The Rio Climate Challenge - Rio Clima 2012

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SEXTA-FEIRA - 29 DE JUNHO

20C e 450 ppm

RIO CLIMA

Desafios dos países é atingir um desenvolvimento sustentável dentro das metas de aumento de temperatura e emissões de gases estufa pág. 4

SUPLEMENTO RIO CLIMA

25-20-50

Maiores emissores precisam chegar a um acordo para evitar piores cenários, face às mudanças no clima pág. 5

Uma mudança de atitude para conter as

mudanças climáticas

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Mudar para conter a mudança Aquecimento global, tema pouco abordado na Rio+20, é discutido por especialistas e políticos na Firjan

Entre os dias 13 e 19 de junho, representantes de 14 países se mobilizaram para discutir um assunto que ficou à margem da pauta da Rio+20, conferência da ONU para sustentabilidade: a mudança climática. Eles estiveram reunidos no Rio Clima (The Rio Climate Challenge), na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), no Centro do Rio. Durante o encontro, representantes do Legislativo, do Executivo e especialistas de diversos ramos ressaltaram a importância de uma transformação global consistente para que o aumento da temperatura mundial não ultrapasse a margem de segurança de 2° C até o

fim deste século. Acompanhado por centenas de pessoas por dia na plateia, o evento, realizado pela Fundação OndAzul, também foi acompanhado por mais de 8 mil espectadores, por meio de transmissão ao vivo pelo portal do jornal O Globo. Entre os temas abordados, projeções climáticas para o futuro, o papel das empresas privadas no combate ao aquecimento global, a economia de baixo carbono e soluções encontradas por diferentes cidades, no Brasil e no exterior, que avançaram na diminuição dos índices de emissão de CO2, um dos principais causadores do efeito estufa.

O prefeito Eduardo Paes participou da cerimônia de abertura do Rio Clima

O Rio Clima, além dos debates públicos, reuniu, em paralelo, 70 especialistas e ativistas, que produziram um documento com indicações para o combate ao aquecimento global, que foi apresentado para lideranças durante a Rio+20. As mesmas recomendações serão feitas durante a COP 18, convenção do clima que acontece em novembro, no Catar. Também houve programações especiais no Forte de Copacabana, como parte do Humanidade, evento paralelo à convenção da ONU, e uma negociação simulada para um acordo do clima na Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).

Mobilização artística 20 anos depois Após dias de intensos debates sobre os efeitos e causas do aquecimento global, o encerramento do Rio Clima teve um toque especial de cultura. No auditório do Humanidade 2012, no Forte de Copacabana, o cantor Gilberto Gil recebeu convidados ilustres em um show que lembrou questões políticas e ambientais. Entre as centenas de pessoas da plateia, marcaram presença alguns dos participantes do Rio Clima, como o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc e o deputado federal Alfredo Sirkis (PV). Gil começou a apresentação com a canção “Um Sonho”, introduzindo o tom político e os índios do Xingu. O cantor também homenageou os pássaros com a canção “Three Little Birds”. O show contou com as presenças ilustres de Andy Summers (ex-The Police), Jorge Mautner e Fernanda Takai (Pato Fu). Para Gil, a cultura é parte integrante da sustentabilidade. Ele comemorou o fato de o tema do aquecimento ter sido trazido à tona pelo Rio Clima e comemora a maior

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Cada vez mais a sociedade vai tomando consciência, os governantes vão se sentindo na obrigação de tomar atitudes

conscientização em torno das questões ambientais desde a Rio92. – Vinte anos depois da primeira grande mobilização global nessa direção, o evento está de volta ao Rio. Cada vez mais a sociedade vai tomando consciência, os governantes vão se sentindo na obrigação de tomar atitudes –, comenta o cantor, acrescentando que para ele o fórum de debates foi um sucesso. – Quem acha que é um fracasso é quem torce contra. Andy Summers, Gilberto Gil, Jorge Mautner e Fernanda Takai no show do Forte de Copacabana, que encerrou o evento

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Jornalista Responsável: Leonardo Aguillar Editora: Monique Cardoso Repórteres: André Besserman, Luana Soares, Lygia

Freitas e Patrícia Fiasca Arte: Carol Menescal - Criativo - Infoglobo Fotos: Marcelo de Jesus e Eduardo Uzal

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Entrevista: Fábio Feldmann, ex-secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas

PÚBLICO E PRIVADO

“É necessário tirar do poder público o monopólio de implementação” Para o combate ao aquecimento global, qual é o papel dos setores da sociedade?

