Potências moventes A publicação como meio de disseminação
Matheus Lopes Ferreira
Potências moventes A publicação como meio de disseminação Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado ao Colegiado de Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Habilitação: Artes Gráficas Orientadora: Professora Brigida Campbell
Belo Horizonte Escola de Belas Artes da UFMG 2013
Sumรกrio
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Agradecimentos
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Introdução
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A reprodutibilidade
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Publicações
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Circulação e processos
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Conclusão
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Agradecimentos
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Aos meus pais, Luiz e Fátima e ao meu irmão José Cândido, por tudo que me influênciaram, possibilitaram, construiram, eu não seria ninguém sem vocês. A toda a minha família, em especial, ao meu avô Joaquim Lopes, in memorian. Aos meus amigos, em especial à Isabella Godinho, in memorian, Túlio Magno, Fernando Mascarenhas, Bruno Rios, Gabriel Lemes, ao time das aventuras em Itaúna, ao Pedro Saldanha e Lúnia Martins (o bolo veio em boa hora!), André Veloso, Thamires Siqueira e Amanda Maciel, por me aturarem nesse processo, e a todos os grandes amigos de Formiga, espalhados por aí, aos amigos da Letras e da EBA, enfim, aos amigos de boas conversas, de bar, de bandas que eu tive, de rua, de protestos, de luta, pela força, atenção, dedicação, por tudo. À minha orientadora e amiga, Brigida Campbell, por me acompanhar nesse tortuoso processo de descobertas. Por fim, à Ana Paula, por tudo que eu aprendo sempre com você, em especial, pela força durante esse trabalho que, definitivamente, só existe graças a você.
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Introdução
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Sempre me interessei por música, sobretudo pelo rock n’ roll. Iniciado muito cedo pela coleção de long plays do meu pai, fui rapidamente envolvido por toda aquela explosão sonora, e também pelas imagens que elas sugeriam em suas capas, pôsteres, vídeos e camisetas. No início com as intrigantes capas dos discos do Pink Floyd, depois com o punk e suas maravilhas em alto contraste como Exploited e Sex Pistols, as capas agressivas e transgressoras do glam, como Lou Reed e David Bowie e todas as suas influências de Andy Warhol. Das “gambiarras” imagéticas do rock dos anos 90, como a dupla de fãs fotografados por acaso em um show que deram origem à capa e ao título de Washmachine do Sonic Youth, até, por fim, o chamado “indie rock” da década de 2000, com suas inúmeras referências à história do estilo e imagens vintage, além do que restava da década passada naquela transição entre os anos 90 e o design dos anos 2000. Tendo crescido no interior de Minas Gerais, vivia sedento pelas imagens que remetiam a esse ritmo e que, por uma questão de mercado, não eram muito acessíveis, para além do parco e lento acesso a sites de imagens. Isso tudo bem antes do advento das compras pela internet, por onde eu poderia me resolver, adquirindo discos, camisetas, pôsteres, enfim. Na decorrência de um festival de bandas, decidi, junto com meu irmão e um amigo, produzir camisetas, com tinta para tecido e camisas brancas que encontrávamos em lojas da cidade. Decidi fazer como eu imaginava que fizessem
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as pessoas que estampam panos de prato, interrompendo algumas áreas da superfície com papel, propondo desenhos, e aplicando tinta em cima de tudo, com o intuito de formar uma imagem. Durante a secagem da tinta, com a superfície daquela camisa branca completamente invadida pela tinta preta, não conseguia prever o que estava por vir. Quando a tinta secou e pude retirar o, até então não nomeado, stencil, tive uma sensação aterradora. Imagino que foi o que Stanley Kubrick tentou retratar em 2001, Uma Odisséia no Espaço, no momento em que aquele ancestral dos Homo sapiens esmaga um crânio com um pedaço de osso e concebe que o uso da ferramenta pode aumentar suas capacidades físicas. Talvez, nesse momento, algum “monolito negro” estivesse na espreita, na janela, influenciando de alguma forma, ou alguma orquestra no mundo tocando “Also sprach Zarathustra”, de Richard Strauss, como na trilha sonora do filme. A possibilidade de reproduzir imagens de uma maneira tão acessível e com uma qualidade que flertava com as capas de disco e todo o aparato imagético que me interessava me conquistou como as músicas faziam. A partir dali produzi diversas camisetas, pôsteres e uma quantidade enorme de imagens com aquela técnica que havia acabado de “inventar”. Sobre a relação que eu reconhecia entre as imagens que eu produzia e as imagens que me interessavam até então, provenientes do mundo da música, dois pontos
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Velvet Underground and Nico, homônimo de 1967, Alladin Sane de David Bowie, 1973, single de God Save the Queen do Sex Peistols, lançado em 1977 e por ultimo, Wash Machine, álbum lançado em 1995 pelo Sonic Youth.
