Especial - «O Meu Nome é Alice»

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«O Meu Nome é Alice» é uma poderosa história sobre um caso precoce de Alzheimer, uma doença devastadora que ganha relevo nesta obra. A protagonista é Julianne Moore, numa interpretação magnetizante, que tem reunido críticas extremamente positivas e muitos prémios para a actriz. Neste especial, fique a saber mais sobre este filme, que contém ainda mais particularidades do que inicialmente se poderia pensar. por TATIANA HENRIQUES

A HORA E A VEZ DE JULIANNE MOORE O Meu Nome é Alice

A história de Alice: Alice Howland (Julianne Moore) é uma mulher que vive um casamento feliz, tem três filhos já crescidos e é uma renomada professora de linguística. Com 50 anos, ela parece ter tudo, até que começa a esquecer algumas palavras. Passado algum tempo, acaba por descobrir que padece de um estado inicial da doença de Alzheimer. Muito será posto à prova, tal como os laços que unem a família de Alice. Esta é a luta de uma mulher para se manter ligada à realidade, num percurso assustador mas também inspirador.

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O livro na génese do filme Na base do filme está o romance O Meu Nome é Alice, escrito por Lisa Genova e publicado em 2009 pela editora Simon & Schuster. Anteriormente, foi publicado autonomamente pela editora em 2007. Entretanto, a história já foi traduzida em 25 línguas e tem vendido milhões de exemplares. Alice é uma personagem fictícia e, para construir a narrativa, Genova leu todos os livros que pôde sobre Alzheimer, tendo entrevistado, igualmente, vários neurologistas e cientistas. A autora é também neurocientista e a sua avó sofreu de Alzheimer, o que fez com Genova se lembrasse de contar a história de quem descobre a doença num estado ainda precoce. Julianne Moore: uma preparação minuciosa Julianne Moore é já uma actriz com muitas provas dadas no cinema. Dona de uma versatilidade notável, já interpretou personagens tanto na comédia como no drama, sempre com igual dedicação. Foi já nomeada para 5 Óscares (aliás, em 2003, esteve nomeada para Melhor Actriz e Melhor Actriz Secundária), mas ainda não conseguiu levar a estatueta dourada para casa. Alice parece ser a sua oportunidade de ouro, sendo a principal favorita nesta edição. A actriz conta o que a impressionou na perso38 metropolis Fevereiro 2015

nagem e no filme: “Li o argumento e o livro e não conseguia parar de chorar. A história é tão invulgar porque é contada do ponto de vista da pessoa que tem a doença em vez do cuidador. Penso que, tradicionalmente, quando fazemos este tipo de histórias, trata-se sobretudo da comunidade e do cuidador. É isto que torna este filme invulgar, porque é sobre alguém que está em declínio, mas que luta contra isso”. Julianne Moore afirmou, em conversa com jornalistas, que a sua interpretação esteve completamente dependente do trabalho que fez antes de entrar no set: “Comecei a preparar-me enquanto ainda fazia «The Hunger Games», vendo cada documentário que pudesse. Todos os filmes, documentários e entrevistas”. Além disso, a actriz entrou em contacto com a Associação Americana de Alzheimer, através da qual conheceu algumas pessoas que têm a doença – aliás, tornou-se amiga de uma delas. Moore visitou depois o Mount Sinai Hospital e conversou com Mary Sano, a responsável pela investigação de Alzheimer no local, além de se ter submetido a um teste cognitivo elaborado por um neuropsiquiatra (tal como um paciente


