Artesanato & Design

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tentativa de intervenção Este trabalho é uma respeitosa em artesanatos que possuem um profundo engajamento imagético

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Tamires Pará Pedroso DRE: 110.055.765 2º período. 2010/2 Teorias do Design II Profª Norma

e comunicativo, de forma que o designer precisa de todo o cuidado para não destruir o embasamento cultural conseguido pelo artesão na sua busca pela divulgação dos artesanatos. A comunicação visual de artesanatos deve priorizar a integridade dos mesmos, vendê-los como ele são e como foram feitos. Muitas vezes, na busca pelo sucesso e pelo lucro, o próprio artesão esquece do caráter cultural especialíssimo que o seu trabalho possui - este une realidades, dimensões diversas: as praias de Copacabana, o Saci-Pererê, o Cristo Redentor, o cenário rural, tudo no mesmo tempo e no mesmo espaço - a feira. O ecodesigner precisa, primeiramente, confluir com esse paradoxo,alimentá-lo e alimentar-se dele, orientar o artesão sobre o que pode e deve ser feito para que seu produto tenha o alcance merecido na sociedade. Designer e artesão devem, portanto, interagir holísticamente.


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artesanato escolhido por mim na feira de Ipanema foium conjunto de quadros feitos com folhas secas devido às suas composições harmoniosas, tons pastéis e pelo fato de serem, a primeira vista, artesanatos que tinham tudo pra chamar a atenção justamente por serem naturais, além do baixo custo de manutenção. Mais do que isso: a artesã escolheu o caminho menos óbvio e mais emotivo para retratar: quando todos os outros faziam o Pão de Açúcar, ela lembrava do que sentia na sua antiga casa, em Minas Gerais - ela aborda um tipo menos óbvio de cultura brasileira. Eles variam de ta-manho e temas, que podem ser: rurais (Fig. I), culturais ou urbanos (Fig. II) e temáticos (Fig. III). Os tamanhos costumam ser A4, A3 e A5 e o papel usado é o Canson de gramatura alta.

Fig. I: quadro de elementos rurais do interior de Minas Gerais. Foi feito no tamanho A4 e custa aproximadamente R$ 15,00.

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Fig. III: quadro de elemento temático. Foi feito no tamanho A5 e custa aproximadamente R$ 5,00 cada. Exemplo de folhas com corantes. Fig. II: quadros de elementos culturais do Rio de Janeiro. Foram feitos no tamanho A5 e custam aproximadamente R$ 5,00 cada.


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a feira de Ipanema, a peça que mais chamou atenção esteticamente foi um quadro de uma paisagem, aparentemente feito com folhas secas. Curiosa para saber mais sobre esse trabalho, me aventurei a entrevistar a artista que estava no estande.

Tamires Pará

Muito bonito o trabalho que a senhora vende. É você mesma quem o faz? Se sim, a senhora se importaria de eu fazer umas perguntas sobre o seu trabalho? Sou do curso de Comunicação Visual Design da UFRJ e estou fazendo um trabalho sobre design & artesanato...

Ana Maria Brasil

Sim, a artesã sou eu. E não tem problema nenhum em fazer entrevista, eu é que fico lisonjeada.

Olhando o trabalho simples mas especial que a senhora faz, onde a senhora busca inspira-ção para as suas composições? Eu nasci no interior de Minas e morei lá praticamente metade da minha vida. Hoje, tenho quase oitenta anos e sou aposentada, mas mesmo vindo morar no Rio de Janeiro, não pude deixar de ignorar minha origem rural. Por isso, em muitos quadros meus, eu procuro me lembrar de como a vida era calma e de como eu tinha tempo de reparar mais nas coisas - paisagens, principalmente - ao meu redor. Quando vim para a Cidade Maravilhosa, eu procurei trazer um pouco da cultura daqui para o meu trabalho, até porque é o que costuma vender mais. Mas sempre procuro diversificar o meu trabalho e não negar de onde vim. Sempre em contato com a natureza.

A senhora usa esse trabalho como complemento da sua renda? Você mesma desenvolveu essa técnica?

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Infelizmente, não fui eu quem a desenvolvi, eu tive um tutor; é um artista plástico de Minas gerais, com quem fiz amizade, que me ensinou uma boa forma de me expressar visualmente. Sobre a renda, bom, invariavelmente acaba ajudando a pagar as contas, a aposentadoria hoje não é lá grande coisa mesmo... Mas eu faço porque eu realmente gosto de me expressar dessa forma e eu tive a sorte de ter uma família estruturada que me possibilitou isso.


Ana Maria Brasil em seu estande, na feirinha de Ipanema.

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Alguém te ajuda a fazer os quadros? Como é o processo de confecção das peças?