Para implantar o desenvolvimento sustentável, é preciso parceria entre o setor empresarial cosmopolita, sociedade civil, líderes do governo e comunidade acadêmica, além da mídia. É necessário tirar do poder público o monopólio de implementação. Muitas vezes, as soluções apresentadas pelas empresas são mais rápidas e eficazes. Isso faz diferença? Na época da Rio92, o setor empresarial entrou pela porta dos fundos nas discussões; estava muito na defensiva. Agora, a iniciativa privada sabe que tem responsabilidade na solução dos problemas. Já houve grande avanço, os relatórios de sustentabilidade fazem parte do modelo de negócio. Neste sentido, é preciso estimular que o setor empresarial cosmopolita seja prestigiado e avance.

O papel da sociedade civil é fazer reivindicações coletivas, ou também ter atitudes individuais, como o consumo consciente? A sociedade tem um papel muito relevante em pressionar o governo, as empresas e de participar das soluções. Hoje, o indivíduo conquistou uma dimensão política no ato de consumo: “eu quero comprar um móvel, mas a madeira tem de ser certificada”. E para os governos? O que falta? Falta pressão e ter uma visão de médio e longo prazo. Os governos, nas democracias, têm um horizonte que termina na próxima eleição, o que é insuficiente para um mundo que precisa que esta geração tenha responsabilidade e aja.

Reflexão e ação sobre o aquecimento Mudança climática é inevitável e países emissores pagarão um alto preço para contê-la dentro da meta O desenvolvimento acelerado, despreocupado com a preservação do meio ambiente e as crescentes taxas de consumo ao longo das gerações tornaram necessária uma rápida transformação global. O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), alerta que o mundo caminha para um aumento de 30C a 60C de temperatura até o fim do século. Fazer com que este aquecimento não ultrapasse o limite de segurança de 20C, no entanto, dependerá de acordos unânimes entre 193 países, que deverão aceitar mudar costumes e combater irregularidades.

Esse foi o tom dos quatro dias de debate da Conferência Rio Clima. Durante muito tempo, no entanto, a cultura brasileira foi ignorar a questão. O coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da Coppe, Emílio La Rovere, destacou que as forças que aumentam as emissões de gases causadores de efeito estufa são o aumento da população, a adoção do Produto Interno Bruto (PIB) como indicador de crescimento e a geração de energia com combustíveis fósseis. – A tendência é que, até o fim do século, o nível dos oceanos suba cerca de

um metro. Mesmo se reduzíssemos as emissões antes de 2050, ainda assim teríamos aumento na temperatura. E os custos da recuperação de cenários como furacões e tempestades, provocados por esse aquecimento são muito altos. Sendo assim, a mitigação de gases pode ser vantajosa também do ponto de vista econômico – acredita o pesquisador. La Rovere conta que as últimas análises do laboratório que comanda mostram ser praticamente impossível conter o aumento de 2°C na temperatura – seria necessário ampliar a eficiência energética, parar com o desmatamento, fazer reflorestamento e trabalhar na captura de CO2 até que o nível de emissões se torne negativo. Segundo ele, uma mudança brusca na realidade do planeta

como essa sairia bem caro, cerca de 5% do PIB mundial. – O problema é que, de 2020 em diante, as emissões vão aumentar com o crescimento da população. Mas, existem medidas como a ampliação do uso do etanol e a geração de energia hidrelétrica de forma menos nociva – sugeriu. De acordo com o deputado federal José Sarney Filho (PV), o Brasil não deve fugir à regra, mas lida com peculiaridades em relação às demais nações. – As nossas emissões de gases de efeito estufa não se dão prioritariamente pela produção de energia, pela indústria ou pelo transporte, mas sim pelo desmatamento e o mau uso da terra – esclareceu.

