistas apenas na visão do presente e do imediato, “jogando por terra” toda uma história e uma geografia do passado que desaparecem enquanto forma espacial e apaga da memória visual as marcas das vidas que contribuíram para construir as cidades do presente. O sétimo ponto é a inserção, nos debates acadêmicos, de forma mais austera, de uma discussão ambiental que esteja devidamente em sintonia com o espaço urbano como um todo e com a compreensão das formas de como se está vivendo e produzindo nas cidades. Aqui falta uma visão de totalidade que saiba unir as partes e integrá-las no espaço, movidas pelo saber

técnico, mas alimentadas pelo saber popular que fornece depoimentos, falas e registros que indicam como o espaço urbano vem se modificando. Assim, a abordagem ambiental é um eixo importante que aglutina diversas áreas do conhecimento e possibilita duas visões: uma visão da cidade real e uma visão de cidade que se deseja. O oitavo e último ponto se refere à incorporação de um maior aprofundamento do que está sendo produzido em relação à temática do rural, fazendo novas releituras das transformações ocorridas no tempo presente. A razão desses novos olhares baseia-se na visão de que o urbano e o rural estão evidenciando significativas mudanças, pois recebem interferências e influências de diversas escalas espaciais (local, regional, nacional e global), precisando ampliar os focos de investigação dessa temática. A intenção da abertura desse diálogo não é no sentido de que as Universidades substituam as ações dos gestores públicos, mas sim, que possa contribuir com a formulação de ideias e de propostas para a condução de projetos e programas urbanos e rurais. Vale lembrar que já existem nas Universidades inúmeras iniciativas em curso nas áreas da Geografia, da História, do Serviço Social e da Arquitetura, produzindo conhecimento de forma crítica sobre cidades. Assim, as discussões acadêmicas sobre cidades devem ser pautadas na construção de uma abordagem que traga o sentido do público, alimentando o ambiente institucional das Universidades e de seus grupos de pesquisas, para a melhoria das gestões municipais e, consequentemente, do entendimento das cidades. Antônio C. Façanha Prof. Dr. da UFPI façanha@ufpi.br


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VOLTAIRE, HISTÓRIA E CLANDESTINIDADE

Gustave Lanson (1912), em artigo intulado Questions diverses sur l’histoire de l’esprit philosophique en France avant 1750, questiona a pouca atenção dada a um conjunto de escritos que circulavam na França do século XVIII. Ira O. Wade (1938), no seu estudo The Clandestine organization and diffusion of Philosophic ideas in France from 1700 to 1750, retoma a necessidade de se empreender estudo mais aprofundado sobre tais questões. Desde então, surgem diversos estudos sobre os textos clandestinos, sendo os de Robert Darnton os de maior amplitude, apresentando as implicações políticas que a circulação de tais escritos enseja e os aspectos mais detidos da “polícia dos livros” desenvolvida com a censura da imprensa no período. Os artigos publicados na revista La lettre Clandestine desde 1992 elencam os novos textos encontrados, as novas publicações e traduções, e apresentam os estudos mais recentes acerca da sua problemática. O estudo de Miguel Benítez (1996), La face cachée des lumières, é significativo por circunscrever a sua análise aos tratados filosóficos e manuscritos. Deixa claro a ideia da riqueza filosófica das obras clandestinas, sendo muitas delas escritas sem a menor referência a um “autor”. O interesse pelas questões derivadas da Filosofia clandestina no Brasil ainda se mostra pequeno, mas posso sinalizar um crescimento nesse sentido, ao verificar a reiterada publicação de traduções brasileiras para textos clássicos desse movimento. Exemplos como o Tratado dos três impostores e o volume intitulado Filosofia Clandestina, ambos publicados pela Martins Fontes, mostram uma presença crescente desses

escritos no Brasil. São poucos por aqui, porém, os estudos teóricos sobre tais textos, razão que me levou a estudar as relações entre Voltaire, História e clandestinidade. O século XVIII é um período intrigante no que se refere ao campo das ideias filosóficas. Além de trazer inovações em relação ao desenvolvimento intelectual observado no século XVII – observada, por exemplo, com Kant – apresenta questões bastante peculiares ao seu momento histórico-político e filosófico. Nesse contexto, a França se afigura como palco de grandes reformulações teóricas no que se refere às concepções acerca da sociedade, dos direitos naturais, da Política, da Moral. É também o lugar onde são experimentadas em larga escala essas novas formas de comunicação das ideias filosóficas, materializadas pela circulação clandestina de textos, o que, de certo modo, põe em xeque que o modelo de estruturação teórica privilegiado pelo século anterior, qual seja, a construção de sistemas filosóficos robustos e elaborados. A ordem das razões nos moldes cartesianos, obtida através de processos metódicos de dúvida, dá lugar a razões elaboradas em função de contextos e questões específicas. A preocupação em demonstrar rigorosamente complexos constructos teóricos é substituída pela preocupação em demonstrar a perícia na utilização das palavras para afetar certos assuntos particularmente relevantes para o período, notadamente a crítica ao poderio da Igreja, à religião cristã e à degradação dos costumes e da moral. Acredito que, de todos os autores desse período inovador do pensamento francês moderno, Voltaire tenha sido um dos mais expressivos. Voltaire publica boa parte da sua obra de forma clandestina,

em textos nem sempre assinados. Mostra-se como um grande leitor de obras clandestinas e se utiliza em larga escala dos expedientes da clandestinidade para fazer difundir os seus escritos e fugir à censura e à Bastilha. A pesquisa que ora desenvolvo na UESPI de Picos, com financiamento da FAPEPI, busca construir meios de analisar a Filosofia de Voltaire enquanto clandestina. Busco, então, discutir como há uma intenção filosófica "para além das preocupações sistemáticas", e que só encontra espaço nessa forma "clandestina" e "marginal" de compreensão da Filosofia. Intento então analisar como Voltaire “utiliza” a história para esses propósitos. A pesquisa se encontra no início, conta com a colaboração dos professores Gustavo Silvano Batista (UFPI/Picos) e Cellina Rodrigues Muniz (UESPI/Picos), e pretende utilizar nas suas análises algumas implicações retiradas da História dos Conceitos, de Reinhardt Koselleck, da pragmática filosófica da Linguagem (tal qual desenvolvidas por Ludwig Wittgenstein e John Austin) e das concepções de Linguagem, de Michel Foucault, em O que é um autor? Leandro de Araújo Sardeiro Prof. Msc. da UESPI/PICOS leosardeiro@yahoo.com.br

AS REZADEIRAS DO PIAUÍ

As práticas e os rituais de reza e de cura das rezadeiras no Piauí ainda persistem no cotidiano do Estado. As senhoras desenvolvem práticas de fé, de religiosidade, se relacionam com os devotos, que acreditam na cura motivada pelas rezas. As senhoras rezantes, que exercem os ritos de cura munidas de sentimento religioso, são mulheres capazes de doar aos seus amigos e conhecidos da comunidade onde habitam o conforto e a segurança que o sagrado proporciona. Essas manifestações existem em diversas culturas, são marcadas por uma carga religiosa significativa e materializadas em ritos. É relevante observar que esses rituais possuem diferenciações de acordo com os sentidos e significados culturais a eles atribuídos. Glifford Geertz [1989], ao propor o exemplo dos três garotos piscando, intrinsecamente, anuncia-nos que os significados presentes em uma determinada manifestação cultural podem adquirir diversas formas ou significâncias. Atualmente, realizo pesquisa com as rezadeiras, interpreto a constituição histórica dessas práticas e rituais e estabeleço diálogos teórico-metodológicos com a antropologia e a etnografia, busco analisar os rituais de cura como fenômenos culturais, elaborados e re-significados historicamente, busco as permanências e as rupturas nessas práticas e rituais; uso recorte temporal isento de determinismos lineares ou cartesianos, o que se justifica pela natureza da investigação, trabalho o tempo longo, percorro o tempo de vida das senhoras rezantes, privilegio uma geração de rezadeiras, em três cidades piauienses – Teresina, Piripiri e Ilha Grande de Santa Isabel. No Piauí, os rituais de cura praticados pelas rezadeiras ainda marcam costumes e vivências de parcela significativas da população, permanecem e colaboram na construção do sentimento religioso do piauiense. São práticas de longa duração construídas historicamente, consolidando-se nas reminiscências do povo piauiense desde o período colonial. Desde 2006, realizo este trabalho. Busco compreender que o conhecimento histórico atual não está mais associado aos grandes eventos e personagens ilustres, percebi que as manifestações das rezadeiras poderiam ser objeto de estudo da História, de uma História Cultural entendida como “Uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portanto já um significado e uma apreciação valorativa” (PESAVENTO, 2004, p. 15). Foi em busca de dar “sentidos às palavras”, embutidas de uma “apreciação valorativa”, exercida por esses “atores sociais” [rezadeiras] que surgiu o interesse por este estudo. As rezadeiras são uma espécie de agentes religiosos, que

praticam as rezas e estabelecem um caráter social entre elas e a comunidade onde reside, efetivando a existência de uma relação de troca: de sentimento, de confiança, de respeito e de amizade, construindo espaços de sociabilidade nas comunidades onde habitam. Essas sociabilidades são efetivadas por elementos de cunho cultural, que equivale ao repasse de rezas entre as senhoras, pois o meio era e é imbricado por uma forte influência religiosa, fator fundamental que condicionava as práticas das rezadeiras. Uma senhora rezante iniciante ao se encontrar provida de um sentimento religioso não hesitava em aprender a rezar e dessa maneira conseguir exercer uma ação religiosa e até mesmo social. Essas senhoras apesar de se concentrarem na periferia de muitas cidades, suas práticas não eram e não são consumidas somente por categorias sociais subalternas, mas indistintamente por indivíduos, cujo único requisito é a crença nos rituais, a forte religiosidade, na fé, que se configura como elemento principal para a obtenção da cura. Independente de classe social, condição econômica e até mesmo religiosa, as rezadeiras não hesitavam em realizar as rezas nos indivíduos crentes em Deus. Existe outro elemento importante nas práticas das rezadeiras: elas não aceitam pagamento pelas rezas realizadas. As rezadeiras não aceitam dinheiro como forma de recompensa, para elas uma ação profana e desvinculada de uma permissão divina, pois Deus era o único capaz de “pagar” as suas rezas. As formas de aprendizado ou as maneiras como as reza eram repassadas entre as rezadeiras podem ser caracterizadas de múltiplos formatos e de caráter específico, variando de rezadeira para rezadeira. Cada senhora constrói as suas próprias rezas, tendo como foco principal as rezas bases [O pai Nosso, Ave-Maria, Creio em Deus Pai, etc], rezas pronunciadas em seus rituais, evocadas, inicialmente; em seguida, os chamas [exato momento em que a rezadeira convoca as possíveis doenças que o individuo pode obter]. Logo após os chamas, se reza de acordo com o resultado obtido, ou seja, passa-se a rezar para determinada doença, geralmente, esse momento é bem particular de cada rezadeira. O aprendizado é a primeira fase que constitui a carreira religiosa desses agentes religiosos. A rezadeira, ao aprender seus ritos, precisa primeiramente se sentir chamada ou sentir obter o dom de Deus, o meio religioso é um fator determinante na iniciação, pois o sentimento religioso precisa estar enraizado. A observação e a constância do hábito fazem emergir através da religiosidade imbricada à vontade de aprender a rezar. Segundo relatos de algumas rezadeiras, a possibilidade de se fazer algo pela comunidade era um desejo relevante que ativava o aprendizado. O mestre de reza [que ensina e acompanha uma rezadeira durante o processo

de iniciação] repassa as primeiras rezas e, às vezes, até identifica uma iminente rezadeira. A religiosidade pulsa no cotidiano, as vivências são estabelecidas através do sagrado, acabam tornando essas manifestações significativas para aqueles que as praticam. “Para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor de práticas sociais, é preciso que essas práticas sociais tenham significado para aqueles que as realizam” (CERTEAU, 1995, p.141). Mircea Eliade [Historiador das religiões] acredita que nenhum homem está dessacralizado por completo, esse mesmo homem moderno guarda essências religiosas nos seus mais simplórios gestos cotidianos e nos mitos modernos esconde a religiosidade do homem arcaico predecedente de toda estrutura religiosa para a atualidade (ELIADE, 1992, p.147-163). A fé é a característica principal usada pelo homem moderno para debruçar-se sobre a religiosidade, cercado pela sua ânsia contemporânea onde a ciência mostra suas garras, muitas vezes esse mesmo homem se sente perdido, ao não encontrar respostas diante de um mundo tão vasto e sábio. No período colonial, a prática de benzimento era exercida em animais, muito importante para a subsistência naquele período. Segundo Laura de Melo e Sousa [historiadora], as perseguições contra esse tipo de manifestação não foram tão rigorosas como as exercidas contra feiticeiros e isto facilitou a permanência desses ritos até o momento. Acredito que ao longo do tempo esses rituais passaram por adaptações sendo direcionados também para humanos. A mescla com ritos de cura estabeleceu e caracterizou esses sujeitos chamados de rezadeiras ou benzedeiras. Entendo ser a religiosidade uma espécie de teia compositória da história, capaz de transmitir sinais emitidos pelo homem religioso através do sentimento de religiosidade. Interpretar como esse sentimento atua em nossas vidas nos leva a enveredar por vários caminhos, muitas vezes considerados triviais em nosso dia a dia. Caminhos que nos mostram manifestações como as praticadas pelas rezadeiras e que em nosso Estado ainda exercem uma função marcante em diversas comunidades. Pedrina Nunes Araújo Mestranda em História na UFPI pedrinanunes@hotmail.com


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O FORTALECIMENTO DA TV PÚBLICA NO BRASIL COMO GANHO DEMOCRÁTICO O padrão universal de concentração de propriedade e a presença dos global player encontram no Brasil um ambiente historicamente acolhedor. Nossos mass media se estabeleceram oligopolisticamente. A televisão continua basicamente regida por um código do início da década de 1960 (lei 4.117, de agosto de 1962), totalmente desatualizado, e constitui um sistema organizado em torno de poucas redes sobre as quais não existe nenhuma regulamentação legal (LIMA, 2006). Trata-se, portanto, de uma oligopolização que se produz dentro de uma mesma área; o melhor exemplo desse tipo de concentração no Brasil continua a ser a televisão. Nosso sistema televisivo de comunicação já nasceu comercial. A história da tevê em nosso país dá grande destaque ao pioneirismo de Assis Chateaubriand, mas é extremamente evasiva no que se refere aos interesses econômicos que motivaram a iniciativa. Muito se tem dito sobre o sistema de comunicação no Brasil como seguidor do modelo norte-americano, baseado no financiamento da programação a partir do capital privado e seus anúncios comerciais. Ressaltamos, porém, que os mesmos Estados Unidos possuem um sistema público operante em dissonância com a nossa realidade, onde a comunicação pública se encontra incipiente. No entanto, se há uma pluralidade que se sobressai do sistema privado de comunicação, o sistema público caminha em ritmo bem diferente. Um maior equilíbrio entre os sistemas, previsto inclusive na Constituição Federal de 1988, como tentativa de fortalecer o sistema público de televisão, faz emergir um conjunto de expectativas em torno desse sistema, como sendo capaz de compensar ou superar os déficits democráticos presentes na visibilidade pública, política e comercial, determinado pelas mídias privadas. Dentro do conjunto de pesquisas acerca da Tevê Pública no Brasil, é possível observar, desde o início do debate, uma miríade de perspectivas epistemológicas. No entanto, parece que, num primeiro momento, sobressaiu-se um sotaque mais “triunfalista” sobre os diversos potenciais cíveis e democráticos de sua cobertura, que pela sua economia política diferenciada, seria mais propícia a estabelecer uma programação democraticamente mais qualificada do que a mídia comercial. A maioria das chamadas Tevês educativas e culturais no Brasil foram criadas nas três últimas décadas, período que coincide com a

redemocratização do país. Apesar disso e dos propósitos de ênfase na educação, cultura e cidadania, essas emissoras ainda estão longe de poder cumprir as propostas que lhe deram origem. Ainda que imersas em problemas de caráter estruturais e sociais, ela é considerada como uma solução para muitas das patologias ou insuficiências que poderiam ser identificadas sobre a qualidade democrática da cobertura do telejornalismo brasileiro. Na esteira dessa realidade, três questões têm sido apontadas como fontes fundamentais de uma parca qualidade democrática dos meios massivos das TVs comerciais: (1) pouca atenção aos temas e assuntos de interesse público e mais atenção a questões de interesse do público; (2) sistemática invisibilidade da sociedade civil, incorrendo, então, num problema de justiça política e (3) ausência de níveis democraticamente densos de discussão pública. Diante desses diagnósticos acerca da comunicação de massa, nos perguntamos se eles não estão fortemente sedimentados no padrão privado de comunicação. Desse modo, é mister pensar como a depreciação dos valores democráticos não poderiam ser compensados ou mesmo superados pela emergência e expansão de um sistema público de comunicação. Tal horizonte de possibilidades se torna extremamente vívido, quando nos deparamos no atual processo de expansão do sistema público de comunicação no Brasil, o qual ganhou especial impulso com a criação da TV Brasil. Nesse sentido, vale destacar que a TV pública seria pautada por todas aquelas demandas informativas não contempladas pelos veículos comerciais, constituindo alternativas a estes. “Está aí a abordagem presente na gênese do Public Broadcasting service (PBC) dos Estados Unidos, bem como na recente criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em nosso país” (INTERVOZES, 2009, p. 32). Não por acaso o contexto dessa perspectiva é o cenário de hegemonia dos meios de comunicação comerciais e o enviesamento do conteúdo transmitido por este, que sabemos, segue a lógica da produção de audiência para a venda de anúncios publicitários em detrimento de uma informação mais pautada no interesse público. O modelo público circunscreveria tudo o que não faz parte do seu oposto, em outras palavras, o público, nesse contexto, seria outro termo para designar tudo o que não é comercial. Não por coincidência, nos Estados Unidos, onde essa con-

cepção ganhou força, a rede articulada em torno da PBS reúne tanto veículos mantidos por governos como emissoras operadas por organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. No Brasil, tal entendimento está na base do que se convencionou chamar de “campo público”, incluindo desde emissoras comunitárias até legislativas com base numa identidade não comercial (INTERVOZES, 2009, p.34) A distinção entre um campo e outro tem por fundamento a relação que cada um deles estabelece com seu receptor. Os meios com fins lucrativos tratam da audiência como massa e, portanto, buscam o gosto médio, para que seus conteúdos possam atingir a atenção do maior número possível de pessoas, a televisão pública, como alternativa, deveria mirar na multiplicidade de públicos e dialogar com as demandas informativas e culturais de cada um deles. Assim, a diversidade aparece como um dos pilares dessa concepção. A criação da EBC e de seu serviço televisivo, a TV Brasil, significa uma tentativa de superação do passado de atrelamento dos canais públicos aos governos e autoridades para apontar na direção da construção de iniciativas efetivamente pública. Nesse contexto, uma reflexão sobre os caminhos percorridos por essa implementação, bem como as condutas governamentais e/ou sociais ligadas a ela, são fundamentais nesse período de ampliação do investimento no sistema público de comunicação. Levando-se, então, em conta que o sistema público de comunicação se pauta por princípios da publicidade e alternativos aos empreendidos pelo sistema privado, nossa argumentação visa, pois, dar um alerta às camadas sociais interessadas na comunicação como ferramenta social em busca de valores democráticos, para o acompanhamentos do desenrolar desse meandros da tevê pública em nosso país. Acácio Salvador Véras e Silva Jr. Doutorando em Comunicação e Informação pela UFRGS acaciosalvador@hotmail.com

