O Casulo Feliz

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Foto: Bulla Jr.

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Luxuosa, tropical e ecológica Prepare-se! Abrimos as cortinas da seda paranaense que conquistou passarelas, mostras de decoração e grandes admiradores por ] Astrid Façanha e Rafaela Tasca Pensar em produzir uma arte nascida no Oriente e com segredos milenares, num país Ocidental com poucos séculos de vida, poderia parecer impossível, improvável, irrealizável. Mais ainda seria, além de fazer seda, reinterpretá-la, recriá-la e elaborar um design exclusivo, tropical, ecológico e artesanal. Uma missão nada fácil, especialmente frente à dinâmica global do mercado têxtil impulsionado pela liderança feroz dos países asiáticos com seus produtos industriais, feitos com uma mão-de-obra muito mal remunerada, sem essência criativa e que desprezam os impactos ambientais gerados durante seu processo produtivo. Cultivada no sonho e na curiosidade de um paranaense, a seda natural, tropical, ecológica e ética se realizou. Sem olhos puxados, como seria de esperar de seus tradicionais cultivadores, há 21 anos, o zootecnista Gustavo Serpa Rocha fez nascer, em Maringá, a única tecelagem de seda artesanal da América Latina. Nascia a história de O Casulo Feliz, também chamado de “O Casulo” por seus conhecidos e admiradores. Bicho-da-seda Com uma roca laneira de madeira herdada da avó e uma idéia na cabeça, Gustavo, então professor de sericicultura da Universidade Estadual de Maringá, experimentou a produção de fios de seda a partir dos casulos descartados pela indústria têxtil. Gustavo percebeu que o fio dos casulos diferenciados morfologicamente abandonados pela crisálida ao virar borboleta, apresentavam como diferencial formas irregulares, com texturas e espessuras imprevisíveis, que poderiam

trazer para a seda um novo resultado final, de aspecto rústico e orgânico. A filosofia de reaproveitamento da matéria-prima foi estendida ao processo de tingimento dos fios, que passaram a receber coloração 100% vegetal, a partir da utilização de folhas, raízes, serragens, sementes, cascas e flores descartadas por fornecedores. O próximo passo foi montar uma pequena estrutura de tecelagem para trabalhar os fios da seda. As instalações da empresa familiar, tocada por Gustavo, sua mulher, Fátima Zubioli e os filhos, Aluisio Zubioli e Glicínia Setenareski, foram erguidas em área maringaense de subdesenvolvimento e população de baixa renda. O caminho natural, portanto, foi integrar a comunidade local e oferecer treinamento nas diversas etapas da produção. O passo seguinte seria investir no produto final, missão da designer Glicínia Setenareski que se dedicou a agregar valor de design têxtil à marca O Casulo Feliz. Com a abertura do showroom e a loja da fábrica no ano 2000, passaram a ser comercializados artigos para moda e decoração, desenvolvidos na seda pura ou misturados a outras fibras naturais como a juta, o bambu e o algodão. Para Glicínia, a seda, além do seu apelo visual e toque de aconchego, reúne diversas qualidades, o que faz com que seja versátil: “É naturalmente anti-chamas, térmica, antiácaros e anti-estática. Não causa irritação na pele por conta dos aminoácidos e absorve umidade. Além do que, tem resistência e brilho com estrutura prismática.” Aliás, a própria natureza da seda, faz dela uma matéria-prima intrigante. A lagarta tece o casulo, em volta do seu corpo, de fora para dentro, durante dois dias. Hiberna no inverno e sai na primavera, depois de passar por uma metamorfose. Como mariposa, não 33


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come e não bebe e vive em média 48 horas, após sua saída do casulo. O misterioso cozimento dos casulos que faz soltar o fio da seda, a secagem das meadas coloridas a céu aberto e a irregularidades das tramas tecidas nos teares manuais compõem etapas do processo sinérgico da produção artesanal, que contribuiu para definir a identidade singular do O Casulo.