OPINIÃO

Negacionismo x Ciência A iniciativa Rio Clima coincidiu no tempo com uma ofensiva de mídia do “negacionismo climático”, que nos EUA é financiada pela indústria do carvão e do petróleo e que aqui encontrou vozes entre acadêmicos de pouco prestígio e outros atores em busca da fácil exposição que dá negar uma “verdade inconveniente”. É como alguns médicos pagos pela indústria do tabaco, nos anos 60 e 70, que iam à TV dizer que não estava “cientificamente provado com precisão” que o cigarro provo-

casse câncer do pulmão. O fumante inveterado era levado a pensar: “se não está provado, vou esperar para que estudem melhor”, e continuava a fumar dois maços por dia. O principal argumento dos “negacionistas”, o do “ciclo natural”, foi demolido pelo professor Carlos Nobre: de fato, a Terra já passou por eras mais quentes e mais frias e existe um processo natural de alteração climática em vários ciclos. Só que isso se deu em centenas de milhares

ou milhões de anos enquanto o aquecimento atual se concentra nos últimos dois séculos. Nenhum cientista de primeira linha ou publicação científica séria dá crédito à tese “negacionista”, que tem conseguido, ultimamente, adeptos à direta e à esquerda e um espaço surpreendente em algumas pautas jornalísticas para além dos tablóides e jornais de supermercado americanos que constituem seu habitat natural.

Alfredo Sirkis

Escritor, jornalista, deputado federal e coordenador da iniciativa Rio Clima


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20C / 450 PPM

Superar as diferenças é o desafio

Entrevista: Yvo de Boer, ex-secretário executivo do UNFCCC - Holanda.

“Estamos no caminho do futuro que merecemos” O relatório “Construindo uma Economia Verde para todos” diz que a transição para a Economia Verde pode tirar milhões de pessoas da pobreza. Você acredita que esta aproximação entre economia e ecologia está em curso? Os dois conceitos ainda estão muito separados. Enfrentamos muitos desafios nos preços da energia, segurança energética, falta de água e comida em face do crescimento populacional. No momento, as coisas seguem indo na direção errada. A consciência global está aumentando, mas nosso modelo econômico precisa mudar.

Changhua Wu

Conciliar os interesses e realidades dos maiores emissores é fundamental para se chegar a um acordo climático Em busca de propostas inovadoras não só para Rio+20, como também para o COP 18, o painel “Discussão do Marco Inicial do Rio Clima” discutiu, com ampla participação do público, alguns aspectos importantes para enfrentar esse desafio. A ideia é não deixar de fora do debate os temas mitigação, estabelecimento de métricas, adaptação e financiamento, visando um desenvolvi-

mento dentro das metas globais de aumento de 2 graus na temperatura e limitação a 450 ppm das emissões para a atmosfera. De acordo com Changhua Wu, diretora do Climate Group, da China, as negociações em torno das mudanças climáticas enfrentam muitas barreiras na hora de conciliar os interesses dos países.

– Acredito que precisamos de sugestões para superar o desafio de reduzir a emissão dos gases de efeito estufa, mas as propostas que discutimos aqui são baseadas em experiências. Temos o conhecimento, mas precisamos entender as diferenças na realidade dos países e como podemos resolvê-las –, resumiu Changhua.

vimento. As classes médias dos grandes países devem refletir sobre isso. Com relação aos subsídios para os combustíveis fósseis, o ex-secretário executivo da United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC), Yvo de Boer, acredita que são muito mais relacionados à questão econômica do que ao meio ambiente.

O discurso geral é um alerta para que os países que estão saindo da linha da pobreza não adotem o padrão de consumo dos países desenvolvidos ou em desenvol-

– O mais importante é que países que ainda não cometeram grandes erros ambientais não venham a provocar grandes impactos futuros – alertou Boer.

Simuladores criam cenários e auxiliam tomada de decisões Se saber como estará o clima daqui a cinco anos já é uma tarefa difícil, mais complexo é criar cenários para daqui a 20, 50 ou 100 anos. Diferentes panoramas exigirão respostas distintas da sociedade. Para enxergar as situações possíveis, os pesquisadores Drew Jones e Travis Franck, da ONG Climate Interactive, produzem simuladores on-line e

aplicativos para celulares e outras mídias. Os especialistas, que trabalham com o Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, apresentaram ao público do Rio Clima o software C-Roads, ferramenta que simula, em poucos cliques, o que pode acontecer com o clima do planeta a partir de escolhas que a humanidade pode tomar.

O software é gratuito e está disponível pela internet. Com ele, os especialistas convidaram os participantes a responder questões previamente definidas e simular, instantânea e graficamente, o clima no futuro. A ideia é ajudar a todos, governos e pessoas, a verem como suas ações podem amplificar ou mitigar os efeitos da mudança climática.