A PRÁTICA GERENCIAL DE ENFERMAGEM EM HOSPITAIS PÚBLICOS

A estruturação das atividades de atenção e assistência à saúde no Brasil ainda está em fase de consolidação, em muitas regiões. A implementação dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SÚS) está aquém da necessidade da população, em muitos municípios. Por isso, os gestores ainda têm grandes desafios para enfrentar, neste longo processo de implementação do sistema de saúde. Nesta caminhada de organização e melhoria do sistema, uma das categorias que mais atua é a da Enfermagem, isso porque o enfermeiro tem basicamente quatro atividades essenciais que norteiam a sua profissão: assistencial, gerencial, educativa e de pesquisa. Este estudo teve como objetivo geral refletir sobre a gestão dos enfermeiros em hospitais públicos e os seguintes objetivos específicos: identificar quais os fatores que influenciam no processo de gerência; mostrar caminhos de intervenção sobre esses fatores e propor melhorias para o processo de gestão de Enfermagem, nos hospitais públicos. De acordo com Fracolli (1999), a construção do SUS no plano político-ideológico deveria ser regulada pelo Estado e baseada nos princípios de universalidade, equidade e integralidade da atenção à saúde. Tais princípios para serem operacionalizados necessitariam estar acompanhados dos preceitos administrativos de regionalização, hierarquização e descentralização político-administrativa, bem como de formas democráticas de gestão e de controle social dos serviços de saúde. Muitos debates têm surgido a respeito deste cenário complexo de implementação do SUS, mas pouco tem se discutido da importância de mudanças, a partir da aquisição de capacidade teórica e operacional de ação sobre os aspectos micropolíticos desse processo de trabalho, através dos profissionais que atuam no sistema público. Como o objetivo da graduação de Enfermagem é a formação do enfermeiro generalista, a prática de enfermagem geren-

cial não é privilegiada, de modo que o enfermeiro quando vai trabalhar em serviços públicos exercendo cargos e funções dessa área se surpreende com a falta desse conhecimento específico, que dificulta a sua assistência aos clientes do SUS. O gerenciamento da rotina de trabalho do enfermeiro em hospitais públicos é complexo e inclui uma série de atividades que, em geral, não se aprende na universidade, tais como: definição da autoridade e da responsabilidade de cada pessoa; padronização dos processos de trabalho; monitoração dos resultados dos processos e a comparação com as metas definidas; ação corretiva do processo a partir dos desvios encontrados nos resultados quando comparados com as metas e utilização do potencial mental das pessoas. No cotidiano da prática gerencial de enfermagem, é necessário que se faça a padronização dos processos de trabalho, que pode ser implantada com a utilização de macrofluxos, fluxogramas, procedimentos operacionais e monitorização de itens de controle, que são indicadores de desempenho dos principais processos. O processo de trabalho e de gestão e gerência de órgãos públicos por enfermeiro é difícil de ser executado, porque os serviços de saúde são complexos demais. Merhy (1997) afirma que algumas propostas teóricas entendem que os serviços de saúde se parecem mais com “arenas de disputas” do que com “organismos vivos” (como descrito pelas teorias funcionalistas de gerência). Dessa forma, a dinâmica do trabalho nos serviços de saúde se assemelha (em muito) a um jogo de xadrez, no qual os trabalhadores (da mesma forma que os jogadores) operam segundo uma rede de petições e compromissos, entre eles; compartilham significações que balizam um certo contrato de relações e não podem ser sujeitos plenos, mas “bem sujeitados” às regras do jogo. Trata-se de uma reflexão sobre o processo de gerência em hospitais públicos realizados por enfermeiros. Segundo Ruiz (2002), reflexão em pesquisa bibliográfica inclui a vivência, as po-

lêmicas e todo o universo que são, na realidade, imenso reservatório de problemas à espera de solução. Mas é preciso refletir, interrogar, é preciso ver problema onde o homem “vulgar” vê apenas fatos sem problemas. A reflexão suscita dúvidas, a dúvida define, circunscreve e delimita problema digno de ser esclarecido. O Sistema Único de Saúde (SUS) reveste-se de importância no quadro sanitário brasileiro não somente como estrutura de organização institucional da área da saúde e modelo de atendimento à clientela, mas especialmente pela mudança impressa nas formas de direcionar, conceber, pensar e fazer a assistência à saúde no país (BRASIL, 1990). Silva e Trad (2005) enfatizam que a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) tem constituído um grande desafio para gestores, profissionais de saúde e sociedade como um todo. A descentralização dos processos decisórios em saúde tem possibilitado uma melhor visualização dos problemas a serem enfrentados, assim como das possibilidades e limites das intervenções. A busca por um novo modelo assistencial ganha sentido prático no esforço de dar respostas a necessidades concretas. Para enfrentar as responsabilidades e exigências em expansão, a função do gestor precisa abarcar dimensões que facilitem e atendam as metas e os objetivos estratégicos dessas instituições. A Enfermagem, ao longo de sua história, tem sido solicitada a reagir à evolução das forças tecnológicas e sociais. Fabrícia Cavalcante Rocha – Tutora Esp. do Curso de Gestão em Saúde na UABPI e Funcionária da Prefeitura Municipal de São Luís/MA fabriciaenf@hotmail.com


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SEGUNDA-FEIRA DE ÁGUAS: PROSTITUIÇÃO E TRADIÇÃO Prostituição: a profissão mais antiga do mundo. Eis frase que circula no imaginário de diferentes povos, quase sempre, ou sempre, em tom zombeteiro. Na verdade, trata-se de tema complexo, com matizes as mais distintas possíveis, em diferentes países dos cinco continentes. Os elementos culturais, como conhecimentos, técnicas, bens, valores, hábitos, costumes, tendências, vulnerabilidades, gostos e tradições diferem mundo afora. As legislações de cada nação seguem linha própria. Aqui e ali, divergências incríveis ou coincidências inesperadas. Em países islâmicos, as mulheres são condenadas à morte. Na Índia, literalmente banidas do convívio social. Afinal, as jovens são reservadas para belas cerimônias de casamento, ainda hoje, estabelecido pelas famílias como um negócio lucrativo, enquanto os homens não hesitam em usufruir os prazeres do sexo junto às fêmeas de países vizinhos ou estrangeiras de outras partes que visitam o país. Teoricamente, às ocultas, mas sob o olhar cúmplice dos companheiros, o que lhes assegura status de herói. Alemanha, Holanda, Nova Zelândia e Suíça regulamentam e outorgam à prostituição direitos similares às outras categorias de trabalho. Nos Estados Unidos e na Austrália, a situação é mais confusa, com legalização em determinadas regiões, por exemplo, estados de Nevada e Sydney. Na Suécia, a punição vai para os clientes, e não para as prestadoras de “serviço”. Em contraposição a posicionamentos tão díspares, há nações que nem legalizam nem perseguem os praticantes de forma ostensiva, com exceção da prostituição infantil, cuja linha de ação é justificadamente implacável. Brasil e Espanha são exemplos. No Brasil, o meretrício não constitui crime, e, sim, as atividades correlatas, tais como favorecimento, indução e tráfico de mulheres. Em se tratando da Espanha, em 2007, o Congresso vota contra a legalização da prostituição, em meio a polêmicas estridentes. Afinal, segundo dados publicados pela imprensa, nesse país, atuam na prostituição 400 mil mulheres (das quais, inacreditavelmente, 98% são estrangeiras), movimentando por ano cifra em torno de 18 milhões de euros. São dados que dimensionam o problema, que também é grave no Brasil, cujos números exatos sobre a prostituição não são dignos de crédito, por uma razão única e inequívoca: a fragilidade que ronda o conceito da prostituição per se. O significado dicionarista, em qualquer idioma, define a prostituição como comércio habitual ou profissional do amor sexual, ou seja, o sexo pago. Nesta concepção tão simplista, onde inserir mulheres de programa, que se vendem por valor imensuravelmente alto, que envolvem carros de última geração, apartamentos, viagens, instâncias em paraísos, jóias etc.etc.? Outra faceta, também mutável, é que a profissão agrega, agora, mais e mais homens, que se vendem por dinheiro, em troca de vida aparentemente fácil. E o que nos parece mais paradoxal é a atitude da sociedade como um todo. Ao tempo em que as pessoas condenam as (os) profissionais do sexo, cada vez mais, anúncios de jornais divulgam serviços, com detalhes sórdidos sobre as proezas oferecidas; programas de TV convidam prostitutas ou michês, para que narrem sua

trajetória; páginas eletrônicas da internet oferecem de tudo, absolutamente de tudo; sites, com a finalidade explícita de reduzir a solidão humana, terminam por mostrar pretensões escusas; há serviços telefônicos para a consumação do sexo; e assim por diante... Todo este preâmbulo tão-somente para chegar às tradições culturais e à complexidade subjacente a elas. Há casos curiosos. Na Espanha, em particular, desde a Constituição de 1978, inexiste religião oficial. Há cuidados especiais e oficiais para o cumprimento da prescrição constitucional. Por exemplo, a página eletrônica do Governo de Madrid, www.munimadrid.es, não traz quaisquer dados sobre religião. Mesmo assim, é visível a estreita relação entre Estado e Igreja Católica, com mais de 95% de católicos numa população estimada em 46.063.511 habitantes, segundo dados oficiais do ano de 2008. E o que ocorre, em Castilla e Leon, ou mais precisamente, em Salamanca, embora a tra-

dição venha se expandindo a outras províncias, parece-nos uma das tradições culturais mais surpreendentes. É a chamada segunda-feira de águas (lunes de aguas). Sua origem remonta ao longínquo século XVI. Por ordem do rei Felipe II, durante os 40 dias entre a quarta-feira de cinzas até o domingo de Páscoa, as prostitutas locais, à época, são levadas para fora da cidade, ao outro lado do rio Tormes, que banha a cidade, para evitar tentação aos “pobres” homens. Permanecem isoladas, sob a custódia do denominado Padre Putas, cargo instituído por um dos membros da realeza. Finda a Quaresma, os jovens (porque libertos das obrigações maritais), sob o olhar conivente dos mais velhos, se juntam para uma grande festa de boas-vindas às mulheres que chegam, sedutoras e belas, em barcos devidamente engalanados. A cada ano, na segunda-feira, logo após as celebrações da Ressurreição de Cristo, a cidade literalmente para ou reduz drasticamente sua movimentação. Em bandos ruidosos, famílias inteiras, grupos de amigos, amantes, pessoas solitárias, enfim, crianças, jovens, adultos e velhos seguem às margens do rio Tormes, onde comem, bebem, cantam, amam, leem, jogam cartas ou conversa fora, por todo o dia. E, desde a década de 80 do século passado, à semelhança do que acontece em Teresina (Piauí), com o “carro das putas”, no período carnavalesco, há barcos que chegam à Salamanca, em lunes de aguas, com mulheres fantasiadas e acompanhadas de um “padre”, numa representação sim-

bólica dos fatos passados. Em tudo isto, o que causa espanto é o paradoxo que se conserva por tantos séculos: ainda que as leis vigentes da Espanha não criminalizem a prostituição, uma sociedade majoritariamente católica celebra, com vigor e esplendor, uma tradição cultural que põe em relevo a “utilidade” e a “beleza” da prostituição. E o que é mais surpreendente: trata-se de uma nação, cujos movimentos em prol da dignidade da mulher são intensos. Há uma infinidade de associações. Há uma quantidade quase imensurável de seminários, cursos e eventos similares, promovidos por instituições salmantinas de ensino superior, em defesa dos direitos humanos. Para quem batalha nesta trincheira, é evidente que mulheres e homens, ao se prostituírem, não somente se despem aos olhos de outros, mas, sobretudo, aviltam corpo e alma, sujeitando-se à crueldade desses outros e/ou a aberrações de quaisquer naturezas. As prostitutas e/ou os michês afirmam, DIVULGAÇÃO com veemência, que homens e mulheres que os frequentam são extremamente verdadeiros em seus lençóis. Despem as máscaras sociais. Expõem sua face mais sórdida, mais cruel, mais bestial e, mormente, a mais verdadeira. Travestem-se em quatro paredes. Por outro lado, há que se convir que nada disto é privilégio de um só país. São as tradições de ontem moldando hábitos de hoje. São costumes de nossos avós e bisavós nos deixando antever a natureza humana, como irremediavelmente única, embora oculta sob véus distintos. São as civilizações construídas e reconstruídas a cada momento, coletivamente ou individualmente, em suas contradições inevitáveis. A prova está no sucesso da celebrada brasileira Surfistinha, nome de guerra de Raquel Pacheco, cujo maior mérito é ter optado, numa fase de sua vida, pelo meretrício. Ao primeiro livro, O doce veneno do escorpião, lançado em 2005, sob intensa publicidade e, por conseguinte, com estrondoso sucesso editorial e bombástica polêmica em diferentes meios sociais, seguem outros títulos. E isto, num país, onde acadêmicos e literatos, com frequência, percorrem verdadeiro calvário para publicar seus trabalhos. E lá está a jovem, como convidada de honra em distintos programas televisivos e de distintas emissoras. Em outubro de 2010, ei-la na grande tela. É o momento do filme homônimo O doce veneno... , que conta com Deborah Secco como protagonista. Hoje, Raquel Pacheco está na mídia, na Wikipedia e no The New York Times. Ou seja, povos distintos, em momentos distintos ou formas distintas, enaltecem a prostituição como tradição cultural (ou não) e assim ela segue como a profissão mais antiga do mundo e, quiçá, a mais gloriosa. Nós, brasileiros, temos, pois, nossa lunes de aguas ou nossas lunes de aguas! Maria das Graças Targino Prof. Dra. da UFPI gracatargino@hotmail.com


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TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

CIÊNCIAS DA SAÚDE

CONSUMO ALIMENTAR E DE ÁLCOOL POR ESTUDANTES DE ESCOLAS PÚBLICAS

A adolescência é a fase intermediária entre a infância e a vida adulta, durante a qual ocorre intenso crescimento físico e profundas modificações orgânicas, psicológicas e sociais, que influenciam no comportamento alimentar. No sentido de investigar os hábitos alimentares e de bebidas alcoólicas de estudantes do ensino fundamental e médio, com idade entre 16 e 20 anos, de escolas da rede pública estadual do Piauí, localizadas em Teresina, foi desenvolvido estudo transversal cuja amostra se constituiu de 10% do total dessas escolas, considerando-se para seleção das mesmas o critério de regionalização e sorteio aleatório simples. Participaram do estudo alunos regularmente matriculados no ano letivo de 2004 e 2005, no horário diurno. Em cada escola, os estudantes foram sorteados, utilizando-se a tabela de números aleatórios. Os dados foram colhidos mediante instrumento próprio, abrangendo a frequência alimentar semanal, tabus, aversões e alergias alimentares, bem como hábito de consumo de bebidas alcoólicas. O plano de trabalho foi desenvolvido com a participação de estudantes do PIBICjr, que aplicaram os formulários para coleta dos dados, sob a supervisão e orientação das pesquisadoras. Esta pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFPI, tendo sido aprovada sob o nº 187/20. Na caracterização dos estudantes, observou-se (Tabela 1), que o gênero foi relativamente equitativo, 55,68% para o feminino e 44,32% para o masculino, sendo que mais da metade se encontrava na faixa etária de 16 a 17 anos (57,64%). Sobre o hábito alimentar, nas três maiores refeições do dia, foi encontrado café com leite integral, cuscuz com margarina e açúcar compondo o desjejum, de ambos os gêneros. No almoço, as frequências alimentares foram semelhantes entre os estudantes e as estudantes. Aqueles demonstraram preferir arroz com feijão, frango e suco de fruta, enquanto estas referiram preferência por arroz branco, carne de gado, salada com vegetais variados, frutas (porções e suco) e refrigerantes. No jantar, manteve-se a situação observada no almoço, acrescida de outras preferências alimentares mencionadas por ambos os gêneros, café com leite integral, bolo doce e salgado e biscoito recheado, (Tabela 2). Observa-se que a alimentação das estudantes se aproxima da alimentação saudável, quando se considera as características diversificadas e variedade alimentar. Sobre consumo de bebidas alcoólicas, o estudo evidenciou tendência crescente, no final de semana e socialmente, da menor para a maior faixa etária. Todavia, é preocupante constatar o consumo diário de álcool de 11,11% entre estudantes com idade entre 14 e 15 anos (Tabela 3).

CARACTERIZAÇÃO SEXO

%

Masculino Feminino TOTAL

160 201 361

44,32 55,68 100,00

FAIXA ETÁRIA (anos) 14 a 15 16 a 17 18 a 20 TOTAL

22 208 131 361

6,09 57,62 36,29 100,00 Fonte: Pesquisa Direta

Tabela 1. Caracterização dos estudantes de escolas públicas estaduais de Teresina, segundo o sexo e a faixa etária. Teresina PI, 2005. SEXO REFEIÇÕES / ALIMENTOS

MASCULINO

FEMININO Nº %

DESJEJUM

%

Café c/ leite integral Cuscuz c/ margarina Açúcar

37 34 77

23,13 21,25 48,43

58 37 91

28,86 18,41 45,27

ALMOÇO Arroz c/feijão Arroz Branco Frango (cozido/frito) Carne gado (cozida/frita) Salada verde/amarela Outros vegetais Fruta em fatia Suco de frutas (artificial /natural) Refrigerantes

58 49 15 10 04 08 02 23 13

36,25 30,82 9,38 6,25 2,52 5,03 1,27 14,38 8,18

58 66 16 20 15 16 15 33 30

29,00 32,84 7,96 9,95 7,46 7,99 7,50 16,50 14,93

47 43 19 11 03 14 05 10

29,38 27,04 12,03 6,88 1,89 8,75 3,14 6,29

50 54 21 18 16 15 12 17

24,88 26,87 10,45 8,96 7,96 7,46 5,97 8,46

JANTAR Arroz c/feijão Arroz Branco Frango (cozido/frito) Carne gado (cozida/frita) Salada verde/amarela Café c/leite integral Bolo doce/Salgado Biscoito recheado

Fonte: Pesquisa Direta

Tabela 2. Hábito alimentar de estudantes de escolas públicas estaduais de Teresina, segundo o sexo e a faixa etária. Teresina PI, 2005.