(esq.) Julianne Moore e Hunter Parrish; (baixo) Kate Bosworth

normal), num exame que a actriz considerou “interessante e muito extenso”. O processo demorou quatro meses e a própria resume-o como tendo sido “fascinante e as pessoas foram incrivelmente generosas comigo”. A actriz confessou ainda que baseou a sua interpretação fundamentalmente naquilo que observou, pois não se sentiria “confortável em fazer algo que não tivesse visto – física ou emocionalmente. Não queria retratar isso porque não me parecia certo». Os realizadores admiram esta dedicação da actriz: «A Julianne é um poço de energia. Há uma razão para muitos dos seus filmes serem estrelares e tantas das suas interpretações serem estrondosas. Ela é uma pessoa intensamente brilhante e comprometida e a sua preparação para este papel foi detalhista até ao extremo”. O filme foi gravado em 23 dias, sem ser na ordem cronológica retratada no filme, o que Julianne Moore considerou, “sem dúvida, desafiante”. Como curiosidade, o filho da actriz é um dos figurantes. A rodagem aconteceu entre as gravações de um filme bem diferente, como a actriz explica: “Geralmente uma pessoa que tenha sido contratada para fazer uma superprodução do tipo «The Hunger Games: A Revolta - Parte 1» não vai poder ausentar-se durante uns tempos para ir fazer outro filme. Comigo, deixaram. Devo-lhes tanto. É verdade. Tinha sido contratada para estar disponível de Setembro a Junho, mas foi-me possível fazer parte de «O Meu Nome é Alice», um filme muito, muito pequeno, que só custou quatro milhões de dólares e foi filmado em cerca de quatro semanas”. Julianne Moore descobriu bastante com a sua pesquisa, o que também a influenciou na interpretação da personagem. “As pessoas têm a

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ideia de que, com a doença de Alzheimer, o ‘eu’ desaparece. Diz-se ‘não é a pessoa que conhecia’ e ‘a personalidade desapareceu, a pessoa já não está presente’. Contudo, na preparação que fiz e ao lidar com as pessoas, encontrei o oposto. As pessoas estavam certamente mudadas, mas a sua personalidade, de alguma forma, permaneceu. Isso foi realmente comovente para mim”, afirmou. Apesar do que eventualmente poderia ser esperado, Julianne Moore confessa que o filme não lhe causou algum medo interior ou tristeza. Na verdade, para ela, foi o oposto: “Isto fazte relativizar a vida. O que trouxe para casa foi alegria, amor e esperança e a ideia de que isto é valioso”. “Em vez de ficar com medo, senti-me alegre e agradecida em relação àquilo que ganhei com a experiência”, finalizou. “Não sei em que capítulo exacto aconteceu, mas a Alice literária que imaginávamos começou a perder o seu cabelo escuro encaracolado e a tornar-se numa impetuosa ruiva”, conta Wash Westmoreland, um dos realizadores. E foi assim que ambos pensaram no nome de Julianne Moore para interpretar a protagonista. Para os dois realizadores, quanto mais pensa-

vam, “mais perfeita a escolha se tornava. A Julianne podia não só projectar a inteligência cintilante e a complexidade de uma professora de linguística como também a vulnerabilidade e simplicidade das etapas posteriores. Ela seria capaz de dominar cada passo da deterioração da personagem. Ela é simplesmente uma das melhores actrizes do planeta”.

(cima) Kristen Stewart; (baixo) Alec Baldwin

Kristen Stewart: a redenção da “vampira” A actriz norte-americana Kristen Stewart começou a trabalhar muito nova em cinema, mais precisamente no filme «Gritos em Silêncio» (2001), de Rose Troche. Mas foi com a saga «Twilight» que alcançou o sucesso mundial, ganhou uma legião de fãs e… o descrédito da crítica. Após o final dos filmes vampirescos, Stewart tem vindo a tentar distanciar-se cada vez mais desse estigma, engrenando numa série de filmes mais “sérios”. Os resultados começam a aparecer, sobretudo após a recente notícia de que a actriz havia sido nomeada para o César de Melhor Actriz Secundária por

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vê-la aceder a isso”. Algo que Kristen Stewart não esconde é o enorme desafio que esta personagem lhe trouxe: “Quando li o argumento e reuni com os realizadores, senti que teria que provar a mim mesma que era merecedora de interpretar uma pessoa tão especial, porque a Lydia é dotada de algo que nem toda a gente tem: ela consegue focar-se nos aspectos positivos e na luz e não tornar as coisas tão preto-e-branco”. “Ela vive na ambiguidade e consegue apreciá-lo e sinto alguma proximidade com isso”, afirmou.