A solução para a crise ambiental se dará por meio da política ou por mudanças no dia a dia das pessoas? Acredito em ambos. É muito difícil para políticos mudarem de direção sem ter apoio popular, então o entendimento da necessidade de mudança pela sociedade ajuda os políticos a guiarem essa mudança. É o modo de consumir das pessoas que determina os problemas que temos. A menos que todos estejam dispostos a dirigir carros menores e consumir produtos sustentáveis, será muito difícil guiar a mudança política e econômica. A taxação do carbono e outros recursos naturais é uma necessidade?

– Podemos manter a concentração abaixo de 450ppm e evitar um aumento maior que 20C. Precisamos de ações significativas e rápidas, mas não existe uma solução única. É preciso diminuir as emissões – concluiu Jones.

Sim, a questão é colocar o preço certo em muitas coisas. Em muitos produtos, não são refletidos o preço real do uso da água, ou da poluição e emissão de gases estufa que provocam. Se começarmos a precificar apropriadamente os bens, a consciência dos impactos que provocamos no ambiente vai aumentar. É possível construir o futuro que queremos? Sim, é possível, mas no momento estamos no caminho para o futuro que merecemos, que não é o futuro que queremos.


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Entrevista: Thomas Heller, diretor executivo da Climate Policy Initiative, EUA, e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2007

“Nosso tempo está acabando. Temos de aumentar a produtividade dos recursos”

Aumentam as emissões, aumenta a temperatura A urgência em mitigar as consequências do efeito estufa e o papel do Brasil na redução de suas emissões em 2015, 2020 e 2050 Os especialistas que participaram do painel “As Mudanças Climáticas nos Marcos 15-20-50” buscaram amadurecer o discurso e chegar a propostas concretas que possam ser levadas à próxima conferência do clima, a ser realizada em Doha, no Catar, em de-

zembro. O objetivo é encontrar soluções para um desenvolvimento sustentável dentro de um aumento máximo de 20C na temperatura do planeta. Mas como? Eduardo Azeredo, ex-governador do estado de Minas Gerais e presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, lembrou que a

subcomissão para a Rio+20, proposta pelo deputado Alfredo Sirkis, se reuniu em audiências públicas e apresentou sugestões para que o Brasil elevasse o nível das discussões, como reduzir impostos de equipamentos energeticamente mais eficientes e a criação

de índices para medir o desempenho ambiental. Azeredo elogiou a estrutura legal brasileira, que considera avançada, citou caminhos para um melhor planejamento e qualidade de vida, como o ICMS Ecológico, imposto que premia cidades com boas práticas ambientais,

mas também abordou a polêmica em torno do novo código florestal, em fase de tramitação. Discutir o tamanho do desafio de conter esse aquecimento em um patamar que o Brasil seja capaz de lidar com os recursos financeiros, humanos e naturais que dispomos, ficou a cargo do ex-diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo. Ele foi um dos principais assessores da ministra Marina Silva em 2007, quando apresentou, na Conferência de Bali, a proposta brasileira do REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), um mecanismo de preservação florestal. – Essa meta de dois graus parece pouco, mas significa sair de 150C, a temperatura média da Terra, para 170C. Hoje, já vivenciamos, de 0,60C. Para limitar o aquecimento, o teto de concentração de gases estufa deve ser de 450 partes por milhão – lembrou o especialista. Contenção dos gases estufa O aumento de temperatura coincide com a maior concentração de gases na atmosfera. Por meio de um gráfico

(foto), Tasso demonstrou que este acúmulo, que nunca havia passado de 300 ppm, está subindo muito rápido. Em 2008, chegou a 385 ppm e já pode ter atingido, segundo estudos recentes, a marca de 400 ppm, em 2012. – Em média, a concentração de gases estufa aumenta 2 a 3 partes por milhão ao ano. O problema é que a particularidade desses gases é permanecer por centenas, até milhares de anos na atmosfera terrestre. Na prática, tudo aquilo que emitimos, desde a revolução industrial, ainda está acumulando – esclarece Tasso. Palestrante seguinte, o especialista em relações internacionais Eduardo Viola demonstrou uma visão ainda mais pessimista. Para Viola, a humanidade não tem uma capacidade de aprendizagem tão rápida quanto a necessidade de mudança, e já caminha para um aumento superior a 20C. Segundo ele, conter o clima global depende da vontade de oito países-chave, pela proporção de suas emissões e seu poder geopolítico. Três são superpotências, União Europeia, EUA e China, e cinco são grandes potências, Índia, Rússia, Japão, Coreia do Sul e Brasil: – Nosso País tem um papel muito importante, mas ainda não é uma liderança climática. O que seria decisivo é um acordo definitivo entre os três maiores emissores globais, que não está próximo. Mas, apesar disso, na sociedade as forças descarbonizantes se acumulam.