CONSUMO BEBIDA ALCOÓLICA CARACTERIZAÇÃO

DIARIO Nº %

FIM SEMANA Nº %

SOCIALMENTE Nº %

TOTAL

%

SEXO masculino Feminino

05 03

6,17 4,62

16 04

19,75 6,15

60 58

74,07 89,23

81 65

100,00 100,00

TOTAL

08

5,48

20

13,70

118

80,82

146

100,00

14 a 15

01

11,11

01

11,11

07

77,78

09

100,00

16 a 17

05

6,33

10

12,66

64

81,01

79

100,00

18 a 20

02

3,45

09

15,52

47

81,03

58

100,00

TOTAL

08

5,48

20

13,70

118

80,82

146

100,00

FAIXA ETÁRIA (anos)

Fonte: Pesquisa Direta

Tabela 3. Freqüência de consumo de bebida alcoólica de estudantes de escolas públicas estaduais de Teresina, segundo o sexo e a faixa etária. Teresina - PI, 2005.

Marize Melo dos Santos Profa. Dra. da UFPI marizesantos@ufpi.edu.br


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MENTE, CÉREBRO E RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

Hoje em dia, há um boom da imagem da neuroimagem, tanto na literatura técnica quanto na imprensa leiga, na qualidade de “fotografia da mente”. Face a este desenvolvimento emergente e vertiginoso, pesquisadores deste segmento devem se questionar sobre os usos e abusos dos recursos da neuroimagem. Destacam-se atualmente as seguintes tecnologias de imagem: TC (Tomografia Computadorizada), fMRI (Imagem de Ressonância Magnética Funcional), PETscan (Tomografia por Emissão de Pósitrons) e SPECT (Tomografia por Emissão de Fóton Único). Peres (2009) exemplifica que, até o ano de 2007, muitos estudos envolveram o método PET com uso em 48%, o SPECT com 33% e fMRI em 19%, que vem crescendo significativamente por se tratar de um método não invasivo e não usar radiação ionizante comum na energia nuclear. Por isto, não é correto usar o termo ressonância magnética nuclear, apesar de algumas pessoas ainda insistirem nessa nomenclatura. A Tomografia Computadorizada é uma técnica que se baseia em emissão de Raios-X. Esse aparelho consiste em uma fonte de raios-X que é acionada, ao mesmo tempo em que realiza um movimento circular ao redor da cabeça do paciente, emitindo um feixe de raios-X em forma de leque. Já as imagens de ressonância magnética têm maior capacidade de demonstrar diferentes estruturas no cérebro e facilita visualizações de mínimas alterações na maioria das doenças. Também possibilita avaliar estruturas como hipocampos, núcleos da base e cerebelo – que é de difícil avaliação por meio da TC (Amaro Júnior e Yamashita, 2001). A técnica de fMRI é semelhante a um exame clínico com MRI, diferenciando a particularidade de se obter informações relativas à determinada função cerebral. Por exemplo, que partes do cérebro são mais ativas durante estimulação cognitiva do tipo escutar uma música, concentrar-se em uma imagem agradável ou não, relembrar memórias de longo prazo. Tem como vantagens alta resolução espacial e temporal; permite a correlação da atividade neural com a anatomia subjacente; diversos paradigmas podem ser utilizados com um simples exame e permite vários ensaios em um intervalo curto de tempo, favorecendo a avaliação estrutural de transtornos psiquiátricos. Essa técnica baseia-se no fato de que a atividade cerebral requer energia, e a glicose é a forma de energia processada pelo cérebro. Quando observamos qual área cerebral está consumindo maior quantidade de glicose, então, pode-se

inferir onde o cérebro está funcionando mais energicamente. Como descrito por Costa, AP Oliveira e Bressan (2001), os métodos PETscan e SPECT, baseiam-se no princípio básico que a instrumentação utilizada é apenas receptora de informação, ou seja, para se obter as imagens, é necessário administrar aos pacientes um radiofármaco marcado (um contraste, uma forma de glicose radioativa leve), seja um emissor de pósitron para PET, seja um emissor de fóton simples no caso do SPECT. Sabe-se que a eficácia de detecção do sinal radioativo é maior no PET do que no SPECT, mesmo assim seu uso é limitado, pois os radioisótopos de emissão de pósitrons têm vida radioativa curta de minutos, no máximo cerca de duas horas para o flumazenil, tornando um instrumento oneroso e restrito às grandes universidades públicas e clínicas privadas, favorecendo ao SPECT uma alternativa mais viável. N que pese a necessidade de ultrapassar problemas significativos com tais metodologias, ainda são bastante necessários nas seguintes situações clínicas: diagnóstico diferencial das demências, incluindo a depressão dos idosos; avaliação pré-cirúrgica de doentes com epilepsia focal; confirmação de morte cerebral; avaliação das sequelas neuropsiquiátricas após traumatismos encefálicos; diagnóstico diferencial entre doença de Parkinson e parkinsionismo induzido por fármacos. Além de estudar uma gama maior de funções cerebrais principalmente em relação à neurotransmissão e os neuroreceptores do que os exames de ressonância magnética funcional. As vantagens do PET e SPECT, respectivamente, são: exames com dinâmicas temporais, ou seja, mensura variações ao longo do procedimento; permite boa localização espacial em regiões ativas e uso de distintos marcadores para estudos metabólicos. Favorece a aquisição das imagens na tomografia posterior à tarefa em desenvolvimento, reduzindo artefatos de movimento; privacidade ao sujeito; usam-se marcadores da atividade neural mais estável, como meia-vida mais longa entre quatro e seis horas. Na mesma ordem, as desvantagens compreendem exame invasivo; em um curto período de tempo o experimento não pode ser repetido; restrição a estudos com tarefas sem variações; imobilidade dos sujeitos envolvidos. Baixa resolução não adquire anatomia; restrição ao estudo com tarefas sem variações e os demais quesitos do PET. Do ponto de vista da filosofia da mente, neurocientistas

e médicos pesquisadores apóiam-se na neuroimagem como reforço do materialismo reducionista e ao materialismo eliminativo. Ao passo que a neuroimagem nos fornece apenas localização cerebral. Esta não deve ser confundida com localização anatômica, o que não nos permite inferir uma tese identitarista e reducionista para o problema mente-corpo. Observa-se, desde os primórdios dessa técnica, que a neuroimagem sugere um cérebro mais parecido com uma rede, em que uma função cognitiva tem vários locais dentro de uma concepção equipotencialista, conexionista ou holista. Pensemos, estudos feitos com linguagem e memória levam à conclusão de que são várias áreas cerebrais envolvidas no desenvolvimento do discurso e que muitos são os papéis assumidos pelo cérebro pré-frontal esquerdo nessa produção, o qual pode acessar significado, resgatar palavras da memória, gerar representações internas e acessar informação fonológica. Todavia, aquilo que é capturado pela neuroimagem – o brilho - refere-se em parte o que está ocorrendo no cérebro quando uma determinada função cognitiva é realizada. Portanto, uma função não se reduz a uma única região anatômica, mas sim multilocalizada. (TEIXEIRA, 2008; DAMÁSIO, 2000; LLOYD, 2000). Com base nesta linha de raciocínio, Teixeira (2008), sugere que a neuroimagem associada à ideia do mental como virtual, ao territorializar o lugar do psíquico e do anatômico, não caracteriza em si o reducionismo nem independência da relação mente-corpo, mas nos possibilita uma teoria do aspecto dual, sendo assim, o mental e físico são modos de descrição de uma única e mesma realidade. Dessa forma, no campo das psicoterapias os métodos da neuroimagem têm favorecido o estudo de sujeitos com transtornos de personalidade, transtornos de estresse pós-traumático, depressão maior, transtorno obsessivo-compulsivo, fobia social e específica. Eleonardo Rodrigues Prof. Msc. da UESPI e Faculdade Santo Agostinho eleonardopr@hotmail.com

SAÚDE MENTAL EM PICOS: UM PROJETO, UMA PROPOSTA

No campo da saúde mental, a conceituação que exprime relação entre loucura e estigma está fortemente presente nas discussões atuais. Ao contrário dos séculos XV a XIX, nos quais o conceito de loucura passou de natural a patológico (AMARANTE, 2002), os debates desse século em torno da saúde mental discutem pontos nodulares pela necessidade de ressignificações sociais/culturais, sob o enfoque do novo objeto: o portador de transtorno, outrora denominado doente mental. Em breve trajetória acerca da história da loucura no mundo (FOUCAULT, 1972), nota-se que a sociedade utilizou diversas denominações para o fenômeno em questão, conforme as necessidades e os interesses das classes dominantes, fazendo com que o termo “loucura” e “louco” fossem adquirindo conotações divergentes, com o passar dos anos. Não bastasse haver mudança em seus significados, também havia transformações nas práticas de cuidado para aqueles que frequentavam os asilos, hospitais e, mais tarde, hospícios ou manicômios. A loucura, que inicialmente era considerada fenômeno integrante da natureza humana, mais tarde assumiria o papel de causar malefícios à sociedade, por meio daqueles por ela acometidos. Os alienados (loucos) eram seres perigosos, por serem agressivos, fazendo com que os profissionais de saúde optassem por acorrentá-los e segregá-los em celas-fortes, sob o pretexto de que o isolamento por si só tinha o poder de cura (Oliveira, 2002). No Brasil, com inúmeras mortes ocorrendo nesses manicômios, e considerando inútil o tipo de prática no tratamento do louco, os trabalhadores de saúde mental se organizaram através de intensa mobilização em diversas cidades do país. Esse marco, conhecido como Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) culminou com um processo bastante complexo denominado de Reforma Psiquiátrica (AMARANTE, 2002) e com a promulgação da Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que redi-

reciona o modelo assistencial de saúde mental (BRASIL, 2001). Por ser ainda recente esta Lei, os passos rumo a uma nova forma de pensar e lidar com o processo de sofrimento psíquico no Brasil suscitam ainda amplo debate, discussões e divulgações em prol da participação dos envolvidos e da sociedade em suas instâncias democráticas, para que não seja apenas implantado o novo, mas que seja passível de acompanhamento e gerência pela população (MEDEIROS; GUIMARÃES, 2002). O portador de transtorno mental continua sendo visto como um indivíduo que necessita ser recolhido a um espaço físico de cuidado terapêutico, devendo receber medicações e controlar suas crises, pois é incapaz de realizar atividades rotineiras, sob a alegação de anormalidade. Assim, a sociedade que busca a garantia dos direitos humanos é a mesma que retira do portador de transtorno mental esse direito, pois estabelece relação estreita entre cidadania e normalidade; portanto, o louco estaria definitivamente excluído da condição de cidadão (Oliveira, 2002). Assim, considerando urgente criar espaços de discussão acerca da saúde mental, um grupo de pesquisadores formado por estudantes de Enfermagem e docentes da Universidade Federal do Piauí elaboraram uma proposta para redução do estigma da loucura na cidade de Picos-PI, submetendo-a à apreciação e apoio pelo CNPq, através do Edital 033/2008. Sendo aprovado no processo seletivo, o projeto teve início no mês de março de 2009, formado por quatro alunos da graduação em Enfermagem, duas alunas do Mestrado em Enfermagem, três docentes e dezoito servidores técnico-administrativos da UFPI/Picos. Através da metodologia da pesquisa-ação, estratégia que permite que ocorra um processo simultâneo de investigação e ação cuja intenção primordial é o conhecimento e a resolução do problema coletivo, a partir dos fatos observados, e que culmina na transformação dos pesquisadores e dos participantes envolvidos no

contexto social sítio do problema (THIOLLENT, 2008), diversas reuniões foram realizadas durante o ano de 2009, nas quais havia a oportunidade de troca de experiências, estudos em grupo, leitura de textos, assistência e discussão de filmes sobre saúde mental, encontros que resultaram em trabalhos apresentados em congressos e elaboração de artigos. Para 2010, serão elaboradas cartilhas sobre saúde mental/transtorno mental que serão distribuídas nos diversos espaços sociais picoenses, para que as lacunas que separam o portador de transtorno mental da sociedade sejam cada vez menores e para a sensibilização da população, no sentido de redução do estigma. O projeto iniciou em janeiro de 2009 com término para dezembro de 2010.

Maria Rosilene C. Moreira – Profa. da UFPI (Picos) rosilene@ufpi.br Edina Araújo R. Oliveira – Profa. da UFPI (Picos) edinasam@bol.com.br Claudete F. de S. Monteiro – Profa. Dra. da UFPI claudetefmonteiro@hotmail.com Jonathan Veloso Costa – Acadêmico em enfermagem da UFPI (Picos) jvcenfermagem@hotmail.com


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TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010

IMPORTÂNCIA DO PSICÓLOGO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O psicólogo é um profissional bastante atuante na sociedade em que vivemos. Em quaisquer ambientes que o psicólogo venha a atuar ele encontrará todos os tipos de público e pessoas em suas mais variadas singularidades, o que acarreta para a formação desse profissional uma responsabilidade ímpar. A formação do psicólogo ainda na graduação é essencial para direcioná-lo ao o mercado de trabalho, garantindo um profissional bem preparado tanto para realizar atendimentos diversos como para orientar o público a encontrar o atendimento necessário de forma adequada. As Diretrizes Nacionais para os Cursos de Psicologia DCNs (MEC, 2004), que devem embasar o ensino de Psicologia para a formação do psicólogo, e o Código de Ética do Psicólogo (CRP, 2005), que orienta sobre os deveres esperados e os comportamentos vedados a esse profissional, são documentos fundamentais para nortear a formação do mesmo ainda durante a graduação, garantindo que essa formação atenda as necessidades do público a ser atendido. As DCNs estabeleceram que os cursos de formação devem dotar os psicólogos ao longo do curso de conhecimentos que lhes permitam a aquisição das seguintes habilidades e competências: atenção a saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento, educação permanente. Esses conhecimentos, habilidades e competências devem ser articulados de modo a contemplar como eixos estruturantes da formação: fundamentos epistemológicos e históricos, fundamentos teóricos metodológicos, procedimentos para a investigação científica e a prática profissional, fenômenos e processos psicológicos, interfaces com campos afins do conhecimento e práticas profissionais integradas (MEC, 2004). As DCNs estabeleceram ainda que o objetivo principal do psicólogo é promover qualidade de vida. Para atingir esse objetivo, faz-se necessário um domínio básico de conhecimentos psicológicos e a capacidade de utilizá-los nos mais diversos contextos, desenvolvendo a investigação, análise, avaliação, prevenção e atuação em processos psicológicos e psicossociais (MEC, 2004) A formação do psicólogo deve ainda considerar que a con-

solidação da profissão está associada ao crescimento do número de profissionais cadastrados juntos aos conselhos de Psicologia e a presença mais frequente do Código de Ética na orientação da prática psicológica. O Código de Ética do Psicólogo pode ser considerado um alicerce para orientar a prática do profissional (CRP, 2005). A edição de 2005 orienta para uma formação de um psicólogo mais generalista, que, em casos em que não domine o procedimento, ao menos reconheça sua função de encaminhar e orientar quem o procura, de modo a garantir e respeitar o direito do usuário do serviço. Ele aborda os novos desafios da profissão como questões relativas às novas tecnologias, a ampliação dos locais de trabalho, a inclusão dos problemas profissionais (envolvendo preconceitos e discriminações), novas formulações para o sigilo profissional, dentre outros temas. Frente ao exposto, uma pergunta se faz necessária: a formação recebida pelo psicólogo ainda na graduação o prepara para atender as demandas necessárias? É comum encontrarmos pesquisas com psicólogos que identificam carências na formação recebida na graduação (CRUCES, 2006; BARDAGI et al, 2008). Um exemplo é o atendimento a pessoas com deficiência. No Brasil há 24.600.256 pessoas com algum tipo de deficiência. Dessas, 501.409 vivem no estado do Piauí (SEE, 2006). As pessoas com deficiência correspondem a um público com necessidades específicas, muitas delas de ordem técnica. É necessário conhecimento acerca dessas necessidades e principalmente do suporte disponível para atendê-las. O primeiro ponto a considerar é que esse público não é homogêneo e da mesma forma os serviços prestados ao mesmo são bastante diferenciados. Portanto, é necessário que o psicólogo esteja preparado para atuar junto a essas demandas ou, segundo as orientações do Código de Ética, possa encaminhá-las adequadamente. Em uma pesquisa realizada com psicólogos que atuam com pessoas com deficiência os participantes identificaram a formação recebida na graduação como insuficiente para lidar com esse público (PIO, 2008). Marques et al (2007) identificou os mesmos problemas ao entrevistar estudantes de cursos de psicologia. Contudo, são escassas as pesquisas que avaliam a formação

recebida pelo psicólogo ainda na graduação para atuar junto a esse público. A graduação é o momento mais oportuno para se discutir a atuação do futuro profissional uma vez que é o momento no qual o futuro profissional está ávido pelo aprender. E qual seria a relevância de estudos nessa área? Caetano (2009) realizou uma pesquisa com estudantes de Psicologia de uma instituição pública do estado do Piauí e identificou que em diversos aspectos estudantes formandos e estudantes ingressantes do curso apresentavam o mesmo nível de conhecimento acerca da atuação do psicólogo com pessoas com deficiência, nível esse muitas vezes não satisfatório. No geral, as respostas dos formandos foram mais satisfatórias que as dos ingressantes, embora ainda insuficientes, quando analisadas à luz das Diretrizes Curriculares e do Código de Ética. O comportamento de não responder foi mais comum entre os estudantes ingressantes, e o comportamento de responder, ainda que com respostas insatisfatórias, foi mais comum entre os formandos. Os dados encontrados levaram a pesquisadora a considerar a necessidade de monitorar a formação desses estudantes e assim propor alternativas para sanar as dificuldades identificadas. Espera-se que os dados coletados nessa nova pesquisa possam fornecer informações mais precisas sobre os pontos positivos e negativos dessa formação (CAETANO, no prelo).