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Brilho natural Nos últimos anos, O Casulo Feliz despertou a atenção de renomados arquitetos, designers e decoradores, como Ivan Wodzinsky, Fernanda Negreli, Marcelo Minuscoli, Dado Dantas, Ilse Lambach, André Largura e Giovana Kimak. Além de marcas e estilistas brasileiros como Alexandre Herchcovitch, Isabela Capeto, Mário Queiroz e Osklen, entre outros. Criações desenvolvidas com a matériaprima exclusiva foram apresentadas em várias edições dos principais eventos nacionais do setor de moda e decoração como a São Paulo Fashion Week e a Casa Cor de diversas regiões do país. No ano de 2005, O Casulo Feliz foi escolhido para representar o Paraná na exposição do Pavilhão Carreau Du Temple, em Paris, por ocasião das celebrações do Ano do Brasil na França. Este mesmo ano, marca o momento que o engenheiro e urbanista paranaense Rafael Greca conheceu O Casulo Feliz quando desenvolvia ações pelo Estado do Paraná. “Fiquei encantado com a proposta da reutilização dos casulos que eram rejeitados pelos importadores chineses e europeus. Essa utilização gerava uma seda com textura diferenciada e de muito bom gosto.” “Considero O Casulo Feliz um exemplo de qualidade aliado a um sucesso empresarial e à geração de renda em um bairro carente. É uma cadeia produtiva que proporciona trabalho tanto para a cidade quanto para

o campo. Em todos seus processos é um produto de orgulho para o Paraná.”, revela o urbanista que também é um clienteadmirador. “Eu tenho vários produtos do O Casulo. O que mais aprecio é o tapete felpudo que fica no coração de minha biblioteca, perto de minha lareira. Ele parece com um gramado onde eu relaxo e faço minhas leituras.” Criações de requinte Na decoração de interiores, a seda é um tecido clássico utilizado em cortinas, paredes, móveis e mantas. Os castelos franceses, especialmente Versailles, são exemplos do uso nobre, belo e luxuoso da seda. Tal poder e luxo foi recentemente reverenciado em 2006, no lounge do Crystal Fashion de Curitiba. O projeto, assinado por Dado Dantas e Ilse Lambach trouxe a “A rota da seda” como tema e O Casulo foi um dos parceiro spara realização do lounge. Até aquele momento, Dado e Ilse desconheciam a produção de seda no Paraná, “Quando estávamos projetando o espaço, alguém falou que havia produção de seda no Estado, estranhamos o fato, a princípio. Foi quando conhecemos os produtos de O Casulo Feliz e estabelecemos uma bela parceria que até hoje mantemos.” Não só os tafetás trouxeram a aura de luxo aos ambientes projetados por arquitetos paranaenses. Aliás, talvez seja a aplicação de outros produtos, como o tecido felpudo


O Novo-Luxo da Seda O estilista Jum Nakao, que já desfilou uma coleção de roupas de papel que depois

foram rasgadas, acredita que a produção da seda é uma forma de resistência sob diversos aspectos. Jum conheceu a seda artesanal do O Casulo Feliz, durante uma visita ao Paraná. Para o estilista, a matéria-prima agrega valor, a partir do conceito menos é mais: “Na moda atual, a seda remete ao conceito de slow fashion.” Mario Queiroz, estilista que desenvolve uma moda masculina, ao mesmo tempo, elegante e despojada, esteve em Maringá, em 2004, e ficou encantado com as instalações do Casulo. “Fiquei muito impressionado com o formato do trabalho, a questão social junto com à discussão e a

Foto: Bulla Jr.

(Na página ao lado) Para a Casa Cor SP 2009, Fernanda Marques compôs com glamour o tapete felpudo. Abaixo, a designer Glicínia Setenareski com um dos seus produtos. (Nesta página) Acima, a seda como revestimento e o felpudo no encontos das cadeiras nos ambientes assinados por Ivan Wodzinky para a Casa Cor Paraná 2008/09. Ao lado, o puff e recamier desenvolvido por Glicínia.

O mesmo tecido felpudo voltou a aparecer no detalhamento do encosto das cadeiras de estilo clássico do “Salão das Confrarias”, ambiente da Casa Cor Paraná de 2008, projetado pelo arquiteto Ivan Wodzinsky. Desta vez na cor carbono. O tecido também faz parte de belos – e intrigantes - mobiliários ecosustentáveis projetados por Glicínia. Seu puff de reciclado pet e seu recamier com base de capota de caminhão são ambos revestidos com o “felpudo do O Casulo”.

Foto: Fábio Pitrez/ Divulgação

e os revestimentos de parede, os mais badalados entre os arquitetos e designers. Vide a utilização do felpudo branco nas paredes do “Container Club”, ambiente projetado pelos curitibanos André Largura e Giovanna Kimak, para a Casa Cor Paraná de 2006. André e Giovanna, desde 2002 aplicam os produtos da marca em seus projetos, alguns desenvolvidos com exclusividade. O design têxtil, o conceito sustentável e a regionalidade do produto são motivos que levam a escolha dos produtos que, para eles, entram de forma contemporânea e trazem uma identidade única para os projetos que desenvolvem.

Foto: Luiz Roberto Meira

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elaboração estética. Além da questão dos aproveitamentos dos casulos, considerados de não-qualidade e que são muito bem aproveitados!” O estilista confidenciou para a designer do O Casulo as idéias da coleção de verão, encomendou alguns produtos e fez uma parceria com a tecelagem por três estações. Para Mário, a seda tende a ser um material chic, porém, em tempos de hi-low, acredita que, “chique é seda com jeans furado”. “Já tivemos camisas de seda tanto para momentos finos do masculino quanto para o casual”. Na visão do estilista, o artesanal é a resposta ao fast fashion, a vontade do individual, ou seja, exatamente o oposto do conceito da batida “modinha”. Label engajado Desde 2007, a seda artesanal do O Casulo passou a levar o label do e-fabrics, outorgado pelo Instituto E, projeto incubado pela grife de roupas carioca Osklen, cujo objetivo é identificar matérias-prima da indústria têxtil, que respeitam critérios socioambientais, valorizam e preservam a identidade brasileira. A marca Osklen utilizou gaze de seda primitiva, um dos tecidos desenvolvidos pelo O Casulo Feliz, para produzir um vestido com capuz, apresentado na exposição dos e-fabrics, durante a edição inverno 2007, da São Paulo Fashion Week. A peça acabou indo parar em um museu de tecidos étnicos, em Paris. Apenas pouco antes da finalização dessa matéria descobrimos, em primeira mão, que a Osklen acabara de fechar a parceria para utilização da seda do O Casulo para a próxima coleção da marca, a ser lançada na 36

Foto: Divulgação

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semana de moda de janeiro de 2010. Nina de Almeida Braga, responsável pelo Instituto E, afirma que, atualmente, existe um novo tipo de “consumidor consciente”. “Ele compensa o seu consumo, quer saber a procedência da matéria-prima, dos produtos que consome e prefere produtos artesanais que ajudam as comunidades”. Este consumidor, explica Nina, reflete sobre suas ações e atitudes, pensa na continuidade da cadeia têxtil, na diminuição do impacto ambiental e social. Segundo ela, a missão do Instituto E é justamente abrir mercado, inclusive internacional, para produtos que trabalhem com este conceito. Os e-fabrics são tecidos cuja origem da matéria é sustentável, com mínimo de impacto possível ao meio ambiente. Mantêm relações com a comunidade local e estimulam a aplicação dos saberes tradicionais, como nas técnicas artesanais. Além da seda artesanal, fazem parte do portfólio dos e-fabrics, outros materiais como, couro de peixe, malha pet, algodão e lã orgânicos, borracha látex sobre tecido, lona eco juta, fibra de bananeira e ripa da palmeira Pupunha. Segundo Glicínia, todo o atual mostruário do O Casulo vem com o label, “é um consumo consciente de luxo, pois não faz mal ao meio ambiente e o cliente