Em seu livro “A Terra Inundada” (2010), o paleontologista Peter Ward diz que “a natureza é a guardiã do tempo, mas nós não enxergamos o relógio”. Nós vemos o relógio claramente. O ritmo em que as coisas estão ocorrendo geram o risco de consumirmos mais recursos naturais do que o planeta tem capacidade de repor. O tempo pode estar se esgotando para nós? Sim, está acabando. Nós iremos exaurir nossos recursos florestais e terras rapidamente, a menos que a produtividade aumente muito. Em relação aos combustíveis, ainda há muitos recursos, a Terra é feita de carbono, mas os preços irão escalonar. Quando isso ocorre, o desenvolvimento se torna difícil e as pessoas sofrem. O relógio está lá, nós não sabemos os timings exatos, porque os sistemas são complexos. Atualmente, não estamos manejando os riscos da forma como as melhores estimativas do relógio da natureza nos diz que devemos. Precificar o carbono e impor taxas é o caminho? Aumentar a produtividade desses recursos é o caminho que enxergo para os próximos 25 a 30 anos. Tenho grandes esperanças, eu vivo no Vale do Silício, na Califórnia. É possível que a nanotecnologia, a manipulação molecular de materiais, permita, em algumas décadas, produzirmos qualquer coisa que quisermos, ou retirar o carbono do hidrogênio e queimá-lo. Tenho esperanças de que isso seja possível e ocorra, o que significaria que resolvemos, de formas que nem compreendemos bem, o risco de queimar carbono.


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TECNOLOGIA

O homem e a manipulação do clima Os problemas que a humanidade está causando na superfície terrestre têm escala geológica e podem fugir ao controle. E talvez não adiante apelar para manipulações em larga escala do ambiente planetário. É o que acredita o pesquisador Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de pesquisa e desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, integrante do Painel do Clima da ONU (IPCC) e referência nos estudos sobre clima e a Amazônia. – Nós estamos perturbando o sistema terrestre de forma exponencial. Principalmente na questão climática, que não é a única, mas a mais preocupante. Hoje, a geoengenharia é basicamente, jogar a toalha

GUSTAVO STEPHAN / AGÊNCIA O GLOBO

O que é Geoengenharia?

e admitir que o cenário de desenvolvimento sustentável não é viável – pontua Nobre.

camada permanente congelada que pode conter milhões de toneladas de metano.

Para limitar a concentração de gases estufa na já ambiciosa meta de 450 ppm, cientistas pesquisam formas de alterar o clima em larga escala. Nobre citou os chamados feedbacks positivos, efeitos climáticos que podem criar um ciclo e aumentar, como uma bola de neve, os impactos ao ambiente.

– Uma das faces da geoengenharia é atuar diretamente na radiação solar. É como brincar de Deus, as consequências são muito difíceis de calcular e influenciam todo o sistema climático global – explica.

Um exemplo é a superfície de gelo do Ártico. Por ser branca, reflete os raios solares, enquanto a água do mar, por ser escura, absorve este calor. Logo, quanto menos gelo, mais calor o mar absorve, e mais o gelo derrete. Outro é o permafrost do Ártico, imensa

Geoengenharia, ou engenharia climática, é o estudo das formas de alterar e manipular em larga escala (e, possivelmente, melhorar) o meio ambiente global, alterando padrões climáticos, caminhos dos rios, solos, climas e correntes marítimas. Recentemente, a geoengenharia tem recebido atenção especial graças aos esforços de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Desenvolvimento sustentável precisa ganhar força política

Financiamento internacional em pauta Para que os projetos voltados para o meio ambiente saiam do papel, é preciso uma estrutura de financiamento que ajude, principalmente, os países emergentes. Durante o painel “Financiando a economia de baixo carbono”, o americano Thomas Heller, diretor executivo da Climate Policy Initiative, dos EUA , afirmou que esta é uma questão política e econômica.