Nadja Carolina de S. P. Caetano Profa. Msc. da UESPI – nadjacaetano@yahoo.com.br Enicéia Gonçalves Mendes Profa. Dra. (Pós-doutorado) UFSCar egmendes@ufscar.br

FATORES DE RISCO PARA A HEPATITE B ENTRE CAMINHONEIROS

A hepatite causada pelo vírus B ainda é uma das principais causas de doença hepática no mundo. Calcula-se que em torno de um milhão de pessoas morrem por complicações da doença hepática a cada ano. Trata-se de uma doença que tem transmissão parenteral, sexual, além da transmissão vertical. Entretanto, pode ser efetivamente prevenida por meio da vacinação de grupos considerados prioritários pelo Programa Nacional de Imunização. Dentre esses grupos, também foram incluídos os caminhoneiros (BRASIL, 2008; FERREIRA; SILVEIRA, 2006). De acordo com Vilarinho (2002), os caminhoneiros, especialmente aqueles de rota longa, constituem uma categoria ocupacional que pode contribuir sobremaneira para a disseminação da epidemia da Aids e para a Hepatite B, dentre outras DST. Uma das explicações seria o tempo que permanecem fora de casa, o que faria com que mantivessem relações sexuais com diversas parceiras ocasionais, sem proteção. O uso de bebidas alcoólicas e de anfetaminas, além de outras drogas ilícitas, também têm contribuído para aumentar a vulnerabilidade dos caminhoneiros às DST. Frente ao exposto, pretendeu-se analisar a vulnerabilidade dos caminhoneiros que trafegam por Teresina/PI à infecção pelo vírus da Hepatite B e buscar a predominância dos fatores de risco em relação aos dados sociodemográficos da amostra. METODOLOGIA Trata-se de um inquérito epidemiológico, realizado com 384 caminhoneiros que trafegaram por Teresina no período de dezembro de 2009 a fevereiro de 2010. O local da pesquisa foi um posto de combustíveis, onde expressivo número de caminhoneiros repousa e abastece os seus caminhões. O tamanho da população foi calculado com base em uma amostragem aleatória simples e a seleção foi do tipo acidental, a qual vai se formando pelos elementos que vão aparecendo, até completar o número da amostra. Os dados foram analisados para buscar associação entre os dados sociodemográficos da população do estudo e os fatores de risco para a hepatite B.

RESULTADOS E DISCUSSÃO A média de idade dos caminhoneiros do estudo foi 44 anos. Dentre a amostra, 72% são casados e 49% residem no Nordeste. Em relação à escolaridade, 70% possuem ensino fundamental, 21% ensino médio e apenas 3% têm curso superior. Quanto às informações sobre a doença, 79% não sabem como se transmite, apenas 16% têm conhecimento de que a doença pode ser transmitida pelas relações sexuais, 67% desconhecem a existência da vacina contra hepatite B e 100% não apresentam proteção vacinal. Além destes fatores de risco para a hepatite B, merecem destaque os que seguem: 31% usam algum tipo de droga ilícita, 58% fazem uso de álcool, 40% têm múltiplas parceiras sexuais, 55% não usam preservativos, e um percentual expressivo acredita na proteção divina contra a Hepatite B, Aids e outras DST . Somam-se a isto, as dificuldades para procura de serviços de saúde em função dos constantes deslocamentos e de 77% não possuírem plano de saúde para consultas, quando aparecem com alguma doença sexualmente transmissível (DST) ou outra doença. Teles et al. (2008) realizaram um estudo sobre DST com 641 caminhoneiros de rota longa que circulam na BR-153, uma rodovia federal que atravessa o Brasil de sul a norte. Destes, 96,7% afirmaram antecedentes de DST e 35,6% referiram história presente ou passada de DST. A idade superior a 30 anos foi estatisticamente associada. Aqueles que relataram o uso de anfetaminas ("rebite"), antecedentes prisionais e relacionamento sexual com profissionais do sexo apresentaram maior chance de relato de DST. Observou-se que o uso de preservativo nas relações sexuais com múltiplas parceiras tem associação estatisticamente significativa apenas com a condição de estar casado, quando comparado ao uso entre os solteiros. A variável faixa etária e escolaridade não apresentaram associação significativa. Ao se buscar a associação entre ter uma parceira sexual única com o uso de algum tipo de droga, escolaridade e situação conjugal pode se observar que existe significância estatística apenas entre o não uso de drogas,

quando comparado ao uso e entre estar casado, quando comparado aos solteiros. CONCLUSÃO A aproximação com o objeto do estudo permitiu verificar que população caminhoneira apresenta baixa frequência de uso de preservativos e elevada proporção de relações sexuais com múltiplas parceiras, uso de álcool e outras drogas, somados ao fato de, na sua maioria, não buscarem os serviços de saúde, mesmo frente ao aparecimento de qualquer problema que os esteja afetando. Esses fatores podem funcionar como ponte entre eles, que são considerados grupos de prevalência elevada para as DST, e a população em geral. Os achados deste estudo vêm corroborar com outros que encontraram alta vulnerabilidade dos caminhoneiros às DST e evidenciam a importância da implantação de programas específicos de prevenção de doenças para essa categoria profissional que enfrenta um cotidiano de deslocamentos e, portanto, podem disseminar essas infecções em grandes áreas geográficas em um curto espaço de tempo.

Telma M. E. de Araújo – Profa. Dra. da UFPI NOVAFAPI e Enfermeira da SESAPI telmaevangelista@gmail.com Neylon Araújo Silva – Fisioterapeuta e Bolsista AT do CNPq/UFPI - neylonsilva@msn.com.br Aline S. Santos; Illoma Rossan L. Leite e Ranieri A. P. de Santana – Graduandos de Enfermagem da UFPI - alinesilva@hotmail.com


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AVALIAÇÃO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE NO ESTADO DO PIAUÍ

O objetivo geral do projeto consistiu em avaliar os sistemas municipais de saúde tendo como referência a situação da comunidade e a organização dos serviços de atenção básica, na perspectiva da promoção da saúde. Considerou-se como base da promoção da saúde as estratégicas fundamentais para sua implementação definidas desde a Carta de Ottawa (1986): políticas intersetoriais, ambiente saudável, reorganização dos serviços de saúde, desenvolvimento das habilidades individuais (empoderamento) e participação social. A primeira pesquisa avaliou os municípios de Teresina, Picos e Luís Correia, e a segunda, aqui relatada, refere-se a Floriano e São Raimundo Nonato. Foi realizada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) através do Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP), subsidiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Piauí (FAPEPI), projeto de pesquisa selecionada pelo Programa Pesquisa para o SUS DECIT/Ministério da Saúde (BRASIL, 2010). O estudo comparou os indicadores de promoção da saúde

utilizados por organismos e bancos de dados oficiais com as ações desenvolvidas pelos serviços e a compreensão da população sobre seus problemas de saúde e assim dimensionou o quanto a promoção da saúde se encontra instituída no plano político e organizacional. Utilizaram-se os indicadores de promoção da saúde sugeridos pela OPAS para avaliar municípios saudáveis em estudo de natureza quali-quantitativa, com uso da técnica de amostragem por conglomerado áreas/microáreas (urbano/rural) assistidas pela Estratégia Saúde da Família (SUS). A pesquisa compreendeu uma triangulação entre a entrevista com os gestores municipais (planilha de gestores), inquérito domiciliar dirigido a 502 famílias, verificação do acesso a equipamentos e programas sociais. As informações em saúde foram obtidas nos relatórios gerados pelo Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). A análise aprofundou a relação entre os indicadores de promoção da saúde, as condições de vida da população, os determinantes sociais e o modelo de organização dos serviços.

QUADRO 1: INDICADORES DE PROMOÇÃO ORIENTADOS PARA O ENFRENTAMENTO DOS DETERMINANTES DE SAÚDE, ADAPTADOS DOS INDICADORES OPAS (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE). PIAUÍ, 2010. 1. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS AO AMBIENTE FÍSICO a) % de domicílios ligados ao sistema público de abastecimento de água; b) % de domicílios ligados ao sistema público de coleta de lixo; c) % de domicílios ligados ao sistema de esgotamento sanitário; d) % de domicílios localizados em rua pavimentada. 2. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS AO AMBIENTE SOCIAL a) % de domicílios com membros desempregados há mais de 6 meses; b) % de domicílios com crianças com certidão de nascimento; c) % de domicílios com crianças de 7 a 14 anos na escola; d) % de domicílios com escolares reprovados.

O primeiro estudo realizado apontou que esses indicadores apresentavam pouca viabilidade diante da situação da grande maioria dos municípios brasileiros em relação à promoção da saúde, incluindo a organização das informações em saúde. Considerando promoção da saúde como o enfrentamento dos determinantes sociais em suas dimensões distais proximais e mediais e ainda, a alta complexidade de índices e taxas em base populacional distinta e heterogênea, o presente estudo adotou uma nova seleção dos indicadores da OPAS. Estes foram reagrupados e orientados para o enfrentamento dos determinantes de saúde em cinco grupos: relativos ao ambiente físico; ao ambiente social; à organização dos serviços; ao estilo de vida; e indicadores de promoção da saúde relativos à saúde subjetiva (Quadro 1). O estudo revelou a distância entre os problemas referidos pela população e as ações governamentais. Os domicílios das áreas rurais se mostraram em piores condições em relação à distância de posto telefônico, unidades de saúde e baixo acesso ao abastecimento de água, coleta de lixo e saneamento. Para os entrevistados, os três fatores determinantes da saúde seriam alimentação, higiene, cuidado e lazer. Dentre as 35 políticas/ações de saúde de caráter promocional desenvolvidas pelo município, verificou-se que a maioria dos gestores não desenvolveu essas ações e algumas mostraram-se mecanicamente assimiladas e executadas sem a problematização necessária a respeito da sua coerência com a realidade e os desejos ou necessidades de saúde da população. Evidenciou, ainda, a não participação da comunidade em organizações de caráter comunitário, o que a fragiliza diante da luta por seus direitos. Concluiu-se que as políticas municipais contribuem somente na dimensão da atenção básica, apresentando baixo nível de intersetorialidade com outras políticas sociais em presença de condições ambientais e sanitárias desfavoráveis, constatando-se uma imensa iniquidade entre o campo e a cidade.

3. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS À ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS a) % de RN pesados ao nascer; b) % de crianças menores de 1 ano com vacina em dia; c) % de crianças < 4 meses em aleitamento materno exclusivo; d) políticas intersetoriais. 4. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS AO ESTILO DE VIDA a) % de domicílios com fumantes; b) % de domicílios com bebedores; c) % de domicílios com adolescente praticando esporte; d) % de domicílios com > 15 anos que participam de organizações sociais. José Ivo dos S. Pedrosa – Prof. Dr. da UFPI ivopedrosa@uol.com.br Laureni D. de França - Mestre – Dentista da UFPI laudantas@yahoo.com.br Gláucia A. V. de Azevedo – Profa. Msc. da UFPI glauciazevedo@bol.com.br

5. INDICADORES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE RELATIVOS À SAÚDE SUBJETIVA a) principais problemas enfrentados pelas famílias; b) ações necessárias para a saúde; c) % de domicílios que procuram os serviços de saúde como primeira providência quando ficam doentes; d) atos realizados pelos indivíduos para promover a saúde.

A BIOÉTICA DA PROTEÇÃO

A Assistência ao Planejamento Familiar foi estabelecida pela Lei nº 9.263/1996, pautada no Artigo nº 226, parágrafo 7, da Constituição da República Federativa do Brasil. Este determina que as instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS) são obrigadas a garantir a mulheres, homens e casais, em toda a sua rede de serviços, a assistência à concepção e à contracepção como parte das demais ações que compõem a rede de saúde. Desta forma, demanda ações cujas finalidades principais são: garantir os direitos sexuais e reprodutivos e promover a saúde reprodutiva. O Planejamento Familiar pode ser considerado um dispositivo, ou seja, um instrumento de poder (Biopoder). Entretanto, tendo em conta as insuficiências da atenção à saúde no Brasil, tais como falta de efetividade nas ações de saúde pública, má gestão dos recursos e dos programas, poderiam constituir uma razão para se duvidar da performance deste dispositivo e, portanto, da própria pertinência de utilizar, neste caso, este termo para caracterizar. A bioética da proteção, na medida em que se ocupa dos suscetíveis e vulnerados, parece se legitimar em situações de falta de desempenho e efetividade dos dispositivos biopolíticos e de biopoder, ou seja, pode se ocupar com as ações do

Planejamento Familiar e investigar se as mesmas se desenvolvem como deveriam. Sendo assim, o objetivo deste estudo é discutir a moralidade dos dispositivos biopolíticos e de biopoder da Assistência ao Planejamento Familiar nas maternidades públicas de Teresina-PI. Os dados foram coletados por meio de questionários, posteriormente tabulados e tratados pelo pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS). Este estudo possibilitou que se chegasse às seguintes conclusões: 1) as ações de Planejamento Familiar desenvolvidas são insuficientes e não atingem seu dever de proteção porque, sequer o Programa de Planejamento Familiar foi realmente implantado; as ações ali constatadas e que se relacionam ao Planejamento Familiar são isoladas e não integradas, limitando-se ao atendimento no ciclo grávídico-purperal; 2) os métodos contraceptivos não são disponibilizados de forma integral, só distribuem camisinhas e contraceptivos orais (quando disponíveis); 3) os usuários não recebem informações suficientes sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), a não ser as mais divulgadas por campanhas educativas do Ministério da Saúde, bem como pela mídia. Quanto à universalidade na cobertura, as ações focam apenas os casais e as mulheres, deixando de fora adolescentes e ho-

mens. Quanto à igualdade, diagnosticou-se que as ações indicativas da existência do Programa ocorrem isoladamente e sequer existem instrumentos para sua avaliação. Portanto, se os quesitos eficiência e efetividade não existem, não pode haver como promover a igualdade, nem tam pouco a proteção e o empoderamento. Em síntese, os dispositivos biopolíticos e de biopoder utilizados pelo Estado, configurados pelo Planejamento Familiar não cumprem seu dever de proteger. Por isso, é no mínimo necessário alertar os gestores das políticas públicas sobre a urgência na reconfiguração do modus operandi de tal dispositivo. Sendo assim, os referenciais apontados pela Bioética da Proteção poderiam se tornar instrumentos embasadores das ações desenvolvidas por tal dispositivo. Francisca Sandra C. Barreto Profa. da FACID e CEUT fsandracbarreto@ terra.com.br


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A COMPOSIÇÃO CORPORAL E O CONSUMO ALIMENTAR EM JOGADORES DE FUTEBOL A produção de espécies reativas de oxigênio é comum em todos os sistemas biológicos. Em condições fisiológicas, durante o metabolismo celular aeróbio são formados intermediários reativos (superóxido, hidroxila, peróxido de hidrogênio). Quando a formação desses radicais livres é superior à atividade do sistema de defesa antioxidante, o resultado é dano tecidual e produção de compostos tóxicos danosos aos tecidos, caracterizando assim o estresse oxidativo (FERREIRA & MATSUBARA, 1997; SCHNEIDER & OLIVEIRA, 2004). O exercício intenso induz a formação excessiva de espécies reativas de oxigênio, bem como o aumento do metabolismo energético. Essas espécies podem prejudicar o desempenho do atleta (KOURY & DONANGELO, 2003). O futebol é uma modalidade de esporte com exercícios intermitentes de intensidade variável. Aproximadamente, 88% de uma partida de futebol envolvem atividades aeróbias e os 12% restantes, atividades anaeróbias de alta intensidade (GUERRA et al., 2001). Pesquisas recentes apontam que o exercício extenuante pode acarretar alterações no metabolismo do zinco, levando a uma imunossupressão, ao estresse oxidativo e à diminuição da performance (CORDOVA & NAVAS, 1998). Este mineral participa como cofator de enzimas envolvidas no sistema de defesa antioxidante, entre elas a superóxido dismutase (SOD), além de ser um potente estabilizador das membranas celulares e de possuir uma relação com os sinais de membrana na regulação hormonal (GOLDFARB, 1999; CLARKSON & THOMPSON, 2000).

DIVULGAÇÃO

OBJETIVOS Avaliar a composição corporal de jogadores de futebol por meio da impedância bioelétrica. Avaliar a adequação da dieta em relação à macronutrientes e zinco.

RESULTADOS: ENERGIA/NUTRIENTES Energia (kcal/dia) Proteína (g/kg de PC) Carboidrato (%) Lipídio (%) Zinco (mg/dia)

ATLETAS 3640,5 ± 628,9 2,8 ±0,4 52,4 ± 5,5 24,8 ± 3,7 26,6 ± 5,0

PC = Peso Corporal *Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (2009)

RECOMENDAÇÃO 30 – 50 kcal/kg de PC* 1,2 – 1,6g/kg de PC* 60 – 70* < 30* 11** **DRIs (2001)

TABELA 1: Valores médios e desvios padrão de energia, macronutrientes e concentração de zinco presentes na alimentação do grupo de atletas em estudo (n = 12). PARÂMETROS Peso (kg) Altura (cm) IMC (kg/m2) Peso de Massa Magra (kg) Peso de Massa Gorda (kg) Gordura Corporal (%) TMB (Kcal)

ATLETAS 72,8 ± 5,3 176,3 ± 5,4 23,5 ± 1,5 62,8 ± 4,6 10,0 ± 3,3 13,7 ± 4,1 1909,7 ± 140,2

IMC= Índice de Massa Corporal; TMB=Taxa Metabólica Basal TABELA 2: Valores médios e desvios padrão de parâmetros antropométricos e da composição corporal dos atletas participantes do estudo (n = 12). METODOLOGIA Estudo de natureza transversal, analítico e experimental desenvolvido com os jogadores do time Piauí Esporte Clube (n=12). Para a seleção dos participantes foram adotados os seguintes critérios de inclusão: Não fumantes. Ausência de suplementação vitamínica-mineral e/ou uso de outros medicamentos que possam interferir no metabolismo do zinco. Ausência de doenças agudas ou crônicas que pudessem interferir na avaliação do estado nutricional relativo ao zinco. PARÂMETROS ANTROPOMÉTRICOS Peso (Kg): O peso corporal foi determinado, utilizando-se uma balança digital Plena com capacidade máxima de 150 Kg, graduada em 100 em 100 gramas, estando os participantes descalços e com roupas leves. Estatura (cm): A estatura foi mesurada com altímetro metálico, graduado em cm e estando o avaliado em posição ortostática, pés descalços e unidos, procurando pôr em contato com o instrumento de medida as superfícies posteriores do calcanhar, cintura pélvica, cintura escapular e região occipital, estando à cabeça esta orientada segundo o plano de Frankfurt (PETROSKI, 1999). IMPEDÂNCIA BIOELÉTRICA Para avaliação do percentual de gordura dos participantes do estudo foi utilizada a impedância biolétrica como aparelho BYODYNAMICS modelo 310, Body Composition Analyser – USA.

DETERMINAÇÃO DE MACRONUTRIENTES E DO ZINCO NA DIETA O consumo de alimentos foi avaliado por meio de um inquérito alimentar realizado de acordo com a técnica de registro alimentar durante três dias, compreendendo dois dias da semana e um dia do final da semana. Os participantes da pesquisa foram orientados quanto à forma correta de anotar os alimentos, discriminando o tipo de refeição, preparações, porcionamento, medidas caseiras, quantidades e horários em que foram consumidas. Os inquéritos alimentares foram analisados pelo programa computadorizado NutWin versão 1.5 do Departamento de Informática em Saúde da Universidade Federal de São Paulo (ANÇÃO et al., 2002). Os alimentos não encontrados no programa foram incluídos na determinação da composição de nutrientes, tomando-se por base a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO, 2006). CONCLUSÃO O consumo alimentar dos atletas avaliados neste estudo apresenta-se inadequado em relação à ingestão de proteínas e carboidratos, porém adequado em relação a lipídios. Os valores médios de zinco dietético apresentam-se superiores à recomendação. A avaliação da composição corporal dos atletas avaliados neste estudo mostra que os mesmos apresentam a adequada concentração de gordura.

Moisés Mendes da Silva – Mestrando em Ciências e Saúde na UFPI professormoises300@hotmail.com Nara Adília A. Cavalcante – Graduanda de Nutrição na UFPI Mariana Séfora B. Sousa – Graduanda de Nutrição na UFPI Nadir do N. Nogueira – Profa. Dra. da UFPI Dilina do N. Marreiro – Profa. Dra. da UFPI marreiro@usp.br


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TECNOLOGIAS

ATAPULGITA NO PIAUÍ: POSSIBILIDADES TECNOLÓGICAS

As argilas são recursos naturais que sempre foram utilizadas pela humanidade, como, por exemplo, na fabricação de objetos cerâmicos (telhas e tijolos) e utensílios domésticos. Possuem propriedades que podem ser modificadas, possibilitando seu uso na fabricação de vários produtos, colaborando para o desenvolvimento de novas tecnologias, competindo no mercado de forma igual ou superior a muitos produtos sintéticos. Em virtude da gama de aplicações tecnológicas, as argilas têm se tornado materiais importantes na indústria brasileira e mundial. A atapulgita, também conhecida como paligorsquita, é um argilomineral que consiste em um silicato de magnésio hidratado. Esse nome foi atribuído por Lapparent, em 1935, data de sua descoberta, em Attapulgus, no estado da Geórgia (EUA) e em Mormoiron (França). A partir de técnicas mais sofisticadas, o mesmo pesquisador mostrou que essa argila era a mesma paligorsquita descoberta em 1861 nos Montes Urais na União Soviética. Possui fórmula geral R5Si8O20(OH)2(OH2)4.4H2O, onde o R representa o cátion Mg2+, podendo também ser substituído pelo Al3+, Fe2+e Fe3+. Depósitos de atapulgita foram descobertos no município de

Guadalupe, no Piauí, distribuídos em uma área de 700 km2 com potencial de aproveitamento econômico. A atapulgita ainda pode ser encontrada nos municípios de Anísio de Abreu, Fronteiras, Paulistana, São Raimundo Nonato e Simões. Várias são as aplicações da atapulgita, que pode ser utilizada como absorvente de óleos (na limpeza de assoalhos industriais, em especial), suportes primários para biocidas, para banheiro de gatos ("pet" ou "cat litter"), para cobrir o chão de vagões transportadores de gado e para uso como absorvente de óleos e gorduras para rações animais. Outras aplicações incluem uso como agente tixotrópico em perfuração de poços de petróleo em regiões salinas ou com águas salinas; manuseio e distribuição de fertilizantes líquidos (ex.: amônia líquida); substituição do amianto crisotila em materiais de revestimento, vedação e pavimentação à base de asfalto; adsorvente e desodorante das frações do petróleo, especialmente querosene para motores a jato, e adsorventes para fins farmacêuticos. No Piauí, o interesse em pesquisas com esse argilomineral é cada vez mais crescente. Um dos fatores para tal investigação é sua

fácil obtenção na natureza, visto que o estado disponibiliza uma grande reserva de atapulgita. Pode ser utilizada em diversos setores de atividade humana, despertando o interesse de várias indústrias. Nos próximos anos, esse aumento será cada vez maior com melhores formas de processamento e qualidade em sua extração, possibilitando seu uso em diversas aplicações tecnológicas. Na Universidade Federal do Piauí, sob orientação do Professor Doutor José Machado Moita Neto (jmoita@ufpi.edu.br), desenvolvemos projetos de pesquisa com a atapulgita, analisando suas propriedades e seu potencial em novas aplicações tecnológicas, como a formação de compósitos para uso em tratamento de efluentes têxteis. Cristiany Marinho Araújo Mestranda em Química da UFPI crysmarinho@yahoo.com.br

AS POLÍTICAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE HABITAÇÃO: A ATUAÇÃO DA ADH

A habitação se caracteriza por ser um bem de consumo de características singulares, constituindo um elemento durável e de elevado valor. Infelizmente, uma parcela significativa da população não dispõe de condições financeiras para tal aquisição, constituindo-se, assim, em demanda imediata por habitação no Brasil. A habitação, quando se baseia na produção a baixo custo, no emprego de materiais alternativos e com propósito de servir a classes menos favorecidas, denomina-se habitação de interesse social. A habitação popular não se resume apenas a um produto, e sim a um processo, caracterizado como resultado de uma relação complexa de produção com determinantes políticos, sociais, econômicos, jurídicos, ecológicos, tecnológicos. Não se deve resumir a habitação popular à unidade habitacional, sendo necessário que seja considerada de forma mais abrangente, contemplando aspectos, como serviços urbanos: infra-estrutura urbana, equipamentos sociais, de lazer, educacionais, esportivos e de geração de emprego e renda. Observa-se que as cidades brasileiras não se prepararam para a forte demanda urbano/habitacional e cresceram desordenadamente e à margem dos instrumentos legais, com moradias em condições precárias de salubridade e segurança, comprometendo o meio ambiente e os recursos naturais necessários à vida, não só nos locais ocupados como nas regiões vizinhas. Em Teresina, capital do estado do Piauí, a realidade não é diferente. A cidade está localizada geograficamente na região “entrerios” (os rios Parnaíba e Poti), e se caracteriza por possuir um clima quente-úmido, com altas temperaturas, alta taxa de insolação, a inexistência de uma ventilação constante. A vegetação pertence à Mata dos Cocais, e com grande parte da população formada pela miscigenação entre brancos e índios, os caboclos, o que faz com que tais aspectos sejam preponderantes para o direcionamento da criação projetual de tipologias arquitetônicas apropriadas a esta realidade. Observou-se que, no que diz respeito às tipologias arquitetônicas existentes, 41,5% das casas utilizam tijolos e telhas cerâmicas, sendo 38,5% das casas em taipa de pau a pique e cobertura de palha (Figura 1), denotando a influência do meio ambiente local, uma vez que a cidade faz parte da região geográfica da Mata dos Cocais, com predomínio de palmeiras, como a carnaúba e o babaçu, dos quais são extraídos alguns materiais construtivos destas casas. Outra tipologia existente são os conjuntos habitacionais. Somente entre os anos de 1964 a 1990 foram construídos pela antiga COHAB/ PI 43 conjuntos, com aproximadamente 35 mil unidades, abrigando 150 mil pessoas. Muitos destes conjuntos estão em precário estado de conservação, necessitando de intervenções, tanto nas residências, como na infraestrutura dos mesmos. Conforme os dados do IBGE (Censo Demográfico 2000), o número de habitantes é de 779.939 pessoas, dos quais, 194.354 ocupam os domicílios urbanos, e 10.826, os domicílios rurais, totalizando 183.528 unidades. Apresenta um déficit habitacional quantitativo (Fundação João Pinheiro/ SNH/ Mcidades, ano base: 2000) em números absolutos

totalizados em 60.232 unidades, sendo 51.145 unidades na área urbana e 9.087 unidades na área rural. Destes, no que diz respeito à inadequação dos domicílios urbanos (déficit qualitativo), referente à inadequação fundiária, são totalizados 14.004 imóveis; 15.426 com adensamento excessivo, 40.758 domicílios sem banheiro e 53.995 com carência de infra-estrutura.

AS AÇÕES DA ADH EM TERESINA A oferta de produtos habitacionais da ADH está condicionada aos programas e linhas de financiamento do Governo Federal, FNHIS, OGU, MCMV e FGTS, e tem encontrado no FGTS uma importante fonte de recursos para a habitação, totalizando 60 % de sua produção oriunda deste fundo. São operados basicamente os programas Pró-Moradia e Carta de Crédito Individual em Operações Coletivas, denominado no estado de Semeando Moradia. Além da Agência de Desenvolvimento Habitacional (ADH) que opera ambos, a Secretária de Planejamento por meio do Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR) também tem produzido habitações no programa Semeando Moradia A única ação com recursos do OGU/ Orçamento Geral da União é a de Projetos Prioritários de Investimentos na qual a ADH está concluindo o conjunto residencial Nova Theresina, a 18 km do centro de Teresina (TD Entre Rios) com 527 unidades com área entre 50 e 57m². De forma geral, é possível perceber que os programas e projetos que têm como fonte de financiamento OGU/ Orçamento Geral da União são poucos e concentrados no Território de Entre Rios, mais especificamente em Teresina, chegando a R$15.000.000.00 no Residencial Prado Júnior, no bairro Nova Theresina. A produção habitacional, tanto privada quanto pública, se concentra em Teresina e em municípios com mais de 50 mil habitantes, sendo a produção de novas unidades habitacionais, com tipologias de casas unifamiliares térrea, em alvenaria. A oferta e a demanda por habitação produzida pela incorporação privada se concentram em Teresina, pois o município apresenta a população com nível de renda mais alto. Tal fato também pode ser observado em nível de oferta pública, que, na cidade de Teresina, apresentou 80% das unidades produzidas pela COHAB-PI (1966/ 2000) e concentrando 49% das ações da ADH, entre 2007 e 2009. Segundo dados coletados no documento de Revisão do PEHIS/PI (2010), a solução habitacional mais adotada é a construção de nova unidade habitacional, alcançando 81% do total produzido entre os anos de 2007 a 2009. E a cidade de Teresina recebeu 49% do total de unidades produzidas pelo Governo Estadual, neste mesmo período. Os produtos habitacionais mais comuns adotados são a casa térrea ou a cesta de material para construção. As casas têm, predominantemente, até 40m² de área com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço externa e utilizam como técnica construtiva, predominantemente, a alvenaria.

Atualmente, a ADH possui 5 grandes conjuntos em obras, 4 deles em Teresina (Conjunto residencial Prado Júnior no Nova Theresina; Residencial Jornalista Paulo de Tarso Morais, no bairro de Santa Maria da Codipi; Residencial Jacinta Andrade localizado, também, no bairro de Santa Maria da Codipi e Cidade 2000, todos inseridos na zona norte da cidade, em áreas ainda não consolidadas do ponto de vista urbanístico. Um aspecto que desperta interesse nestas propostas é que a ADH adotou para todos os seus empreendimentos a política de cotas em parceria com a Coordenadoria de Direitos Humanos e da Juventude. Os grupos que estão incluídos para benefícios através dessas cotas são negros(as), mulheres vítimas de violência, mães de menores infratores e o público GLBTTT (gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, travestis e transexuais). Visando diminuir o déficit habitacional local, o Conjunto Habitacional Jacinta Andrade (Figura 3) é um empreendimento que vem sendo realizado com recursos do PAC/Governo Federal e CAIXA, e tem como meta a construção de 4.300 casas, abrigando aproximadamente 20.000 pessoas, na zona norte do município de Teresina, a 18 km do centro. O empreendimento consiste num dos maiores investimentos federais na área em construção no País, e vem sendo alvo principal da política pública estadual e municipal, uma vez que envolve uma série de atores institucionais, como AGESPISA, CEPISA, Prefeitura Municipal de Teresina, entre outros. Pode-se aqui concluir, após algumas das reflexões realizadas, que a ADH-PI conseguiu realizar um bom trabalho na cidade de Teresina, apesar de alguns pontos relacionados, como a falta de projetos arquitetônicos de melhor qualidade projetual voltados para a realidade sociocultural local. Sabe-se que disso depende, também, uma mudança na política habitacional nacional, especificamente por parte dos órgãos financiadores destas obras, que devem abrir a possibilidade de soluções mais apropriadas a cada especificidade regional. Outro aspecto a ser considerado diz respeito à necessidade da implantação de uma instituição municipal que organize melhor a política municipal na área habitacional, podendo existir, assim, uma melhor parceria entre ações e programas do Estado e da Prefeitura, dando a oportunidade de se trabalhar em conjunto, e não, de forma individualista e distante, conforme vem ocorrendo. Alcília Afonso de A. Costa Profa. Dra. da UFPI kakiafonso@hotmail.com


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Considerando que a arquitetura deve ser vista antes de tudo como um ordenamento cujos princípios têm regras básicas, tanto para a distribuição espacial dos movimentos urbanos de veículos e pedestres, como para a localização das diferentes atividades que podem ser realizadas nos espaços urbanos, é necessário incluir uma complexa análise do entorno urbano do lugar onde as intervenções arquitetônicas têm um significado maior para o funcionamento da cidade do que possa imaginar nossa vã filosofia. Toda intervenção no espaço urbano vai gerar nova ocupação e novos ocupantes ou usuários, que passarão a usufruir da cidade existente. Imagine, o sistema urbano recebendo novos usuários sem que o projetista tenha se preocupado com este aspecto ao implantar o novo projeto. Para tanto, é necessário conhecer as características locais de ocupação, tipologia e morfologia urbanas. Explica-se tal necessidade por duas razões. Primeiro para harmonizar a ideia projetual com aspectos morfológicos tradicionais da área, e segundo, para identificar, dentre as características físicas, sociais e econômicas pertinentes ao sítio, aquelas que poderão se tornar restritivas ao projeto. Também é preciso identificar e localizar equipamentos e serviços urbanos existentes com o objetivo de conhecer sua capacidade de atendimento em função da demanda existente e da demanda pós-intervenção. Várias visitas à área de implantação do novo projeto poderão fornecer subsídios para evitar equívocos projetuais. Visitando os conjuntos habitacionais de Teresina, por exemplo, observa-se que alguns apresentam sinais de deterioração, enquanto outros apresentam condições urbanas mais aceitáveis. Como explicar a diferença entre eles? A explicação para a degeneração urbana ou insucesso projetual desses espaços urbanos tem várias causas. Em geral, os danos não estão relacionados ao sistema construtivo utilizado, mas sim, à forma como o espaço público e privado foi idealizado. A análise das diferenças existentes talvez aponte o caminho para uma projetação que assegure o sucesso da implantação desta tipologia. Sabe-se que, em muitos casos, a apropriação, ao longo do tempo e das necessidades que dela decorrem promovem uma correção do projeto. Este foi o caso do Conjunto Mocambinho. Entretanto, outros conjuntos são absorvidos pela cidade desde o início de sua ocupação. Conjuntos habitacionais, como Saci, Parque Piauí, e Itararé se apre-

ARQUITETURA DE RUA sentam com uma organização espacial em consonância com os aspectos mais tradicionais de nossa cidade, tais como uma arquitetura que prioriza espaços abertos tratados adequadamente de forma a propiciar o convívio social, que gera um sistema viário compatível com o da cidade, que busca a vinculação entre as áreas edificadas e a rua, que promove a interação da comunidade com a cidade, através de um fluxo direto, e que produz uma estrutura fundiária flexível, possibilitando o manuseio da célula habitacional e da unidade de parcelamento, por parte do usuário, de forma a adequá-los às suas necessidades, etc. Conhecer as peculiaridades do sítio permite a constatação de fatos que se tornam elementos do partido arquitetônico a ser adotado. Mas também se aprende em visitas à arquitetura já construída. Retomando o exemplo dos conjuntos habitacionais de Teresina, uma visita ao local demonstra o surgimento de uma arquitetura cheia de constituições, conexões entre espaço privado e espaço público, que se justifica por permitir à população um maior controle visual da rua, o que contribui para a conservação e segurança do espaço público e o qualifica. Significa dizer que intensificar a relação entre os espaços públicos e os espaços privados é uma boa prescrição projetual. A preocupação em harmonizar a proposta projetual aos aspectos tradicionais da cidade implica a necessidade de sair da prancheta e ir à rua olhar e assimilar suas feições e suas cicatrizes, para fazer bons projetos. Como vimos, o processo exige a experimentação do sítio. Mas também requer sua identificação no contexto urbano sob o ponto de vista de sua complexidade: legal, histórico, social, econômico, etc. Depois de analisar as legislações pertinentes acerca da exequibilidade do objeto arquitetônico no terreno selecionado, o arquiteto deve se perguntar: quais as particularidades do crescimento urbano deste trecho da cidade? Como a área se constituiu? E como ela se apresenta hoje? Quais suas permanências, transformações e acréscimos? Como esta área se integra à cidade? Há alguma barreira à continuidade da malha urbana? Conhecer a evolução urbana da área e suas características tipológicas e morfológicas atuais é fator de aproximação com o objeto arquitetônico e constitui variável de projeto.