«Clouds of Sils Maria» – há já 30 anos que nenhuma actriz norte-americana recebia uma indicação nos prémios da Academia Francesa de Cinema. Em «O Meu Nome é Alice», Kristen Stewart tem também um papel mais maduro, tendo contribuído em muito para a sua evolução a parceria com Julianne Moore, como a própria confessou em entrevista: “Todos dizem sempre que querem trabalhar com alguém com quem tenham uma verdadeira ligação, mas isso nem sempre acontece. É o tipo de coisas que procuro quando sei que vou interpretar uma filha porque não pode ser forçado. É algo que está muito dentro de nós. A história é poderosa, triste e assustadora, portanto sentime muito confortável em lançar-me nisto com ela”. A actriz comparou ainda a veterana a uma “cirurgiã”, considerando ser algo que também aspira ser: “Quero ser capaz de estar no controlo e de me perder ao mesmo tempo. Ela é tão inteligente”. Quem também não está “minimamente surpresa com Kristen” é Julianne Moore, que ainda afirmou o seguinte sobre a sua companheira de elenco: “Foi um prazer para mim trabalhar com ela e poder ver alguém que tem uma enorme reserva de emoção nela própria. Está lá tudo. Ela tem uma quantidade enorme de sentimento. Foi uma alegria ficar sentada e

À semelhança de Julianne Moore, também Stewart teve um grande trabalho de preparação para a sua personagem, tendo passado algum tempo com uma paciente idosa com Alzheimer: «Ela tinha alguma idade, portanto fez sentido que ela não estivesse inteiramente comigo. Mas soube, por um segundo, que ela esteve lúcida e pensei ‹isto é raro e muito breve›. Agarrei-me àqueles segundos e apreciei-os na plenitude». Sobre o filme em si, a actriz considera que o mais interessante é a forma como aborda a doença em causa: “Quando és jovem – e é algo estúpido mas também completamente normal – ouves os miúdos dizer ‘doença de velhos’ e simplesmente não é assim. É mais fácil afastares-te e dizer que eles simplesmente são velhos, mas não, esta é uma doença realmente devastadora e pode acontecer a alguém mais novo. Eu não sabia disto. As pessoas têm conhecimento sobre estágios precoces de Alzheimer, mas não sabia que é tão comum. É absolutamente galopante e fácil de ignorar, o que se torna numa combinação terrível. Aprendi imenso”. “Todos perguntam ‘Como é que este filme te mudou? O que te deu?’ Dá-te o mais básico sentido de perspectiva. Queres ir para casa e ligar à tua mãe ou parar de ser algo tão insignificante. Dá-te uma quantidade maciça de perspectiva”, ajuntou. Kristen Stewart considera ainda que o filme a mudou noutros aspectos: “Anteriormente dizia que não tinha tido nenhuma experiência pessoal com o Alzheimer, mas agora tenho. Não quero generalizar, mas este tipo de projectos molda-te. Tive a bela oportunidade de elevar-

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-me perante algo difícil. Todos triunfámos e fizemos algo positivo de uma história que é bastante obscura”. “Penso que todos temos medo de morrer e do desconhecido. Mas penso que o mais assustador acerca desta doença – e ao ver este filme – é como estás sozinho antes de morreres. Perde-se a vida antes de morrer”, analisou. Interpretar a filha de uma pessoa que sofre de Alzheimer foi uma total novidade para a actriz, o que acabou por tornar-se também numa descoberta pessoal: “Já interpretei alguns papéis que eram tremendamente diferentes de mim própria, sobretudo personagens onde interpretei pessoas que existiram na realidade, como Joan Jett («As Runaways», 2010) e LuAnne Hen42 metropolis Fevereiro 2015

derson («Pela Estrada Fora», 2012). Certamente havia alguns elementos dessas pessoas com que me poderia relacionar, havia partes de mim própria que eram similares e que descobri por causa delas, mas não era eu”. “Penso que nunca conseguirei distanciar-me completamente de mim própria. Não é o tipo de actuação que quero fazer. Tenho sido sortuda o suficiente para fazê-lo. Todos podem dizer-me que passo muitas vezes a mão pelo meu cabelo, mas tudo bem, porque estou definitivamente lá, muito presente nesses momentos. Os papéis que tenho interpretado, especialmente nos filmes mais recentes, como «Cloud of Sils Maria» e «O Meu Nome é Alice», para lhes fazer justiça tive que ser realmente aquelas personagens e aprender


as mesmas coisas que elas. Tens de entrar na sua pele e experienciar o que elas viveram. Nesse sentido, não senti que estava a interpretar personagens. Elas estavam lá para mim, simplesmente queria vivê-las”, asseverou. Wash Westmoreland (realizador) e Julianne Moore