Primeiramente, eu coleto a matéria-prima, que no caso são as folhas secas e as cascas de árvore. Aqui mesmo em Copacabana eu consigo umas boas folhas, mas onde rende mesmo é em Nova Iguaçu. Eu costumo fazer essas viagens de colheita mensalmente. Depois, eu limpo as folhas, as trato para fungos, para que a peça não apodreça, e colo a composição numa folha de Canson (pode ser A3 ou A4, mas prefiro A3) de gramatura alta. Dependendo do quadro, eu também uso corantes em algumas folhas para colorir. Na hora de vender, eu uso uma moldura de eucatex e vidro para proteger, depois embalo com papelão. (Fig. IV) Se não, eu coloco ele em sacos de plástico transparentes.


Esse anti-fúngico que você usa, ele é natural? Se pudesse, eu gostaria de saber isso sobre os corantes e a cola que você usa.

Olha, eu infelizmente não posso revelar essa informação a pedido do meu tutor, pois assim revelaríamos a fórmula que usamos na cola e isso causaria problemas para nós, caso essa informação caia em mãos erradas...

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E esse produto é popular aqui na feirinha de Ipanema? Com qual freqüência você diria que seus produtos são comprados?

Bom, se você considerar que eu já vendi 14.716 quadros de Jane-iro desse ano até esse momento, eu acho muito. Não sei dos ou-tros estandes, mas eu mantenho um controle de vendas aqui, com nome, CPF e telefone das pessoas que compram. Nunca parei pra fazer estatística, mas acho que seria bom, né?

Impressionante. E o custo desse trabalho que você faz, por volta de quantos reais dá pra fazer um desses?

Olha, todos os dados eu não posso revelar, porque tem aquela questão da cola e tal e eu também nunca parei pra fazer a conta por unidade. A colheita da matéria prima me custa nada, quando muito o dinheiro da passagem pra Nova Iguaçu, que sai uns RS10 ida e volta. Eu compro o Canson à parte, geralmente uso um bloco A3 com 20 folhas de 200g/m², que costuma custar R$15. A moldura de eucatex e o vidro costumam ser usados dependendo do cliente, tem gente que leva sem, tem gente que gosta de proteger... e o papelão é praticamente de graça, às vezes eu até reaproveito o que tenho em casa ou acho na rua.

Então, o que a senhora faz pra divulgar o seu trabalho? É a última pergunta, obrigada por respondê-las.

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De nada. Minha nora sabe mexer com computadores - Deus sabe que eu tentei, mas aquilo não é pra mim - e fez um site com umas fotos do meu trabalho. É bem simples mesmo, só um quebra-galho. Eu tenho também aquela plaquinha dizendo que faço meu trabalho com insumos naturais. Ah, eu costumo freqüentar outras feirinhas em outros Estados, aí eu divulgo minha estadia em outras feirinhas; e tenho um cartão de visitas, que eu distribuo quando posso.


VIDRO que serve para proteger as folhas

FOLHAS E CASCAS de madeira que formam as imagens

PAPEL CANSON que テゥ o suporte das ilustraテァテオes

EUCATEX que protege o verso do quadro Fig. IV: esquema de montagem do quadro para ser entregue ao cliente.

PAPELテグ que reveste a obra toda

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TIPO DE PROJETO produto NATUREZA não-lucro RETORNO satisfação de mostrar o próprio trabalho MÃO DE OBRA ENVOLVIDA colheita das folhas e produção individuais

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PRODUTO E//OU SERVIÇO MATERIAL RECICLADO papel canson, mistura de cola especial, revestimento de eucatex, papelão, mistura de cola especial MATÉRIA-PRIMA VIRGEM folhas caídas de árvores, cascas de árvores QUANTIDADE DE MATERIAL RECICLADO 20% QUANTIDADE DE MATÉRIA-PRIMA VIRGEM 80% QUANTIDADE DE LIXO PÓS-CONSUMO 100%, sendo que boa parte torna-se compostagem LIXO BIOLÓGICO folhas caídas de árvores, cascas de árvores, papel canson, revestimento de eucatex, papelão

Fig. V: placa e cartaz de divulgação do trabalho de Ana Maria Brasil, tanto em inglês e português.

LIXO TECNOLÓGICO teoricamente, a mistura de cola especial TÉCNICA EMPREGADA colheita; tratamento para fungos nas folhas; colagem das folhas no papel canson; às vezes, as folhas são colorizadas com corantes. No uso diário, usa-se um suporte de eucatex e vidro (Fig. IV) para que a peça dure mais e no transporte, um revestimento de papelão. ESTRATÉGIA DE MERCADO ANÁLISE DE CONSUMO 14.716 pessoas compraram seus produtos desde Janeiro/2010 QUEM CONSOME turistas,estrangeiros ou não, variando de 20-60 anos CAMPANHAS site de design obsoleto e infuncional; placa (Fig.VI); feiras em outros Estados; cartão de visita. PUBLICIDADE E PROPAGANDA placa em em português e inglês (Fig.V).


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artesã Ana Maria Brasil pode não ser ecodesigner, mas seu pensamento foi certo em vários momentos durante minha análise. Primeiramente, ela não se restringiu ao óbvio visualmente falando; dentro da feirinha, vários artesãos abordam os mesmos temas incansavelmente - o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar - mas ela variou seus temas espertamente, pois sabia (ou não) que, assim, atingiria um público-alvo maior.

TECNOLOGIA

Depois, ela se utilizou das folhas secas e cascas de árvores para fazer suas composições, que são matérias-primas extremamente abundantes e de baixo custo, quando não zero. Ainda, pôde justificar o uso desse material como contato com a natureza. Usar o eucatex também foi inteligente, porque ele pode ser reaproveitado.

Mas o maior acerto dessa artesã, na opinião desta humilde aluna, é o fato dela ser o que é - fazer o que faz - porque gosta. Isso faz com que seus produtos possuam um diferencial uma sensibilidade, talvez? - que os destaca da multidão. O trabalho passa a ser parte dela e, com isso, vem a certeza de um trabalho de altos refino e qualidade.

Gráfico Tecnologia VS. Cultura. O trabalho de Ana Brasil possui um embasamento teórico-cultural muito forte, que torna os problemas técnicos de materiais apenas detalhes a serem consertados.

Não obstante, ela cometeu alguns erros que podem ser fatais. Para começar, não divulgou a fórmula dos corantes, anti-fúngicos e colas que usa. Que cliente confiaria em um vendedor que não revela a origem de seu produto, quando perguntada? Infelizmente, esse erro pode causar a perda de credibilidade em Ana Maria Brasil, afastando potenciais clientes. Outro erro é não investir em propaganda bem feita. Um cartaz, um cartão de visitas mal feito pode indicar falta de cuidado com a própria imagem da artesã, causando a posterior dúvida da qualidade de seu trabalho. Além disso, um trabalho gráfico de qualidade intimida quem vai criticar o trabalho e impressiona quem vai comprar; mal ou bem, traz uma aura de profissionalismo. Dentro desse mesmo tema: a propaganda usada não

divulga sua inspiração cultural, nem nada sobre sua vida, seu desejo de ser artesã; certamente chamará mais atenção dos clientes um estande de artesanato que prega o ofício como prazer e não como dever. No entanto, o erro crasso de Ana Maria Brasil pode se encontrar não na divulgação, mas na produção de seus quadros. Como a informação não foi divulgada, não é certeza, mas se, por exemplo, os corantes/ colas/anti-fúngicos utilizados fossem danosos à saúde ou poluíssem o ambiente, tratar-se-ia de contaminação de metabolismos, o que traz problemas quando se vai jogar o produto no lixo. Ainda, o uso do eucatex poderia ser substituído por outra matéria-prima natural, fazendo com que todo o lixo gerado por esses quadros se tornasse compostagem.

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CULTURA

Ana Maria Brasil também tentou divulgar seu trabalho de formas variadas, coisa que é escassa na feirinha, principalmente através de cartazes bilíngues (inglês e português). Mais uma vez, seu produto abrangiu um público-alvo maior. Ela também mantém um caderno de dados contabilísticos, com nome, CPF, endereço e telefone das pessoas que compram seus produtos, possibilitando que, no futuro, uma estatística possa ser feita e ela possa focar no tipo de quadro que vende mais.


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O PROJETO GRÁFICO

de Ana Maria Brasil já está estabelecido conceitualmente, portanto os ajustes a serem feitos são detalhes técnicos do ecodesign e de propaganda. Enumerarei as mudanças a serem feitas a seguir: Caso o corante/anti-fúngico/cola especial seja prejudicial à saúde ou seja de outro metabolismo (não natural), substituí-los por produtos naturais para que esse produto se torne somente lixo biológico e, dessa forma, torne-se compostagem. É válido diminuir o tempo útil de vida do produto em prol desse objetivo. Além disso, se durasse demais, os clientes começariam a se perguntar se o quadro é realmente 100% natural. Substituir também o plástico que reveste os quadros no mostruário, por vidro. O eucatex pode continuar revestindo o fundo do quadro, pois é reciclável; daí querer a mudança para o vidro. Na parte de propaganda, ressaltar o embasamento histórico-cultural da vida de Ana Maria Brasil, além do fato de seu produto ser 100% reciclável e inofensivo ao meio ambiente; e de ela fazer quadros como aspiração de vida, não como dever, trabalho. Se possível, colocar

as fórmulas dos produtos usados (mesmo que sejam naturais; honestidade no mercado é necessária) e dizer se são naturais ou não. Na programação visual: projeto de cartão de visita personalizado (infelizmente o dela não transmite o diferencial de seu trabalho); banners em outras feirinhas que a artesã freqüenta, colocando nele seu telefone para contato, site e local em que se encontra na feirinha de Ipanema; site diferenciado, com possibilidade de encomendas online e com cadastro no Google Ads; projeto de embalagem natural de folhas personalizada para embalar seus quadros, substituindo o papelão; placas e cartazes personalizados em inglês, português, espanhol e francês (a incidência dessas nacionalidades de estrangeiros é grande na feira e, dessa forma, não mostrará favoritismo ao inglês); projeto de logotipo para o estande na feirinha; investimento em sacolas ecológicas com os motivos dos quadros, também feitos de folhas.

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