O passo seguinte é identificar a composição demográfica da área e verificar como ela se distribui espacialmente. A densidade populacional será a variável obtida e principal restrição de projeto. Outras informações importantes poderão ser obtidas em instituições governamentais e dizem respeito à variável “densidade demográfica”, que remete aos dados socioeconômicos e estruturais. Refere-se à educação (número de escolas e creches, demanda atendida, demanda a atender, etc.); economia (renda mensal/domicílio); meio-ambiente; cultura; esporte e lazer; sistema viário; saúde e segurança. As informações obtidas até aqui devem fazer o arquiteto exercitar o PENSAR. Por exemplo: Como refletir tais informações espacialmente? Esta talvez seja a primeira discussão do arquiteto com ele mesmo. Ocorre, porque temos que considerar tal rebatimento como necessário à integração do objeto arquitetônico ao seu entorno. Outro tema bom para esta discussão solitária é: a implantação do objeto arquitetônico vai trazer que tipo de consequências à região? Aliás, diga-se de passagem, que o exercício de pensar, de refletir sobre o projeto e sua relação com as pessoas e com o entorno, acompanha o arquiteto durante todo o processo de projetação. E se tal discussão for compartilhada, ao invés de ser uma atividade solitária, melhor. Trará bons resultados para o projeto. Todas as informações coletadas e as constatações decorrentes das discussões deverão constituir subsídios para o arquiteto projetar corretamente durante todas as fases do projeto. O resultado? Será um objeto arquitetônico aprazível. A análise prévia permite uma implantação compatível com o sítio em termos de uso e ocupação. Projetado desta forma, com certeza a intervenção urbana será um sucesso. Ângela Martins Napoleão Braz e Silva Profa Msc. da UFPI abraz@ufpi.br

ESTUDO DO POTENCIAL EÓLICO NO LITORAL DO PIAUÍ

Atualmente, muito se tem falado em fontes renováveis de energia. Isso pode ser justificado pelo consenso mundial da comunidade acadêmica no sentido de alertar, cada vez mais, para os perigos que podemos enfrentar com o aumento acelerado do efeito estufa, oriundo de processos de combustão, que, por sua vez, emitem o gás carbônico CO2 em excesso, devido à utilização de fontes energéticas, como é o caso do petróleo, e também com o funcionamento de termelétricas, que, no seu processo de conversão de energia elétrica, utiliza a queima do carvão mineral. Podese dizer que essa utilização, que vem preocupando os ambientalistas pelo mundo a fora, teve um começo na revolução industrial no final do século XVIII, mas, naquela época, possivelmente não existia um grau de preocupação das consequências dos malefícios que essa revolução poderia nos trazer de ordem das mudanças climáticas, que hoje em dia muitos cientistas alertam que irá afetar o mundo todo num futuro próximo. Portanto, em tempos atuais, o incentivo a pesquisas que possam nos trazer uma garantia de geração de energia elétrica limpa, ou seja, livre de poluentes atmosférico e também renovável, deve ser uma constante no meio acadêmico, visto que não podemos pensar somente em uma substituição de fonte de energia, mas sim em garantir que nossas futuras gerações possam viver em um mundo saudável. Dessa forma, estaremos alcançando o chamado desenvolvimento sustentável, tanto divulgado pelos ambientalistas. Uma das fontes de energia que pode contribuir muito para a redução de gases estufa em excesso devido a atividades antropogênicas é, sem dúvida, a geração eólica, isso se pensarmos no fato de o vento ser uma fonte inesgotável de energia. E no caso do Brasil, especialmente na região do litoral nordestino, incluindo os estados do Piauí, Ceará, e Rio Grande do Norte, já é de consenso mundial que nessas regiões a qualidade dos ventos é tamanha que chega a ser incomparável como restante do mundo, principalmente com relação a pouca variação tanto na intensidade bem como na direção. Em nosso país a geração da energia cinética dos ventos em energia elétrica vem sendo bastante explorada nos últimos anos com a implantação de diversos Parques Eólicos em grande parte do território, aliás, foi no Estado do Ceará que se implantou um

dos primeiros Parques Eólicos em terreno de dunas. Abrindo então a oportunidade de implantação de diversos outros, como por exemplo, na praia Pedra do Sal na cidade de Parnaíba, no Piauí, como ilustrado na fig.(1). O primeiro Parque Eólico piauiense foi implantado pela Tractebel Energia, empresa do setor eólico, que o inaugurou em 13 de fevereiro de 2009. Esta usina irá produzir 18 MW por meio de 20 aerogeradores e estará interligada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) pela subestação da Companhia Energética do Piauí – (Cepisa), em Parnaíba (PI). Com um investimento total de R$ 102,8 milhões, a usina tem capacidade para operar em plena carga, de gerar energia elétrica para atender o consumo residencial de aproximadamente 70 mil pessoas, e ocupa uma área total de 540 hectares, sendo que cada torre possui aproximadamente 80 m de altura. Vale ressaltar que esse parque eólico foi planejado dentro do Programa de Incentivo para Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), lançado pelo governo brasileiro, em 2002. O objetivo principal deste programa é fornecer incentivo à utilização de energias renováveis, como por exemplo, energia eólica, solar e pequenas centrais hidroelétricas. A implantação do Parque Eólico da Praia Pedra do Sal foi um importante passo inicial para inserir o Estado do Piauí como um produtor em potencial para a geração eólica. Quando olhamos para os principais mapas de potencial eólico já produzidos até agora no Brasil, Figs.2 e 3, pelo Centro Brasileiro de Energia Eólica (CBEE) no ano de 1998, e Centro de Pesquisas em Energia Elétrica (CEPEL) em 2001, respectivamente, vemos que, de fato, há muito a ser explorado no Estado. Para a confecção dos dois mapas, foram utilizados dados de velocidade de vento medidos a uma altura de 50 m. Nos dois mapas, o litoral do Piauí possui intensidades médias de ventos superiores a 8,0 m/s. O Atlas Europeu do Vento, publicado pela empresa dinamarquesa Risø National Laboratory, em 1989, revelou que a um nível de 50 m de altura, as regiões de maior potencial eólico da Alemanha (um dos maiores produtores do setor eólico) estão localizadas em uma pequena faixa litorânea com velocidade média de vento entre 5 e 6 m/s. Com isso observamos que, muito embora, o litoral do Estado do Piauí seja pequeno,

comparado com a Alemanha, ou seja, são aproximadamente 66 km de extensão contra aproximadamente 300 km, ainda assim, é possível prever a implantação de mais Parques Eólicos na região litorânea, devido às empresas do setor eólico terem o interesse de aproveitar essa intensidade, e certamente fará com que haja uma significativa mudança na matriz energética do Estado. É importante dizer que não somente o litoral vem sendo pesquisado para implantação de Parque Eólico no território brasileiro, mas também regiões fora dele, como por exemplo: regiões serranas e ribeirinhas. No Piauí, é possível explorar todas essas regiões, em especial ao longo do rio Parnaíba e afluentes. Ficamos, então, ansiosos com mais instalações de empresas de energia eólica, a fim de trazer cada vez mais benefícios em diversos setores para o Estado do Piauí. Não esquecendo também que esse tipo de energia limpa e renovável poderá um dia substituir as fontes energéticas atuais que degradam o meio ambiente, retardando, assim, o aquecimento global.

Henrique do Nascimento Camelo Prof. Msc. do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (Parnaíba) henriquecamelo13@yahoo.com.br Thiago de Brito Pereira Graduando de Física do IFPI thiagodbpereira@yahoo.com.br


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CIÊNCIAS DA NATUREZA

VITAMINA E OU ALFA-TOCOFEROL?

O termo vitamina E é usado como descritor genérico de todos os derivados de tocol e tocotrienol com atividade biológica de α-tocoferol (IUPAC,1981). As formas encontradas naturalmente incluem quatro tocoferóis (α-, β-, δ- e γ-tocoferol) e quatro tocotrienóis (α-, β, δ- e γ-tocotrienol) (Herrera et al, 2001). É um micronutriente que tem como principal ação proteger os ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa das membranas celulares e as lipoproteínas contra a oxidação (Bramley et al, 2000). Alguns estudos têm indicado um provável envolvimento da deficiência de vitamina E na patogênese da aterosclerose, diabetes e alguns tipos de câncer, bem como na modulação da inflamação e resposta imune (Morrissey e Sheehy, 1999). Além disso, ela é importante nos estágios iniciais de vida, desde a concepção até o desenvolvimento pós-natal da criança, e a sua deficiência pode causar anemia hemolítica e afetar o desenvolvimento do sistema nervoso central, principalmente em recém-nascidos pré-termo, por causa das concentrações mais baixas de tocoferol no plasma (Azzi e Stocker, 2000, Debier, 2007). Do ponto de vista nutricional, o organismo humano re-

quer apenas a forma alfa tocoferol natural em conformação RRR. Essa nomenclatura depende de como os carbonos quirais presentes na cauda phytyl se ligam ao anel cromanol. A forma sintética, também conhecida como all-rac-alfatocoferol ou dl-alfa-tocoferol, possui uma mistura equivalente de oito estereoisômeros, sendo a conformação RRR apenas um desses estereoisômeros (Traber, 2006). Considerando as recomendações do Instituto de Medicina Americano (2000), um adulto deve consumir 15mg/dia da forma natural RRR-alfa-tocoferol. Esse valor é baseado na RDA 2000 (Recommended Dietary Allowance) que se refere à quantidade de nutriente que deve ser ingerida para atingir as necessidades de quase todos (97-98%) os indivíduos de um grupo. Tal fato resulta em valores diferentes, ao considerar que 1 UI (unidade internacional) de vitamina E corresponde a 1mg de all-rac-alfa-tocoferil acetato, 0,67mg de RRR-alfa-tocoferol, ou 0,74 mg RRR-alfa-tocoferil acetato. Portanto, 15mg/dia de RRR-alfa-tocoferol corresponde a 23UI da forma RRR ou 34UI da mistura racêmica. Em cálculos de dietas, suplementos na forma all-rac-alfatocoferol possuem um fator de 0.45mg/UI, refletindo a

inatividade dos Isômeros 2S. Além disso, existe mais um aspecto a considerar, que é a dificuldade em se obter a forma natural do RRR-alfatocoferol (antes denominada d-alfa-tocoferol), porque os óleos vegetais mais baratos, tais como os óleos de soja e de milho, possuem maior proporção do gama-tocoferol em relação ao alfa-tocoferol (Eitenmiller and Lee, 2004). Assim, fica o alerta à população de que apenas a forma natural da vitamina E, representada pelo isômero RRR-alfatocoferol (antes denominado d-alfa-tocoferol) é requerido pelo ser humano. A vitamina E sintética, normalmente oferecida em suplementos, possui apenas uma fração do que o organismo necessita e, por isso, é frequentemente encontrada nas farmácias com preços mais baixos do que a forma natural, RRR-alfa-tocoferol. Roberto Dimenstein Prof. Dr. da UFRN robertod@ufrnet.br

ANILHAMENTO DE AVES NO ALTO RIO ARAGUAIA/MT Este artigo reúne os dados coletados durante expedições científicas ao Rio Araguaia e seus principais afluentes nos Municípios de Alto Araguaia/MT e Santa Rita/GO. Para esse trabalho contei com a ajuda indispensável de meus alunos do Curso de Ciências Biológicas da UFPI/Bom Jesus: Junival Vieira Lima, Pedro Benvindo de Albuquerque Júnior, Alex Sobrinho da Rocha e Éverton Silva Vitorino além da aluna do Curso de Ciências Biológicas da USP, Raquel Colombo Oliveira, durante aproximadamente sessenta dias de excelente convívio, muito trabalho e vários quilômetros de estrada. Considerando a fragmentação de áreas e seus respectivos graus de isolamento, foi realizado o anilhamento da avifauna de nove áreas do alto Rio Araguaia, na divisa dos Estados de Goiás e Mato Grosso, durante dois períodos amostrais, um na época úmida (abril/2009) e outro na seca (julho/2009), enfocando a estrutura trófica e a relação das espécies de aves e seus habitats, como subsídio para análise de sua dinâmica ecológica. METODOLOGIA A área amostral é composta por nove regiões, cujos focos de coleta foram os fragmentos de matas residuais isolados, principalmente às margens de afluentes do rio Araguaia: rio Babilônia, ribeirão Claro, córrego Rico, córrego da Vaca, córrego do Sapo e Ribeirão Zeca Novato (Área 1: 17°36'12'' S, 53°13'53'' W; Área 2: 17°33'42'' S, 53°18'31'' W; Área 4: 17°13'52'' S, 53°09'15'' W; Área 9: 17°16'40'' S, 53°07'58'' W, no Município de Santa Rita de Goiás/GO, e Área 3: 17°14'18'' S, 53°16'14'' W; Área 5: 17°15'40'' S, 53°12'12'' W; Área 6: 17°12'03'' S, 53°09'54'' W; Área 7: 17°10'14'' S, 53°08'40'' W; Área 8: 17°01'49'' S, 53°03'39'' W, no Município de Alto Araguaia/MT). Esse procedimento se justifica, pois há pequenas diferenças da composição da avifauna, devido principalmente ao tamanho dos fragmentos e suas riquezas específicas. Foram utilizadas redes de neblina (mist nets) com dimensão de 3mX15mX3mm em todos os fragmentos estudados, num total de 30 redes, em 9 fragmentos, durante 22 dias, na primeira amostragem (período úmido) e 24 dias na segunda amostragem (período seco), permanecendo 5 dias em cada fragmento (10 redes, 150m), desde o amanhecer até uma hora depois de anoitecer, em três ou duas áreas concomitantes, para facilitar a execução dos trabalhos de campo. As redes ficaram abertas durante todo o dia (44 dias X 8h/dia

X 30 redes = 10.560h/rede). Os espécimes capturados nas redes de neblina foram anilhados seguindo manual de anilhamento do CEMAVE, com numeração específica. Alguns dados biométricos foram registrados por meio de paquímetro de precisão e pesolas, a saber: comprimento do bico, tarso cauda, asa e o peso, e foram observados, quando possível, a idade, o sexo, a presença de placa de incubação e a presença de canhões, o que poderia indicar período de muda das aves. Todos os dados biométricos, número das anilhas, lista de espécies e um guia fotográfico completo, de todas as espécies anilhadas compõem um livro submetido à Editora da UFPI para publicação (prelo). A nomenclatura das espécies e a distribuição por habitat seguem Sick (1997). Pela diversidade de ambientes do cerrado (sentido amplo), foram apenas consideradas as espécies florestais como espécies de Mata e espécies não florestais como espécies de Cerrado, e as categorias tróficas seguem Motta Júnior (1990): insetívoros (INS), com ¾ ou mais de insetos e outros artrópodes na dieta; onívoros (ONI), com mais de ¾ de insetos, outros artrópodes e frutos, em proporções similares; frugívoros (FRU), com mais de ¾ de frutos; granívoros (GRA), com ¾ ou mais de grãos; nectarívoros (NEC), néctar e pequenos insetos ou outros artópodes; carnívoros (CAR) e dretívoros (DET), vertebrados vivos e mortos, respectivamente, ao menos em ¾ da dieta. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram capturados 371 espécimes de aves, pertencentes a 85 espécies, que compõem 22 famílias e 8 ordens. A família que apresentou o maior número de espécies dentre os Passeriformes foi Emberezidae (23 espécies), seguida por Tyraniidae, e a família que apresentou o maior número de espécies dentre os não-passeriformes foi Trochiliidae. As espécies de aves com os maiores números de espécimes capturados foi Basileuterus hypoleucus (25 indivíduos), seguida por Turdus leucomelas (22 indivíduos) e Antilophia galeata (21 indivíduos). Durante a segunda amostragem foram recapturados 12 espécimes anilhados durante a primeira amostragem. Todos foram recapturados nas mesmas áreas onde foram anilhados, exceto um indivíduo de Galbula ruficauda, que, em apenas três dias, se deslocou pelo rio Araguaia ao longo de mais de 10km. Esse exemplo de deslocamento ao longo das áreas amostrais pode demonstrar a importância da mata ciliar para fluxo gê-

nico das populações de aves. Dos espécimes capturados, a maioria não foi possível determinar o sexo em decorrência da ausência de dimorfismo sexual aparente, e apenas cinco indivíduos capturados eram jovens, os demais eram adultos. Dos 198 indivíduos capturados na primeira campanha, 27% apresentavam placa de incubação, ao passo que dos 173 indivíduos capturados na segunda campanha 31% apresentavam placa de incubação, indicando período reprodutivo. A grande maioria das espécies capturadas é insetívora, seguida por frugívoros e nectarívoros, respectivamente, sendo a maioria das espécies dependente de ambiente florestado. Durante as amostragens, foi possível perceber diferentes deslocamentos de grupos mistos formados por traupídeos e emberezídeos no interior das matas de galeria, ao longo do dia. Em todas as áreas de estudo, o número de frugívoros foi acentuada e, segundo Motta Júnior (1990), a grande riqueza de plantas presentes nas matas de galeria deve ter favorecido a maior representatividade dos frugívoros neste habitat. Da mesma forma, a grande proporção de granívoros no cerrado esteve relacionada à abundância de gramíneas neste ambiente. A técnica de levantamento de avifauna empregada fornece um perfil da estrutura ecológica das áreas estudadas, e mesmo levando-se em conta o caráter secundário desses fragmentos, registrou-se a presença de espécies de grande importância ecológica - como dispersores de sementes, por exemplo - cujas populações se encontram em declínio por todo Brasil. Desta forma, este estudo parece corroborar a ideia de que, se os atuais níveis de perturbação ambiental continuarem, haverá uma tendência cada vez maior das aves onívoras e possivelmente das insetívoras menos especializadas aumentarem sua representatividade, sucedendo o contrário no caso dos frugívoros e insetívoros mais especializados, o que já vem ocorrendo, de certa forma, em vegetações secundárias e em ilhas de vegetação nativa cada vez mais comuns no Brasil. Anderson Guzzi Prof. Dr. da UFPI- Parnaíba/PI guzzi@ufpi.br


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MUSICOTERAPIA E PRATICANTE ESPORTIVO: RITMO SUPERANDO BARREIRAS

CÉREBRO, RITMO E MOVIMENTO O planejamento motor ocorre no lobo frontal, onde o córtex pré-frontal na superfície externa e a área motora suplementar analisam os sinais que chegam de outras partes do cérebro, indicando essa informação como uma posição no espaço e memória de ações passadas. Depois, essas duas áreas acessam o córtex motor primário que define quais os músculos que precisam se contrair, e envia as instruções pela medula espinhal até os músculos. Esses últimos devolvem os sinais para o cérebro. O cerebelo usa essa resposta muscular para auxiliar no equilíbrio e aprimorar os movimentos, sendo responsável pelo ajuste rítmico e reações emocionais à música. Os gânglios de base reúnem informações sensoriais das regiões corticais e as transmitem por meio do tálamo até áreas motoras do córtex (responsável pela modelação do ritmo, andamento e métrica, controle de movimentos intencionais e globais do corpo).

motora, que varia em suas manifestações, de acordo com a área encefálica comprometida. Muitos têm movimentos involuntários por ter comprometimento nos gânglios basais do cérebro. No Brasil, a capoeira é um esporte ou arte marcial que une a luta, a música e a dança. É um patrimônio cultural afro-brasileiro com infinitas possibilidades motoras. O ritmo na capoeira pode ser vivenciado através dos instrumentos musicais (berimbau, atabaque, pandeiro, agogô, reco-reco), movimentação corporal, palmas e canto. Em centros de reabilitação física, a capoeira trabalha com os objetivos de desenvolver noções de equilíbrio, ritmo, coordenação, harmonia de movimentos, flexibilidade, agilidade, força e velocidade. Também estimula a sociabilização, a integração familiar, inclusão social e melhoria da autoestima.

