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Viver em comunidade

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Agradecimentos

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Na Comunidade Remanescente de Quilombo São Benedito, morar em uma vila com praticamente toda a família tem suas particularidades. “Eu verifico que o que tem de diferente é essa coletividade. Porque por sermos parente nós temos uma proximidade muito grande uns com os outros. E morando aqui, tem certas responsabilidades que acabam sendo divididas ou a gente assume pelo grau de parentesco”, diz Vânia Lúcia.

Pelos vizinhos serem a própria família, a segurança local é maior. Dona Luzia conta que “em muito bairro por aí o pessoal reclama da violência. E aqui graças a Deus não tem nada disso. A roupa posa no varal e nunca sumiu, nunca houve roubo. Acho que é porque a maioria é parente e ninguém mexe”. No local que define como tranquilo, a esposa de seu Michel criou os dez filhos, dos quais seis hoje moram em casas vizinhas à dela. “Mora todo mundo perto. Chegou sábado e domingo já fica aquele piseiro aqui de criançada. Mas sabe que dia de semana eu sinto falta. Criança dá uma alegria na casa”, fala dona Luzia. A vida comunitária é um privilégio para os descendentes de Tia Eva. “É uma benção de Deus quem consegue ainda ter a família unida. Por ter sido implantada por alguém que veio, construiu, acho que nunca vai perder o vínculo da comunidade e das famílias. Há algumas que se desentendem, se separam, mas a maioria consegue se manter”, conclui dona Neuza.

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Os netos de dona Luzia e seu Michel moram perto, brincam juntos e aprendem desde cedo a vida comunitária

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Os conflitos podem ser gerados pela convivência diária, no entanto, são amenizados pelos laços consanguíneos. “A gente briga, fala as coisas, porque é tudo parente. A gente pode falar né. Mas se for preciso dar a vida por eles, a gente dá”, desabafa seu Tuti.

Além destas relações de parentesco entre os moradores, os descendentes também possuem laços consanguíneos e de compadrio com outras comunidades. Entre elas está a Chácara Buriti, localizada a 31 quilômetros de Campo Grande. Ela foi formada pelos sucessores de Sebastiana Maria de Jesus, filha de Tia Eva.

Sebastiana e o marido, Jerônimo da Silva, foram morar e trabalhar na fazenda “Buriti Escuro”. Lá tiveram nove filhos, entre eles João Antônio da Silva. Conhecido como João Vida, ele se casou com Maria Theodolina de Jesus e os dois compraram as terras às margens do Córrego Buriti, onde está localizada esta comunidade.

Os filhos de seu Michel e dona Luzia moram nas casas ao lado. Nem o muro separa a família

Outra comunidade que possui laços de parentesco com a São Benedito é Furnas do Dionísio, fundada por Dionísio Antônio Martins, ex-escravo que veio de Goiás em comitiva, junto com Eva Maria de Jesus. Ele morou na Comunidade São Benedito até conquistar as próprias terras, no município de Jaraguari (MS). Quando estava formando a nova comunidade, Dionísio convidou a filha de Tia Eva, Lázara Maria de Jesus e o esposo dela, Luis José da Silva, para acompanhá-lo. O casal aceitou e lá criou os filhos, que cresceram, casaram com o pessoal de Furnas e constituíram família. Muitos destes descendentes moram hoje na Comunidade São Benedito, nas terras que herdaram. A Comunidade Furnas da Boa Sorte, que fica no município de Corguinho (MS), também possui descendentes de Eva Maria de Jesus. Isto porque a formação dela é composta por pessoas vindas de Furnas do Dionísio. Há outros descendentes de Tia Eva fora da Comunidade São Benedito, que mudaram para outros bairros ou até mesmo outras cidades, para trabalhar ou porque se casaram. Também há pessoas que moram na comunidade mas não tem relações de descendência com a família. Elas integraram-se ao local por meio de casamentos ou pela compra de lotes. Para administrar essas e outras questões que interferem na vida social dos moradores, foi criada em 4 de julho de 1984 a Associação Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus. Ela representa legalmente os familiares que moram dentro e fora da comunidade.

Os parentes de Furnas do Dionísio animam a família com moda de viola durante visita à Comunidade São Benedito

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O primeiro presidente foi seu Michel. “Eu coloquei Associação dos Descendentes porque eu pensei assim, se colocar uma pessoa que não é descendente pode mudar essa história da Tia Eva, essa promessa que ela fez”, conta ele. A promessa à qual ele se refere é a da Festa de São Benedito, que a Associação ficou responsável por realizar, contando com a ajuda dos moradores. Desde 1996, um novo grupo assumiu o trabalho na Associação. A presidente Lúcia Araújo afirma que o papel da entidade é melhorar a infraestrutura do local, trazer cursos de qualificação para os moradores, oferecendo novas oportunidades, e também manter a união da família. Para isto a diretoria não recebe salário e tudo funciona por meio de parcerias e trabalho voluntário, como explica a vice-presidente, Vânia Lúcia.

A proximidade das casas mantém as famílias dos descendentes unidas

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