O secretário Carlos Minc foi um dos que defendeu maior eficiência na produção agrícola brasileira

O compromisso de frear as mudanças climáticas e adotar uma economia verde passa por decisões políticas, e o Brasil precisa fazer o dever de casa. Reunidos na conferência Rio Clima, políticos de diferentes correntes concordam que o momento é promissor para uma nova ordem mundial, desde que países em ascensão façam investimentos corretos. – A discussão sobre economia verde ainda é muito recente, temos que nos apropriar deste conceito com mais força – resumiu o deputado federal Marcio Macedo (PT-SE).

Outros projetos de geoengenharia citados pelo pesquisador vão desde experimentos para desenvolver plantas transgênicas com folhas mais refletivas aos raios solares, até flertes com a ficção científica, como espelhos refletores no espaço e um sistema para transportar gases estufa para fora da Terra.

O discurso é o de que é possível o Brasil crescer sem degradar ainda mais o meio ambiente. Para o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) será necessário investir em educação, já que é muito difícil convencer as pessoas a reduzirem e mudarem seus padrões de consumo. – Além disso, a inovação tecnológica realizada adequadamente pode produzir resultados excelentes. Tenho convicção que podemos manter nossa produção agrícola sem desmatar mais nada. Nos últimos 30 anos, o Brasil aumentou em 45% sua área plantada e em 265% a sua produção. É possível sermos mais eficientes – constata.

O secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, enfocou os próximos passos do Rio de Janeiro rumo ao desenvolvimento sustentável. Ele antecipou que o governo do Estado vai assinar metas de redução de emissões para as indústrias, criar uma bolsa verde e implantar um polo de pesquisas na Ilha do Fundão. – O Rio busca atingir a meta de desmatamento zero, segundo relatório da SOS Mata Atlântica. Somos o estado que mais recebe investimentos privados e públicos, e, ao mesmo tempo, o que menos desmata – disse Minc.

– O financiamento internacional deve ser feito com dinheiro público ou privado? Há muito debate sobre isso. O investimento tem que ser combinado para desenvolver a economia de baixo carbono – acredita Heller. – É preciso considerar que todo o mundo está em risco. A união dos países é fundamental – completou Mohammed Chowdhury, chefe do Asia-Pacific Forum of Enviromental Journalists (APFEJ), de Bangladesh. Outro ponto discutido no encontro foi o desenvolvimento de novas fontes de energia limpa e renovável, defendido pelo diretor executivo do Greenpeace Brasil, Marcelo Furtado. Segundo ele, um dos grandes entraves para que isso aconteça é a ausência de uma discussão qualificada pela sociedade.

– É difícil encontrar um País com tantas condições favoráveis para energia eólica e solar como o Brasil. Ao invés de gastar muito dinheiro com pré-sal, poderíamos investir para criar um Brasil verde e limpo, por isso a discussão tem que sair do ambiente acadêmico e conquistar a sociedade – disse Furtado.


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Entrevista: Tasso Azevedo, ex-diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro.

“Humanidade tem capacidade de lidar com problemas ambientais, mas precisa de liderança e vontade política” O aquecimento global é o maior problema da crise ambiental atual? A mudança climática é o problema que tem mais impacto irradiado, porque afeta a desertificação, os oceanos, o ciclo de nitrogênio, a chuva, as águas e a produção de alimentos. Se conseguirmos resolver esse desafio, venceremos os outros. Hoje, entretanto, o maior fator limitante é a água, que vai ser um problema maior para o mundo. No Brasil ainda não percebemos isso porque temos muita água. É possível conciliar o crescimento com a diminuição da pegada de carbono da humanidade? Sim. Um exemplo disso é a produção de alimentos. Já produzimos mais alimento do que necessário para garantir o mínimo das necessidades calóricas de todos os habitantes da Terra. Temos um bilhão de famintos, e não é por falta de comida. É pelas perdas com distribuição e produção,

África é o continente mais vulnerável Disputa pela água pode acirrar conflito entre Israel e Palestina. Lago Chad, que abastece 20 milhões de pessoas, já perdeu dois terços de seu tamanho

uma reengenharia é necessária. Geramos muita proteína de carne de boi, que é a que mais consome água. Se a gente produzisse mais proteína de peixe, diminuiríamos nosso impacto. Fala-se sobre o sucesso ou fracasso da Rio+20. Eventos como o Rio Clima comprovam o sucesso da conferência? O espaço para reflexão e a convergência de pessoas que a Rio+20 permite acelera várias iniciativas e isso já é justificativa para um evento como esse. O evento poderia se tornar periódico como o Fórum Mundial Social, a cada 5 anos ter esse grande encontro onde todos trazem suas ideias e iniciativas. Mas isso não substitui a necessidade do processo formal e oficial para gerar a transformação completa na velocidade necessária. A Rio+20 pode ter o mérito de apontar os esforços para o mesmo sentido, dando um senso de propósito coletivo.