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Zine Depressive Punk n潞 1 e 2
Panfleto an么nimo antifascista
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podiam ser facilmente destacados: eram provenientes da cultura pop, muitas vezes até influenciadas pela Pop Art, como a banana da capa de “Velvet Undergound and Nico”, de Andy Warhol, e eram essencialmente gráficas. Ironicamente, a primeira camiseta que eu pintei, relatada aqui nesse texto, trazia os dizeres “anti-pop”, em branco sobre uma enorme mancha preta disforme. Nas incursões musicais que me guiavam, das mais frutíferas, me deparei com o punk rock, estilo musical agressivo e primal proveniente do movimento punk que se interessava pelo choque cultural direto, pela ruptura com a ordem capitalista conservadora vigente. Na música, simplicidade, com poucos acordes, extremamente pesados e sujos. Na minha cabeça, os intervalos dos riffs punks causavam o mesmo efeito das imagens que estampavam suas capas de discos e posteres: imagens em alto contraste onde o preto e o branco compunham figuras a partir de rupturas bruscas entre si. Coincidindo com o tratamento ideal de imagem para se confeccionar um stencil ou replicar essas imagens através de fotocópia, técnicas que, em boa parte das vezes eram usadas pra produzí-las. O punk muitas vezes carregava a bandeira de que qualquer um pode fazer música, o famoso “faça você mesmo”, que no caso, eu aplicava nas imagens. Anos depois, quando ingressei na graduação em Artes Visuais na Escola de Belas Artes da UFMG, me deparei
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logo no primeiro período com uma amostra, na disciplina de Imagem Técnica, do que seria a habilitação de Artes gráficas. Na EBA, o curso de divide em habilitações, que funcionam como percursos que determinam o enfoque que sua trajetória terá na graduação e, desde então, tive certeza que o universo gráfico era o que eu queria explorar. A partir daí desenvolvi diversas pesquisas no campo do impresso, na relação palavra-imagem, bastante presente na habilitação, chegando por fim, na ideia de publicação. Livros, panfletos, revistas e pôsteres se tornaram um ambiente fértil de experimentação, sem que eu nunca me esquecesse das origens do pensamento que me levou a produzir: sempre buscar por alternativas baratas e simples, quase caseiras, para dar corpo aos trabalhos. Em um tempo de revistas em papel couché brilhante e imagens tão voluptuosas, preferi me voltar para o xerox, os carimbos, os desenhos em preto e branco. Nesse trabalho reúno, em três cadernos, uma amostra do percurso da minha pesquisa. Aqui, teço considerações a respeito do pensamento gráfico, das publicações e de como sua circulação provoca transformações na arte contemporânea e na vida. No segundo volume, trago uma compilação de imagens e textos referentes aos meus trabalhos, com descrições e comentários objetivos a respeito dos mesmos. Por fim, o trabalho aplicado: um livreto/obra que propõe experimentações enquanto carrega alguns conhecimentos práticos a partir da minha investigação técnica com publicações.
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A reprodutibilidade
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Onde posteriormente se consolidaria o estado alemão, em meados do século XV, Johannes Gutenberg articulou diversas tecnologias disponíveis afim de desenvolver um novo método de reprodução, com o qual confeccionou uma edição da Bíblia, considerada um marco por ser o primeiro livro impresso em tipografia. As técnicas de reprodução até então conhecidas e vastamente utilizadas eram bastante dispendiosas e não alcançavam a agilidade e eficiência que a composição tipográfica possuía. A partir daí, quantidades muito maiores de livros puderam ser produzidas a preços muito mais viáveis para os produtores e leitores. Apesar dessa popularização se tornar realmente significativa apenas no século XIX, com advento da Revolução Industrial, o aumento do número de livros causou uma verdadeira revolução na forma que as pessoas acessavam e apreendiam a informação. No campo da imagem – sem aqui desconsiderar que a reprodução de textos consiste em nada além de uma reprodução sistemática de imagens codificadas – nos deparamos com uma série de técnicas baseadas sobretudo na gravura. (…) a partir (…) do renascimento, as imagens usadas como ilustração de textos ganharam autonomia, sendo editadas separadamente como obras e feitas em suportes de madeira ou metal. Os pintores e escultores valeram-se desse recurso para popularizar suas obras, enviando desenhos para ateliês de gravadores, que passavam a reproduzi-los, com o fito de divulgar as imagens. ( JÚNIOR. 1984, p. 13)
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Apesar de, no século XVII, diversos artistas começarem a pensar a matriz como verdadeiro suporte de criação. Demorou bastante para que estes, que até então apenas desenhavam e assinavam as gravuras, se envolvessem nos processos de gravação propriamente ditos. Nesse contexto, o trabalho manual e técnico era diminuído, delegado aos empregados de ateliês, diante do trabalho intelectual de concepção das imagens, atribuído ao artista. Mesmo no caso de exímios gravadores como o espanhol Francisco de Goya, a reprodução, ainda que partindo da matriz original, possui valor inferior ao valor de um “original” como um desenho ou uma pintura. Muitos anos depois, com o advento da fotografia e do cinema, as técnicas de reprodução atingiram outro patamar. Balançando as estruturas da representação da natureza, as novas técnicas foram acusadas de dissolver uma certa aura que pairava sobre a obra de arte, segundo Walter Benjamin em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, a aura consiste em “(...)uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja.” Intelectuais como Baudelaire mostravam-se preocupados e com ressalvas diante da nova virgem, a fotografia. Para Baudelaire, a fotografia só serviria para o álbum dos viajantes e para precisão ausente na memória. Ao analisar o Salão de 1859 e referir-se à fotografia, afirmava sua desconfiança de que pudesse competir com a pintura em sua ação com o impalpável, o imaginário ou com a alma. ( JÚNIOR. 1984, p. 15)
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Marcel Duchamp Le Porte Bouteilles 1914-1964 Ferro galvanizado 59 x 37 cm
O contraponto entre a raridade e a reprodução esbarra na ideia de valor. A raridade, ou mesmo a unicidade atribui à obra uma espécie de fetiche. A reprodução de uma obra, desde as gravuras de Dürer até os ready-mades de Duchamp, toca o problema da raridade valorizada em oposição à quantidade ilimitada, portanto sem valor. O tema do valor - do raro e do caro - remonta aqui ao gabinete de maravilhas de séculos atrás, onde a raridade e o exotismo garantiam o lugar dos itens nas coleções. (FREIRE. 1999, p.75)
Já no século XX, confrontando diretamente essa questão de raridade e unicidade, são propostos os supracitados ready-mades, pelo artista francês Marcel Duchamp. Ele se valia de objetos industrializados que, depois de selecionados e inseridos no espaço expositivo, ganhavam a atribuição de obra de arte. Desenvolveu também a idéia de múltiplo que depois, principalmente a partir de meados da década de 60, se torna uma prática muito utilizada por diversos artistas: (...)trabalhos artísticos que, sem serem gravuras ou esculturas moldadas, são concebidos com o intuito de serem reproduzidos em grande ou, às vezes, ilimitado número de cópias. Ao contrário da gravura e da escultura moldada, cujas cópias são tradicionalmente executadas a partir de uma matriz feita a mão pelo próprio artista, os múltiplos, realizados em geral com materiais e processos industriais, se originam de um protótipo, de um projeto ou de instruções apresentados pelo autor da obra.(ITAÚ CULTURAL, 2005)
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Felix Gonzalez-Torres “Untitled” (Death by Gun) 1990 Pilha de impressões em offset 113,03 x 82,55 cm, 22,86 cm de altura. Tiragem ilimitada.