Algumas passarelas com tecidos e fios de O Casulo Feliz. À esquerda e acima, desfile de Mário Queiroz com a coleção “Paráiso”. Acima, no meio, o gorgurão no desfile de Viviene Westwood. Ao lado, Carol Trentini desfila para Isabela Capeto com um look de bordados com fios de seda do O Casulo.

investe em um trabalho limpo que regata a dignidade humana”, revela a ecodesigner. Olhos no mundo No ano de 2008, em meio a abertura das primeiras franquias de varejo em Belo Horizonte e Campo Grande, O Casulo recebeu duas encomendas, no mínimo inusitadas. Devido ao conceito de seus produtos, ganhou de outras tecelagens artesanais da Romênia, Ucrânia e Eslováquia, a licitação para fabricar 10 mil metros de seda preta para o Vaticano. Apesar de apresentar a matéria-prima com o preço mais elevado, O Casulo venceu a concorrência porque seu tecelão era bem remunerado. E porque, sua seda, desenvolvida a partir de um fio liso, com trama de desenho tribal e inspiração indígena, agradou. A segunda encomenda foi em novembro do mesmo ano, quando recebeu pedido do ateliê da cultuada estilista britânica Viviane Westwood, para desenvolver um xadrez de seda e gorgorão, tecido rústico em geral utilizado para revestimento de sofás. Westwood, que criou um manifesto ético para a moda e faz questão de utilizar 10% de tecidos étnicos e ecofriendly nas suas coleções, escolheu a seda do O Casulo por considerar um produto de vanguarda com processo de produção justo.


Nova rota da seda O ano de 2009 marca um momento especial para a seda no mundo. Foi proclamado pela Assembléia Geral das Nações Unidas como Ano Internacional das Fibras Naturais. A resolução 61/189, que institui a data, surge em virtude da produção de fibras naturais que em muitos países se tornou importante fonte de renda e assumiu um papel de destaque na provisão de segurança alimentar, na erradicação da pobreza e na contribuição para atingir os objetivos de desenvolvimento do milênio, segundo divulgado pela Unesco. Segundo dados da Abrasseda, associação que representa as fiações de seda brasileiras, o fio da seda, representa apenas 0,2% da produção mundial de fibras. O que torna a seda tão rara quanto especial. A produção mundial de fibras é distribuída em 4% de fibras artificiais, 60% de sintéticas e 36% de naturais. Atualmente, cerca de 20 países produzem a seda. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial, após a China e a Índia. O mercado interno brasileiro consome 13,8% da produção nacional, o restante é exportado para o Japão (45%), Vietnã (24,5%), França (10,2%) e Itália, (8,4%). A sericultura brasileira é desenvolvida apenas nos estados do Paraná, Mato Grosso

Acima, o ambiente de trabalho socialmente responsável é sentido em toda a tecelagem. Ao lado, os fios tingidos com pigmentos naturais. Abaixo, o modelo com gaze de seda elaborado pela Osklen fez parte do lançamento do label e-fabrics na edição de inverno da SPFW/2007. Atualmente, o vestido está em um museu de tecidos étnicos, em Paris.

do Sul, São Paulo e Santa Catarina. O estado do Paraná é responsável por 50,2% da produção de fio de seda, São Paulo, 49.8%, da produção. Enquanto 75% da seda produzida no Brasil é destinada a confecção de roupas, 25% é usada em tecidos para decoração. Recentemente, Patrick Thomas, o presidente da prestigiada grife Hermès, declarou, por ocasião da inauguração de sua primeira loja no Brasil, que a seda de seus lenços era 100% feita de fios que vinham do Brasil, mais especificamente dos Estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul. E anunciou ”A seda brasileira é a melhor do mundo”. A declaração do presidente da Hermès ratifica, e com muito glamour – diga-se de passagem - os dados da Abrasseda. Shigueru Taniguti Júnior, primeiro secretário da Abrasseda, lembra que apesar do consumo de fios de seda, em geral, ter sido razoavelmente crescente, sofreu uma queda nos últimos anos. “A demanda por fios de seda, no mundo, sofreu uma grande queda, principalmente, após os escândalos financeiros ocorridos nos EUA, a partir de setembro de 2008, que afetou os maiores mercados importadores de seda, como o Japão, França e Itália.” Segundo o secretário, a demanda,