Escassez de água já é uma realidade provocada pela mudança climática no continente africano

Um dos vários fatores que torna a mudança climática o principal problema da crise ambiental global é justamente porque agrava os demais impactos, como a falta de água doce, a elevação do nível do mar, perda de biodiversidade, desertificação e a acidificação dos oceanos e, ainda, por tornar mais fortes e frequentes os eventos extremos. Destes, a questão da água é a mais urgente. A menos que sejam tomadas medidas radicais para modificar o modo como os recursos hídricos são manipulados, por volta de 2025 o mundo pode enfrentar uma grave escassez. Atualmente, o problema já é motivo de conflitos armados ao redor do mundo. No Oriente Médio, a água é um recurso precioso e uma questão política importante nas negociações entre Israel e Palestina. Israel detém, desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, o controle do aquífero que há por baixo da Cisjordânia, aumentando os recursos hídricos do país em 50%. Israel também extrai mais de 75% do fluxo da parte superior do Rio Jordão. Yossi Beilin, ex-ministro da Justiça de Israel, tem experiência nas negociações sobre o precioso recurso entre seu país e a Palestina, e acredita

que, para o mundo, o tratamento da questão não seja diferente.

é rural e não têm acesso à eletricidade e água potável.

– Hoje o consumo dos palestinos é de 73 litros/dia, enquanto em Israel o consumo médio é de 242 litros/dia. Temos que aprimorar as tecnologias de dessalinização e economia para nos adaptarmos e, mais importante, criar uma autoridade conjunta para gestão da água – sugere Beilin. Também foram apresentadas

– O Lago Chad, no centro do continente africano, possuía mais de 200.000 km2 e um ecossistema vibrante. Teve sua área muito reduzida, passando a 75.000km2. Recentemente, os países africanos começaram a erguer uma Grande Muralha Verde, similar à Muralha da China, que impedia a invasão de bárbaros. Este é um grande projeto de revegetação para diminuir a desertificação. Muitos países africanos não têm recursos para lidar com a mudança climática, por isso apoiamos a criação de um fundo internacional para adaptação – clamou Kane. Já para países como as Ilhas Maldivas, o problema é de sobrevivência. Amjad Abdula, ministro do meio ambiente das quase 1.200 ilhas que compõem a nação.

experiências de outros países. Racine Kane, diretor da União Internacional para a Conservação da Natureza, do Senegal, considera a África o continente mais vulnerável às mudanças climáticas, já que 70% da população

– Meu país já sofreu muitos impactos. Precisamos de uma autoridade de defesa civil que integre os diferentes sistemas, para agir com rapidez e eficiência e evitar as catástrofes – sinalizou o ministro.


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Propostas plurais e inovadoras para uma economia verde Documento elaborado durante o Rio Clima e entregue a autoridades na Rio+20 faz recomendações para nortear o combate ao aquecimento global sem controle Um novo olhar sobre a economia verde, com indicações políticas e econômicas aplicáveis a diferentes situações vividas pelos mais diversos países. Este é o conteúdo do documento produzido por especialistas durante a conferência Rio Clima. As proposições foram apresentadas a lideranças durante a Rio+20 e também serão levadas para a COP 18, que acontece no Catar, no fim do ano. De acordo com o deputado federal e ambientalista Alfredo Sirkis (PV-RJ), 70 especialistas de 14 países participaram da formulação da matéria, que tem foco no processo de combate ao aquecimento global e outros danos ao meio ambiente. - Essas são recomendações globais, têm a ver com todos os países. Precisamos rever a questão do Produto Interno Bruto como indicador de desenvolvimento, uma vez que ele hoje é calculado de forma que acidentes de trânsito e derramamentos de petróleo são considerados eventos favoráveis – critica o deputado. Sirkis cita ainda a necessidade de um grande investimento público, uma espécie de New Deal Verde, em alusão à série de medidas aplicadas nos Estados Unidos entre os anos 1930, para recuperar e reformar a economia americana, afetada pela Grande Depressão, em 1929. – Isso será fundamental para dinamizar energias limpas, promover reflorestamento, incentivar ações