Barbara Kruger Newsweek, June 8, 1992. 1992
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Entre o final da década de 80 e meados de 90, o artista americano de origem cubana, Félix González-Torres, propunha gravuras em offset de tiragem infinita. Em suas exposições as impressões eram propostas em grandes pilhas de papel com altura definida, disponíveis para a coleta do público, cabendo à organização do espaço expositivo repor as impressões a medida que eram coletadas. No mesmo período, trabalhos da artista americana Barbara Kruger, com forte teor político, estampavam capas de revista de grande circulação como a Newsweek e a Esquire. As transformações provocadas pelas mudanças da lida entre o artista e os meios de reprodução se refletem diretamente na abrangência da circulação de seus trabalhos. Mais uma vez, as transformações técnicas permitem que mais pessoas tenham acesso aos trabalhos, gerando assim uma potência, a possibilidade latente de que esse substrato interfira no contexto cultural do espectador, criando precedentes para experiências e reflexões e assim, abrindo portas para transformações políticas.
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Publicações
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A partir da segunda metade do século XX, diversos parâmetros a respeito da arte se viram intensamente confrontados e questionados. A arte ganhou formatos, durações, e meios completamente diferentes das estruturas convencionais como quadros, cubos brancos e galerias, sobretudo na relação com o público e na própria ideia de espectador. Se o espectador já foi a pessoa que se depara com a obra de arte apenas a partir do olhar, nesse contexto, é convidado a experienciá-la: a tocar, a assistir, a levar pra casa ou até mesmo replicar uma obra. Coincidindo com uma época de consolidação da arte conceitual, o texto ganha força como corpo da proposição artística e por vezes, ela própria toma força como trabalho. Instruções para desenhos, trocas por correspondências, convite a observar um objeto na rua. Em um momento em que a posição do artista se flexibiliza e a obra ganha o corpo ou mesmo a dimensão da experiência, se consolida o que conhecemos como publicação de artista. Publicar nada mais é do que “tornar público”, assim como fizeram diferentes segmentos da arte, muito antes dessa conjuntura mencionada, através de exposições. A diferença em questão é que nas publicações de artista, o objeto de arte circula, é um espaço movente com capacidade para alcançar diversos lugares, dentro e fora dos limites de acesso da arte convencional.
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Geralmente essas produções se dão em meio impresso com tiragens variadas, vezes ilimitadas, relacionando imagem e texto, através das artes gráficas. São um meio importante de dispersão e disseminação onde diversos projetos de arte encontram corpo, empregando ou abrindo mão de estruturas convencionais como edição, publicação, distribuição e circulação. É comum no contexto da arte, relacionarmos as experiências que trafegam por dentro do campo gráfico editorial com a ideia de livro de artista. Na ainda quebradiça superfície de definições que sustenta os limites dessa modalidade de produção, objetos únicos que em diversos momentos flertam muito mais claramente com o livro-objeto ou mesmo a escultura se fazem confortavelmente presentes mas não compartilham dos quesitos da ideia de publicação. Além disso, apesar de, sem dúvida alguma, alguns livros compartilharem das características das publicações, se mantém distantes da necessidade de compartilharem características com os livros convencionais. Now what, for want of better expression, has been labelled ‘artist’s book’ since the early 1970s, has generally taken its form and size from the pamphlet rather than the book, and as a work of art it is related to the modest booklet (opuscule) much more than to the imposing tome (opus). The word ‘book’ may seem overstated for publications that are often thin, a fortiori when it is only a single folder sheet in a lightweight cover, os a few loose sheets in a folder, or a brochure simply stapled together, or a ring binder containing just a few pages, or merely an empty dust jacket.