no mercado interno, também teve uma queda significante, no segundo semestre de 2008 e não conseguiu se recuperar até o momento. Ele ressalta, porém, que, nos últimos anos, houve um aumento na importação da seda da China. Para Júnior, o papel da produção artesanal, como no Casulo Feliz, é extremamente importante em qualquer ponto da cadeia, pois: “Complementa a produção industrializada, e, em alguns casos, até mesmo substitui a produção industrializada à medida que consegue atender a pequenas quantidades, produtos muito específicos, e, por vezes, de alto valor agregado”. O Casulo Feliz se enquadra no perfil definido pela Unesco. É uma empresa que tem o desenvolvimento socioambiental sustentável como conceito intrínseco no seu processo produtivo, emprega 80 funcionários e exporta para a Argentina, Portugal, França e Itália. No Brasil, seus principais centros de consumo são Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará. Sua capacidade produtiva, no ano de 2009, é de 10 mil metros de tecido mês, a partir da estrutura de tecelagem manual e semi-industrial. Seu mostruário de produtos, desenvolvidos sob encomenda, inclui, entre outros, cortinas, persianas, revestimentos de parede e piso, além das gazes, gorgorões e lonas de seda. E claro, o desejado “felpudo”! [ ]

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A nobreza da Seda

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A origem da seda é marcada por histórias, mistérios e tradições seculares. Conta uma lenda, que há três mil anos a.C, um pequeno casulo caiu acidentalmente na xícara de chá de uma jovem princesa chinesa. Ao puxar o casulo, a princesa percebeu que dali se desenrolava um fio finíssimo, porém resistente. O imperador guardou a sete-chaves a descoberta da filha e ordenou que aquele fio especial fosse usado apenas na indumentária real. Outra versão da lenda atribui o uso pioneiro da seda à imperatriz Hsi-Ling-Shin, talentosa tecelã que nos anos 2600 a.C, já tecia seus próprios tecidos, com os fios do casulo. A rainha e seu marido, o imperador HuanTi, mantiveram a descoberta escondida dos estrangeiros, para que a produção de tecidos macios e brilhosos, feitos com aquele fio, fosse um patrimônio exclusivo dos soberanos e nobres chineses. Decretaram punição com pena de morte a quem revelasse o segredo, que permaneceu guardado durante três mil anos. O monopólio da China começou a ser quebrado, apenas por volta dos anos 500 aC. Existe uma versão de que o imperador romano, Justiniano I, enviou monges ao oriente para descobrir o segredo da seda. Os religiosos teriam voltado para o ocidente, com casulos de seda escondidos nas vestes. Outro relato, do Século I a.C., acusa o imperador romano, César, de causar furor entre seus súditos, ao usar uma túnica de seda chinesa na cor púrpura, para assistir a uma peça de teatro. Lenda ou não, registros históricos confirmam que, no fim da era da antiguidade, a seda começava a ganhar o mundo. Nos anos 300 a.C, graças às conquistas de Alexandre o Grande, chegaria à Grécia e depois à Roma. Para a seda chegar ao Ocidente, teve que percorrer uma rota de sete mil quilômetros de extensão. Esta rota ligava a China com a Índia, a Pérsia e, finalmente, desembocava no Mediterrâneo Europeu. A Rota da Seda como ficou conhecida, conectava pela primeira vez, o oriente com o ocidente. Batizado no final do século XIX, pelo geógrafo alemão Ferdiand von Rochithofen, o gigantesco network de caminhos terrestres desenvolvidos em data imprecisa, mas que

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no final do período Han (206 a.C. a 220 d.C.), já ia da China até a península itálica, era usado para escoar o próspero comércio do Oriente. Além da seda, eram transportados, essências, especiarias, pedras preciosas, vidraçaria, papel e outros bens considerados finos e preciosos. A rota também facilitava o intercâmbio cultural, religioso, científico e tecnológico. O auge da Rota da Seda coincide com o desenvolvimento das teorias espirituais e filosóficas que iriam nortear o pensamento moderno. A seda que invadiu a Índia, por exemplo, trouxe de volta para a China, o Budismo, que foi rapidamente absorvido pela cultura chinesa. Com a expansão do Império Romano a seda instala-se em Roma e dali percorre o restante do império. A expansão da seda, acontece simultaneamente à expansão da religião cristã. A matéria-prima é utilizada na indumentária litúrgica, em diferentes tons e brilhos, que diferenciam as hierarquias dentro da Igreja. Em Roma, a seda vira moda e passa a valer seu peso em ouro. Seu consumo chega a influenciar o comércio exterior, a ponto de o Senado tentar em vão aprovar leis suntuárias para regular o uso da seda, com bases econômicas e morais. O fim da expansão do Ocidente no Oriente é marcado pela queda do Império Bizantino, nos anos 1400. Porém, o choque do intercâmbio cultural marcará para sempre o mundo ocidental. Os europeus descobrem nos imperadores, califas e marajás do Oriente, um luxo e requinte de sonho, que tinha na seda um dos seus principais códigos. A Rota da Seda continuou em atividade ao longo da Idade Media até o século XV, quando cai em desuso devido à descoberta de um caminho marítimo para as Índias, pelo navegador português Vasco da Gama. Na Itália, a Sicília, Veneza, Pisa, Luca e Florença se tornam centros cosmopolitas de comércio e intercâmbio cultural que vão contribuir para disseminar o gosto e uso da seda. O desafio para a Europa passa a ser desenvolver um produto a altura do oriental. Luca se torna a capital da seda européia, que será apresentada ao mundo pela corte dos Papas instalados em Avignon, na França.

Veneza, com sua nobreza e cultivo do esplendor, se torna um dos principais centros de consumo do cetim, tafetá e veludo de seda. Em Florença, no começo do século XIV, é aperfeiçoada a técnica de tecelagem com brocado de ouro e de prata. A seda pesada, como no veludo e no tafetá, que até então, estava associada ao prestígio e poder, no Renascimento, glorifica o corpo com os voils transparentes, que remetem à antiguidade, como na Vênus de Botticelli - a qual surge do mar coberta de espuma, porém logo é coberta pelas ninfas com faixas de seda. Durante a corte de Luis XV, começou a produção de seda, na cidade de Lyon. O Rei mandou trazer especialistas da Itália, para desenvolver a técnica na França e atender à extravagante demanda de Versaille. A seda francesa do Iluminismo é trabalhada com a leveza e graça, como pede o espírito da época. Tecidos de seda recebem textura e bordados com decorações de guirlandas de flores, em tons sobre tons que celebram a natureza. Nos anos 1850, Charles Frederick Worth, considerado um dos primeiros estilistas de moda da história, presenteou a imperatriz Eugênia de Montijo, mulher de Napoleão Bonaparte III, com um vestido bordado em brocado de seda, da região de Lyon. A Imperatriz foi encorajada pelo marido a aceitar a peça, como reconhecimento por Lyon ter aderido à República. Durante a Belle Époque, na Paris do fim do século XIX, cetins, brocados, fitas de veludo, tules e voils de seda enfeitavam as roupas de sedução das Femmes Fatales. Elas não poupavam esforços para se produzir, como forma de garantir a penetração social. Ao longo do século XX, a presença da seda coincide com períodos de celebração do bem viver, seja no resgate do orientalismo pelo estilista da alta-costura. Poiret, nos anos 1910, ou nos célebres lenços de seda da marca de luxo Hermés, lançados nos anos 1930 e, até hoje, símbolo de status social. A seda que não perde seu glamour, nem sai de moda ao longo da história, chega ao século XXI, com conotação de novo-luxo. Na versão rústica e artesanal do O Casulo Feliz, por exemplo, gera conforto visual e reflete o desejo de um estilo de vida em sintonia com o meio ambiente e coerente com o desenvolvimento sócio-cultural sustentável.


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