6 minute read

3 2 a imagem atual

Next Article
3 Minhocão

3 Minhocão

O processo de desvalorização gerou o perverso efeito positivo para a população mais pobre. Criou a oportunidade de grupos de baixa renda a possibilidade de morar no centro, próximo ao seu trabalho. A morte da rua e o degradar do entorno, desvalorizou os prédios à sua margem, que tiveram seus valores imobiliários e para locação diminuídos, permitindo que um novo grupo social tivesse condições de ocupá-lo.

Essa nova ocupação social hoje é composta por grupos LGBT+, que tem sua ocupação histórica estabelecida no Largo do Arouche, trabalhadores na maioria de baixa renda, refugiados de países africanos e trabalhadores da cultura como artistas de teatro, músicos, grafiteiros, pixadores, que são atraídos pelo aluguel barato.

Advertisement

O uso e ocupação na maioria se dá pelo uso misto e residencial, os térreos dos edifícios no geral, são ocupados por pequenos e simples estabelecimentos comerciais e de serviços, de característica popular e uso cotidiano, oficinas mecânicas, borracharias, botecos e pensões. As residências, cortiços e pensões são ocupadas por trabalhadores como copeiros, mecânicos, borracheiros, garçons, ambulantes etc., trabalhadores que recebem baixa remuneração que procuram o centro por função da disponibilidade de trabalho.

O mapa a seguir mostra a alta densidade de empregos por quadra na região, que em quase toda a sua extensão é alta, superior a 150 empregos.

Essa população que hoje vive o abandono, a degradação e a poluição. Os gráficos a seguir mostram como os níveis atuais da poluição sonora e atmosférica são muito superiores que o aceitável pela CETESB.

Níveis de poluição atmosférica medidos ao longo de uma semana (Fonte: Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da FMUSP)

Níveis de ruído medidos ao longo de uma semana (Fonte: Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da FMUSP)

A parte inferior do viaduto, “as zonas das sombras”, abrigam as prostitutas, travestis, o consumo de drogas e muitas vezes é um teto para população de rua. Se tornando uma vitrine da pobreza e da miséria da cidade é também palco de manifestações artísticas, estando muito presente o grafite nos pilares do viaduto.

Aos finais de semana, quando fechado, o Minhocão faz função de parque seco e é ocupado por diferentes grupos cívicos, para atividades de lazer, encontros sociais, eventos e festas.

3.3. a mudança de imagem

O processo de transformação da imagem do Minhocão tem sido dado ao longo dos anos desde sua concepção. A seguir, apresento brevemente uma linha do tempo com os fatos mais pontuais desse processo.

1971: O Minhocão é inaugurado, após 12 meses de obras.

1976: A prefeitura restringe a circulação de carros no local entre meia-noite e 5hs.

1987: O primeiro projeto para transformar o Minhocão em jardim suspenso é apresentado ao prefeito Jânio Quadros.

1989: A prefeita Luiza Erundina decide ampliar o horário de fechamento do elevado de segunda a sábado entre 21:30 e 6:30hs.

1996: O fechamento das vias do Minhocão ampliado pela prefeitura para domingos feriados, durante o dia inteiro. é e

2006: a Prefeitura Municipal de São Paulo começa estabelecer uma série de medidas visando intervenções urbanísticas, que propõem “recuperar” a região central 6 .

2010: a Operação Consorciada Lapa-Brás 7 propunha intervenções no sistema ferroviário, que o transformaria em um sistema subterrâneo, além de parques, ciclovias, entre outros a demolição do Minhocão, que previa revitalizar seu entorno.

2013: Um grupo de moradores funda a Associação Parque Minhocão para defender a criação de um parque suspenso.

2014: o projeto de lei nº 16.050 8 , de 31 de julho foi encaminhado à Câmara Municipal para a criação do Parque Minhocão, e o Plano Diretor de São Paulo de 2014, que em seu artigo 375º, parágrafo único, estabeleceu prazo para a desativação do trânsito e demolição ou transformação em parque.