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In general, these publications have more in common with tracts, post cards and other small printed matter than with the bound work that has certain thickness and which we call a book. The artists are the first to prefer using the more neutral word, ‘publication’, even stressing the small must remember, the name of an island, an autonomous word that is confined, lateral, marginal and far away. (MOEGLINDELCROIX. 2001, s/p)
Os meios de produção e disseminação de impressos já largamente utilizado por outros recortes da sociedade como na publicidade e a produção editorial, são elevados ao posto de espaço de experimentação artística. Nesse caso, livretos, jornais, revistas, objetos múltiplos, postais, selos, cartas, folhetos, adesivos, cédulas, cartazes, jogos, mapas, apostilas, entre outros meios, articulam-se como veículos rizomáticos que dialogam com as sinalizações: editar, publicar, disseminar e circular.(ROCHA. 2011, p.13)
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Circulação e processos
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Durante a minha trajetória, sempre me interessei mais pelos segmentos que desmistificam a ideia de publicar e que afastam esses trabalhos da unicidade e da aura da obra de arte. Me aproximo assim de artistas que caucaram sua produção na ideia de propagar seus trabalhos ou até mesmo de produzir a partir de métodos corriqueiros e acessíveis, como carimbos e fotocópias. Vale lembrar que não discuto aqui o valor atribuído posteriormente pelo mercado a essas publicações, como quando se tornam raras ou quando os artistas se tornam renomados. Foco minha pesquisa nos processos e técnicas utilizados por estes artistas em sua produção e suas implicações poéticas e politicas. A marca mais conhecida de máquinas de fotocópia é, sem dúvida, a xerox, tanto que é comum nos referirmos à técnica por esse nome. Durante década de 70, com o advento de máquinas desse tipo, diversos artistas se debruçaram diante do aparelho, por vezes, literalmente, em busca de experimentações. As peculiaridades da máquina, a imagem rápida e sobretudo barata, e a possibilidade de reprodução imediata propiciavam uma dimensão muito peculiar, seja no sentido de produção de imagem, seja na potência de replicação e alcance que essa teria. O artista paulista Hudinilson Júnior protagonizou uma dessas cenas. Na série intitulada Exercícios de Me Ver, de 1982, ele se debruçava sobre a máquina e fotocopiava partes do seu corpo.
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A arte xerox começou quando a ECA ganhou uma máquina de xerox para os alunos. Como a minha temática sempre foi o corpo masculino, eu tinha que trepar com ela. Consegui com a máquina de um amigo. Fiz uma performance no Mam no Rio de Janeiro e outra na FAAP em São Paulo. Xerocava meu corpo inteiro: começava pelo rosto, abria o macacão, descia pelo peito até ficar pelado. Em 15 minutos de performance, reproduzia cerca de 250 cópias do meu corpo. As cópias caíam no chão e as pessoas pegavam (PRADO, 2005, s/p)
O artista pernambucano Paulo Bruscky também se tornou um nome de referência na arte xerox. Entre suas experimentações, empregou espelhos, lentes e distorções baseadas em desregulagens propositais da máquina de fotocópias. Na questão do alcance, foi um importante representante brasileiro na arte postal, circuito mundial que se valia dos correios e demais sistemas de correspondências do mundo todo para disseminar a produção artística,e no qual o xerox foi muito presente. A ideia de circular com trabalhos por envio postal não era nova – já era pratica comum desde a década de 50, entre poetas e escritores -, porém, proposta de maneira intensa e sistemática, essa rede cresceu e se estabeleceu como um espaço consolidado. No contexto político do Brasil, no qual a censura ditava as regras do que poderia ser exposto, a arte correio se tornou um ambiente verdadeiramente privilegiado, levando a produção direto ao espectador, colecionador, ao público.
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Paulo Bruscky Confirmado: é arte 1977
Carimbo e decalque sobre cartão postal
Hudnilson Jr. Narcisse - exercício de me ver VI 1982 fotocópia sobre papel 13,9 x 19,7 cm
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Técnicas ainda timidamente exploradas, como a já mencionada fotocópia, o offset e o carimbo, eram utilizadas produzindo peças que questionavam o conceito de original, de tiragem, de autoria. Aí não parece elucidativo identificar isoladamente cada artista, uma vez que toda a rede de comunicação, emissorreceptor, mensagem e suporte constituem um sistema único. Å figura do criador isolado dilui-se com frequência. A produção é muitas vezes coletiva e compõe-se do conjunto das mensagens enviadas e recebidas através dos correios. (FREIRE. 1999, p. 76)
O pensamento de durabilidade, permanência e até autenticidade dos trabalhos não se mostrava tão relevante na arte postal, que nasceu como uma proposta marginal. “O efêmero e o precário são os traços de (...) que marcam tal produção” (FREIRE. 1999, p. 84). Além desse descompasso com padrões estéticos, a ideia do sistema postal como via de circulação desvincula completamente a produção das regras de mercado e se mantém alheia ao sistema da arte. Paralela e alternativamente aos sistemas oficiais da cultura, surge como “ação anartística” um tipo de fenômeno, a Mail Art ou Arte postal, crítico ao estatuto de propriedade da arte, ou seja, à cultura como prática econômica, e que propõe a informação artística como processo e não como acumulação. (COTRIM, FERREIRA. 2006, p. 452)
A utilização do correio como veículo de disseminação já põe em xeque as distâncias físicas por sua simples natureza e amplia as possibilidades geográficas e políticas de alcance da produção artística no Brasil e no mundo.
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Não por acaso, é notável a presença de artistas oriundos de uma grande diversidade de países no movimento da mail art. Nessa rede incorporam-se países que em outras circunstâncias estariam fora do circuito hegemônico dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. (FREIRE. 1999, p. 78)
Esse desvio do eixo acontece também no Brasil, descentralizando a produção do referencial Rio de Janeiro/ São Paulo. Artistas de diversos estados participaram intensamente do processo de produção e disseminação proposto pela arte correio, com destaque para artistas do nordeste, como o já referido Bruscky e Daniel Santiago. O carimbo também foi bastante usado pelos movimentos da segunda metade do século XX. Facilmente confeccionável, seja de maneira caseira, com borracha e estiletes, seja através de encomendas em estabelecimentos especializados, o carimbo é uma forma de produzir e replicar imagens absurdamente versátil e potente, mas que consegue passar despercebida a olhos desatentos. Entre suas características mais notáveis, a possibilidade de se levar no bolso e de se carimbar sobre diversas superfícies o transformam em uma verdadeira arma de disparar imagens. Em Projeto cédula, produzido entre 1970 e 1976, parte integrante de Inserções em circuitos ideológicos, o artista brasileiro Cildo Meireles inseria informações nas notas de dinheiro em circulação através de carimbadas e conduzia as cédulas de volta ao circuito financeiro.