Os realizadores e a história umbilical ao filme Richard Glatzer e Wash Westmoreland são os realizadores de «O Meu Nome é Alice» e revelam como se encantaram pela obra de Lisa Genova: “Ficámos enamorados da personagem principal. Havia algo inegavelmente inspirador em Alice: na sua tenacidade, na sua obstinação, o modo como ela nunca se rendia. O que quer que a doença lhe trouxesse, ela estava determinada a lidar com isso da forma mais prática possível”, afirmou Westmoreland. Para tratar um tema tão delicado, foi necessário recorrer a um tratamento especial e particular, como o realizador conta: “Ao ler os últimos capítulos do livro, começámos a pensar no visual do filme. A nossa chave conceptual era a subjectividade da experiência de Alice, que o público deveria ver a partir do ponto de vista dela e estar a par da sua vida interna, de uma forma que as outras personagens não estariam. Tal iria requerer uma filmagem profundamente pessoal e um estilo de edição que responderia ao seu estado mental, aos seus estados de espírito e à sua percepção, ou seja, que respirasse com ela”. Numa obra que ambos consideram como “uma jornada muito intensa e difícil mas esperançosa e que vale a pena”, as influências surgiram a partir de «Viagem a Tóquio» (1953), de Yasujirô Ozu, “em termos de estrutura familiar, a falta de sentimentalidade e a acumulação de poder emocional através da contenção”. Além disso, ambos revelaram ser “grandes fãs do cinema francês contemporâneo, de Assayas a Audiard” e, neste filme, puderam trabalhar com Denis Lenoir, “que filmou no tipo exacto de estilo que queríamos”. “Este é o melhor filme que já fizemos”, consideram os realizadores.

Não obstante, Glatzer e Westmoreland têm lutado por continuar a realizar os projectos cinematográficos que almejam, apesar das dificuldades inerentes, como salientaram em entrevista: “Tem sido uma luta. Ambos nascemos com colheres de plástico na boca, por isso não temos uma almofada financeira. As nossas páginas no IMDB são a prova disso mesmo. Temos que continuar a ter empregos diários para pagar as contas. Mas também continuamos com as nossas paixões intactas e temos os projectos que amamos e continuamos a lutar por eles, todos os dias, como duas crianças famintas que se mudaram para a grande cidade”. Há ainda uma história peculiar: Richard Glatzer sofre de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e não consegue falar. Para comunicar, escrevia os textos num iPad (aliás, na famosa onda de “Ice Bucket Challenge”, Julianne Moore e Kristen Stewart dedicaram os seus vídeos a Glatzer). Julianne Moore aborda um pouco mais o assunto: “A primeira vez que me reuni com o Rich e o Walsh e falámos sobre isto, o Richard estava com dificuldades para falar. Eles pensavam que ele tinha um vírus e estava sob medicação. Quando estávamos prontos e tínhamos o dinheiro necessário, eles disseram que tinham alguma urgência porque o Richard tem ELA. Quando fomos para o set, o Richard estava numa condição mais severa do que antecipáramos. Ele perdeu as funções na metade superior do seu corpo, mas, ainda assim, realizou o filme. Ele e o Wash são companheiros, são casados. O Richard dirigiu-me com um iPad. Eles estavam os dois a lidar com a doença dele. O que aconteceu foi que basicamente aquilo que estávamos a retratar no filme é o que eles estavam a passar na vida real enquanto casal”. “Ficámos todos muito, muito inspirados”, assinala. A actriz disse ainda que aquele tipo de comunicação “foi surpreendentemente fácil”, já que “a linguagem do Richard desapareceu em termos de verbalização, mas não a sua comunicação. A pessoa que estava a comunicar era essencialmente o Richard; estranhamente, isso [o facto de ele comunicar através de um iPad] desaparece. Deixei de notar isso passado algum tempo porque o Richard era mesmo muito aprazível através do seu olhar e no modo como comunicava comigo”.

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