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A comunidade
Reconhecida como Remanescente de Quilombo pela Fundação Palmares, a Comunidade São Benedito está localizada em Campo Grande (MS). Trata-se de um núcleo familiar onde vivem os descendentes da ex-escrava Eva Maria de Jesus. Herdeiros da fé católica, os moradores organizam todo ano uma tradicional festa religiosa. No local há uma igreja, construída em homenagem ao santo padroeiro, que foi tombada como patrimônio público estadual e municipal em 2007.
A fundadora da comunidade, Eva de Jesus, nasceu na cidade de Mineiros, interior de Goiás. O ano era 1848. Mulher, negra, escrava, passou boa parte da vida trabalhando na fazenda Ariranha, onde aprendeu a fazer doces. Ficou conhecida na região por ser benzedeira. Era procurada por negros e brancos, ricos e pobres. Assim conquistou espaço social e solidificou os laços com os outros escravos. Todos a chamavam de “tia”. Ainda no cativeiro, deu a luz às três filhas: Sebastiana, Joana e Lázara. Mesmo após a escravidão ser abolida pela Lei Áurea, em 1888, Tia Eva continuou trabalhando na fazenda, pois não tinha recursos suficientes para sair em busca de novas oportunidades, como fazia a maioria dos ex-escravos. Somente em 1904 migrou para o Mato Grosso, acompanhando um grupo de negros libertos. Com ela vieram as filhas e também o companheiro Adão.
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Como não havia fotografias da Tia Eva, o busto foi esculpido com base no rosto de uma das bisnetas, que segundo a família parecia com ela
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“Tia Eva veio devido à necessidade de um lugar para começar a vida. Ela teve a notícia, lá onde ela estava, de que aqui tinha terra. Várias comitivas já tinham vindo”, conta a tataraneta Lúcia da Silva Araújo, 50 anos. A viagem demorou alguns meses. “Não tinha outra condução a não ser o carro de boi e o cavalo. Foi assim que ela chegou aqui”, explica o bisneto Sérgio Antônio da Silva, conhecido como seu Michel, 78 anos.
Devota de São Benedito, a ex-escrava trazia na mala a imagem do santo entalhada em madeira. No caminho, fez uma promessa. “Caso ficasse curada de uma ferida que tinha na perna, ela iria fazer uma festa pra homenageá-lo, agradecer pelo feito, e construir uma igreja”, conta Vânia Lúcia Baptista Duarte, 37 anos, tataraneta de Tia Eva.
Ao cruzar a fronteira entre os Estados, os viajantes tiveram que se cadastrar em um posto de fiscalização. Sem sobrenome, Eva Maria, as filhas, e outras mulheres que não possuíam laços consanguíneos adotaram “de Jesus”.
O grupo chegou a Santo Antônio de Campo Grande em 1905. Naquele tempo Campo Grande, que hoje é Capital, ainda era um vilarejo. Escolheram as terras de Olho D’Água, próximas ao córrego Segredo, para se instalar. O local já era habitado por ex-escravos da região, que se dedicavam às atividades rurais.
Trazida de Goiás por Tia Eva, a imagem de São Benedito permanece guardada dentro da igrejinha
Logo a matriarca ficou conhecida nas redondezas. “Ela se tornou uma grande liderança porque naquele tempo aqui não tinha padre. E ela então fazia o trabalho como se fosse um sacerdote. Quando morria alguém, vinha atrás da dela, que ela sabia rezar muito. E também não tinha maternidade. Então quando nascia e quando morria só dava Tia Eva”, conta seu Michel. Além de fazer as celebrações religiosas e realizar partos, ela continuou a produção de doces, que vendia no centro da vila.
Foi assim, com muito trabalho, que a matriarca conseguiu comprar os terrenos onde morava com a família. As terras eram devolutas, pertenciam ao Estado. Eva Maria de Jesus pagou 85 mil réis, equivalentes a três sacos de 60 kg de farinha de mandioca, pelos cerca de oito hectares onde hoje se localiza a comunidade.
Na nova propriedade e com a ferida na perna curada, Tia Eva cumpriu a promessa. Construiu a igrejinha, feita de pau a pique. Logo começaram as celebrações em homenagem a São Benedito. “Acredita-se que em 1908 ela iniciou essa festa”, fala Vânia Lúcia. Os festejos, realizados com o auxílio de doações, arrecadaram fundos para substituir a construção por uma igreja de alvenaria, que ficou pronta em 1919 e está na comunidade até hoje.
A Igreja de São Benedito é a segunda mais antiga de Campo Grande
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