Vol. V //
Anos Ruptura + ‘Alternativa Zero’ Exposição ‘Alternativa Zero’ e Ernesto de Sousa
Ultra vox
As reacções à exposição “Alternativa Zero” foram ora laudatórias ora assoladoras...
Carolina Ferreira // 5871
Tânia Rodrigues // 5778
Marco para uns // real falta de alternativa para outros, esta foi a “Alternativa Zero”
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CONTEXTO “O projecto sobre as obras, a intenção sobre o resultado, a atitude sobre o objecto.” » EXPRESSO/Cartaz, “Questões Alternativas”,
5 Julho de 1997
» Ernesto de Sousa, João Melo, Ana Gusmão, Jorge Peixinho, Carlos Gentilhomem
Contexto
«Apesar da década de 60 ter sido marcada por uma vida intensa de exposição de diversos tipos de arte, não ecoaram, em Portugal, as revoluções políticas e ideológicas do ano de 68. Considerou-se, mesmo, que a situação artística portuguesa tinha piorado e que não havia possibilidade de existência do crítico de arte profissional. Contudo, houve transformações na linguagem de alguns artistas que foram desenvolvidas de forma individual e que se foram consolidando ao longo dos anos 70, embora nunca como expressão dominante.
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Alternativa Zero
» Isabel Albuquerque, “A Polémica da Alternativa Zero”, 2001
Mas é durante esta década que se vão dar dois acontecimentos decisivos: o primeiro foi a revolução de 25 de Abril de 1974 que transformou o país não só no plano político, histórico e económico, como também culturalmente, o que no sector das artes se reflectiu através da mobilização feita pelos artistas que mandaram petições e projectos aos orgãos competentes do Estado e colocaram lá representantes, como aconteceu com João Vieira, Fernando Calhau, Julião Sarmento na Direcção Geral de Acção Cultural, ou através de agupamentos de artistas em associações e movimentos de espírito revolucionário, que pretendiam uma aproximação entre arte e sociedade e cujas acções, raramente obtinham adesão por parte dessa mesma sociedade; o segundo foi a “Alternativa Zero”, acontecimento incontornável da cultura portuguesa. A “Alternativa Zero” organizada pelo pintor (operador estético) e crítico Ernesto de Sousa em 1977, na Galeria Nacional de Arte Moderna, foi uma mostra de novas formas de artes que o Governo tornou pública, cujo resultado foi a realização de uma inter-relação de novas formas e o reconhecimento geral da importância da vanguarda, o que foi, ao mesmo tempo uma aposta e um desafio. (…) No discurso de Ernesto de Sousa, aparece a ideia de um estado zero que a que todos os caminhos vão dar. (…) Com a exposição pensava-se criar um tempo e um espaço de reflexão sobre as realizações de arte portuguesa (…) Pretendia-se, reflectir também sobre a (des)continuidade das iniciativas anteriores e a sua importância na constituição de um projecto de arte portuguesa de vanguarda, constando fundamentalmente de três secções: documentação, realizações objectivas e acontecimentos. (...) Da exposição constaria ainda uma homenagem a Almada Negreiros como percursor do modernismo português.»
Contexto Alternativa Zero
«Se a arte dos anos sessenta portugueses, na óptica de António Rodrigues, incorporou a procura e a experimentação como propósitos abertos da criação e da pesquisa, ou, na opinião de Bernardo Pinto de Almeida, foi transformada por uma longa mudança de estatuto, de sentido, de função e de intenção, que se vinha afastando já da pureza ideológica do modernismo histórico, acompanhada por um processo internacional que questionava o próprio conceito de vanguarda; os anos setenta pautaram-se por uma abertura – inclusivamente do ponto de vista político e social, com a revolução de 25 de Abril de 1974 e a consequente derrocada da ditadura – de todo um rol inédito de possibilidades de criação e perspectivas de renovação. Foi a época de FESTA, de militância e dos eventos artísticos colectivos “ao serviço do Povo”, desde as pinturas murais “da revolução”, até ao incremento de um modo de operar mais ligado à exaltação do artista/criador, na procura de uma identidade artística, estética e mesmo poética. Foi igualmente a altura da expressão longamente contida e dos slogans: “A arte fascista faz mal à vista” (Marcelino Vespeira), “Contra a agressividade, criatividade”, ou “A qualidade estética é progressista; a mediocridade é reaccionária” (Salette Tavares). Contudo, a necessária revolução, num país fechado, conservador e pleno de urgências, conheceu contornos complexos e até contraditórios, inclusivamente do ponto de vista das artes plásticas. Na verdade, nesta jovem democracia verificou-se alguma dificuldade governamental no âmbito da gestão cultural, continuando a cumprir-se uma falta de articulação entre os diferentes intervenientes e projectos, nomeadamente, ao nível da criação de um verdadeiro museu de arte moderna/ contemporânea, da dinamização do mercado da arte e da reestruturação do ensino superior artístico.»
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Arte Capital, “Anos 70 – Atravessar Fronteiras”, Isabel Nogueira, 26-10-2009
» Mariana de Campos, Tese “Curadoria como possível estratégia de conservação?”,
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Alternativa Zero
Contexto
Estudo de duas obras apresentadas na exposição Alternativa Zero, Lisboa, 2011
“Anulação dos objectos, desmaterialização da arte, corrente cuja definição mais rigorosa vai da queda objectiva da obra de arte ao nível da mercadoria (já anunciada por Hegel), à negação da forma-objecto na chamada arte pobre, à substituição de objectos criados pelos próprios actos da criação (‘quando as atitudes se tornam formas’) à arte conceptual (‘art as idea as idea’). Neste domínio certas experiências como a body art e o artista-como-obra-de-arte encontram uma definição particular.” Ernesto Sousa A limitação do título deste capítulo à década de 70 não significa que durante estes anos os pensamentos e prácticas artísticas se tenham distinguido tão bruscamente das décadas anteriores e posteriores. Trata-se simplesmente da década em que se situam os casos de estudo desta dissertação e portanto foi neste sentido que foi efectuada uma maior pesquisa sobre este período. Pretende-se, com este capítulo, contextualizar o desenvolvimento do meio artístico em Portugal nos anos 70, focando sobretudo os principais pontos cruciais, com base numa bibliografia seleccionada. Os anos 70 em Portugal, nos campos político, económico e artístico, subdividem-se pelo menos em dois momentos distintos, antes e depois da Revolução de 25 de Abril de 1974. O final dos anos 60 é marcado pela tomada de posse de Marcelo Caetano, em 1968, e pelo regresso de artistas bolseiros que se encontravam a estudar no estrangeiro, na sua maioria apoiados pela Fundação Calouste Gulbenkian, que desde 1956, tornou possível e mais facilitado o contacto com a arte que vigorava internacionalmente. Anteriormente ao referido apoio proporcionado aos artistas era nítido o isolamento do país relativamente aos movimentos artísticos contemporâneos que se desenvolviam no estrangeiro. Apesar da tomada de posse de Marcelo Caetano ter trazido alguma confiança e esperança no que diz respeito à ditadura que se vivia até então, no que toca à arte, não foram muitas as mudanças, pois o apoio estatal no campo da arte contemporânea continuou quase inexistente. Surge nessa altura, contudo, um incentivo para apostas de instituições privadas na arte contemporânea portuguesa com publicidade e divulgação como contrapartida. É o caso, entre outros, dos Prémios Soquil, entre 1968 e 1972, que destacaram e premiaram alguns dos artistas mais marcantes da época. É também nesta altura, final dos anos 60, início dos anos 70, que se desen volve uma crítica de arte
mais activa. Realiza-se o I Encontro de Críticos de Arte Portugueses (1967) sob a responsabilidade da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte) em Portugal, reestruturada em 1968. Este papel mais activo da crítica de arte em Portugal desencadeou o aparecimento de algumas publicações cruciais na compreensão do panorama nacional artístico da época, nomeadamente o suplemento da revista Arquitectura, com o nome de Pintura e Não (apenas publicado de Abril de 1969 a Agosto de 1970) sob responsabilidade da AICA, e mais tarde a Colóquio Artes, em 1971, com a direcção de José Augusto França. Este, Rui Mário Gonçalves, Fernando Pernes, Egídio Álvaro e Francisco Bronze foram alguns dos críticos activos da época, os mesmos que mais tarde descrevem detalhadamente estas décadas em livros e publicações. A crítica de arte contemporânea, nacional e internacional, juntamente com o aparecimento de novos espaços expositivos comerciais, vêm impulsionar a dinamização do mercado de arte. O aparecimento de novas galerias – como por exemplo a Dinastia (1968), São Mamede (1969), Judite Dacruz (1969), Quadrante (1969) e mais tarde a Quadrum (1973), entre outras - permitiu o crescimento da valorização da arte contemporânea, como alternativa ao gosto do naturalismo oitocentista das encomendas oficiais até então ou do modernismo oficial, desenvolvendo uma inflação do valor das obras apresentadas. Ainda assim, devido aos anos de inexistência deste mercado e à produção contínua por parte dos artistas, a oferta acabava por ser maior que a procura. Face à inexistência de um Museu de Arte Contemporânea o espaço expositivo da Gulbenkian (desde 1969) e das galerias acabaram por constituir os meios catalizadores para a cultivação da arte da época. A crise petrolífera de 1973 vem agravar o estado da economia portuguesa, inflacionada em 30%, facto que acaba por um lado por abonar o crescimento do mercado artístico, apostado por muitos investidores da altura e por outro por
Contexto Alternativa Zero 19
performance. A partir de 1976 a Quadrum contava com iniciativas do crítico José Ernesto de Sousa que desde o início da década impulsionava uma arte experimental, a par do contexto internacional das vanguardas conceptualistas. Depois de conhecer a obra de Sol Lewitt em 1971 e de visitar a V Documenta de Kassel, em 1972, em que teve um contacto directo com as ideias de Harald Szeemann e com a obra que Joseph Beuys aí apresentou, de contacto e discussão directa com o público, Ernesto de Sousa tenta cessar o isolamento artístico português, importando e defendendo de forma crítica e incentivadora o papel activo do espectador (abolindo a fronteira entre a obra e o seu público), a essência do lado processual, o artista como “operador estético”, a obra de arte como “obra aberta”, experimental e por vezes efémera. Tendo-se dedicado ao cinema e à estética neorealista (sobretudo nos anos 40 e 50) e só mais tarde interessado na vanguarda, sobretudo na arte conceptual, o percurso de Ernesto de Sousa pode ser considerado um caminho descontínuo, tema explorado e aprofundado por autores como João Fernandes, Miguel Wandschneider, Miguel Leal e Mariana Pinto dos Santos, em diferentes leituras e opiniões. Ernesto de Sousa intitulava-se um herdeiro das ideias de Almada Negreiros, considerando-o um modelo a seguir, um artista ideal e completo, assumindo, na definição de um projecto de vanguarda, que era necessário regressar a um passado. Ernesto de Sousa defendia as manifestações colectivas, o convívio, a valorização do efémero, a relação da arte com a vida, influenciado profundamente pelo movimento internacional Fluxus (por meio de Filliou, George Brecht e Vostell). É durante uma viagem a Itália, no verão de 1969 que Ernesto de Sousa participa no I Festival de Arte Colectiva “11 Giorni a Pejo” (organizado por Bruno Munari) e contacta diversos artistas e começa a construir alguns projectos críticos e vanguardistas. Nesses projectos, “Encontros no Guincho” (1969), “Nós não estamos algures” (1969), “O meu corpo é o teu corpo” (1971), apresenta propostas de happening e performance, e em encontros da AICA na SNBA, em 1972 com “Do Vazio à Pro-Vocação” e em 1974 com “Projectos-Ideias”, Ernesto de Sousa mostra exposições que vinculam o lado experimental, processual, conceptual e de vanguarda que vinha defendendo. Utilizando as palavras de Miguel Wandschneider, “O artista passava a ser encarado como um ‘operador estético’, não mais por referência exclusiva ou privilegiada a um ou outro género, podendo utilizar todo e qualquer meio de expressão, no que correspondeu
a um movimento de des-hierarquização e subversão de autonomia dos géneros artísticos e de des-especialização da práctica artística. Simultaneamente, a obra passava a ser concebida como ‘aberta’, eminentemente experimental, eventualmente efémera, abandonando a segurança dos códigos estabelecidos para incorporar a indeterminação e imprevisibilidade do processo de realização.
