OLHA O MENINO, VIU! Menino curioso, ativo, que mexe e remexe em tudo, com ele nada fica no mesmo lugar. É criativo até na hora de “aprontar”, vive a inventar moda como arapucas e armadilhas, dá um jeito de driblar a aula chata e fazer uma bagunça. Assim consegue enganar o tempo e chamar a atenção de todos. Tem força o suficiente para não se calar, para fazer um estardalhaço e expressar sua revolta. Na aula não aprende (mas aprender o que?), na hora do recreio dá um show de bola e atrai os olhares enfeitiçados das meninas. Tão novo e já quer namorar. Para muitos, esse menino tem outros nomes, já não se sabe mais qual foi o seu de batismo! É Menino-capeta, Menino-folia; Danado, Teimoso, Desobediente. Não é bom na língua da escrita, com as palavras se enrosca, com as letras embaralha, troca e não faz nexo. Então ganha, na escola e na família, o apelido de Menino do reforço. E lá se esforça, com toda força que tem para suportar mais algumas horas de exercícios insalubres de juntar e separar pedaços e despedaços de sílabas e palavras que não dizem nada e não acalentam sua sede de saber (mas saber o que?). Ele sabe voltar sozinho para casa, carrega o primo mais novo com ele, esquenta a sua comida, pega o gato no colo, coloca a maçã para tartaruga que mora no quintal do vizinho. Fica horas a fio diante do computador, concentração que nunca ninguém viu. Para e pega um skate, desliza pela rampa da casa, dá algumas voltas e mais algumas revoltas no quintal do puxadinho. Me recebe desconfiado na sua casa. Sou visita branca na casa de preto pobre. Senti os anos de história e escravidão soarem profundamente na minha pele, na minha alma. Fui tratada com regalia. Toalha bordada na mesa, copos e talheres especiais. Um menu para “madame” nenhuma botar defeito. - Hoje é dia de camarão! Eu sento para almoçar, mas ele prefere vir depois. Não fala comigo, sei dele pela fala da mãe. - É a raspa do tacho, veio por último, mais um menino. Completou a prole de três. Nasceu de parto rápido e tranquilo perto dos dois primeiros paridos na pelve, na raça e na dor. Chegou na maternidade, anestesia e mais uma cesariana na lista da modernidade.