DIVULGAÇÃO

Assim como o universo, todo ser humano é dotado de ritmo. O ritmo é considerado o elemento musical mais associado ao movimento. Na atividade física, o ritmo facilita a coordenação motora e a integração funcional de todos os aspectos. Coordenação motora é a realização intencional de um movimento. O fisiologista Charles Fere (cronobiologia) concluiu que são os estímulos rítmicos, antes de quaisquer outros, que conseguem “aumentar o rendimento corporal”. São numerosas as pesquisas mundiais que apontam e reafirmam estas possibilidades de utilização benéfica. A presença de estímulos rítmicos acrescenta estabilidade imediata no controle motor, mais do que através de um processo gradual de aprendizagem.

EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS EM ATIVIDADES DESPORTIVAS Segundo Karageorghis, escutar música animada durante atividade física aumenta a resistência física e estimula o praticante a acrescentar mais 15% de tempo ao seu treino. E o melhor: sem perceber. O campeão de natação Michael Phelps utiliza sempre seu Ipod antes de iniciar as competições para melhorar sua concentração. Alguns atletas mentalizam canções preferidas, que julgam adequadas, para melhorar a performance. PARALISADOS CEREBRAIS E A UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA DA CAPOEIRA A característica principal da paralisia cerebral é a desordem

A MUSICOTERAPIA E O PRATICANTE ESPORTIVO O profissional capacitado em musicoterapia pode ser um importante aliado no planejamento e nas atividades esportivas. Seus conhecimentos técnicos podem ser utilizados na forma de consultoria, planejamento ou mesmo na aplicação de algumas práticas musicoterapêuticas durante os estressantes e exaustivos treinos diários. Nydia Cabral C. do R. Monteiro Musicoterapeuta do Centro Integrado de Reabilitação /Piauí nydiadoregomonteiro@ yahoo.com.br

CONTRIBUIÇÕES REICHIANAS PARA A PSICOSSOMÁTICA: O CONCEITO DE BIOPATIA Wilhelm Reich, enquanto exercia a Psicanálise na Clínica Psicanalítica de Viena e coordenava os célebres Seminários sobre a Técnica Analítica na década de 20, contribuiu para ampliar a função do corpo na psicoterapia, ao desenvolver seus estudos sobre as defesas caracteriológicas, observando as reações somáticas advindas do processo de interpretação e intervenção na dinâmica psíquica dos pacientes, na interpretação e na relação transferência/resistência (Reich, 1990). Elaborou o conceito de couraça de caráter (Brandão, 2008), como forma de compreender as tensões musculares subjacentes às defesas psicológicas vividas pelo sujeito em análise, ao entrar em contato com os conteúdos dolorosos e ameaçadores que foram recalcados. A partir de suas investigações e seu interesse na interface entre o conceito metapsicológico de libido desenvolvido por Freud e a produção de energia bioelétrica e metabólica no corpo decorrente da circulação orgânica no ato sexual, Reich criou a vegetoterapia caracteroanalítica, que consiste numa abordagem em que o analista intervém diretamente no corpo dos pacientes, através de um entendimento econômico e energético da psicodinâmica dos sintomas, interrelacionando aspectos somáticos com os conflitos inconscientes do sujeito, atuando diretamente nos bloqueios emocionais decorrentes da estase – energia libidinal acumulada decorrente do processo de frustrações no desenvolvimento psicossexual infantil (Trotta, 2008; Araújo, 2008), que podem ocasionar os mais diversos transtornos à saúde psicossomática do indivíduo. Nesse sentido, a vegetoterapia conceitua como biopatias os estados mórbidos nos quais a medicina oficial não reconhece a etiologia. São quadros patológicos sistêmicos e/ou degenerativos dos quais se conhece apenas a patogênese, em que um componente de ordem psicológica determina, desencadeia ou influencia a disfunção dos aspectos biológicos do indivíduo. Para Reich, toda patologia tem sua origem numa disfunção (no sentido de contração) do sistema nervoso autônomo, alterando toda a função biológica da pulsação plasmática do organismo, reduzindo sua condição energética. A contração simpaticotônica propicia modificações no ambiente celular negativo a sua vitalidade, aumentando a estase energética. Nesse sentido, a biopatia seria uma forma de resignação biológica, resultante de uma situação existencial em que o indivíduo se encontra incapaz de se adequar, voltando a energia estásica resultante do conflito para o impedimento da homeostase fisiológica. A biopatia, dessa maaneira, seria o sinal de canalização, em nível celular, da loucura,

da perda do controle, do desequilíbrio. Baker (1980) considera que as patologias estariam relacionadas com uma simpaticotonia crônica advinda da ansiedade do homem ao se deparar com sua impotência orgástica, ou seja, com a sua incapacidade de canalizar saudavelmente sua energia, devido a seus mecanismos de defesa caracteriais. Ou seja, o indivíduo não consegue ter uma vida gratificante e funcional pela fórmula do orgasmo, estando sob o peso de constantes frustrações. A respiração, nesse contexto, é comprometida - dificuldades de respirar estariam relacionadas a anseios e defesas ao contato com as sensações emocionais, vindas do corpo. Segundo Navarro (1991), a simpaticotonia está intimamente ligada com a emoção do medo, a qual deve ser foco da terapia corporal: “A emoção é um fenômeno vital de resposta a uma solicitação externa (...) A emoção primária de consequências negativas é o medo (que no fundo é sempre o medo de morrer, ou melhor, de não viver adequadamente” (p.12). Dessa forma, o medo é a emoção/base das patologias, por ser o elemento determinante/desencadeante da contração. É uma emoção que permanece impressa ou reprimida do consciente, mas se encontra presente no organismo, inscrito em nível celular, expresso e vivenciado na oportunidade de entrar em contato com os bloqueios energéticos através dos actings da terapia, que, como vimos, têm o objetivo de mobilizar a energia estagnada e evitar a entropia. Para ilustrar melhor o conceito de biopatia, podemos lançar um olhar sobre o câncer, objeto de pesquisa de Reich durante muitos anos, que gerou diversos artigos e o posterior desenvolvimento da vegetoterapia em orgonomia. Segundo o autor, o câncer é basicamente uma putrefação ativa do tecido, resultante da falta de impulsos para a expansão energética em nível orgânico – ou seja, uma alta potencialidade para a contração e a estase, mas sem possibilidades de se expandir, canalizar-se, de forma que o fluxo de energia diminui, interrompe-se. Nos casos de câncer, o organismo desistiu de fazer sua energia circular, causando no indivíduo um estado contínuo de resignação emocional, uma vida sem prazer. Uma respiração precária, segundo Baker (1980), provoca uma respiração celular interna precária em nível de tecidos, seguido de acúmulo de dióxido de carbono e anoxia. Dessa forma, o processo de carga e descarga se encontram comprometidos, a fórmula do orgasmo perde a importância na vida do indivíduo, que não consegue perceber com prazer o seu mundo. Geralmente, os tumores ocorrem em locais onde a simpaticotonia e a contração estásica provocam fortes couraças

musculares nos indivíduos. De acordo com Navarro (1991), um tumor pode ser conceituado como toda produção celular patológica constituída de um tecido neoformado sem fenômenos inflamatórios. Nesse sentido, o câncer enquadraria os tumores considerados como malignos, caracterizados por células irregulares, deformadas, que se reproduzem e podem se alastrar por todo o corpo. É importante ressaltar que toda biopatia está intimamente relacionada à compreensão da construção das defesas narcísicas do sujeito mediante as ameaças do mundo externo ou interno, que Reich conceituou como caráter. Uma clínica que trate qualquer transtorno psicossomático deve prestar atenção aos padrões de rigidez dessas defesas, que se expressam em formas de se comportar, para além do discurso verbal de nossos pacientes. Como bem nos fala Berlinck (2002), o sistema psíquico pode ser compreendido como nosso sistema imunológico mediante o mundo externo, ou seja, constrói-se nas defesas e nas estruturas cada vez mais complexas de interrelação e atribuição de sentidos aos eventos que nos ocorrem na dinâmica do processo de viver. Assim, mudanças psicológicas acarretam simultaneamente mudanças orgânicas, tendo em vista a formação contínua de novas sinapses e conexões posturais, a partir do processo de mobilizar as defesas psíquicas e trabalhar com a musculatura contraída e a distribuição energética/erógena do corpo.

Périsson Dantas do Nascimento Prof. Msc. da UESPI e da Faculdade Santo Agostinho perisson.dantas@gmail.com Mathilde Neder Prof. Dra. da PUC/SP - psiclini@pucsp.br


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CASAMENTOS E DEFICIÊNCIAS CONGÊNITAS EM SÃO GONÇALO DO PIAUÍ

A consanguinidade torna mais provável a homozigose dos genes deletérios, condicionadores de mortalidade precoce (em muitos casos, devido a anomalias graves) e de outras anomalias que se manifestam nos que sobrevivem, por exemplo: cegueira, surdo-mudez, retardamento mental, malformação congênita etc. (FREIRE-MAIA, 1990) Consanguinidade parental é um importante fator de risco para as deficiências congênitas e neurológicas. Quando se estuda o padrão de herança das anomalias recessivas, observa-se que há uma alta porcentagem de afetados que são filhos de casais consanguíneos. Este fato ocorre porque tais casais têm maior probabilidade de gerar filhos homozigotos do que os não consanguíneos. Sabe-se que 5% dos nascidos vivos apresentam alguma anomalia do desenvolvimento determinada total ou parcialmente por fatores genéticos. Acrescentando-se os distúrbios que se manifestam mais tardiamente, como em certas enfermidades crônicas degenerativas, fica ainda mais evidente o efeito dos condicionantes genéticos sobre a saúde. (Horovitz et al., 2006). No Brasil, nestes últimos 25 anos, as anomalias congênitas têm sido apontadas como a segunda causa de mortalidade de crianças em seu primeiro ano de vida (Brasil, 2006). A consanguinidade, evidentemente, também aumenta a probabilidade de genes normais, mas, como estes já apresentam uma elevada frequência, o acréscimo provocado em sua taxa de homozigose se torna desprezível na prática (SALZANO E FREIREMAIA, 1967). Nas populações brasileiras, ao lado dos casamentos não consanguíneos, existe sempre certa taxa de casamentos consanguíneos em diferentes graus e frequências (FREIREMAIA, 1989). Este fato reforça a necessidade de estudos da dinâmica desses casamentos e de suas consequências tanto genéticas quanto médicas. A genética médica lida com condições individualmente raras que constituem, no entanto, grupo não desprezível de doenças, com repercussões significativas e de relevância crescente para a saúde comunitária. Ressalta-se o papel do médico geneticista na abordagem dos defeitos congênitos, traduzidos a partir de defeitos congênitos, que englobam toda anomalia funcional ou estrutural do desenvolvimento do feto, decorrente de fator originado antes do nascimento, seja genético, ambiental ou desconhecido, mesmo quando o defeito não for aparente no recém-nascido, só se manifestando mais tarde (HOROVITZ et al., 2006). O Nordeste é a região que apresenta a mais alta taxa de casamentos consanguíneos e, embora essa taxa, como em outras regiões, venha baixando, com o tempo (FONSECA E FREIRE-MAIA, 1970), ainda pode ser considerada alta, principalmente no interior dessa região, quando comparada a outras regiões do país (FREIREMAIA, 1990). Casamento consanguíneo é algo incomum em muitas partes do planeta. No entanto, dados do ano de 2007 indicavam que no

Nordeste brasileiro a prevalência global de casamentos consanguíneos é de aproximadamente 9%, havendo locais isolados com taxas muito mais elevadas, como a cidade de São Gonçalo do Piauí – Piauí – Brasil, que apresentava uma taxa de 22% do total de casamentos naquele ano (IBGE). De acordo com o levantamento realizado pela SEID – Secretaria Estadual para Inclusão de Pessoas, os 4249 habitantes desta cidade sofrem com maior frequência de problemas de deficiência física, uma proporção de aproximadamente 3 em cada 10 pessoas possuem algum tipo de morbidade. Observou-se que as comunidades que constituíram o município de São Gonçalo do Piauí se formaram a partir da extensão das famílias que iniciaram a ocupação da Baixa do Coco (antigo nome da cidade). De modo geral, depois de algum tempo estabelecidas naquele local, muitas famílias procuravam novas e mais terras para o cultivo. Isso resultou na fixação de muitas pessoas nas proximidades do município, formando novas localidades que, com a emancipação da Baixa do Coco, tornam-se povoados do novo município (VILANOVA, 2007). As variações geográficas podem refletir em larga escala, as variações socioeconômicas e demográficas das populações, tornando o padrão sociocultural, socioeconômico, a migração e o grau de ruralização, nos principais responsáveis pela manutenção da distribuição diferencial dos níveis de endocruzamento no Brasil. As frequências de casamentos consanguíneos podem variar muito entre as diversas regiões de um mesmo estado, entre a zona rural e a zona urbana de um mesmo município ou até mesmo entre os diversos bairros de uma mesma cidade (SALAZANO E FREIRE-MAIA, 1967). Das 15 famílias analisadas e com um total de 539 pessoas citadas, cerca de 9% possuíam algum tipo de deficiência (4,8% mulheres, 4,2% homens); destes, 14% possuíam deficiência física (85% mulheres e 15% homens); 12% possuíam deficiência auditiva (50% mulheres e 50% homens); 37% possuíam deficiência visual (53% homens, 36% mulheres e 11% indefinidos) e 37% possuíam deficiência mental (63% homens e 37% mulheres). Dos acometidos, 49% eram provenientes da 1ª geração filial de casamentos consanguíneos; 8% da segunda geração; 2% da 3ª geração e 41% eram de casamentos não consanguíneos ou situações não informadas na ocasião da entrevista. Os heredogramas foram confeccionados com base nas informações fornecidas no inquérito familiar. Embora existam outros fatores de risco (ambientais, nutricionais) para a ocorrência de nascimentos de crianças com algum tipo de deficiência na cidade de São Gonçalo do Piauí, a hipótese mais provável para este fato é o alto número de casamentos entre parentes, visto que desde a colonização da região, que se deu por pequenos grupos, são inúmeros os casos de deficiências no município. A grande incidência de casamentos consaguíneos em São

Gonçalo parece estar relacionada com a origem e formação daquele município, pois a formação da sociedade sãogonçalense tem origem em algumas famílias que podem ser entendidas como as que alicerçaram a formação do lugar. Desse modo, devido ao número reduzido de indivíduos, registrou-se um alto índice de cruzamentos consanguíneo. Este fato reforça a necessidade de estudos da dinâmica desses casamentos e de suas consequências tanto genéticas quanto médicas. A realização de novos estudos incluindo um maior número de famílias e com grau maior de complexidade poderá evidenciar a existência de alelos ou de polialelos relacionados com essa problemática. As relações maritais de consanguinidade se mostram estatisticamente como um importante fator gerador desse problema, havendo a necessidade de aconselhamento genético dos casais sãogonçalenses que estão em fase de reprodução ou que desejam contrair enlace matrimonial. O reconhecimento de indivíduos ou famílias com malformação congênita ou patologia hereditária, muitas vezes, apenas complementado com histórico familiar detalhado e avaliação clínica básica por especialista capacitado podem ser suficientes para estabelecimento de diagnóstico e conduta. Uma abordagem clínica inicial próxima ao domicílio do paciente pode, além de evitar grandes deslocamentos, ser totalmente resolutiva. É possível criar estratégias para avaliação de grupos de pacientes em locais próximos aos domicílios através da figura do “geneticista itinerante”. Este profissional, vinculado ao sistema de saúde (e não a uma unidade específica), poderia atender com periodicidade pré-estabelecida, de acordo com a necessidade do local (semanal, mensal ou bimensal, por exemplo, cobrindo várias localidades), em polos de atendimento clínico, como cidades com hospitais universitários ou faculdades de medicina.