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Paulo Bruscky Bruscky Invent’s
Livro fotocópia sobre papel grampeado 21 x 29,7 cm
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Cildo Meireles Projeto céidula Inserções em circuitos ideológicos 1970 - 1976 carimbo sobre cédula de dinheiro
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No trabalho, Cildo carimbou a frase “quem matou Herzog”, se referindo ao suicídio forjado de Vladmir Herzog, jornalista brasileiro vítima da ditadura militar que assolou o país entre meados das décadas de 60 e 80. Graças a repressão sistemática em relação a manifestações políticas que questionassem o regime, a questão da autoria aqui é subvertida: o anonimato se torna até necessário. A possibilidade de se valer de um dispositivo tão pequeno e portátil certamente possibilitava que a ação fosse executada em qualquer lugar, desde um ateliê com notas devidamente trocadas, até uma mesa de bar, nas cédulas de troco de conhecidos, e isso certamente potencializa os nichos disparadores da circulação, ampliando o alcance da mensagem. Mais do que isso, a banalidade do carimbo relembra a potência cotidiana: qualquer pessoa pode mandar produzí-lo e carimbar notas com os mesmos ou outros dizeres. Dos dispositivos impressos utilizados para tornar pública uma informação, seja ela com finalidade de propiciar a experiência estética de uma proposta artística ou ainda a de simplesmente transmitir uma informação direta, o cartaz aparece como uma das mais primárias e objetivas estruturas. Uma folha simples de papel, com alguma imagem ou texto proposto em uma de suas faces já se mostra uma arma de extrema potência. O cartaz representa certamente uma mídia essencial na nossa cultura visual. É uma forma de comunicação que atravessa séculos e, no entanto, não dá sinais de desaparecer.
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Mesmo já modificado – nos materiais que lhe servem de suporte, nas técnicas de exposição e reprodução, nas dimensões – e apesar dos novos e poderosos instrumentos de propaganda que surgiram.
Sua evolução foi notável, sobretudo nos estilos pictóricos e de ilustração que se alternam desde o início do século passado, ao sabor das mudanças do gosto e de novas condições sociológicas e técnicas, que aumentam suas dimensões e tornam a imagem fotográfica mais importante. (D’AVOSSA,FARKAS. 2010, p.15)
Joseph Beuys, artista alemão, se valeu do cartaz de uma maneira ampla e bastante particular. Utilizava um aparato objetivamente publicitário para veicular suas imagens e suas mensagens.
Entre cartazes da sua autoria e encomendados a artistas gráficos, Beuys propôs quase trezentos modelos, e usava uma manobra muito interessante: além daqueles produzidos com o intuito direto de veículo de pensamento político, Beuys se valia também de seus cartazes com funcionalidade já delimitada, como anúncios de exposições ou performances, para inserir suas mensagens e proposições. Acreditava que a arte era multiplicada por aqueles que a recebiam e que a mensagem difundida mais amplamente, tinha a possibilidade de acarretar transformação social. Beuys acreditava no que ele chamava de “conceito ampliado de arte” e em sua responsabilidade política. Para ele, todo homem é um artista e as atividades diárias de uma pessoa qualquer, seu trabalho, suas conversas, tudo teria uma potência artística, estando a arte presente em todo lugar, na lida cotidiana.
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Joseph Beuys Joseph Beuys. Tekeningen, aquarellen, collages olieverven 1977 Cartaz de exposição. Museu van Hedendaagse offset 60 x 32,8cm
Joseph Beuys Andy Warhol e Joseph Beuys 1980 litografia 68,8 x 47,2cm
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Joseph Beuys Kunst = Kapital 1982
Cartaz-programa de debate. Documenta 7. Kassel. Offset sobre papel bege dobrado em quatro 61 x 43 cm
Seja pelo correio, com xerox, carimbos, cartazes ou qualquer outro procedimento corriqueiro, transformar o trivial em arte vira a tarefa do artista. Como adverte Hélio Oiticica, “criar não é a tarefa do artista. Sua tarefa é a de mudar o valor das coisas”(OITICICA, 1974. s/p).
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Conclus達o
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A publicação de artista, quando se propõe replicável e disseminável, já carrega implicitamente uma potência politica. Ainda que um trabalho não aborde o tema de maneira direta, por se materializar nesse formato, já tem em si a capacidade de promover interações e reflexões transformadoras. A partir do momento em que a publicação é o meio através do qual é proposto um trabalho, ele passa a compartilhar de suas características.
Nenhum meio de comunicação se limita a carregar a mensagem. Eles também traduzem e transformam a mensagem, o emissor e o receptor. O uso de qualquer meio, de qualquer extensão do homem, altera os esquemas da interdependência entre as pessoas, e as relações entre os sentidos. (MCLUHAN, citado por D’AVOSSA,FARKAS. 2010, p.14)
Se considerarmos esse teor essencialmente político da publicação, é possível estabelecer relações com o que o artista argentino Julio Le Parc chamava de “Papel de intelectual do artista na sociedade?”. Em seu texto, “Guerrilha cultural?”, ele defende a idéia de desenvolver ações que façam com que as próprias pessoas produzam as mudanças (COTRIM, FERREIRA. 2006, p.199). Trabalhar com o princípio de disseminar a autonomia, transmitir ao outro a possibilidade de que ele mesmo torne diferente a sua realidade. Quando assumo a publicação como meio de proposição de trabalhos, me interessa essa autonomia latente. A oportunidade de produzir algo que além de carregar minhas proposições, funcione como um gatilho desse
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impulso gráfico, esse estímulo pelo qual aquele que entrar em contato reconheça a possibilidade de também se tornar um publicador, um agente disseminador de transformações politicas e poéticas.