(6) https://www1 .folha.uol.com.br/cotidiano/2019/02/minhocao-enfrenta-decadas-de-debate-sobre-demolicao-e-parque-veja-historico.shtml (7) OUC-Lapa-Brás “De acordo com o projeto, a superação da barreira ferroviária se dará por meio de seu rebaixamento, transformando-a num sistema subterrâneo desde a Lapa até o Brás - numa extensão aproximada de 12 Km. Na superfície, a proposta prevê uma via de porte estrutural, mas com características urbanísticas diferenciadas - de uso lindeiro intenso, com parques e ciclovias - promoverá melhorias na acessibilidade e permitirá que os eixos transversais de ambos os lados, hoje interrompidos pela presença dos trilhos, possam se conectar. A implantação dessa via criará condições para a demolição do Elevado Costa e Silva e a revitalização de seu entorno.” disponível em <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/urbanismo/novas_operacoes_urbanas/termos_de_referencia/index.php?p=17816> (8) Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014, Prefeitura de São Paulo, disponível em <https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/PDE-SuplementoDOC/PDE_SUPLEMENTO-DOC.pdf>

2016: O Projeto de Intervenção Urbana Parque Municipal do Minhocão 9 (PIU Parque Minhocão) conforme as diretrizes do Decreto nº 56.901/2016. Tem como objetivo o desenvolvimento do projeto de arquitetura e urbanismo do equipamento, junto a estratégias do Projeto de Intervenção Urbana do Setor Central da Macroárea de Estruturação Metropolitana (PIU Setor Central).

2018: O prefeito João Doria sanciona lei que estipula as regras de funcionamento do Parque Minhocão durante a semana e nos fins de semana.

Hoje observa-se uma tentativa de mudança de imagem do viaduto, desencadeada em 2006, que vem permeada pelo conceito de revalorização dos espaços públicos, o de contato com a natureza e lazer. Esse conceito fica claro com as ilustrações do mais atual protejo de parque, do ex-prefeito Jaime Lerner, que ilustram o PIU Parque Minhocão.

(9) O Projeto de Intervenção Urbana Parque Municipal do Minhocão (PIU Parque Minhocão) Decreto nº 56.901/2016 https://participe.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/parque-minhocao

Fig 06: Restaurantes à céu aberto, lojas de flores e outros comércios teriam espaço de instalação Projeções Lerner Arquitetos Associados/Divulgação

Fig 07: Detalhe da arquitetura das rampas de acesso Projeções Lerner Arquitetos Associados/Divulgação

As imagens mostram não só uma mudança do espaço, mas também uma mudança da realidade cotidiana e dos grupos sociais que dela participam.

Também declarações do último governador de São Paulo, mostram esse interesse pela transformação pautada na ideia de volta do antigo centro de São Paulo, dominado pela classe rica com inspiração nos centros franceses: “Prefeitura quer transformar Largo do Arouche em 'boulevard' com inspiração francesa” declaração do Jornal O Estado de São Paulo sobre entrevista com o então prefeito, João Doria. Outra declaração semelhante do prefeito, "Aqui é conhecido como a 'petit Paris’ na cidade de São Paulo” 10

Seja ao se falar na sua transformação em parque ou na sua demolição, em ambas observa-se que uma camada social mais frágil é excluída deste processo, esta camada composta pelos mais pobres, os moradores, principalmente os não proprietários, as pessoas em situação de rua, os trabalhadores e os artistas.

Juntamente despertar a esse processo de uma nova é observado o demanda de consumidores e unidades habitacionais que vêm sendo produzidas. Anunciando a intenção de uma possível transformação da ocupação atual, na qual resultaria na expulsão dos mais vulneráveis.

Hoje os moradores de dividem em grupos a favor do parque, outros à sua demolição, outros pela visibilidade e proteção em tais projetos.

A Rede Paulista de Educação Patrimonial, a Repep, enfatiza que mesmo que os projetos ainda não tenham sido executados, a sua previsão já desencadeia um processo de gentrificação.

“(...) mesmo não existindo concretamente o parque, mas apenas pela sua projeção de instalação futura, uma vez que vários empreendimentos imobiliários foram erguidos em área próxima ao Elevado e já estão causando risco e perda de referências culturais, em função da revalorização espacial.” 11

(10) https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,doria-vai-executar-projeto-de-revitalizacao-do-centro-encomendado-pelo-secovi,70002017074 (11)Gentrificação e Patrimônio Cultural: uma abordagem para a permanência de grupos sociais no centro de São Paulo, p. 3 –Jaime Solares Carmona, Mariana Kimie Nito, Simone Scifoni.

Fig 08: A filha do engenheiro Athos Comolatti, Greta, segura a bandeira da Associação Parque Minhocão Foto: Athos Comolatti

Fig 09: Moradores pedem a demolição do elevado Foto: Débora Melo / Terra

This article is from: