43.º Aniversário Teatro Maria Matos - 100 Cage

Page 1

preço único aniversário 5¤

teatro maria matos

carlos santos carlos zíngaro david maranha drumming eduardo chagas joana gama joana sá jorge martins luís bastos machado luís fernandes luís josé martins nuno morão nuno rebelo paulo raposo ricardo guerreiro ricardo jacinto

100 cage 43.ºaniversário teatro maria matos domingo 21 outubro das 17h às 20h

No dia em que o Teatro Maria Matos comemora o seu 43.º aniversário, celebramos também o centésimo aniversário de John Cage. Vamos mostrar uma parte do seu importante legado sonoro, revelando também partes do teatro que habitualmente se escondem do público: alguns dos mais aventureiros músicos nacionais irão não só interpretar como inspirar-se nalgumas das emblemáticas composições do norte-americano, ocupando vários espaços do Teatro.


Sala Principal ‣ sessão das 17h00 Second Construction (1940) 10’ Drumming: Pedro Oliveira, Rui Rodrigues, João Tiago Dias (percussão) e João Cunha (piano preparado) Third Construction (1941) 15’ Drumming: Pedro Oliveira, Rui Rodrigues, João Tiago Dias e João Cunha (percussão) As Constructions (1939-42) são peças para instrumentos de percussão baseadas em estruturas rítmicas fixas. A notação tradicional é precedida de um texto que descreve minuciosamente a sua forma de leitura e o seu grau de liberdade, os instrumentos (mais ou menos convencionais) utilizados e a forma de os tocar. A Second Construction tem um piano preparado, enquanto que a Third Construction junta instrumentos de madeira aos metais e às peles. — ‣ sessão das 18h10 She is Asleep (1943) 8’ Drumming: Pedro Oliveira, Rui Rodrigues, João Tiago Dias e João Cunha (tom-tons) A primeira parte de She is Asleep foi escrita para 12 tom-tons cujas dinâmicas vão do p ao ppp e que exploram diferentes modos de tocar o instrumento. Estas duas características permitem ultrapassar o facto de serem instrumentos todos da mesma família, tornando transparentes as suas ressonâncias e a construção rítmica e polifónica da peça. — ‣ sessão das 18h55 Almost a Song Book 25’ (estreia) Joana Sá (piano), Luís José Martins (guitarra) e Jorge Martins (barítono) Ler e ouvir a obra de Cage faz-nos perguntar se ele adivinhou, construiu ou sugeriu parte do mundo sonoro em que hoje vivemos — as três hipóteses, talvez. Aos solos for voice que constituem os Songbooks (1970) podem juntar-se peças eletroacústicas, com ou sem teatro, e mesmo partes do Concert for Piano and Orchestra. Joana Sá explora esta e outras obras e, no seu próprio percurso artístico, cria o projeto Almost a Song com o guitarrista Luís José Martins — música donde surge hoje subitamente a voz dos Songbooks. — ‣ sessão das 19h45 Cage Walk 21’06’’ (estreia) Nuno Rebelo (vários instrumentos, objetos sonoros e vídeo) A mais simples definição da performance é a de pôr em cena, como um espetáculo, as artes visuais. Com Child of Tree (1975), Cage dá à improvisação aquela forma. Nuno Rebelo, por seu lado, inspirado na Water Walk (1959), cria um documentário em forma de performance alimentado de todos os recursos da improvisação e do aleatório e confundindo os seus limites: objetos e instrumentos improvisados, sons de obras de Cage (reproduzidos e recombinados em tempo real) e imagens suas (conferências, entrevistas, a sua própria caligrafia) são enquadrados por uma projeção vídeo organizada em quatro partes (I Time — II Mushrooms — III Chance — IV Silence). —

Palco ‣ sessão das 17h35 Sonatas and Interludes (1948) 20’ (excertos) Luís Bastos Machado (piano preparado) A estrutura de cada uma das partes da obra-prima do piano preparado foi determinada com maior exatidão do que a forma global da peça. Por outro lado, a escolha das notas foi feita através de uma “improvisação ponderada” ao piano. Apesar de tudo isto, pode dizer-se que o som produzido vai depender sempre da “preparação” e que a resposta do instrumento determina a interpretação do pianista. Uma das dificuldades da peça vem precisamente do período charneira em que ela foi composta: Cage inspira-se na sua interpretação das oito emoções fundamentais indianas (luminosas e obscuras) que tendem para a tranquilidade. É a época em que descobre o Budismo Zen, mas ele guarda a definição da cantora Gira Sarabhai, “The purpose of music is to sober and quiet the mind, thus making it susceptible to divine influences”. Solo for Sliding Trombone * (1958) 3’ Eduardo Chagas (trombone) Esta peça seminal (parte do Concert for Piano and Orchestra constituído por 15 solos escritos em notação gráfica), precursora da exploração de novas e extensivas técnicas instrumentais, inaugura a linguagem estética do teatro musical (entre o sentido e o nonsense) e constitui uma matriz fundamental da música contemporânea e das novas músicas improvisadas. * repete na sessão das 18h25 na sala de ensaios Imaginary Landscape No. 1 (1939) 5’ Drumming: Pedro Oliveira e Rui Rodrigues (gira-discos); João Cunha (címbalo chinês); João Tiago Dias (piano preparado) A primeira Imaginary Landscape está dentre as mais antigas peças eletroacústicas de sempre e foi pensada para difusão radiofónica ou para ser realizada num estúdio de gravação. Em notação tradicional, a partitura indica quatro executantes. Dois devem manipular gira-discos a velocidades variáveis que tocam gravações de frequências fixas. Outro toca um grande prato de percussão (chinese cymbal). O quarto toca um piano, abafando com a palma da mão as cordas das notas mais agudas e percutindo com uma baqueta de gongo as mais graves. —

Camarim 5 ‣ sessão das 17h30 26’1.1499’’ * (1953-55) 5’ 35,5’’ (excertos) Ricardo Jacinto (violoncelo) Ricardo Jacinto toca em violoncelo cinco peças para um instrumento de quatro cordas compostas em 1953 e que foram incluídas mais tarde em 26’1.1499’’ For a String Player (1955). 1’ 1/2 ” For a String Player, 1’ 14” For a String Player, 1’ 18” For a String Player, 1’ 5 1/2” For a String Player e 57 1/2” For a String Player fazem fazem parte de um conjunto de peças escritas em notação gráfica, seguindo as imperfeições do papel e o I-Ching, que podem ser tocadas a solo, com vários instrumentos, justapostas, e que constituem um projeto mais vasto designado The Ten Thousand Things – interpretadas como as 10 000 pulsações do conjunto das peças, o infinito, o mundo sensível do Taoismo, ou simplesmente “o Mundo” como em 45’ For a Speaker, de 1954. * repete na sessão das 19h25 na sala de ensaios

Cheap Études * 15’ (estreia) Carlos Zíngaro (violino) A surpresa de Cheap Imitation (1970) vem não apenas da sua notação tradicional, mas da capacidade inventiva de Cage face às contingências. Ao preparar para Cunningham um arranjo do Socrate de Satie, o compositor é avisado que infringe direitos de autor. Obrigado a respeitar a estrutura rítmica da coreografia (Second Hand), Cage transpõe as notas da melodia e transforma as dinâmicas originais através do I-Ching. Os Freeman Études (1977-80/89-90) estão entre as peças tecnicamente mais difíceis de Cage. O I-Ching serve quase todos os parâmetros da notação tradicional, exceto as alturas e os ritmos definidos pelas linhas traçadas em mapas astronómicos. Perante a dificuldade (para Cage, o “impossível” é temporário), o violinista é convidado a tocar o mais rápido e o maior número de notas possível. Carlos Zíngaro propõe uma releitura livre e pessoalíssima da condensação inesperada desta duas obras, das mais distintas de Cage. * repete na sessão das 18h25 no camarim 5 Suite for Toy Piano * (1948) 7’ Joana Gama (toy piano) Conhecida como Diversion na coreografia de Merce Cunningham, a Suite for Toy Piano utiliza apenas as teclas brancas do instrumento (criando um ambiente modal). O som do próprio “jogo” e as repetições motívicas dão um carácter lúdico à peça, um espírito bem humorado. De uma forma simples, é uma peça que liberta a música de preconceitos, de análises, de mensagens e que nos faz rir, sorrir ou simplesmente ouvir. * repete na sessão das 18h25 no camarim 5 — ‣ sessão das 18h25 Cheap Études * 15’ (estreia) Carlos Zíngaro (violino) * repete na sessão das 17h30 no camarim 5 Suite for Toy Piano * (1948) 7’ Joana Gama (toy piano) * repete na sessão das 17h30 no camarim 5 — ‣ sessão das 19h25 Dream * (1948) 15’ David Maranha (órgão) Trata-se de uma peça para piano que tem a mesma estrutura rítmica do solo de Cunningham para o qual foi escrita. Uma gama fixa de sons constitui um percurso essencial e aparentemente melódico: notas sustentadas e acordes surgem numa melodia reiterada e continuamente nova — o tempo não se repete. Várias vezes ouviremos Dream, mais lentamente do que o habitual e tocada em órgão por David Maranha. * repete na sessão das 17h30 na sala de ensaios —

Dream * (1948) 15’ David Maranha (órgão) * repete na sessão das 19h25 no camarim 5 Radio Music (1956) 6’ Carlos Santos, Ricardo Guerreiro, Paulo Raposo, Nuno Morão e Eduardo Chagas (rádios) Com Imaginary Landscape No. 4 (1951), Cage propõe transformar em música o som radiofónico: som aleatório, ambiente, quotidiano, invasivo feito também de ruídos e de silêncios. Radio Music retoma esta ideia, levando mais longe a indeterminação na técnica de composição, diminuindo o número de intérpretes (o controlo do som produzido) e abandonando por completo a escrita rítmica tradicional. — ‣ sessão das 18h25 Solo for Sliding Trombone * (1958) 8’ Eduardo Chagas (trombone) * repete na sessão das 17h35 no palco Trio: Allegro — March — Waltz (1936) 6’ Drumming: Pedro Oliveira, Rui Rodrigues e João Tiago Dias (percussão) Peça de percussão para peles e madeiras que recorre também a estruturas rítmicas fixas. A função destas estruturas parece ser, acima de tudo, a de jogar com as expectativas e com o conforto delas decorrente da audição acostumada à música tradicional. A terceira peça (para woodblocks) foi incluída em Amores (1943). Inlets (1977) 10’ Carlos Santos, Ricardo Guerreiro e Nuno Morão (búzios); Paulo Raposo (som de fogo) Entre as suas primeiras obras (para grupo de percussão) e Child of Tree, Cage afasta-se da improvisação musical. Ele retoma-a transformando objetos em instrumentos atípicos que geram a improvisação da própria performance: a distância entre a causa e o efeito, não apenas do som mas da escrita musical, aprofunda-se aqui no crepitar aleatório de pinhas queimadas, no som pré-gravado e no som que sai de búzios com água. —

living room music Drumming (8’) 26’1.1499’’ * (excertos) Ricardo Jacinto (5’35,5”)

‣ sessão das 19h25 Living Room Music (1940) 8’ Drumming: Pedro Oliveira, Rui Rodrigues, João Tiago Dias e João Cunha (objetos sonoros) Um instrumento de música não é necessariamente algo de refinado, de estranho ou de tecnológico. Na sua autobiografia (1990), Cage cita o realizador Oskar Fishinger de quem foi assistente: “Cada coisa deste mundo tem o seu próprio espírito que pode ser libertado pondo-a em vibração”. Os objetos da Living Room são revistas, jornais, caixas de cartão, mesa e objetos de madeira, grandes livros, chão, parede, porta e caixilhos de janelas. O texto do segundo andamento, dito pelos quatro músicos, provém do livro para crianças The World is Round de Gertrude Stein (1939). 26’1.1499’’ * (1953-55) 5’ 35,5’’ (excertos) Ricardo Jacinto (violoncelo) * repete na sessão das 17h30 no camarim 5 —

Foyer ‣ sessão das 19h30 Music for Amplified Toy Piano (1960) Duração indeterminada Joana Gama (toy piano) Esta peça de 1960 parece ser o ponto de partida da nova carreira de compositor do seu primeiro realizador e intérprete: o pianista David Tudor. A partitura de execução consiste na sobreposição de sete folhas transparentes com linhas, pontos, circunferências e gráficos. Ao som amplificado do toy piano (microfones de contacto) podem juntar-se vários pequenos instrumentos (uma das folhas corresponde a “ruído”). — das 17h às 20h ‣ Exposição de partituras Esta exposição de partituras mostra-nos muitas das formas que Cage (não querendo compor) encontra para escrever música. Notas que não se ouvem tal como estão escritas (como na First Construction (in Metal)). Sons que não se podem descrever (Cartridge Music) ou prever (Imaginary Landscape No. 4). Formas aleatórias de escrever ou de tocar (I-Ching). Sons que têm de ser vistos para se ouvirem (Water Walk, performance televisiva). Imagens que têm de ser tocadas para soar (Fontana Mix). Um tabuleiro de xadrez (Chess Pieces). Espaços, números, manchas ou linhas que correspondem a tempos, a alturas, a intensidades, a timbres ou a silêncios: a parte de piano do Concert for Piano and Orchestra contém 84 tipos de notação e 84 técnicas de composição. Sons repetidos, mas irrepetíveis (Music of Changes). Música e Dança (Bacchanale). Notas de um instrumento a fingir (Suite for Toy Piano), a preparar (Sonatas and Interludes) ou a criar (Variations V). Sobreposições de peças solistas, de bandas magnéticas ou de folhas transparentes (Music Walk). Uma janela aberta, a cidade ou o campo, um disco a tocar (Credo in Us), o rádio ligado, palavras lidas, ouvidas ou mostradas (Silence). Em 1958, em Darmstadt, Cage faz questão de apresentar a sua primeira performance Water Music (1952) que tem as dez folhas da partitura literalmente como pano de fundo. Partituras gentilmente cedidas pelo Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura – Guimarães

20h00

cage walk Nuno Rebelo (21’06”) 55

50

45

40

35

30

25

15

20

10

05

55

19h00

50

45

40

35

30

25

20

15

10

she is asleep Drumming (8’)

‣ sessão das 17h30 Ryoanji (1985) / Child of Tree (1975) 10’ Ryoanji: Eduardo Chagas (trombone) e Nuno Morão (percussão) / Child of Tree: Carlos Santos, Ricardo Guerreiro e Paulo Raposo (catos) A imagem do jardim Ryoanji de Quioto inspira em Cage um solo (o desenho de 15 pedras) com acompanhamento de percussão (metal e madeira: a areia branca). Cage cria um dos seus raros work in progress, desenvolvendo o material musical de Ryoanji em vários solos com orquestra. Caminho assim aberto para a justapor a uma outra peça, bem diferente e inspirada por um dos bailarinos de Cunningham, na qual a “improvisação é a performance”: dez plantas ou instrumentos feitos de plantas são escolhidos aleatoriamente e eles próprios determinam a construção musical da peça.

05

55

50

45

40

35

30

25

20

15

second construction Drumming (10’) third construction Drumming (15’) 10

05

almost a song book Joana Sá, Luís José Martins & Jorge Martins (25’)

sonatas and interludes Luís Bastos Machado (20’) solo for sliding trombone * Eduardo Chagas (3’) imaginary landscape no. 1 Drumming (5’)

dream * David Maranha (15’)

26’1.1499’’ * (excertos) Ricardo Jacinto (5’35,5”) cheap études * Carlos Zíngaro (15’) suite for toy piano * Joana Gama (7’)

cheap études * Carlos Zíngaro (15’) suite for toy piano * Joana Gama (7’)

ryoanji Eduardo Chagas e Nuno Morão / child of tree Carlos Santos, Ricardo Guerreiro e Paulo Raposo (10’) dream * David Maranha (15’) radio music Carlos Santos, Ricardo Guerreiro, Paulo Raposo, Nuno Morão e Eduardo Chagas (6’)

solo for sliding trombone * Eduardo Chagas (8’) trio: allegro — march — waltz Drumming (6’) inlets Carlos Santos, Ricardo Guerreiro, Nuno Morão e Paulo Raposo (10’)

100 µ 100 µ 100 Instalação para 100 auscultadores de Paulo Raposo

toy piano amplified

33 4 – 1185921 possibilidades para 4 altifalantes Instalação de Luís Fernandes exposição de partituras