Finalmente, o público era chamado a participar activamente na definição da obra, segundo uma concepção que punha em causa e pretendia utopicamente abolir a fronteira que o separava do artista e da obra”. Ernesto de Sousa, apresenta mais tarde, como projecto paradigmático da época, a Alternativa Zero: Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea, em 1977, na Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, centro expositivo presidido na altura por João Vieira.
Entretanto, realiza-se em 1976 o I Congresso Internacional da AICA em Portugal, presidido por Salette Tavares35. Esta, como outras iniciativas do mesmo tipo, contribuíram para uma maior aproximação da arte com o público e para reafirmar o que tinha sido sugerido pelas vanguardas experimentais, processuais e por vezes sociais, dos projectos de Ernesto de Sousa, abrindo o campo de expressão artística para novos meios como a fotografia, a imagem em movimento e o corpo. A exposição Alternativa Zero tinha sido pensada para ocorrer na mesma altura do encontro da AICA, para desta forma adquirir uma projecção internacional, mas devido a atrasos financeiros, acabou por apenas se realizar no ano seguinte. Foi o primeiro projecto assumido pela Secretaria de Estado da Cultura, dirigida por Eduardo Prado Coelho, destacando as ideias que Ernesto de Sousa vinha defendendo até então. A exposição estava dividida em três apresentações distintas: uma primeira focada nos artistas modernistas, uma segunda com cartazes de exposições
Contexto Alternativa Zero 21
internacionais e uma terceira, com obras de artistas contemporâneos, convidados pelo crítico. Ernesto de Sousa continuou o seu percurso activo durante a década seguinte, participando, entre outros projectos, como comissário das representações portuguesas na Bienal de Veneza em 1980, 1982 e 1984. Regressando ao panorama artístico geral do país, e para terminar esta breve síntese, em 1978 realizase a I Bienal Internacional de Artes Plásticas de Vila Nova de Cerveira e em 1979, também organizada pela SEC, a Lis’79, Exposição Internacional de Desenho de «(...) um passo decisivo, para que em Lisboa. A Lis’79 teve lugar igualmente na Galeria de Portugal, se viesse a impor (...) um Belém, a qual posteriormente na sua segunda edição aparelho cultural de Estado (sobre o em 1981, sofreu um violento incêndio ainda antes da modelo francês) identificado com o “mundo inauguração, que acaba por destruir todas as obras que da arte”, tido como seu representante e nela estavam incluídas. dominador da circulação artística.» Face a estes acontecimentos, e em jeito de conclusão, » EXPRESSO/Cartaz, “Questões podemos afirmar que os anos 70 foram anos de Alternativas”, 5 Julho de 1997 um profundo desenvolvimento da crítica de arte que se vinha afirmando desde os anos 60 e de uma consequente dinamização do mercado artístico, o qual apresenta posteriormente a sua maior crise. É também durante estes anos que são exteriorizados no campo dos meios de expressão artística novos caminhos: valorização do espectador, do aspecto processual, do experimentalismo, do convívio, do colectivo, dos ambientes artísticos sem barreiras e das vanguardas conceptuais tendo como principal dinamizador Ernesto de Sousa, possibilitando a quebra do isolamento que existia em Portugal relativamente ao mundo artístico internacional e ainda devido ao conjunto de artistas que estudaram no estrangeiro com bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian. São anos também distinguidos pela motivação artística por parte de empresas privadas e pela contínua inércia por parte do Estado, que apenas no final da década começa a dar algum sinal no campo de apoios na arte contemporânea. »
CONCEITO “Esta vanguarda não provoca, porque a provocação é hoje o sono da vanguarda. Esta vanguarda alterna. Esta vanguarda revoga.”
Ana Hathely, “Rotura”, 1977
Conceito Alternativa Zero
« Vanguarda é um diálogo entre diferentes vanguardas em fundo, um diálogo entre a vanguarda estética e a vanguarda ideológica (ética-social, por exemplo) a vanguarda e o mercado são processos que se entrelaçam, necessariamente, numa sociedade o artista, o autor não é nuncadeummercado/consumo simples produtor a tornar-se num produto-a-produzir o produtor principal passa a ser a própria sociedade com suas leis de mercado, consumo e comunicação de massas respectivos «managers», e nomeadamente os críticos ou os especialistas da informação neste quadro assiste-se inexoravelmente a uma acelaração das vanguardas ao desenvolvimento da função crítica do artista à esteticização da crítica a isto chamamos a via conceptual ou analítica a isto corresponde uma liberdade responsável e uma responsabilidade militante » » Ernesto de Sousa, Uma criação consciente de situações: Alternativa
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Zero, in Colóquio Artes, nr. 34, Out. 1977
*
É uma década “(...) extraórdinária e complexa.
”
37
Alternativa Zero
Conceito
)
} “O mais importante nesta Alternativa Zero (...) não será considerar autor por autor, peça por peça, mas sim concluir quão fundamental a iniciativa foi para a panorâmica geral da arte praticada entre nós”
de Serralves, Porto (1997), seria, talvez, redundante proceder à descrição exaustiva das actividades que lá tiveram lugar ou das obras que aí tiveram voz.
45
Alternativa Zero
<
Conceito
Conceito 47
Alternativa Zero
[
“Todo o espectador é um cobarde e um traidor”
]
55
>
Alternativa Zero
Conceito
“
proximidade entre espectador e obra de arte (...)
>
Alternativa Zero
Conceito
(...)
59
“(...) a negação da arte autónoma é realmente apanágio da vanguarda histórica, mas incompatível com uma sociedade em profunda agitação e mudança como é a sociedade pós-moderna.”
”
Conceito
«A vocação antropológica do organizador, dentro da cultura portuguesa, evita-lhe enganos sociais, para cair, fatalmente, em ilusões menos sociais do que ele supõe ou pode supor». No intuito de consolidar esta ideia (...)”
61
Alternativa Zero
“A ideia de vanguarda que propôs assemelha-se mais a uma ideia romântica, desejável, utópica, que parece já não encontrar lugar na sociedade de consumo, a que tantas vezes se referiu. Ernesto de Sousa traçou as grandes directrizes da vanguarda mas, ao especificá-la, verificamos que – acabou, enfim, por também considerar o pós-modernismo. Nas palavras de José Augusto França:
. . .
63
Alternativa Zero
Ernesto de Sousa reagiu
Conceito
65
Alternativa Zero
{
Conceito
Conceito Alternativa Zero
*
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“O grupo mais velho tornara-se consciente da falta de dimensão e projeccção internacional do panorama recenseado na Alternativa Zero; e talbém dos sinais internacionais de mudança.”
Conceito Alternativa Zero 69
“Em conclusão, devemos considerar a Alternativa Zero um marco na arte e cultura portuguesas. Por um lado, representou um fim, inclusivamente porque alguns dos artistas começaram e terminaram pouco depois as suas carreiras. Não terá existido, um várias situações, uma continuidade. Por outro lado, o evento terá sido um começo. (O começo de outra reflexão crítica artísticas, o começo visível da interacção entre as várias artes, enfim, o começo da preparação do olhar para um modo novo de ver a arte e, porque não, o começo da experimentação de valores estéticos pós-modernos. E, na estreia de Bürger, não podemos esquecer que, na verdade, os precursores são sempre descobertos a posteriori...”
» Isabel Nogueira 1974, “Do pós-modernismo à exposição Alternativa Zero”, Lisboa: Vega, 2007
ERNESTO DE SOUSA “A verdadeira criatividade é sempre também geradora de instabilidade” » Ernesto de Sousa, “Ser Moderno... em Portugal”
Ernesto de Sousa (1921-1988), Lisboa
Ernesto de Sousa Alternativa Zero
Será necessário constituir uma ciência das situações, a qual se baseará em elementos colhidos na psicologia, nas estatísticas, no urbanismo e na moral. Estes elementos deverão concorrer para um fim absolutamente novo: uma criação consciente de situações. Guy Debord, «Contre le Cinéma» « Eis o nosso tempo: subitamente reconheceu-se o poder das palavras. Fazer gato sapato, claro, todos o podem. Utilizar mesmo indignamente a palavra amor socialismo liberdade irmãos camarada ou revolução. Ou ingenuamente ó revolução meu amor. Dizer: eu te amo ou independência libertação poder povo. Dizer povo. Desculpar se com o povo em nome do povo arte para o povo bonecos para o povo. Bailarinas em tutu palácios para o povo o metropolitano de Moscovo. Um palácio para o povo que ainda ontem hoje vivia em isbas de madeira. E porque não? Um discurso para o povo. Esse discurso é sempre uma vitória do povo. Um respeito. Obrigado a negociar, o patrão diz Vossa Excelência ou Camarada ao delegado sindical. Dobra a língua. Reverencia. E o mundo é outro apesar de o poder estar longe de deixar de o ser. Deitar fora ou esquecer todos as antigas excelências falar arraia miúda social democracia. Un mot un point: c’est tout. Un mot un point. As palavras vanguarda começar. Absolutamente novo absolutamente começar rotura. E até as palavras aparentemente gastas arte cultura. Ou a sua contestação semântica anti-cultura antiarte. E a palavra alternativa. Sim, um parêntesis, a palavra alternativa. Depois falaremos do zero. Da estrutura (Eternal Network querido Filliou). Depois
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falaremos do rigor. Rigor sim meu amor como a honestidade de quem nunca foi órfão do pai. Porque o Pai era bom. Como um guru, como Almada Negreiros, como um bom conselheiro: aquele que dá tudo, porque só lhe interessa começar. O COMEÇAR.