Manoel Cícero R. Júnior Prof. Esp. da Sec. Est. de Educação do Piauí manoelcicero@yahoo.com.br Antônio Sérgio de Sousa Prof. Esp. da Sec. de Educação do Maranhão as_bio@hotmail.com

PATOLOGIA DO MATERIAL ARGILOSO

Algumas patologias provenientes de materiais argilosos empregados no setor da construção civil, principalmente dos materiais utilizados na composição de argamassas são, via de regra, atribuídas à presença de sais hidratados no corpo desses materiais. As mais conhecidas são a eflorescência e a subflorescência ou criptoflorescência, que, na realidade, são variações da fluorescência, que, na região de Teresina, é conhecida popularmente como salitre. Eflorescência ou cristalização de sais é um processo que consiste na migração da umidade da parede externa para a interna, levando consigo sais solúveis. Como decorrência desse processo, aparecem manchas que afloram à superfície, alterando o aspecto visual do revestimento. As fases dominantes no processo são os sulfatos. O sulfato de cálcio, gipsita, é encontrado em ambientes urbanos e é considerado um fator de deterioração significante. O ânion sulfato pode ser fornecido pelos poluentes atmosféricos. Por soluções ascendentes, a partir das fundações das construções ou da dissolução da exsudação de cimento e argamassa, sendo nesse caso, também, uma importante fonte de cálcio. Os materiais das eflorescências são materiais cristalinos, ou seja, são materiais cujos átomos estão organizados em um arranjo periódico e regularmente espaçado em três dimensões, denominado de estrutura cristalina. O estudo dos materiais cristalinos, em geral, é feito pela combinação de métodos que identificam

sua composição química, sua estrutura cristalina e a morfologia de suas partículas. Estes três tipos de dados podem ser obtidos pela combinação da difratometria de raios X (DRX), com a microscopia eletrônica de varredura (MEV) e com a espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS). Ambos os métodos fazem uso dos raios X, que são parte do espectro eletromagnético com comprimento de onda menor que luz visível. Os raios X têm maior poder de penetração na matéria que a luz visível, e suas interações com os átomos dos materiais revelam suas diversas propriedades. A carbonatação é um fenômeno que consiste na evaporação da água do hidróxido de cálcio constituinte da argamassa ainda

úmida e na combinação do óxido de cálcio remanescente com o dióxido de carbono presente no ar, formando carbonato de cálcio. Em muitos casos, após a secagem, origina uma estrutura cristalina, resistente e impermeável. O fenômeno da eflorescência ocorre não somente em materiais argilosos, atuando como componentes de argamassas nas superfícies de alvenaria, uma vez que ele não está restrito somente a este tipo de aplicação, podendo ocorrer, portanto, em qualquer tipo de superfície alcalina, como fibrocimento e o concreto. A presença de sais hidratados nos materiais utilizados na composição de argamassas tanto de assentamento, quanto de revestimento, é responsável direta pela formação de eflorescências, quando estes reagem com água e ar em ambiente, no geral, de pouca ventilação e pouca luz solar. Condições atmosféricas aliadas a fatores como porosidade elevada do material empregado e excesso de água na confecção da argamassa contribuem diretamente para a aparição da eflorescência. Paulo Henrique C. Fernandes Prof. Msc. da UFPI pcampos@ufpi.br


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CARACTERIZAÇÃO QUÍMICO-MINERALÓGICA DE MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS O efeito Mössbauer, descoberto em 1958, fundamenta-se na absorção ressonante de radiação gama nuclear, sem recuo do sistema atômico emissor-absorvedor. O ferro é o quarto elemento químico em abundância, por massa, na crosta terrestre. O 57Fe é um dos isótopos (2,17 % de abundância natural) do ferro, com características nucleares muito apropriadas, para observação do efeito Mössbauer. Aproximadamente, uma década depois do aparecimento da espectroscopia Mössbauer, foi reconhecido o potencial analítico da técnica no estudo de materiais arqueológicos. Além do ferro, muitos outros isótopos Mössbauer, como o 119Sn (8,58 % de abundância natural) e o 197Au (100 % de abundância natural) apresentam aplicações na análise de artefatos arqueológicos. Dependendo do interesse, a espectroscopia Mössbauer possibilita a especiação químico-analítica e evidências experimentais sobre a estrutura magnética, a partir de parâmetros hiperfinos, na caracterização químico-estrutural. A análise Mössbauer do 57Fe de materiais cerâmicos, por exemplo, quando feita em conjunto com outras técnicas, como a difratometria de raios-X, pode oferecer, além de dados de caracterização químico-mineralógica, indícios da temperatura de queima dos artefatos e da natureza do ambiente (oxidante ou redutor) de combustão. A identificação das espécies químicas em que o ferro se apresenta e a presença de determinados argilominerais é de grande utilidade para a avaliação desses parâmetros de confecção de corpos cerâmicos. Do ponto de vista arqueológico, essas informações auxiliam no conhecimento das tecnologias que foram empregadas nos processos de fabricação de cerâmicas arqueológicas, contribuindo para o conhecimento sobre os níveis culturais dos grupos humanos autores. As possibilidades de aplicação da técnica na investigação de materiais arqueológicos se encontram em plena expansão, podendo abranger grande variedade de vestígios arqueológicos, tais como pigmentos minerais naturais, materiais de construção, paleossedimentos, vidros, entre outros. Mais recentemente, verificou-se a grande contribuição analítica com essa técnica nuclear, na caracterização química e mineralógica de pigmentos de pinturas rupestres pré-históricas (CAVALCANTE et al. Revista de Arqueologia, 2009; CAVALCANTE et al. International J. South American Archaeology, 2008), observando-se a quase inexistência de registros similares, na literatura científica, de caráter pioneiro, exceto pelos trabalhos de Klingelhöfer et al. (Hyperfine Interactions C, 2002), usando um espectrômetro de retroespalhamento de radiação gama, modelo

MIMOS II, e de Costa et al. (Hyperfine Interactions, 1991), com um espectrômetro Mössbauer em geometria de transmissão. Uma sólida parceria entre o Grupo de Pesquisa Arqueometria (CNPq), da Universidade Federal do Piauí, e o Laboratório Mössbauer, do Departamento de Química da UFMG, tem permitido a investigação, no laboratório, de pequenos fragmentos portadores de material pictórico, coletados de alguns sítios de arte rupestre do Piauí, da Bahia e da Argentina, culminando em pelo menos quatro dissertações de Mestrado (Tetisuelma L. Alves, Mestrado em Química, UFPI, 2010; M. Cleidiane P. Souza, Mestrado em Química, UFPI, 2009; Luis Carlos D. Cavalcante, Mestrado em Química, UFPI, 2008; Laiane M. Fontes, Mestrado em Química, UFPI, em andamento) e uma tese de Doutorado (Luis Carlos D. Cavalcante, Doutorado em Ciências, UFMG, em andamento). Além destas, há mais quatro dissertações (Mishell. S. Ibiapina, Mestrado em Química, UFPI, 2007; Reginaldo S. Leal, Mestrado em Química, UFPI, 2005; Benedito B. Farias Filho, Mestrado em Química, UFPI, em andamento; Lívia. M. Santos, Mestrado em Química, UFPI, em andamento) aplicando a espectroscopia Mössbauer em outros vestígios arqueológicos (cerâmicas, paleossedimentos, pigmentos minerais naturais, diversos depósitos de alteração, etc.). Os pigmentos utilizados pelos grupos humanos antigos em pinturas rupestres, são formados, mais frequentemente, por compostos, sobretudo minerais, contendo ferro. A grande contribuição da espectroscopia Mössbauer, especialmente na análise de pigmentos de pinturas rupestres pré-históricas, é, incisivamente, na identificação inequívoca dos óxidos de ferro responsáveis pelas cores dos registros gráficos. Os projetos de pesquisa devotados à caracterização química e mineralógica dos pigmentos rupestres de alguns sítios pré-históricos encontrados no Piauí, na Bahia e na Argentina usam primordialmente informações espectrais Mössbauer, para se identificar a composição de registros gráficos de sítios arqueológicos de arte rupestre pré-histórica. Todavia, outras técnicas também têm sido utilizadas (CAVALCANTE et al., Fumdhamentos, 2009; CAVALCANTE et al., CANINDÉ, 2008; CAVALCANTE et al., Revista de Arqueologia, 2008; CAVALCANTE et al., Química Nova, 2008; CAVALCANTE et al., Clio Arqueológica, 2007; CAVALCANTE et al., CANINDÉ, 2007; CAVALCANTE et al., Mneme Revista de Humanidades, 2005), como espectroscopia de energia dispersiva, microscopia eletrônica de varredura, difratometria

de raios-X (pó), fluorescência de raios-X, espectroscopia de absorção no infravermelho com transformada de Fourier, espectroscopia de absorção molecular na região ultravioleta-visível etc. Os resultados, até agora, da identificação de materiais de pinturas, em sua maioria vermelhas, revelaram parâmetros hiperfinos típicos da hematita (αFe2O3; espectro Mössbauer representativo, na Figura 1), com pequeno tamanho médio de partículas. Detectou-se, também, alguns outros compostos oxídicos (super) paramagnéticos, inclusive goethita (αFeOOH). A espectroscopia de energia dispersiva indicou, de forma geral, que os óxidos de ferro nas pinturas estão misturados com um pouco de argila, de sorte que a presença desses argilominerais contribui decisivamente para a prospecção de marcadores químicos interessantes, na identificação individualizadora da origem dos pigmentos minerais. No entanto, a micro-análise do material pigmentante tem sido prejudicada pelo fato de os concentrados de pigmentos se alojarem nos poros existentes na superfície do arenito suporte. Ainda assim, foi possível observar a forma das partículas de hematita e goethita, em algumas das amostras. Trata-se de um desafio de múltiplas dificuldades experimentais, especialmente em decorrência da complexa composição química e das pequenas quantidades das amostras, disponíveis para as análises, no laboratório. Ainda assim, a análise químico-mineralógica dessas pinturas tem mostrado evidências muito animadoras, com informações ineditamente detalhadas sobre a natureza mineral dos pigmentos das pinturas rupestres arqueológicas desses sítios.

Luis Carlos D. Cavalcante Prof. Msc. da UFPI - cavalcanteufpi@yahoo.com.br Maria Conceição S. M. Lage Profa. Dra. da UFPI - meneses.lage@hotmail.com José D. Fabris – Doutor em Química – jdfabris@ufmg.br

VERTEBRADOS DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DAS CONFUSÕES - PIAUÍ A Caatinga ocupa aproximadamente 800.000 quilômetros quadrados do território brasileiro e representa uma das áreas mais características do Nordeste. Embora sua fauna seja relativamente bem conhecida, trabalhos multidisciplinares têm mostrado que o bioma abriga uma diversidade muito maior que o imaginado, até recentemente. Este Bioma possui ampla distribuição no Estado do Piauí, cobrindo uma área de 37% do território, principalmente nas regiões leste e sudoeste, sendo caracterizada por apresentar porte arbóreo, arbustivo-arbóreo ou arbustivo, com densidades variadas. Embora possua reconhecida importância biológica pela presença de inúmeros elementos endêmicos, o conhecimento da biodiversidade faunística do Piauí é ainda heterogêneo, existindo, inclusive, unidades de conservação cuja fauna é ainda mal amostrada. Dentre estas, destaca-se o Parque Nacional da Serra das Confusões (PNSC), criado em 2 de outubro de 1998, possui uma área de mais de 500.000ha, encontra-se inserida no bioma Caatinga e foi recentemente apontado como uma área de máxima importância para preservação e investigação científica. A fauna de vertebrados terrestres deste Parque foi recentemente inventariada, por pesquisadores da Universidade de São Paulo, que encontraram 16 espécies de anfíbios, 43 de répteis, 221 de aves e 38 de mamíferos não-voadores e 22 de morcegos, totalizando 340 espécies. O Projeto de Pesquisas em Biodiversidade do Semiárido (PPBio SemiÁrido), implantado em 2005, com participação da UFPI, objetivou realizar uma nova amostragem desta fauna (com ênfase em mamíferos e répteis), coletando em outras localidades do PNSC, a fim de complementar os registros anteriores daquela fauna. Esta nova amostragem ocorreu em três expedições de coleta de material biológico, cada uma com quinze dias de duração, em áreas do Parque Nacional da Serra das Confusões, localizadas próximas às sedes dos municípios de Cristino Castro e Caracol.

Foram empregados diversos métodos diretos de amostragem de vertebrados terrestres, como armadilhas do tipo Sherman, Tomahawk, muzuá, redes de neblina, armadilhas fotográficas, armadilhas de interceptação e queda (pit-fall traps); e ainda métodos indiretos de amostragem, como procura por vestígios, pegadas, carcaças e entrevistas com moradores locais. Através do presente projeto, foram registradas 18 espécies de anfíbios, 32 de répteis, 42 de aves e 36 de mamíferos não-voadores e 32 de morcegos, totalizando 160 espécies. Somente o número total de espécies de morcegos e de anfíbios registrados no presente trabalho foram maiores que aqueles já registrados anteriormente. No entanto, inúmeras espécies são, pela primeira vez, registradas para o Parque Nacional da Serra das Confusões, indicando que sua fauna não é totalmente conhecida e outras espécies ainda podem ser registradas. Dentre estes novos registros, podemos destacar alguns mamíferos, como o gambá (Conepatus semistriatus), a irara (Eira barbara), o furão (Gallictis sp.), o guaxinim (Procyon cancrivorus) e uma espécie de marsupial (Micoureus demerarae). Além disto, uma espécie de cágado (Mesoclemmys sp.), quatro de lagartos (Hemidactylus mabouia, Lygodactylus sp., Bachia sp. e Vanzosaura rubricauda), três de cobras (Boa constrictor, Drymoluber brazili e Psomophis joberti), duas de anfíbios (Rhinella schneideri e Dendropsophus melanargyreus) e ainda 14 de morcegos (Anoura caudifer, Artibeus concolor, Artibeus jamaicenses, Eumops auripendulus, Lasiurus borealis blossivillii, Lonchophylla mordax, Micronicteris minuta, Micronycteris behni, Molossus ater, Noctilo leporinus, Pteronotus davyi, Pygoderma bilabiatum, Sturnira lilium e Tonatia bidens) são registradas pela primeira vez para o Parque Nacional da Serra das Confusões. Os presentes resultados reforçam o papel do Parque Nacional da Serra das Confusões, na manutenção de espécies da Caatinga e

de biomas adjacentes; como, por exemplo, os lagartos do gênero Stenocercus, o morcego Vampyrum spectrum e a cobra-cega Siphonops annulatus, que são espécies típicas de ambientes úmidos. Além disto, as grandes dimensões desta Unidade de Conservação do Estado do Piauí permitem ainda a manutenção da existência de espécies de aves e mamíferos de médio e grande porte, algumas delas criticamente ameaçadas de extinção, como a onça-pintada (Panthera onca) e a suçuarana (Puma concolor). É ainda importante frisar que este Parque Nacional necessita de melhorias em sua infraestrutura e maior fiscalização; de forma a coibir e/ou diminuir os impactos à biota local, causados pela pressão de caça e tráfico de animais silvestres e por pressões da agricultura e pecuária. Espera-se continuar a amostragem na referida UC, de forma a entender os padrões de distribuição destas espécies na área de estudo, o que subsidiará futuras medidas conservacionistas locais.

Janete Diane N. Paranhos Profa. MSc. da UFPI – jparanhos@ufpi.edu.br Leonardo Sousa Carvalho Prof. MSc da UFPI carvalho@ufpi.edu.br


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RESTINGAS: E QUANDO O VIZINHO NÃO É A FLORESTA ATLÂNTICA? guar e os litorais do Ceará, Piauí e Maranhão têm como ecossistemas vizinhos mosaicos vegetacionais constituídos por caatingas e áreas de transição Cerrado-Caatinga. Ao estudarmos três restingas no litoral nordestino setentrional, a princípio, percebemos que a composição florística nesta região repetia os padrões encontrados nas diferentes investigações ao longo de restingas do litoral nordestino oriental e da região sudeste. Com pequenas variações nas feições da paisagem, as restingas da Área de Preservação do Delta do Parnaíba, no Piauí, mostravam uma vegetação predominantemente arbustiva, inclusive com caducifolia (queda das folhas) no período de estiagem. Tal qual o que ocorre nos mosaicos vegetacionais vizinhos, constituídos por áreas de transição Cerrado-Caatinga. Ao aprofundarmos a pesquisa, coletando exemplares para identificação e montagem de um check-list das espécies, obtivemos dados que permitiram uma comparação com outras restingas do Nordeste e com outros ecossistemas como o Cerrado, Caatinga, áreas de transição Cerrado-Caatinga, Floresta Atlântica e áreas de Floresta Amazônica. Nossa investigação se centrou em verificar qual o ecossistema que melhor contribuía para a composição florística destas restingas, confirmando (ou não) a influência dos ecossistemas adjacentes na colonização das áreas vizinhas de restinga. Os resultados obtidos através de análise multivariada dos dados mostraram uma afinidade maior entre as restingas da APA do Delta do Parnaíba com restingas do litoral nordestino oriental. Ressalvando-se o fato de que, embora não existam espécies típicas somente das restingas (endemismos), muitas espécies são frequentadoras assíduas do ambiente, estranharam-se os resultados obtidos, uma vez que o litoral

DIVULGAÇÃO

Restinga é o conjunto das plantas que vivem próximo às praias. Sob o ponto de vista botânico, é a vegetação que ocupa áreas de influência marinha em solos de areias quartzosas (neossolos quartzarênicos) de idade Quaternária. Grande parte da costa brasileira apresenta estes solos ocupados por diferentes comunidades vegetais, cuja composição expressa uma continuidade da floresta atlântica. Pelo menos é o que revelam estudos acadêmicos desenvolvidos nos litorais do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, em diferentes restingas. Estes estudos listam mais de 50% das espécies de restinga como pertencentes à Floresta Atlântica. As restingas são ambientes recentes. As alterações no nível dos oceanos promoveram a imersão e emersão sucessiva dos litorais, alterando sua topografia, criando habitats e permitindo novos processos de colonização do ambiente, todas as vezes que o nível do mar sofreu rebaixamento. Segundo alguns autores, não houve tempo suficiente para formação de espécies endêmicas neste ecossistema, tendo em vista que estas modificações ocorrem em períodos relativamente pequenos (estamos a cerca de 10.000 anos do último evento). As comunidades vegetais da restinga, deste modo, são formadas por espécies dos ecossistemas vizinhos. O ambiente propicia uma seleção das espécies que tem facilidade em ajustar-se, ou seja, que detém plasticidade fenotípica suficiente para suportar as suas variações, no que se refere a fatores como ventos, insolação, salinidade, restrições hídricas, restrições nutricionais entre outras. O Nordeste brasileiro apresenta um litoral dividido em duas frentes atlânticas: litoral nordestino oriental (da Bahia ao Rio Grande do Norte) e o litoral nordestino setentrional (do Rio Grande do Norte ao Maranhão). Com toda sua extensão, apenas as restingas do litoral nordestino oriental apresentam vizinhança com o que restou da Floresta Atlântica. Boa parte do litoral poti-

Restinga na APA do Delta do Parnaíba: uma paisagem dominada por dunas e carnaúbas.

nordestino oriental tem a floresta atlântica como vizinha, enquanto na região setentrional os vizinhos são mosaicos que combinam espécies de Caatinga e Cerrados. Outro achado importante foi a maior semelhança das restingas da APA do Delta do Parnaíba com áreas de Floresta Atlântica da Paraíba e de Pernambuco, muito embora, na lista de espécies, encontrem-se pelo menos 30% de espécies típicas da Caatinga. Foram assinaladas espécies incomuns para áreas de restinga, como Maclura tinctoria, típica de florestas de altitude, e Manilkara cavalcantei, típica do ambiente amazônico, o que reforça o caráter ecotonal (de transição) da região estudada. Assim, concluímos que embora muitas espécies presentes nas restingas do Delta do Parnaíba pertençam aos ecossistemas mais próximos, as áreas estudadas apresentaram maior semelhança florística com a Floresta Atlântica, sem que esta apresente qualquer remanescente próximo. A Floresta Atlântica é, portanto, o principal ecossistema a contribuir com as espécies que ocupam as restingas, mesmo que estas estejam geograficamente distantes. É provável que estas espécies tenham seguido rotas próprias para o estabelecimento, nestas restingas, com diferenças no clima, especialmente no regime de chuvas e tão distantes sob o ponto de vista geográfico. Há de se continuar a investigação. Francisco Soares S. Filho Prof. Dr. da UESPI fsoaresfilho@gmail.com


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