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Bibliografia
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Links das imagens Pรกgina 11 http://thewordwebzine.webs.com/velvetandnico.jpg http://goingthruvinyl.com/wordpress/wp-content/uploads/2012/03/David-Bowie-Aladdin-Sane-copyright2012-GTV.jpg http://ring.cdandlp.com/mjlam/photo_grande/114801771.jpg http://www.tteeoo.com/imagens/cover/sonic_youth-Washing_Machine.jpg Pรกgina 12 http://publikassoesmarginais.blogspot.com.br/2013/08/ depressive-punk-zine-n-1.html http://publikassoesmarginais.blogspot.com.br/2013/08/ depressive-punk-zine-punk-numero-2.html http://publikassoesmarginais.blogspot.com. br/2013/07/a-cultura-punk-nada-tem-em-comum-com. html Pรกgina 19 http://www.panoramadelart.fr/duchamp-roue-de-bicyclette Pรกgina 21
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http://para-la-mala-memoria.tumblr.com/image/55426161429 http://www.contemporaryartdaily.com/wp-content/uploads/2011/02/Untitled-Death-by-Gun-1990-3.jpg http://www.timesonline.com/entertainment/local_entertainment/warhol-exhibit/article_11eb243a-3ea4-5fdf-b1c6-a379293e3efa.html?mode=image&photo= Pรกgina 31 http://www.nararoesler.com.br/noticias/paulo-bruscky -recebe-o-hors-concours-do-9-premio-sergio-motta http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca-pt/default. aspx?mn=545&c=acervo&letra=H&cd=2704 Pรกginas 34 e 35 http://seminariolivrodeartista.wordpress. com/2010/09/02/paulo-bruscky-3/ Pรกgina 36 http://comunicacaoeartes20122.files.wordpress. com/2013/02/cedula.jpg http://www.bolsadearte.com/public/2011/realizados/dezembro2011/146.htm Pรกgina 39 http://www.galerie-f.de/description.php?lang=2&item=76042
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http://www.sweetbooks.com/pages/books/SKB-12859/ andy-warhol-joseph-beuys/poster-announcing-a1980-exhibition-of-works-by-andy-warhol-and-joseph -beuys-in-italy-at-the-lucio http://de.academic.ru/dic.nsf/dewiki/713992
Novembro de 2013
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Reúno nesse volume breves relatos e registros fotográficos de parte da minha produção individual e das minhas participações em um projeto coletivo, a revista experimental Nuvem.
Índice Semt ítulo-Ca rimbosmod ulares
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(...) urgente como o azul do céu.
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ESTAMOS FUNCIONANDO NORMALMENTE
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Projeto Quartos
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Revista Nuvem
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Essa compilação foi produzida por Matheus Lopes Ferreira em novembro de 2013.
Sem título – Carimbos modulares 2012 carimbos de borracha sobre parede 168x104 cm, aproximadamente
O trabalho em questão, sem título, de 2012, consiste em uma grande composição de pequenas impressões individuais de um único carimbo na cor preta, produzida na parede de uma das galerias do Centro Cultural UFMG. O carimbo utilizado foi criado por mim a partir de uma borracha escolar e consiste em uma seta produzida a partir de um retângulo, sendo um de seus lados mais estreitos cortado em forma de triângulo e o lado oposto cortado no formato da contra-forma desse primeiro.
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A pesquisa que resultou nessa composição na parede se iniciou no papel, em um caderno de estudos onde foram executados testes de intensidade da tinta em relação a carimbadas sequenciais, além de testes composicionais. O carimbo utilizado na composição sugere um módulo que possui diversas possibilidades de encaixe e associação. Os módulos foram unidos por um formato regular, através das laterais retas, das pontas que se unem a outras pontas e do fundo que se une a outras carimbadas da mesma forma. Esse trabalho surgiu da tentativa de investigar até aonde uma pequena estrutura aplicada de forma regular consegue chegar, até que ponto sua repetição e suas variações conseguem criar uma outra imagem, uma espécie de relação de micro e macro. Os limites da imagem proposta no Centro Cultural foram ditados pelo tempo: as carimbadas foram guiadas pela composição, sempre buscando um certo equilíbrio e cessaram quando o prazo de montagem da exposição terminou. Além disso, a parede adicionou texturas aos módulos, priando nuances e interrupções de tinta graças a suas irregularidades. Seu formato final foi o de uma mancha irregular em tons de cinza com “tentáculos” que poderiam ser circunscritos dentro de um retângulo de 168 centímetros de altura por 104 de largura.
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(...)urgente como o azul do céu. 2011 publicação em fotocópia e impressão digital 10,5x9 cm fechado, aproximadamente 180 cm aberto
“(...)urgente como o azul do céu.” é um livro de artista produzido no ano de 2011. Seu nome é proveniente de um trecho do livro “Terrorismo poético e outros crimes exemplares” de Peter Lamborn Wilson, autor nascido nos E.U.A., conhecido como Hakim Bey. É um livro sanfonado, com 10,5cm por 9,5cm, de capa dura. Capa e contracapa são estampadas por uma apropriação de uma pintura de Jackson Pollock, quadro sem título de 1949 conhecido como “Green Silver” . A lombada do livro consiste em uma tira de papel preto que abraça a capa por dentro e por fora, fechando uma tira ininterrupta de capa e miolo em sanfona. A impressão da capa é digital e o miolo foi feito em fotocópia.
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Seu conteúdo consiste em uma projeção de verbetes: a partir da palavras que compõe o título, “urgente”, “como”, “o”, “azul”, “do” e “céu”, foram coletados verbetes de dicionário de cada uma delas, seguindo um esquema onde a primeira palavra tem apenas seu verbete, a segunda seu verbete e o verbete de cada uma das palavras que compõe o verbete, a terceira o verbete da palavra, das palavras que compõe o verbete e das que compõe o verbete do verbete. A projeção segue até o meio da frase e volta, fechando com o verbete da palavra céu. Apesar de haver uma edição produzida pela Editora Conrad, nome do livro foi retirado de uma tradução independente produzida de maneira colaborativa por interessados no texto de Hakim Bey. O download do livro foi feito em uma plataforma que hospeda textos em pdf e o mesmo não possui créditos de tradução ou edição, além dos da edição original de onde partiu a tradução. No trecho de onde o título foi tirado, Hakim Bey diz: “Não há transformação, revolução, luta, caminho. Você já é o monarca de sua própria pele – sua liberdade inviolável espera ser completa apenas pelo amor de outros monarcas: uma política se sonho, urgente como o azul do céu.” O trecho trata de amor e interação entre esse monarcas, pessoas qualquer que se relacionem. A interação entre humanos, se dá em diversos níveis: de olhares a gestos, de cheiros a maneiras de se vestir, no entanto é inegável que a palavra seja uma das maneiras fundamentais de interação entre pessoas. O livro procura destacar e destrinchar a
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palavra, procura investigar esse elemento através do qual se pratica essa tal política de sonho que o autor do título menciona existir entre os tais monarcas e para isso se vale de mais palavras: os verbetes de dicionário. Os verbetes foram tirados de diversos dicionários online e alguns de um velho dicionário distribuído pelo ministério da educação e cultura. O formato sanfonado foi proposto em busca de uma espécie de texto que não tem fim, burlando as margens laterais e formando uma grande massa gráfica, uma espécie de oroboros textual. A escolha pela apropriação do quadro de Jackson Pollock na capa veio por dois caminhos: um é do pensamento de que pequenos recortes dos seus quadros, se ampliados, se assemelham a outras composições inteiras, uma matrioshka composicional de manchas e cores que não tem um fim muito claro, onde há sempre algo por dentro. O outro caminho é a sua vaga semelhança com os papéis marmorizados, materiais muito comuns em livros antigos e encadernações de luxo. A técnica de marmorização consiste em um processo onde o papel é posto em contato com uma camada de tinta suspensa sobre água. Sobre a lâmina de água são feitas composições durante o depósito de tinta que envolvem entre outras práticas, esguichos e gotejamentos, se assemelhando, ainda que vagamente a alguma execução de Jackson Pollock. O revestimento tem como intuito a formação de uma película de proteção sobre o papel, além do interesse decorativo.
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A obra parte da angústia diante da profundidade das palavras, sua falta de fim, hora combustível poético, hora barreira na compreensão do mundo e dos pensamentos. O verbete como pequena gaveta que carrega o significado, sempre tão seco e potente, se vê como vórtice e para além disso, as experimentações tipográficas que se esforçam quixotescamente para manter cada um deles, significados e palavras separados e compreensíveis vão formando um abismo. A cada palavra, página e verbete, as letras vão diminuindo afim de comportar cada vez mais palavras dentro de si e quando alcançam as páginas do centro, só se vê uma mancha, uma espécie de caos, fertilidade e potência absoluta de um texto ilegível mas que pode conter qualquer palavra.
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ESTAMOS FUNCIONANDO NORMALMENTE 2013 publicação em serigrafia e fotocópia 10x10 cm fechada, 10x60 cm desdobrada
Pequena publicação produzida na segunda metade de 2013, consiste em um sanfonado de papel preso a uma capa impressa em fotocópia usando apenas corte e dobra. A capa, em fotocópia traz em sua parte interna um breve parágrafo sobre a origem da frase, enquanto o miolo, facilmente desmontável, traz os dizeres “ESTAMOS FUNCIONANDO NORMALMENTE”, serigrafados em vermelho.
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A frase replicada nesta publicação pôde ser encontrada em grandes faixas fixadas nos tapumes que cercaram diversas concessionárias de automóveis na Avenida Antônio Carlos depois de depredações que ocorreram durante os protestos de junho do mesmo ano, durante a copa das confederações. O miolo da publicação pode ser desdobrado e também funciona como faixa, caso seja realmente necessário reafirmar que a mais profunda normalidade paira sobre determinado espaço.
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Projeto Quartos 2011 livro digital em formato pdf
O projeto consiste em uma série de fotografias tiradas de um único ponto de vista, de diversos quartos. O interesse do projeto é registrar as alterações que a vivência das pessoas provocavam no espaço dos quartos em que residem. O registro é fotográfico e se vale dos quartos dos prédios da Moradia Universitária Ouro Preto I da UFMG, que inicialmente tem todos a mesma estrutura, incluindo cama, mesa, prateleira e guarda roupas, sempre de alvenaria, variando de posição apenas nos casos em que os quartos são espelhados.
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Sua primeira formalização se deu em suporte digital. O livro “Quartos” de 2011 está disponível na plataforma issuu* para acesso e download e conta com 46 fotografias registradas no dia 15 de setembro de 2011 em um total de 4 horas de negociações, conversas e cliques. *(http://issuu.com/matheusferreira4/docs/quartos)
Revista Nuvem Tive o privilégio de participar de todas as edições da Revista Nuvem, até ser lançada há pouco tempo, uma edição especial produzida em Florianópolis em uma oficina ministrada pela professora - e coordenadora da revista - Brigida Campbell. As sete edições que participei foram um grande aprendizado pra mim sobre como a produção gráfica e a ideia de uma publicação como suporte para uma proposição artística podem ser potentes. Além disso, sobre como uma publicação pode ser pensada como uma tábula rasa, um espaço onde não existem muitas regras e que a experimentação é o caminho mais certeiro para traduzir no papel e em série qualquer tipo de proposicão.
A revista Nuvem nasceu no segundo semestre de 2009 na disciplina de artes gráficas B do curso de artes visuais da EBA - UFMG. Coordenada pela professora Brigida Campbell e produzida de maneira coletiva, a revista busca reunir em formato de publicação trabalhos dos alunos da disciplina e eventuais convidados, tensionando os limites do impresso.
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Nuvem #1 Primeira revista produzida, a Nuvem 1 possui uma proposta bastante simples: cada aluno deveria apresentar uma folha A4, com frente e verso preenchidas com imagens reproduzidas em xerox, que seriam dobradas, finalizando no formato A5, grampeado. As páginas foram reunidas no dia da montagem e foram envolvidas por uma capa de papel serigrafado com uma ilustração e o nome da revista. Nuvem #2 A segunda edição da revista consiste em um saco de papel craft — conhecido como saco de pão — serigrafado com uma ilustração e os dados da revista e suas páginas são compostas por folhas tamanho A3, soltas e que contém diferentes tipos de impressão e experimentos, desde serigrafia, impressão digital, até fotocópia, todos reunidos dentro da embalagem que se fecha com elastico de prender notas de dinheiro. Nuvem #3 O número três da revista foi em formato de jornal. Na decorrência de um aluno que trabalhava em um jornal da cidade, foi feita uma negociação que resultou em edições impressas em offset na própria gráfica, no papel característico dos periódicos. Cada participante contou com um retângulo a ser preenchido com uma imagem. Além das imagens o impresso carrega uma espécie de passo a passo, ensinando a fragmentar a edição e colar os retângulos como stickers. A folha foi dobrada até o
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tamanho de 15x16cm e embalada em pequenos sacos de plástico bolha, selados com um lacre que identifica a revsita. Nuvem #4 A Nuvem 4 foi produzida em offset, com o miolo impresso na cor preta. A parte interna da capa e contracapa foi impressa em azul, sendo a capa propriamente dita impressa artesanalmente com carimbos. As revistas receberam um lacre sobre o qual foi carimbado os dizeres “conhecer é violar”. Nuvem #5 A proposta da edição número cinco foi que cada um dos participantes propusessem folhas de papel A4 dobradas em quatro - atingindo o formato A6 - seguindo o pensamento de capa e contra capa, para ela completamente fechada, página aberta, no primeiro desdobrar, e pôster quando completamente aberta. As técnicas de impressão, assim com as esolhas de papel, foram livres e bastante variada: desenhos com stencil, carimbos, fotocópia, serigrafia. As páginas se reuniram em uma caixa confeccionada para a edição, produzida em papelão reciclado e impressa em serigrafia. Nuvem #7 Nesta edição a revista foi produzida a partir de uma lista de convidados, sem necessariamente haver relação com a disciplina onde a publicação até então era proposta. A regra é que as páginas possuam formato final de 15x15cm, sendo permitido desdobramentos e afins, e que sejam
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impressas de maneira artesanal.Além dessas peculiaridades, a edição número 7 conta com um tema: cada participante recebeu uma letra do alfabeto para servir como guia para o trabalho, compondo um conjunto de trabalhos sobre cada uma, de a a z. Nuvem #8 Segunda revista com temática previamente proposta, a nuvem 8 teve também formato (13x17 cm) e papel (pólen 90 gramas) já estabelecidos. Foi produzida em uma disciplina optativa, dedicada às publicações independentes. O tema é “Tarifa Zero” e cada participante tem uma folha, que dobrada equivale a quatro páginas, sem formar necessariamente uma página aberta. Sem técnica específica, a edição conta com páginas em xerox, carimbos, fototransferências e serigrafias.
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Minha participação nas revistas se deu em diversos níveis. Além da participação com trabalhos nos miolos das revistas, produzi ilustrações para capas (edições dois e oito) e, na ocasião de uma monitoria na disciplina de artes gráficas b, coordenei a edição número cinco. Do ponto de vista da minha produção gráfica voltada para o conteúdo da revista, inciei com experimentos em fotocópia nas duas primeiras edições, me valendo de ampliações e interferências nas imagens copiadas, executei dois desenhos para as duas edições seguintes onde as impressões foram em offset. Na edição número cinco, apresentei uma página em craft com carimbos de borracha.O resultado consiste em uma narrativa com os carimbos, me valendo de quatro imagens: a de uma casa em frente a um lago com o sol a pino, um mergulhador trajando um escafandro debaixo d’agua, um astronauta flutuando no espaço diante do mesmo astro, e a casa da primeira imagem ao pôr do sol. Recortadas por meio do uso de estiletes por mim e impressas em quatro cores de tinta de carimbo comumente encontradas em lojas do ramo, sendo elas preto, azul, verde e vermelho. As impressões foram feitas manualmente, assinadas na parte inferior esquerda do que seria a contra capa, com a ajuda de um carimbo tipográfico. Na Nuvem sete, propus um pôster no formato 60x45cm em papel manilha da cor rosa, impresso frente e verso em serigrafia. Fui designado a trabalhar com a letra “r”. A proposta gira em torno de um texto: um fragmento do
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conto Bartleby de Herman Melville, onde o autor discorre sobre uma edificação diante da qual o personagem principal do conto se deita. Na história, ele menciona a hermeticidade do muro, onde não há fresta alguma. A letra “r” de todo o texto foi retirada e impressa invertida, atrás da página, em posições equivalentes ao outro lado da folha, como se elas tivesses atravessado o papel da página. Participei da Nuvem 8 com uma serigrafia. Imprimi em duas das páginas uma fotografia e uma fotomontagem, ambras reticuladas e relacionadas à campanha “tarifa zero”, tema da revista. Nas outras duas páginas, propus um breve manual de como produzir um stencil com o intuito de replicar o letreiro homônimo ao tema da campanha.
Novembro 2013