Alternativa. Alternativa. Os campus americanos dos anos sessenta. A luta contra a guerra iníqua e mais a tecnologia e os futuros watergates para esquecer tudo. A luta pela informação a contra cultura a lembrança de Fourier o falanstério a Comuna e as comunas a vida colectiva e apaixonada. A consciência (no fundo marxista, leia se todo o Marcuse, até o W. Reich) de que o verdadeiro começar é uma distância e o paradise now uma utopia para já. E de que é no entanto, na distância, na América que se fará a revolução. Que o mundo novo será no Mundo Novo. E que isso é longe como a queda de todos os ídolos falsos, de todos os sistemas de empobrecimento e contenção como
esperar e o que vier virá; como: mundus senescit. Entretanto nascer, começar, absolutamente de novo, ser moderno, tanto faz a palavra de Rimbaud. Porque na verdade quando eu nasci isso tinha acontecido. E tinha morrido. Entretanto tinham me também ensinado as palavras, as quase situações, tinham cientificamente (fenomenologia, Husserl, topologia) preparado os novos instrumentos, as ferramentas da verdadeira liberdade (Marx, Husserl, Saussure, Freud, Duchamp… e mais Marcel Mauss, todos os outros, e mesmo as contradições). Entretanto tinham me ensinado a semântica e mais a semiologia as palavras. Foi nesse quadro que surgiu a ideia a palavra alternativa. Não esperar. Lutar (como um militante do futuro, engagé dizia se quando se dizia les lendemains qui chantent) sim engagé militante e o que for da táctica e dos ensinamentos de Maquiavel se necessário. Mas entretanto alternativamente viver a plenos pulmões ó alegria ó alegria ó alegria. Lutar e porque alternativamente viver. Viver a plena alegria e porque alternativamente lutar. Mas claro, como todo o tempo isto foi um tempo. As palavras ainda não estavam assim tão defendidas. Ainda delas um mau uso é de esperar. Ainda a qualquer hora o diabo vem. Diabos diabinhos domésticos mas de trazer por casa pode ser a nossa casa e a nossa casa um mundo o mundo. Aqui ó jardim da europa à beira mar plantado dar novos mundos ao mundo. Aqui apesar de tudo os teus seios e os teus também. Porque uns e outros convergem para mim meu orgasmo. Como as tuas imensas coxas se me sabes ler nas entrelinhas e até julgam eles-elas que machista a virilidade.
Ernesto de Sousa
As encobertas pedras do megalítico, os menhirs, os cromeleques. Almendros Monsaraz a reforma agrária o querido Henrique de Barros e claro o Álvaro Cunhal também o culto fálico todas essas contradições eu digo sem vergonha e só enrubescendo um pouco como um adolescente a minha pátria. Uma história a respeitar. Aqui também a luta é de palavras. Palavras que valem não sei quantos mas muitos quilos de trotil, e mais ainda muitas motas, picaretas. Palavras, conceitos, mitos, rios maiores. Palavras como vanguarda, o novo, rotura, subversão e alternativa embora de história mais recente, ou liberdade e as outras que sabeis. Que sabeis dizeis ou não porque no «fundo de um leito antigo» podeis ter perdido toda a razão mas não nem uma migalha do saber. E é de sabedoria que eu falo. Portanto alternativa, agora justiça lhe seja feita, para o futuro e a família das palavras que ao futuro se referem. Justiça que exigia rigor. Rigor obstinado radical implacável. Tu podes-me falar de não-obra. Eu bem te entendo, não há obra-de-arte senão integralmente vivida eternal network ou se quiseres é rigorosamente o mesmo a poesia deve ser feita por todos o poder a quem trabalha, etc. Entretanto volta contra o diabo as armas do diabo (isto é as nossas que o diabo nos roubou). Se me queres falar de uma arte pobre, Germain Celant, de uma expressão minimal ou mesmo do silêncio, Guy Debord, Cage, é sempre uma atitude que tem que tomar forma, discurso, e em última análise, palavra. Que nunca será palavra, isto é liberdade, sem um discurso, e em última análise, palavra. Que nunca será palavra, isto é liberdade, sem um discurso…contra o qual a palavra e começar se conjugam. Daí o rigor, daí a importância das nossas camaradas as «mulheres da limpeza» a obra bem feita, os competentes carpinteiros, pintores (de parede), electricistas. Daí a importância de reconhecer humildemente as nossas responsabilidades didácticas. Daí o zero o rigor. Começar. Paraíso Perdido? Paraíso Reencontrado. A árvore da vida. A leste do paraíso deus colocou um anjo com uma espada de fogo para guardar o caminho que conduz Mentir, ou partir do zero. Talvez seja ao pé de. Desejo de. Atravessaremos estes desertos sempre esta a verdade e o reconheceremos enfrentaremos as espadas de fogo? não sei, não facilmente quando dispusermos dessa ciência sabemos. mas há outro caminho? das situações que tanto nos falta. Mas para (…)
Alternativa Zero
Rigor obstinado radical implacável.
já agora que se deslaçaram as malhas que o império tece, porque esperamos? »
» Ernesto de Sousa, Uma criação consciente de situações: Alternativa 75
Zero, in Colóquio Artes, nr. 34, Out. 1977
Ernesto de Sousa 77
Alternativa Zero
* Ana Hatherly
“A responsabilidade da desordem é o que todos os inovadores basicamente assumem como seu programa de acção.”
Ernesto de Sousa Alternativa Zero 79
â&#x20AC;&#x153;
o criador deixa de ser um fingidor para se tornar um investigador (...)
(...)
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Ernesto de Sousa Alternativa Zero
_
» Ana Hathey, in Margens e Confluências,
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Guimarães, nº. 5, Dezembro 2002
Alternativa Zero
Ernesto de Sousa
ALMADA, Um Nome de Guerra Almada, Um Nome de Guerra Mixed-media, (filme-inquérito, filme-aberto ou filme-processo) Suporte fílmico 35mm e 16 mm, múltiplas projecções de slides e diversas fontes sonoras. Música de Jorge Peixinho interpretada pelo Grupo de Música Contemporanea de Lisboa.
» Almada, Um Nome de Guerra começou a ser produzido em 1969 e estreou, em 1983, na Fundación Juan March, em Madrid; Foi posteriormente apresentado na Fundación Mirò, Barcelona, e em 11-12 Setembro 1984, no Acarte-CAMFund.Calouste Gulbenkian. À semelhança do seu filme Dom Roberto, Almada, Um Nome de Guerra foi produzido com capital particular, angariado entre artistas, críticos e amadores de cinema e de arte. Pintores e escultores das mais diversas tendências ofereceram uma obra cuja venda, em leilão, reverteu para o financiamento do filme. A ideia de um cinema paralelo, perfilhada por tantos realizadores do «underground» ou do «expanded cinema», tinha em Ernesto de Sousa um acalorado defensor: “Este filme será essencialmente reflexivo. (…) Almada, Um Nome de Guerra, sem subsídios oficiais ou para-oficiais, resultará de quantos amam Almada, reconhecendo nele, para lá dos seus gostos pessoais, o mérito incontestável de uma personalidade e de uma obra que marcam um tempo e um destino no panorama da cultura portuguesa.(…) Almada é um imenso assunto de estudo, há nele um fundo de ideias actuantes profundamente modernas. (…) »
«ESTUDAR A ORDEM, e /ou uma prosa corrida: Amigos, marquei este encontro com Almada Negreiros um encontro, uma festa, uma oportunidade para COMEÇAR
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» ernestodesousa.com
Imagem retirada do filme “Almada, Um Nome de Guerra
Ernesto de Sousa
Ficha técnica in Catálogo Acarte, 1984: Contribuíram para a realização do filme ALMADA, UM NOME DE GUERRA Ernesto de Sousa - realização e montagem Isabel Alves, Fernando Curado de Matos, Maria Esteta Guedes, Fernando Camecelha - assistentes de realização Manuel Costa e Silva - fotografia Antero Gabão, Alexandre Gonçalves, Fernando Pires - som Carlos Gentilhomem - direcção gráfica Madalena Pestana, António Borga – vozes Comissão de Apoio Cooperativa Diferença Instituto Português de Cinema – alunos com a colaboração do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa e muitos outros amigos, nomeadamente os oitenta artistas que ofereceram os seus trabalhos » ernestodesousa.com
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Alternativa Zero
foi realizado e reescrito por mim, Ernesto de Sousa com a ajuda imprescindível e o minucioso trabalho gráfico de Carlos Gentilhomem que é também o autor de cartazes e muitas coisas mais é coresponsável coautor mas tanto mais responsável e autor é o Jorge Peixinho que concebeu e investigou a música e todo o Grupo de Música Contemporânea (nomeadamente………..) Aliás este grupo nasceu com o Exercício de comuuicação poética “Nós não estamos algures” , que que realizámos no 1º Acto, e foi também exercício para agora. Teremos de lembrar mais em detalhe esse exercício. A fotografia em 35 mm, é do Costa e Silva. Além dos cantores e outros músicos já mencionados, ouvem-se as vozes de…… Todo o pessoal da Ulyssea…. O som de…. As trucagens de…. Em Londres e os conselhos de…. As oficinas da ColorPrint em Vigo. Utilizaram-se os seguintes textos de Almada….. As traduções são de….. E TU, se não és um espectador, se não és cobarde e traidor. Todos: co-responsáveis, co-autores. Ass EU QUANDO DIGO EU…..
Imagem retirada do filme “Almada, Um Nome de Guerra
Imagem retirada do filme â&#x20AC;&#x153;Almada, Um Nome de Guerra
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Alternativa Zero
Ernesto de Sousa
« Podia ser esta a melhor das definições de
uma arte multimedia, mas Ernesto de Sousa falava com as palavras a seguir citadas, na verdade, da vida tal como a via o olhar abrangente de Almada Negreiros: «Sentir tudo de todas as maneiras viver tudo de todos os lados/ser a mesma coisa de todos os modos possíveis/ ao mesmo tempo/ Realizar em si toda a realidade de todos/ os momentos/ num só momento difuso profuso completo e/ longinquo. Eu quero ser sempre aquilo com que simpatizo.»
0 pioneiro do multimedia português nunca filmou ou fotografou Almada considerando-o um objecto passivo. Compreendendo a dupla caracterização do Mestre enquanto interprete da realidade o enquanto visionário, entregou-lhe o papel, teatral necessariamente, do ancião que tudo absorve, com a sua lente perspectiva. Numa conversa registada em fita com o autor do mural «Começar», de que poderemos acompanhar, algumas passagens nas presentes sessões, Ernesto de Sousa afirma claramente: «0 Almada é que tem a resposta.» Explicou-o, aliás, todas as vezes que teve ocasião de dissertar sobre os objectivos últimos de Almada, Nome de Guerra, dizendo do filme, o do complexo multimedia que à sua volta foi estruturando, tratar-se de «uma revisão crítica da cultura e da arte portuguesas, com base numa das mais extraordinárias das suas personalidades primeiras», e quem senão o romancista, poeta, pintor e ensaísta que o ano passado celebrámos no centenário do seu nascimento. Ernesto salientou que o filme Almada, Nome de Guerra, em si, não interessa, ou que pelo menos interessa pouco, não constituindo um fim, mas um principio, ou um “processo” de estudo e intervenção. Daí a sua preocupação em apresentá-lo corno um não-filme ou até um antifilme, obra aberta que a si mesma sobrevive, sempre diversa e renovada, multiplicando sentidos e ilacções consoante os vários componentes do multimedia se associam, as leituras que dela queiramos fazer ou ainda a variação temporal dos contextos em que a vimos, lemos e ouvimos. Uma das características mais curiosas desta obra é, precisamente, a sua mutabilidade. Almada, Nome de Guerra já existia em embrião no multimedia Nós Não Estamos Algures, de 1969 (ano em que foram realizadas as suas filmagens), baseado na estrutura da Invenção do Dia Claro), de Almada Negreiros, A sua primeira apresentação pública com esse título foi em 1979, com a música daquela obra
inicial, assinada pelo compositor Jorge Peixinho. «Luiz Vaz 73», de 1977 e estreado em Gand, Bélgica, no qual a figura de Almada é associada à de Luís de Camões, recicla imagens de «Almada, Nome de Guerra», Em «Ultimatum», de 1983, mostrado na Experimental Intermedia Foundation, em Nova lorque, foi novamente utilizada uma sequência do filme. De uma obsessão, portanto, se trata. Nem podia ser de outro modo, pois, segundo Emesto de Sousa, «devemos utilizar o cinema para lá do cinema, numa acçãocinema que nos ponha de modo evidente (…) em face de nós próprios, como actores totais, totalmente responsáveis». Um projecto assim só pode ser conduzido a longo termo, ainda que tal signifique ultrapassar o imite imposto pela morte. 0 artista já não se encontra entre nós, mas o seu propósito continua vivo e actuante. Desiludido com o cinema tradicional, após ter realizado «D. Roberto», Ernesto de Sousa optou por desenvolver no teatro as suas coordenadas para a elaboração do espectáculo total. Em 1965, com o Gebo e a Sombra de Raul Brandão, já contando com a colaboração de Jorge Peixinho e, nos então inovadores cenários, do artista plástico José Rodrigues, esquematizara a noção de globalidade que evidenciaria na sua mais decisiva obra, homenagem à resistência de Almada contra as “classificações fechadas dos géneros e dos meios artísticos”. Se o multimedia evoluiu rapidamente nos últimos dez anos – o intervalo de tempo que separa a mais recente apresentação de Almada, Um Nome de Guerra aqui mesmo, no Centro de Arte Moderna, em Setembro de 1984, e a actual – modificando os dados com que era definida, é com o teatro, combinatória de disciplinas por excelência, que ainda lidamos. Homem de Teatro, tanto no que à práxis como à teoria respeita, Ernesto de Sousa está na origem de tudo o que, neste país, vem acontecendo em território das artes performativas. Injustamente o esquecemos… Há duas décadas, concebeu o multimedia como uma simultaneidade de diferentes
» Rui Eduardo Paes in programa Almada, Um Nome de
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Ernesto de Sousa
Guerra, ACARTE-Centro de Arte Moderna-Fundação
modos de expressão artística, o cinema, a poesia e a Calouste Gulbenkian, Abril 1994, Instituto Superior música encenados em complemento e relacionados Técnico, Lisboa, Universidade de Évora, Junho 1995 no momento do espectáculo, ou como preferia dizer, da festa. A tecnologia permite-nos hoje o que antes era impossível: a interacção da imagem com o som e o movimento, implicando o definitivo derrube das fronteiras que separavam a visão do ouvido. E se na altura era natural que a arte multimedia fosse feita por criadores em ruptura com os sistemas estéticos convencionais Emesto de Sousa recusando os Ainda não filmei as varinas todas – O dogmas do cinema e do teatro e Jorge Peixinho os do Anti-filme Almada – um Nome de Guerra academismo musical português , não estranha que, nos anos 90, os jovens praticantes do multimedia « Esclarecimento de Ernesto de Sousa: tenham outro posicionamento e percursos bem (…) Mas, de resto não há nenhuma diferentes. As referências do passado, seja como for, morosidade insólita neste caso. Outros permanecem. Para Almada Negreiros, «o importante é filmes, igualmente respeitáveis, e a memória», sendo certo e sabido que a arte não nasce muitíssimo mais morosos, têm sido do nada. Preferindo o vídeo ao cinema, dada a sua diligentemente tratados nas colunas do maior manuseabilidade operativa, e tendo uma ligação «Diário de Lisboa». umbilical ao rock, música autodidacta por condição, os … E ainda: Há já algumas semanas que novos artistas multimedia seguem as pistas abertas a referida Comissão começou o envio de por Ernesto de Sousa para se dirigirem a regiões só uma circular, com elementos informativos vislumbráveis agora. Porque nunca seguiram Escolas acerca do-que se passa a todas aquelas não precisam, de contrariar as fórmulas instituídas pessoas e entidades apoiantes. De basta lhes ser o que são e prosseguir caminho à sua qualquer maneira, é falso que tenha havido própria custa. João Paulo Feliciano, Rafael Toral (ambos qualquer «longo silêncio»: já citámos a contemplados nas duas primeiras edições da Bolsa circular que está a ser enviada; o artigo de Ernesto de Sousa, destinada a incentivar a criação Agosto em Pintura & Não (Arquitectura). E multimedia em Portugal) Vitor Rua, Nuno Rebelo nesta matéria, poderia ainda acrescentar: e outros têm a possibilidade de, individualmente, informação aos portugueses no estrangeiro cruzarem na sua actividade imagens e sons, serem numa entrevista concedida em Dezembro músicos e artistas visuais, porque dispõem dos meios de 1969, à BBC (é certo que não mandei que lhes permitem tal, meios esses que determinaram fotografia para os jornais); colóquio em novos parâmetros. Não pôde acrescentar Ernesto Vigo, em Fevereiro de 1970, no quadro de Sousa, aos seus muitos dotes, o fazer musical. da 3ª Jornada Galaico-Portuguesa. Verificamos de qualquer modo, que a arte dos sons Escrevi ainda um longo artigo polémico está na essência do seu entendimento do muitimedia, intitulado Anticinema que já foi recusado e se o lugar que em «Almada, um Nome de Guerra» em duas publicações, e já meses que deu à banda sonora de Peixinho, rica em timbres espera oportunidade em terceira. Sempre e cores, é esclarecedor o suficiente, a música foi por razões de espaço, é claro.. Mas pensada por si de maneira mais profunda do que naturalmente isso também já é outra podaríamos imaginar. Num texto que dedica a Serres, história (…) Vesalius e Artaud, exalta a qualidade transcutural 2. Os leilões, as ofertas e outras iniciatívas e de transcomunicação da música, designando a continuam. Constituem já uma forma real inclusivamente como coisa “originária, primária, de particípação. No entanto informamos: inaugural”. Seria caso para concluir que, na sua ainda só reuninos cerca de um quarto concepção multimedia, antes do cinema, antes mesmo do orçamento inicialmento previsto. Isto do teatro, está a música, Não uma anterioridade significa que se trabalha sem equipa valorativa e hierárquica, mas mítica, isto é, fundadora. E profissional constituída e a fazer todas , outra vez encontramos o fantasma de Almada. Voltar ao ou mais, daquelas poupanças e sacrifícios princípio é, irremediavelmente, voltar a ele. » ínfelizmente habituuais. É certo que tudo
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assim resulta moroso, mais do que desejaríamos. Mas vá lá!, há qualquer coisa a anunciar neste capítulo. Vaise realizar mais uma série de trocas (nao lhe chamemos leilão), dentro de uma ou duas semanas,no Teatro Experimental de Cascais, coincidindo com o próxima estreia do Avillez (“Chapéu de Palha de Itália”) – o que corresponde a outra graciosa oferta, a de um espaço e de um tempo de excepção. Quem quizer participar … trocam-se obras de arte por latas de película (com a mediações habituais bem entendido). Apareça S.L, e manifeste-se! Em Maio, começa a trabalhar-se numa gravura expressamente realizada por Carlos Botelho, e produzida pela coperativa “A Gravura” – atenção, é outra ocasião a não perder para auxiliar-participar… (Diga-se de passagem que esta será a segunda gravura produzida graciosamente pela “Árvore”: a primeira, da autoria de um jovem,Carlos Gentilhomem constitui uma acção-símbolo a oferecer a todos que contribuiram para….). Outras iniciativas estão em estudo, e a Comissão de Apoio aceita mais sugestões. 3. Como quase sempre se trabalha de graça, falta gente para o trabalho. Quem é que tem tempo livre para trabalhar como asistente-estagiário, sem pagamento, pelo menos imediato? Quem se oferece para os inúmeros trabalhos gráficos que ainda têm que se produzidos? Quem se oferece paraum certo número de acções teatrais que estão projectadas? O «Diário de Lisboa» não recusará, certamente, canalizar as boas vontades e competências que se oferecerem . (já agora não será inútil lenbrar que cerca de metade dos actuais críticos ou cineastas ligados ao «novo cinema» começaram em empreendimentos a que estive ligado: não lembro isto por vaidade, mas porque nesta altura, é funcional). Há, de facto, ainda muito que fazer… 4. … agora por exemplo, ando a filmar varinas. Não são as varinas da «Cena do Ódio» ou a da «Engomadeira», nem as das Gares Marítimas. São as que eu estou a filmar – e que eu não veria como as vejo se não fossem aquelas obras de Almada. Mas ainda não as filmei todas. Perceberão disto os S.L.? Talvez ainda leve algum tempo a filmá-las todas, embora tente que seja o mais breve possivel. 5. Mas como não se trata só das perplexidades do Sr. S.L até vou fazer algumas confidências. Este trabalho tem sido, e será, muito difícil para mim, sobretudo tendo tido grandes dúvidas em descobrir como realizar aquilo que pretendo (e sobre isto é que já tenho muito menos dúvidas) E porquê? Porque é um caso – para mim – de vida ou de morte… eu explico. Há duas razões fundamentais. A primeira: O que me tem significado o encontro, com
Almada Negreiros. Que ele é talvez
o Homem mais extroardinário que me foi dado conhecer, não adianta muito ao caso. Mas que, nomeando-o descubro um NOME DE GUERRA para tudo ou muito do que mais me interessa fazer, isso é que sinto cada vez mais necessidade de manifestar. Correndo o risco das interpretações (literais e literárias) direi: aquilo que estamos preparando é sobretudo o resultado de uma meditação com o Almada, nome de guerra de uma modernidade que me interessa.
Agora e aqui. E uma proposta para outras meditações. A segunda razão COMEÇAR é a única coisa que me interessa (como a Almada Negreiros, precisamente). Comecei alguma coisa de importante com o «Dom Roberto». Alguma coisa de importante para todos nós: e embora isso se tenha tentado escamotear desde o princípio, e ainda agora lembro com orgulho e bastante divertido que o Gilson nos «Cahiers» a propósito deste filme falou de Bresson e Rosselini, que o Jean d’Yvoire falou num «Bunuel sem a crueldade» e que o Sadoul escreveu: «…. C’est tout simplement un événement dans l’histoire du cinema, qu’il nous soit venu un film émouvant, sincère, vrai, d’un pays trop longtemps silencieuz et absent» . Agora tento começar, e romper outro silêncio com este NOME DE GUERRA. E começar é terrivelmente difícil. 6. … mas falemos de dúvidas, de algumas alterações a certas formas inicialmente projectadas, e dos trabalhos para descobrir as formas justas. Excluir o consumo, puro e simples, em matéria de cinema não é uma taefa fácil. Ao longo deste ano que aflige o S.L. dei algumas voltas que incluem no tal Processo mas também num processo de apremder, uma espécie de meta-processo: a) Preocupado com o problema da comunicação fílmica com um espectador activo, logo não espectador mas participante, desloquei-me a um Festival de Arte Colectiva em Itália, organizado pela Sincron, em Pejo. Aí contactei com Bruno Munari, que é um grande investigador
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estético (Leiam-se as excelentes reportagens publicadas no Século Ilustrado da Maria Antónia Palla que tb esteve em Pejo). Claro, fiz esta viagem de estudo à minha exclusiva custa. b) Em Dezembro passado organizei com o Jorge Peixinho e um abnegado grupo de profissionais e amadores – operadores estéticos – no Clube de Teatro de Algés, Primeiro Acto, um exercício de comunicação poética. Esse exercício foi colocado sob a égide da poesia de Almada, e chamava-se NÓS NÃO ESTAMOS ALGURES – NÃO FALEMOS SEM ALICERCES , frases da «Invenção do Dia Claro» e que devia ser meditadas por muita gente. Esta produção foi autofinanciada, além da ajuda do Primeiro Acto.c) Fui a Londres e a Paris » onde contactei com diversos grupos de cinema e de teatro de vanguarda entre outras coisas para estudar um processo de comunicação, que , obviamente, condiciona o trabalho de origem . Tudo à minha custa. 7. Vale a pena demorarmo-nos um pouco sobre o exercício realizado no Primeiro Acto. Foi uma das
mais apaixonantes experiências que tenho orientado nos últimos tempos. Os ensaios de expressão corporal duraram cerca de seis meses. Aí experimentámos alguns meios, processos e formas decisivas para o nosso trabalho: projecções simjultaneasm associação de acontecimentos teatrais e acontecimentos musicais, envolvimentos (com um poema de Almada), liberdade relativa de participaão do espectador e toda a sua difícil problemática, autofinanciamento (com avenda de um cartaz do Calhau, baseado numa frase da «Invenção», e sorteio de exemplares fotocopiados desta obra esgotada) convívio (as sessões terminavam em ceia) e debate não dirigido. Houve efectivamente muita
discussão, e além de aberta esta «obra» foi mesmo obra polémica… Pois muito bem, além da «Flama» de uma pequena nota na «Capital» houve um magnífico silêncio na imprensa, Dois jornalistas sabemos nós que sairam a meio.. Não gostaram, legitimamente, e não foram os únicos. Mas era discutível ou não, algo de novo, e pelo menos por aí apaixonante. Para que se não pense que sou o único a pensar assim, citarei excertos de duas opiniões das muitas que se gravaram: Escultor José Rodrigues, professor da ESBAP: «Nós somos um país em que criticamos e muito e não fazemos nada.. não temos a tradiçção da experiência, somos um país de académicos… adiro a tudo o que fizeram e apaixonome…». Escritor Óscar Lopes: «É o primeiro acontecimento deste género em que participo… sinto a presença de
um problema, sinto a presença de uma necessidade. Isto criou-me a necessidade de outras experiências deste género…».Foi portanto um trabalho novo que faz parte do processo que temos referido, e que foi realizado para melhor nos consciencializar em que estamos a trabalhar. 8. Agora só falta acrescentar um pedido: ajudem-nos a trabalhar bem e à vontade. A trabalhar bem – com o vosso apoio. O apoio que nunca receamos e é nossa norma pedir à Cidade. A vontade – isto é, sem as vossas reticencias. E até breve a todas as letras do alfabeto com um abraço. » ernestodesousa.com
Almada É um Nome da Minha Guerra Almada É um Nome da Minha Guerra, in A Capital, quinta-feira 6 de Setembro de 1984 Legendas fotos: Ernesto de Sousa: «As imagens sobrepõem-se, veem abruptamente ou em infusão»
«ALMADA é um nome da minha guerra. Há muito que estou extraordinariamente interessado pelo paradoxo e pela paradoxologia. Quanto à minha guerra, ela consiste no meu interesse em combater uma ideia que é a morte», diz Ernesto de Sousa que apresenta nos dias 10 e 11, à noite, no Centro de Arte Moderna, a primeira apresentação pública de «Almada, Um Nome de Guerra». Trata-se de um multimédia. Na sala polivalente daquele Centro, seis projectores vão evocar a figura de Almada Negreiros: «As imagens sobrepõem-se, vêm abruptamente ou em infusão. Há uma projecção de cinema ao fundo da sala, outra projecção rasante na parede direita e duas, também rasantes, na parede esquerda.» Obcessivamente, o retrato de Almada Negreiros (para as pessoas o descobrirem) encherá a sala. Na sala, Ernesto de Sousa vai «comandar» a mistura de duas bandas sonoras, uma gravação com música repetitiva de pescadores algarvios e outra de textos musicais de artistas que colaboram neste projecto desde Jorge Peixinho e Lopes da Silva e Helena Cáudio. Ligado ao cinema («Dom Roberto»), ao teatro e às artes plásticas, Ernesto de
Imagem retirada do filme â&#x20AC;&#x153;Almada, Um Nome de Guerra
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Os olhos para o futuro ainda não existem (por isso tudo o que se vê é falso). Sabemos ou apostamos pascalianamente numa certa coerência com o passado,mas isso é concretamente indemonstrável. Cada olhar sobre o mundo é já uma teoria, e, portanto contém um assassinato na prática de todo o presente.0 presente sabe a ter sido… A palavra perspectiva é um modo de levar certa água aparentemente diacrónica ao moinho da sincronia. 0 leitor que não esteja feito ao disfrute muito fundo e sério dos paradoxos, fica avisado: as palavras perspectiva, evolução e outras equivalentes são utilizadas aqui como figuras de retórica e não como pergaminho para quaisquer valores. Nós queremos começar e apenas vamos recortar no passado o que sirva para a definição deste zero, desta aposta.
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» ernestodesousa.com
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Poesia Experimental O experimentalismo poético em Portugal Se considerarmos que o poema “Solidão” de JoséAlberto Marques, publicado no jornal do Colégio Andrade Corvo, em 1958, foi a primeira obra de poesia concreta publicada em Portugal, podemos concluir que a poesia visual portuguesa irá também, muito em breve, comemorar o seu 50º aniversário. E embora já existisse alguma actividade prenunciadora de uma escrita de vanguarda como, por exemplo, os livros POEMAS PROPOSTOS de Jaime Salazar Sampaio (1954) e ABANDONO VIGIADO de Alexandre O’Neill (1960), assim como o artigo de Ana Hatherly sobre poesia concreta publicado no jornal Diário de Notícias em 1959, com a proposta de um poema concreto, o aparecimento da poesia experimental em Portugal foi de certo modo precedido com a edição de uma pequena antologia de Poesia Concreta do Grupo Noigandres, publicada em 1962 pela Embaixada do Brasil em Lisboa, no mesmo ano em que E. M. de Melo e Castro publica IDEOGRAMAS, o primeiro livro português de poesia experimental. O facto de em Portugal não ter existido um grupo estruturado de poetas concretos terá sido a principal razão da não existência de um manifesto, procedimento usual em movimentos deste tipo. No entanto, essa circunstância não impediu que poetas como Ana Hatherly, António Aragão, E. M. de Melo e Castro ou Salette Tavares se reunissem para produzir revistas, exposições e happenings. O seu trabalho criativo contribuiu inclusivamente para a divulgação da poesia concreta noutros países europeus, como foi o caso da carta que E. M. de Melo e Castro enviou ao suplemento literário do Times em 1962 que, segundo o testemunho de Don Sylvester Houéddard no catálogo da exposição “QUADLOG” (1968), e de John Sharkey na antologia MINDPLAY (1971) influenciou poetas ingleses e escoceses a desenvolverem trabalhos de poesia concreta. No princípio da década de 60 a poesia experimental era bastante contestada e criticada por um intelectualismo em decadência e pouco aberto a experiências e a inovações. Foi neste contexto que em Julho de 1964 apareceu o primeiro número da revista Poesia Experimental, organizada por António Aragão e Herberto Helder, e que contava com a colaboração de António Barahona da Fonseca, António Ramos Rosa, E. M. de Melo e Castro e Salette Tavares.
(…) Em 1977 três acontecimentos ajudaram a afirmar a noção de poesia-acção, de intervenção poética e, de uma maneira geral, da poesia como acto e como vivência. Na Galeria Quadrum, Ana Hatherly realizou uma intervenção intitulada “Rotura”, que consistia em rasgar violentamente diversos painéis em papel de cenário, numa atitude de revolta contra a arte como objecto de consumo e de “puro investimento monetário”. A segunda acção efectuouse numa tarde de domingo, no Jardim Zoológico de Lisboa, onde Alberto Pimenta escandalizou toda a gente ao expor-se numa jaula (com o letreiro “Homo Sapiens”) ao lado de outras jaulas com símios, e a terceira foi constituída por um espectáculo do grupo “Ânima”, com a encenação de poemas experimentais de diversos autores. (…) Em 1980 inaugurou em Lisboa, na Galeria Nacional de Arte Moderna PO.EX, uma importante exposição de poesia de vanguarda organizada por E. M. de Melo e Castro, e onde participaram com poemas visuais, instalações, acções poéticas, filmes experimentais e video, António Aragão, António Campos Rosado, Ana Hatherly, António Barros, E. M. de Melo e Castro, José-Alberto Marques, Salette Tavares e Silvestre Pestana. Na sequência desta exposição, Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro publicaram no ano seguinte o livro PO.EX – Textos Teóricos e Documentos da Poesia Experimental Portuguesa, um estudo bastante completo sobre todo o movimento experimental desde o princípio dos anos 60, e inclui os mais importantes textos teóricos escritos até à altura, cronologia dos principais acontecimentos, artigos diversos, cartas, críticas, etc. Com a exposição e o livro PO.EX termina de certo modo (visto que estas datas não são estanques e que este tipo de transições se vão diluindo no tempo) o período da “poesia experimental”, para se
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Ana Hatherly
para as artes visuais através da experimentação com a palavra (...); O meu trabalho também começa com a pintura – sou um pintor que deriva para a literatura através de um processo de consciencialização dos laços que unem todas as artes, particularmente na nossa sociedade. Esta consciencialização tornou-se mais importante quando comecei a utilizar também a fotografia e o cinema como meio de investigar os processos de experiências e comunicação.” “As minhas reflexões sobre o acto poético à luz do princípio da experimentação ajudaram-me a compreender os poemas visuais antigos, pois algumas das regras básicas do Experimentalismo do século XX aplicavam-se surpreendentemente bem ao “experimentalismo” do passado.”