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1.2 - Atribuir valor econômico a serviços ambientais prestados pelos ecossistemas. 1.3 – “New Deal Verde”: um massivo investimento público de governos e instituições multilaterais em energias limpas, recuperação ambiental e geração de emprego, como caminho de saída da presente crise. Eduardo Campos, governador de Pernambuco

Essas são recomendações globais, para todos os países

– O primeiro time internacional que se juntou a um primeiro time de brasileiros e iniciou um centro de reflexão vai ser baseado no Rio de Janeiro. A tendência é que o Rio Clima vire uma instituição permanente para manter a centralidade da nossa cidade, onde foi assinada a convenção do clima – conclui Sirkis, acrescentando que as atividades serão mantidas, com foco na COP 18.

1.4 - Substituir sistemas tributários e de subsídios por outros vinculados à intensidade de carbono. Eliminar subsídios aos combustíveis fósseis estabelecendo mecanismos de compensação social direta para fazer frente a suas consequências diretas e indiretas sobre a economia familiar. 1.5 – Reforma do sistema financeiro internacional mediante um “Bretton Woods” do baixo carbono instituindo mecanismos e produtos capazes de atrair o capital financeiro internacional para uma economia produtiva de baixo carbono.

– Seria importante acabar, inclusive, com o subsídio aos combustíveis fósseis, como a gasolina, que existe não apenas no Brasil, mas em vários países – ressalta. Para o deputado, o Rio Clima foi um grande sucesso por ter mobilizado debatedores de alto nível.

1 – Economia Verde 1.1 - Rever o PIB(Produto Interno Bruto) enquanto principal indicador da economia e construir uma nova métrica incorporando variáveis qualitativas relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

que melhorem a qualidade de vida da população, ajudem a criar empregos e até tirar certos países da crise - pontua. Outro ponto ressaltado pelo deputado é a atribuição de valor econômico a serviços ambientais prestados por ecossistemas, além da reforma dos sistemas tributários, tanto de impostos como de subsídios que muitas vezes estimulam práticas prejudiciais ao meio ambiente.

Recomendações da iniciativa Rio Clima The Rio Climate Challenge para a Conferência Rio+20

Cristina Figueres, secretária executiva da Convenção do Clima das Nações Unidas

Essas ações devem se articular com outras destinadas a estabelecer mecanismos internacionais justos e eficientes de transferência de tecnologias e um mecanismo coletivo para a aquisição patente de tecnologias limpas “genéricas” para transferência aos países mais pobres. Devem facilitar o investimento público e privado rumo à universalização do acesso à energia limpa e focar no financiamento para projetos de desenvolvimento resilientes às consequências futuras do aquecimento global. Devem promover a agricultura de baixo carbono e o manejo de ecossistemas. 2 - Governança

Yossi Beilin, ex-ministro da justiça de Israel

CAUSAS

CONSEQUÊNCIAS

MITIGAÇÃO

O desenvolvimento sem preocupação com a preservação de recursos naturais e altas taxas de consumo provocaram rápidas transformações no meio ambiente

Eventos climáticos extremos, escassez de água, insegurança alimentar e perda de biodiversidade são algumas das consequências do aquecimento global

É preciso adotar medidas rigorosas de desenvolvimento sustentável, dentro de uma economia verde para conter a temperatura do planeta

2.1 – Adotar uma métrica unificada para dar mais transparência às metas obrigatórias e objetivos nacionais voluntários no que diz respeito à redução de emissões de GEE e de um “termômetro-símbolo”, de grande visibilidade, nas ruas e praças de cidades de todo o mundo, que vá indicando diariamente a concentração de GEE na atmosfera e sua aproximação do limite de 450 ppm. 2.2 – Desenvolvimento de mecanismos internacionais para o Clima assentados em regras, verificação e responsabilização internacional. 2.3 – Ampliar a discussão da questão climática para outros foros do sistema da ONU como o Conselho de Segurança, a outros eventuais formatos de negociação, bem como, sua inclusão na agenda e na missão do G 20.


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