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“Eu queria mostrar a escrita, não o escrito.”
« De acordo com a sua fundamentação teórica, nos domínios da semiótica, da estética e da poética, Ana Hatherly concebeu um extenso campo de experimentação onde a actuação se concentrou na visibilidade, sem exclusão da substância ideológica, ética e plástica. Prescindindo, aparentemente, do jugo/jogo da interpretação, compreensão e/ou explicação, que justifica a palavra escrita, com as inesgotáveis intencionalidades hermenêuticas, a poeta e pintora quis exacerbar a força da escrita a ser vista, olhada, mostrada. A escrita foi tomada como acto e fim em si, sem desentranhar a sua endógena força comunicacional, sendo embora esta, uma não serviçal fanática. Consoante as épocas de produção de séries e investigação teórica, a autora enfatizou diferentes dimensionamentos, vertentes do dualismo escrita-imagem. Sublinhe-se que a sua produção como poeta se mantém constante, em exercícios de rigor – quer como conteúdo, quer como continente de imagens inexauríveis. Vejam-se as aproximações fiéis aos paradigmas procedentes de culturas orientais milenárias, os redimensionamentos de práticas imagéticas ocidentais, as reinvenções/ revisitações modelares de exercícios estilísticos afectos à tradição literária e filosófica praticados no barroco europeu ocidental. As distintas vias, os procedimentos vindos das artes da escrita e das artes visuais, resultam num jogo esquivo e sedutor que convoca espectadores, leitores, enfim, todos os fruidores ávidos e insaciáveis que se saibam: “O meu trabalho começa com a escrita – sou um escritor que deriva
Ana Hatherly, Série ‘O escritor’, 1975
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“Os meus desenhos-escritas inserem-se na longa tradição dos calígrafos orientais e dos barrocos europeus, remontando à tradição dos caligramas gregos alexandrinos que eu reinvento.” Nos anos 60, fruto de uma situação intelectual, em que os protagonistas evidenciavam ser um privilégio cultural em si mesmos, concretizou-se uma movimentação que teve a designação de poesia experimental – PO-EX. O movimento desenvolveu-se em torno à revista Poesia Experimental, da qual somente dois números foram publicados – o 1º, em 1964 e o 2º em 1966. Em Portugal não houve – como sucedeu em outros países da Europa e no Brasil – um Movimento de Poesia Concreta. Fale-se, antes de um grupo de poetas independentes, autores que procediam de uma área e/ou formação quer poético-literária, quer artística-plástica: E.M. de Melo e Castro, Alberto Pimenta, José Alberto Marques e Ana Hatherly, entre outros. Estes autores, atentos simultaneamente às obras do passado e às vanguardas do século XX, interessaram-se sobretudo pela experimentação em si – plástica e poética, como se mencionou antes. Ana Hatherly prefere designar este movimento como Experimentalismo Polivalente, considerando que, apenas E.M. de Melo e Castro teria sido o único genuinamente “Concreto”. Outros, em sua opinião, como nos casos de António Aragão, Salette Tavares, Alberto Pimenta, Fernando Aguiar e a própria, permaneceram experimentalistas “no seu trabalho e na sua postura”, seguindo embora os respectivos caminhos pessoais. E.M. de Melo e Castro considerou prioritariamente que os Experimentalistas pretenderam “uma des-sacralização imediata e prática do símbolo, transformando-o em signo.”
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“…o Experimentalismo Português está ligado a duas tendências bem nítidas: por um lado, pratica o ressurgimento de certos valores estruturais da poesia barroca; por outro, insere-se no Movimento da Poesia Concreta, que surge no Brasil e na Europa nos anos 50, ligado ao Estruturalismo, à Semiótica e à Teoria da Informação. Os Experimentalistas portugueses tinham de particular a sua postura antifascista, praticando uma poética da negação dum passado anquilosado, defendido pelo sistema.”
De sublinhar que, quer no caso português, quer no caso brasileiro, os autores estarem empenhados, dadas as circunstâncias ditaturiais de ambos regimes políticos dominantes, na denúncia de situação e na intervenção, colocando-se à margem dos terrenos oficiais; procuraram empreender a desmontagem dos discursos vigentes, promovendo, assim e também, uma pragmática, devidamente fundamentada na crítica da
linguagem, em prol da revolução. “Eu estou aqui no mundo das palavras-objectos que mudamente me falam com quem mudamente falo ao usá-las: mas que uso fazem elas de mim? Se bato nelas, elas batem em mim se estou irritada, ameaçam-me ameaçam ferir-me fazer-me tropeçar, cair, soçobrar Mas se estou calma e confio nelas então elas confiam em mim: entregam-se enchem os meus dias amparam as minhas noites ternamente aconchegam-me em suas estruturas Mas porquê? porquê? para quê?”
Para além do tempo da experimentação, alia-se na personalidade geradora de Ana Hatherly, um mundo em que a escrita assume quase todas as eventualidades de criação e conhecimento. A procedência das fontes da sua acção estética converge para uma unidade dinâmica e infindável que não pretende erradicar o acto e substância da escrita em si. Os Experimentalistas, bem assim como os Concretistas brasileiros, queriam a experimentação levada à sua radicalidade extrema; pretendiam atingir uma mais plena “utilização dos recursos de todas as linguagens, indo muito além do conceito futurista de palavras em liberdade.” Retomando a focagem histórica: Ana Hatherly apresentou, primeiro em Lisboa e, depois, no Porto, em 1968, na Galeria Alvarez, dois trabalhos emblemáticos, a Operação I e a Operação II13. A sessão, recorde-se, constou de uma palestra em que a poetisa abordou o tema, finalidades e contextualização teórica subjacentes aos trabalhos expostos, a que se seguiu um prolongado debate. Fundamentando-se nas conceptualizações de Ferdinand Saussurre, a explanação realizada não
Ana Hatherly, Série ‘O escritor’, 1975
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seria de fácil ou alargada compreensão, susceptível de ser reconhecida por toda essa multidão que enchia a galeria, donde os termos reactivos relativamente ao teor dos pressupostos estruturalistas da autora. O colóquio concluiuse com uma intervenção de música experimental, que consistiu na audição simultânea de três composições de Jorge Peixinho. Em Janeiro de 1968, Ana Hatherly foi ao Porto apresentar a mesma exposição das OP. 1 e 2. Nessa ocasião não houve “conferência-objecto” e, dentre os colaboradores em Lisboa, somente Jorge Peixinho esteve presente. Ana Hatherly focou a sua palestra no tema, objectivos e teorização implícitos nos trabalhos expostos, ao que se seguiu um debate de várias horas. Sabe-se que uma multidão enchia a sala da “Galeria Alvarez”. “Já na “Conferência-Objecto” a margem de improvisação era praticamente nula. Tudo decorria durante uma suposta conferência erudita de Ana Hatherly, que era interrompida por intervenções várias, envolvendo por 6 lados o público, levando-o assim a sentir-se integrado...por não poder fugir. O que se obteve foi um elevado grau de irritação e mal estar geral, provocado tanto pelo sem sentido da conferência e das intervenções, como e muito mais pelo estado de reclusão e limitação espacial em que todos nos encontramos. Para quem estivesse atento houve neste happening um claro intuito educativo e o todo, o “objecto”, foi uma metáfora ou talvez mais simplesmente um espelho, em que todos nos encontramos reflectidos.” “Ana Hatherly evocou a figura precursora do linguista Ferdinand (E.M. de Melo e Castro, In-novar, Lisboa, Plátano Editora, Saussurre, que, no princípio deste século, criou, para o estudo 1976, pp.59-65).
das línguas, um método que iria revolucionar todas as ciências do nosso tempo, a todas elas sendo aplicado hoje. Parte tal método da noção de “estrutura”, como organismo que tem uma lógica interna, um funcionamento e um movimento de acordo com essa lógica, e que só após o estudo desta poderá ser convenientemente compreendido, só depois se podendo agir adequadamente sobre ele. Ora os trabalhos ali expostos relacionam-se com essa pesquisa de estruturas linguísticas. Assim Ana Hatherly mostranos, nos seus trabalhos, como se pode construir um alfabeto sem chave, e dá um exemplo da sua aplicação. É um alfabeto sem significado mas que tem uma lógica interna apesar disso e se organiza coerentemente, embora falho de significação.” Jornal de Notícias, 24.1.1968 “Ana Hatherly propõe um alfabeto sem chave. Partindo de uma forma geométrica elementar constrói um sistema segundo um método combinatório e serial. Este alfabeto permite a construção aberta de unidades sintagmáticas infinitas. A autora dá apenas um exemplo de aplicação deste alfabeto.” »
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» Maria de Fátima Lambert, “Ana Hatherly & Anna Maria Maiolino – Duas poéticas, duas imagéticas”, Porto, Maio/Agosto 2004
FLUXUS Ernesto de Sousa
Ernesto de Sousa dita as prerrogativas de uma nova ordem ético-estética descendente do movimento Fluxus, pelo que surge uma concepção da arte enquanto intervenção permanente, à margem, a arte do comportamento, que significa a aproximação ARTE-VIDA, a diluição de fronteiras entre os diferentes géneros artísticos – MIXED-MEDIA -, nomeadamente a poesia, a literatura, o teatro, a dança, as artes plásticas em geral, e a música.
Imagem retirada do site georgemaciunas.com
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Constituindo-se uma nova atitude artística transdisciplinar que se gera no cruzamento entre as diferentes disciplinas artísticas, tornando o acto criativo acto exploratório livre de categorias normativas, adquirindo esta as dimensões laboratorial, intermédia e intertextual que se norteiam na premissa fundamental: a arte pertence a todos(as) e todos(as) podem ser artistas, sendo a criatividade o verdadeiro capital. O manifesto – STATEMENT-ART – vem assumir neste quadro um importância central . Diz Ernesto de Sousa, arte é “primeiro, elevar do Texto à função de intervenção permanente; - segundo, não fazer profissão da sua arte; - terceiro, mostrar que tudo é arte, que toda a gente pode fazer obras de arte; - quarto, ocupar-se mesmo das coisas insignificantes, sem valor institucional; - quinto, veicular a ideia que a arte deve ser limitada em quantidade, acessível a todos e, se possível, fabricada por todos.” (Sousa, 1976, pp. 274-299) Segundo Robert Filliou, o Fluxus é “sobretudo um estado de espírito, um modo de vida impregnado de soberba liberdade de pensar, de expressar e de eleger. De certa forma o Fluxus nunca existiu, não sabemos quando nasceu, logo não há razão para que termine.” O nome Fluxus, fluxo em latim, significa contínuo movimento de liberdades, de ideias e obras. O seu desenvolvimento foi paralelo à Pop Arte e ao Conceptualismo nos Estados Unidos, e não se deixaria definir somente por um meio artístico, em torno do qual se reunirão músicos, escritores e artistas plásticos, técnicos, etc. Surgiria simultaneamente em vários países, tendo sido para alguns, a primeira forma de globalização da arte. Para Ben Vautier é essencialmente fluxo comunicacional: “l’essentiel est que je communique“.
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FLUXUS: MAGAZINES, MANIFESTOS, MULTUM IN PARVO George Maciunas’ choice of the word Fluxus, in October 1960, as the title of a magazine for a projected Lithuanian Cultural Club in New York, was too good to let go when that circumstance evaporated. In little more than a year, by the end of 1961, he had mapped out the first six issues of a magazine, with himself as publisher and editor-inchief, that was scheduled to appear in February 1962 and thereafter on a quarterly basis, to be titled Fluxus. The projected magazine might well have provided a very interesting overview of a culture in flux. Maciunas planned to include articles on electronic music, anarchism, experimental cinema, nihilism, happenings, lettrism, sound poetry, and even painting, with specific issues of the magazine focusing on the United States, Western Europe, Eastern Europe, and Japan. Although its proposed contents reflected a contemporary sensibility, its emphasis on the publication of essays on those topics suggests that the magazine would have been relatively conventional in presentation. But the seeds of the actual Fluxus magazine that was eventually published were nonetheless present, even in the first issue of the projected magazine, since it was intended to include a brief “anthology” after the essays. This proposed anthology would have drawn on the contributors to La Monte Young’s publication An Anthology, the material for which had been amassed in late 1960 and early 1961, and which George Maciunas had been designing since the middle of 1961. In fact Fluxuswas “supposed to have been the second Anthology.” But the anthologized works projected for the first Fluxus were radically different from the articles, since they were printed artworks and scores— as were most of the pieces in An Anthology, which was finally published by La Monte Young and Jackson Mac Low in 1963. After interminable delays, Fluxus 1 finally appeared late in 1964. But during this three-year gestation period it had evolved dramatically and become virtually an anthology of printed art pieces and flat, or flattened, objects; the essays had practically vanished. At the same time, the appearance of the idiosyncratic graphic design that Maciunas was to impose on Fluxus gave the magazine a distinctive look. The presentation of Fluxus 1 had also become more radical, for not only did it consist of diverse formats and small objects, often in envelopes, but these components were also fastened together with three large metal bolts. In addition, the magazine was mailed in a wooden box branded
or stenciled with its title. The quarterly magazine had also been superseded by the concept of Fluxus yearboxes. Whether or not Fluxus 1 lived up to George Maciunas’ intention that it “should be more of
an encyclopedia than… a review, bulletin or even a periodical,”
it certainly met the original definition of the word “magazine”: a storehouse for treasures—or explosives. This format was also very influential, affecting the presentation of several “magazine” ventures later in the decade. (The original meaning of “magazine” was exemplified even more emphatically by the truly three-dimensional successors of Fluxus 1 , such as the Fluxkit suitcases and the Flux Year Box 2, containing innumerable plastic boxes, film loops, objects, and printed items.) When George Maciunas consulted his dictionary he found that the word “flux” not only existed as a noun, a verb, and an adjective, but also had a total of seventeen different meanings. At the head of his Fluxus…Tentative Plan for Contents of the First 6 Issues, issued late in 1961, he rearranged five of these definitions to explain the use of the term Fluxus, bringing to the fore the idea of purging (and its association with the bowels). By 1963, these selected
dictionary definitions of “flux” could no longer encompass the developing intentions of Fluxus, and Maciunas began to promote three particular senses of the word: purge, tide, and fuse— each not amplified by his own comments. These amounted to new working definitions of the three senses, and were refined to the point where they could finally be incorporated into a collaged, three-part Manifesto, together with photostats of eight of the dictionary definitions.
The aims of Fluxus, as set out in the Manifesto of 1963, are extraordinary, but connect with the radical ideas fermenting at the time. The text suggests affinities with
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to be an adaptation of Flynt’s “Veramusement,” one of the “successive formulations of [Flynt’s] art-liquidating position.” While Maciunas still aspires “to establish artists nonprofessional, nonparasitic, nonelite status in society” and requires the dispensability of the artist, the self-sufficiency of the audience, and the demonstration
“that anything can substitute [for] art and anyone can do it,” he also suggests that “this substitute art-amusement must be simple, amusing, concerned with insignificances, [and] have no commodity or institutional value.”
Later in the year, in a reformulation of this 1965 Fluxmanifesto on Fluxamusement, Maciunas added that “the value of art-amusement must be lowered by making it unlimited, massproduced, unobtainable by all and eventually produced by all.” He further states that “Fluxus art-amusement is the rear-
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guard without any pretension or urge to participate in the competition of ‘oneupmanship’ with the avant-garde. It strives for the monostructural and nontheatrical qualities of [a] simple natural event, a game or a gag.”
The 1963 Manifesto, with its talk of purging and revolution, did not include any mention of amusement or gags, and yet the element of humor was not something introduced suddenly with the 1965 manifestos; it had been an integral part of Fluxus from its beginnings. Talking to Larry Miller in 1978, George Maciunas observed: “I would say I was mostly concerned with humor, I mean like that’s my main interest, is humor… generally most Fluxus people tended to have a concern with humor.” (Ay-O summed up the matter concisely when he said: “Funniest is best that is Fluxus.”) (...) However, in spite of these beginnings, one might say that ultimately the purest form of Fluxus, and the most perfect realization of its goals, lies in performance or, rather, in events, gestures, and actions, especially since such Fluxus works are potentially the most integrated into life, the most social—or sometimes, anti-social, the obverse of the same coin—and the most ephemeral. And they are not commodities, even though they may exist as printed prescriptions or “scores.” But when such scores and other paraphernalia are encountered in an exhibition, rather than activated and experienced through events, a vital dimension of Fluxus is missing. There are some Fluxus works that can be experienced simply by looking, because they work visually, and there are others that can be performed by an individual as mind games. But many more works require that they be
performed through physical activity by one or more persons, with or without onlookers. When works or scores such as these are seen or read in an exhibition, experience of them can only be vicarious. But Maciunas also said, in 1964, that “Fluxus concerts, publications, etc.—are at best transitional (a few years) and temporary until such a time when fine art can be totally eliminated (or at least its institutional forms) and artists find other employment.” He also affirmed that Fluxus people should experience their everyday activities as “art” rather than such phenomena as Fluxus concerts, for “concerts serve only as educational means to convert the audiences to such non-art experiences in their daily lives.” Although Maciunas himself, even by 1973, was referring to the years 196368 as the “Flux Golden Age,” Fluxus concerts, publications, and so on, however “transitional,” actually lasted more than “a few years,” for Fluxus did not come to an end until the death of George Maciunas in 1978. By that time the exact composition of the Fluxus group had changed many times: some had left early; some had returned; others had arrived late. A few Fluxus people and neo-Fluxus people believe Fluxus is still a flag to follow, while others believe that “Fluxus hasn’t ever taken place yet!” George Brecht may have put the matter to rest recently, when he declaredthat “Fluxus has Fluxed.” But the elusive sensibility that emerged from a world in flux in the late fifties and early sixties, and which George Maciunas labeled Fluxus, has weathered the seventies and eighties and is fortunately still with us. Today it goes by many names and no name, resisting institutionalization under the name Fluxus even as it did while Fluxus packaged pieces of it decades ago. » Clive Phillpot, FLUXUS: MAGAZINES, MANIFESTOS, MULTUM IN PARVO
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History Blog” (Blog)
everyday objects, sounds, images, and texts to create new combinations of objects, sounds, images, and texts. 3) Fluxus works are simple. The art is small, the texts are short, and the performances are brief. 4) Fluxus is fun. Humour has always been an important element in Fluxus.
The origins of Fluxus lie in many of the concepts explored by composer John Cage in his experimental music of the 1950s. Among its early associates were Joseph Beuys, Dick Higgins,Nam June Paik, Wolf Vostell and Yoko Ono who explored media ranging from performance art to poetry to experimental music to film. They took the stance of opposition to the ideas of tradition and professionalism in the arts of their time, the Fluxus group shifted the emphasis from what an
artist makes to the artist’s personality, actions, and opinions. Throughout the 1960s and 1970s (their most active period) they staged “action” events, engaged in politics and public speaking, and produced sculptural works featuring unconventional materials. Their radically untraditional works included, for example, the video art of Nam June Paik and the performance art of Joseph Beuys. The often playful style of Fluxus artists led to their being considered by some little more than a group of pranksters in their early years. Fluxus has also been compared to Dada and aspects of Pop Art and is seen as the starting point of mail art and no wave artists.
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» Sharon Fitzgerald, “The Art
Fluxus is a name taken from a Latin word meaning “to flow”—is an international network of artists, composers and designers noted for blending different artistic media and disciplines in the 1960s. Fluxus is similar in spirit to the earlier art movement of Dada, emphasizing the concept of anti-art and taking jabs at the seriousness of modern art. Fluxus artists used their minimal performances to highlight their perceived connections between everyday objects and art, similarly to Duchamp in pieces such as the Fountain of 1917. Fluxus art was often presented in “events”, which Fluxus member George Brecht defined as “the smallest unit of a situation”. The events consisted of a minimal instruction, opening the events to accidents and other unintended effects. Also contributing to the randomness of events was the integration of audience members into the performances, realizing Duchamp’s notion of the viewer completing the art work. The Fluxus artistic philosophy can be expressed as a 1) Fluxus is an attitude. It is not a movement or a style. synthesis of four key factors that define the majority of 2) Fluxus is intermedia. Fluxus creators like to see what Fluxus work: happens when different media intersect. They use found and
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» Michael Corris, “Grove Art Online”, 2009 Oxford University Press
« Informal international group of avant-garde artists working in a wide range of media and active from the early 1960s to the late 1970s. Their activities included public concerts or festivals and the dissemination of innovatively designed anthologies and publications, including scores for electronic music, theatrical performances, ephemeral events, gestures and actions constituted from the individual’s everyday experience. Other types of work included the distribution of object editions, correspondence art and concrete poetry. According to the directions of the artist, Fluxus works often required the participation of a spectator in order to be completed (see Performance Art). The name Fluxus, taken from the Latin for ‘flow’, was originally conceived by the American writer, performance artist and composer George Maciunas (1931–78) in 1961 as the title for a projected series of anthologies profiling the work of such artists as the composer La Monte Young (b 1935), George Brecht, yoko Ono, Dick Higgins (b 1928), Ben, Nam June Paik and others engaged in experimental music, concrete poetry, performance events and ‘anti-films’ (e.g. Paik’s imageless Zen for Film, 1962). In a manifesto of 1962 (‘Neo-Dada in Music, Theater, Poetry, Art’, in J. Becker and W. Vostell: Happenings, Fluxus, Pop Art, Nouveau Réalisme, Hamburg, 1965), Maciunas categorized this diversity under the broad heading of ‘Neo-Dada’ and stressed the interest shared by all the artists in manifesting time and space as concrete phenomena. Influences of Fluxus noted by Maciunas included John Cage’s concrete music (1939) and intermedia event at Black Mountain College, NC (1952), with Merce Cunningham, Robert Rauschenberg and others; the Nouveaux Réalistes; the work of Ben; the concept art of Henry Flynt (b 1940); and Duchamp’s notion of the ready-made. The first of many Fluxus festivals, or Fluxconcerts, was organized by Maciunas in 1962 at the Museum Wiesbaden in Wiesbaden, Germany, to promote the anthology. The International Fluxus Festival of the Newest Music (festum fluxorum) consisted of 14 concerts, presenting musical and performance work by Joseph Beuys, Brecht, Cage, Alison Knowles (b 1933), Paik, Wim T. Schippers, Wolf Vostell, Robert Watts (1923–87), Young and others. Fluxconcerts— sometimes called Aktionen—also took place in Düsseldorf, Wuppertal, Paris, Copenhagen, Amsterdam, Nice, Stockholm and Oslo in 1962 and 1963. These events organized by Maciunas were influenced and paralleled by the independent activities of Young, Flynt, Robert Morris (ii) and others at Yoko Ono’s studio in
New York in 1961 and Brecht and Watts’s Yam Festival in New York in 1963. All these artists were eventually associated with Maciunas and Fluxus, either through their collaboration on multiples, inclusion in anthologies, or participation in Fluxus concerts. The typical Fluxconcert consisted of a rapid series of performances of short events of scored actions and music. These events frequently consisted of physical performances representative of mundane activities, or music based on non-musical sound sources. They were often humorous and concerned with involving the audience, specifically to disrupt the expected conventions of musical and theatrical performance and spectatorship; their ‘event scores’ were characterized by reduction, repetition, improvisation and chance. About nine major compilations of activities of Fluxus artists were planned. The first, entitled Fluxus 1 (Wiesbaden and New York, 1964), was termed a yearbox, because of its unique wooden packaging. The contents included texts and objects by dozens of artists associated with the first Fluxfestival, such as Ay-O, Brecht, Stanley Brown, Robert Filliou, Ken Friedman (b 1949), Geoff Hendricks (b 1931), Higgins, Takehisa Kosugi, Jackson MacLow (b 1932), Takako Saito, Tomas Schmit, Ben and Emmett Williams (b 1925). The publication of collections of object-based works by artists associated with Fluxus and the documentation of Fluxconcerts soon became the focus of Maciunas’s activities. Examples of these publications include: broadsides, such as Fluxmanifesto on Fluxamusement(edited by Maciunas in New York, 1965); the 11 irregularly published editions of the Fluxus Newspaper (New York, 1964–79); Fluxyearbox 2 (1966–8, 1976); the Duchamp-inspired attaché case of objects entitled Fluxkit (New York, 1965–6); the Fluxfilms anthology (New York, 1966) and the Fluxus Cabinet (New Marlborough, MA, 1975–7). Perhaps most important of all of Maciunas’s publishing activities remain the object multiples, conceived as inexpensive, mass-produced unlimited editions. These were either
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works made by individual Fluxus artists, sometimes in collaboration with Maciunas, or, most controversially, Maciunas’s own interpretations of an artist’s concept or score. Their purpose was to erode the cultural status of art and to help to eliminate the artist’s ego. Fluxus embraced many of the concepts and practices associated with the post-war avant-garde of western Europe and North America, including those of Lettrism, concrete poetry, concrete and random music, Happenings and conceptual art, as first described by Flynt during the late 1950s and early 1960s. Under the organization and direction of Maciunas, a specific programme of ideological goals was formulated and disseminated through a series of manifestos. The manifesto of 1963 exhorted the artist to ‘purge the world of bourgeois sickness, “intellectual”, professional and commercialized culture … dead art, imitation, artificial art, abstract art, illusionistic art … promote a revolutionary flood and tide in art, promote living art, anti-art, … non art reality to be grasped by all peoples, not only critics, dilettantes and professionals’. The Fluxmanifesto on Fluxamusement used innovative typography and ready-made printed images to communicate the concept of the self-sufficiency of the audience, an art where anything can substitute for an art work and anyone can produce it. »
{
“promote living art, anti-art”
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CRITICAS POSITIVAS “Entre nós, 1977 (Alternativa Zero, Galeria de Arte Moderna) pode ser vista já como fim simbólico da década de 70 (...)” João Pinharanda, “A exposição dos anos 80”, in Artes e Leilões, Lisboa, Fevereiro de 1990
Performace Espontânea,
Alternativa Zero, 1977
Críticas Positivas Alternativa Zero
«Não há dúvida que a Alternativa Zero foi um acontecimento artístico que levou Portugal além fronteiras. Depois de um passado ancilosado, esta exposição tem o mérito de lançar a polémica, de ser um projecto de integração europeia passando por cima de preconceitos e de pré-conceitos, que ajudou a transformar a nossa sociedade fazendo-a entrar na vanguarda, sem impor correntes estéticas e, duma forma didáctica, introduzir a modernidade, ou a pós-modernidade, ou a pós-modernidade em Portugal. Constituiu um momento de inter-relação de todos os artistas, não só através das suas obras, como de todas as manifestações paralelas. Pode-se dizer que a Alternativa Zero foi o preâmbulo do acertar o passo com o resto da Europa e o deixar de ser a periferia. Ernesto de Sousa pensa a arte como algo que está em rotura, logo em mudança, como uma alternativa do quotidiano e uma festa da vida. O movimento de descontextualização e desterritorialização das imagens que tinha começado nos anos 60 prolonga-se e acentua-se nos anos 80, tendo sido o movimento Fluxus e a Documenta 5, referências incontornáveis para a vanguarda portuguesa, através da divulgação feita por Ernesto de Sousa e da exposição Alternativa Zero. Neste contexto e numa sequência lógica do que foi feito em 77, muitos artistas têm vinda a desenvolver um trabalho com uma crítica renovada pensando, sobretudo, no estatuto da arte, no seu caracter institucional, na sua legitimação e identidade. Segundo José Augusto França, escreveu no Colóquio Artes, este exposição deveu-se à tendência antropológica de Ernesto de Sousa em relação à alma portuguesa e à influência da ingenuidade de Almada Negreiros …»
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» Isabel Albuquerque, “A Polémica da Alternativa Zero”, 2001
Críticas Positivas
“
(...) a começar tudo, e a começar-se, pelo principio.
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Alternativa Zero
”
Críticas Positivas
“há Portugal, não há Portugueses”
Alternativa Zero
{
“(...) serena reflexão sobre o que se passa, tanto quanto uma serena meditação sobre o que se passou (...)”
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» José-Augusto França, in Diário de Lisboa, Lisboa, 21 de Março de 1977
Críticas Positivas Alternativa Zero
[ “A arte para a Revolução, não é arte sobre ela ou pensar nela. É abrir no saber que a prepara o vazio que a transfigura.”
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» J.A., in Tempo, Lisboa, s/d
]
Críticas Positivas Alternativa Zero
em primeiro lugar em duas experiências anteriores, «Do Vazio à Pró Vocaçao», em 1972 e «Projectos ideias», em 1974. A partir deste primeiro núcleo, e com alguns cortes impostos por outras condições adiante explicaremos sondámos tanto quanto foi possível no sentido de apurar as actividades individuais afirmadas posteriormente a 1974; quer durante a experiência do «Clube Opinião» quer pelo exercício «emprestado» da nossa actividade crítica. Foi também ponto de partida a atenção descentralizadora sendo muito importante para isso o trabalho em comum com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (Óbidos, 1972: «Agressão com o nome de J. Beuys»; Coimbra, 1974, «Aniversário da Arte» Coimbra, 1976: participação em «Arte na Rua»). Com essa escolha e esse é um limite fundamental e fundamentalmente anti salonard não se pretendeu a constituição de um grupo representativo, senão de si próprio Portanto a nenhuns valores anteriores e «externos» se atendeu (a qualidade, os melhores e mais autênticos, mais originais, mais representativos) são razões ou pseudo-razões que não entraram na nossa contagem) pois que em termos de rigor, o valor se confundirá com o nosso corte numa certa massa amorfa e flutuante (Saussure): a actividade contemporânea. A justeza desse corte nunca poderá ser conhecida previamente: só depois de efectuados o confronto, o diálogo e o estudo decorrente, se poderá porventura entrar no jogo das avaliações. E isto se tivermos conseguido construir um modelo próprio, um simulacro da nossa própria actividade. um padrão que permita medi la de dentro. […]
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Atraso tecnológico, mas também cultural…
Oposição sim à idade das via¬qens à lua e dos computadores, mas não pelas razões contra culturais que nos tornariam preferíveis as sem razões da loucura, a Sociedade Festiva, e o Paraíso Já: é aquilo que Jorge de Sena apontava citando um autor esquecido: Creio que deve ser restituída À grande Estupidez a dignidade que nesta Academia gozou sempre ………………………………………………… Há ainda um limite ético. Não me refiro ao binário estética ética, de tanta importância para a discussão da modernidade e de que trataremos adiante, mas a coisa mais comezinha: simples moral de trazer por casa. Nacional ou interna¬cional, recusamo nos a considerar qualquer experiência onde se venda gato por lebre, por exemplo «arte» ou «vanquarda» a disfarçar rasteiros interesses comerciais. E óbvio. Mas é
necessário sublinhá lo sobretudo quando se pode enganar incautos operadores estrangeiros fazendo os participar em festinhas lusitanas, de duvidosa isenção comercial e ideológica. Tzara já tinha avisado que «tudo o que se vê é falso». É verdade, sobretudo para os olhos embaciados dos habitantes de um Marienbad Qualquer; os seios da Madame são falsos, mesmo sem injecções de silicone. As explicações baseadas no que aconteceu o ano passado, ou nas gerações que nos precederam são a papinha do bebé ou dos filhos de família que podem pagar as lições dos Doutores. Tal busca imperialista da origem é a última alienação duma sociedade quási sem Pai, quási sem Deus (e onde a obra de «Arte» continua de paletó e gravata ainda a fingir que substitui estes valores perdidos e cada vez menos sagrados). Em vez de Deus, ou Paizinho, a Beleza. Inventam se outros nomes. A palavra Povo, por exemplo («Bonecos para o Povo») é muitas vezes usada como entidade metafísica, gato com o rabo de fora da falta de imaginação, Contra estas mesuras e aquelas razões a fingir se de históricas, o ZERO tinha que ser um dos nossos limites. E daí COMEÇAR - como diria Almada Negreiros. Isso não impede, antes obriga a uma perspectiva crítica. » Catálogo Alternativa Zero, texto de Ernesto de Sousa, 1977
Convite de Ernesto de Sousa aos artistas, Catálogo “Alternativa Zero”, 1977