Camarim 4 Foyer Sala de Ensaios

Sala de Ensaios

18h00

Guilherme Proença

Camarim 5

Flynt em 1961) que, parecendo surgir das suas aulas dos finais dos anos 50 com alunos como G. Brecht, La Monte Young ou Yoko Ono, pouco tem que ver com a sua prática musical: é justamente do conceito que Cage quer libertar os sons e deles nunca abdica, nem sequer na famosa peça 4’33’’ de 1952. Mas a riqueza daqueles primeiros encontros com a dança não se esgota aqui. A ideia do piano preparado surge nesse contexto, depois de anos a escrever música de percussão, no teatro onde deve apresentar Bacchanale (1940) com Syvilla Fort e onde apenas é possível e está disponível um piano. Apesar de não ser completamente original, o “novo” instrumento (ouvido na Europa pela primeira vez apenas em 1954, em Donaueschingen, com 34’46.776’’ For a Pianist, ou seja, David Tudor) parece estar na origem de grande parte da sua reflexão musical. Tais partituras descrevem como e onde se colocam materiais e objetos que transfiguram o som habitual do piano, elas assumem e exacerbam a separação entre a escrita musical e o seu resultado sonoro (como, mais tarde, a recuperação da tablatura) e, assim, antecipam a distinção entre “partitura de efeito(s)” e “partitura causal” feita por Schaeffer [“Deuxième journal de la musique concrète 1950-1951”, 1952]. Da preparação, ainda que rigorosa, do piano surgem sons não propriamente previsíveis e Cage desenvolve a ideia da indeterminação aplicável igualmente ao método de composição, à execução e à comunicação (a polémica irrompe em Darmstadt, em 1958, com o texto “Composition as Process”). Diferentes abordagens aos instrumentos clássicos fazem parte de “todos os sons” que a música deve acolher, como os sons do ambiente que nos rodeia, tão “naturais” ou “artificias” como os dos novos meios elétricos (Imaginary Landscape No. 1, 1939), eletrónicos ou informáticos. Esta abertura que começa, segundo ele, com Varèse, mudou a nossa forma de ouvir, o ruído deu lugar à música e à multiplicidade: Cage apercebe-se, por exemplo, que podia continuar indefinidamente a sobrepor as bandas das gravações de Cartridge Music (1960) sem que nunca se perdesse a “transparência” global do som [terceiro Radio Happening, 1967]. A sua própria intolerância a certos sons estimula-o a fazer música com eles: assim nascem Imaginary Landscape No. 4 (1951) e Radio Music (1956) para aparelhos de rádio, hpschd para cravos e bandas magnéticas (com sons gerados por computador por L. Hiller, 1969) ou mesmo as óperas nas quais ele tem de aceitar o vibrato dos cantores. Dedicando-se e escrevendo sempre música, Cage pôde retomar o que pensava ter abandonado: a escrita (Lectures, poemas) e o desenho (as partituras gráficas do Concert for Piano and Orchestra de 1958, as aguarelas ou os figurinos e adereços das Europera 1 e 2 [“Autobiografia”, 1990]). Embora a compreensão de Cage passe necessariamente pelo seu contínuo ato de escrever, de escrever música, palavras ou desenhos (questionado sobre o rock em 1987 responde “I am still writing music”), ele foge de qualquer dogmatismo, nunca deixando de experimentar e escolhendo “la voie du milieu” [Daniel Charles, “Situation de John Cage”, 1976]. À imagem do I-Ching nas quais apenas as perguntas certas dão boas respostas. As ideias de Cage, enquanto conceitos, levadas ao extremo, tornariam impossível qualquer manifestação musical, mas elas nascem dos sons que nos rodeiam e, através da sua escrita, regressam ao mundo que nos rodeia.

Palco

John Cage queria uma música que nunca tivesse ouvido antes. Procurou então que, até ao momento do concerto, nem ele próprio conhecesse o conteúdo sonoro da obra apresentada. Ele compunha para ouvir e acolhia o som como o ouvia: imprevisto, inevitável e indomável. O uso exclusivo e insistente dos tons temperados tinha feito da música um veículo de comunicação de ideias e de sentimentos no qual o som e a escuta deixaram de ter lugar. Para se fazer de novo ouvir, a música tinha de abrir-se a todos, todos os sons, sem hierarquias ou determinações. Assim nascem as suas peças, desde Music of Changes (1951), através de uma técnica de composição aleatória, que vai mais longe do que qualquer improvisação: a realização sonora de uma partitura escrita por Cage é o único modo de usufruir da sua música, uma música do presente — ou de futuros presentes, como hoje e aqui. John Cage (Los Angeles, 1912 – Nova Iorque, 1992) diz sentir-se perdido durante cerca de vinte anos, procura um pouco por toda a parte, viaja, faz vários pequenos trabalhos temporários e questiona-se constantemente. As respostas que ele encontra são claramente expostas na sua Autobiographical Statement de 1990, uma biografia de situações, de pequenas histórias, de encontros que o inspiraram: ele descobre que a incapacidade de fazer qualquer coisa é uma impossibilidade temporária, que não devemos todos ser ensinados a fazer as mesmas coisas, que não quer dedicar a sua vida à arquitetura ou à pintura, que o teatro e o circo são um conjunto de coisas que acontecem ao mesmo tempo, no mesmo lugar, e que a comunicação através da música é quase sempre um mal-entendido. Descobriu ainda a câmara anecoica e o Budismo Zen — o silêncio é forjado pela mente e os sons existem antes, depois e além de uma qualquer vontade humana — e, enfim, que podia continuar a escrever música porque, a cada nova peça, a cada nova experiência, surgiam sons nunca antes ouvidos e que podia sempre recomeçar [Speaking of Music: John Cage 1987, entrevista e conferência com estudantes]. A partir dos anos 50, ele assume para si próprio que uma música inaudita e moderna apenas pode nascer quando isenta da psicologia, das intenções, das memórias e dos gostos pessoais do compositor. Os textos de Silence (1939-61) são os de um pensamento rigoroso de uma liberdade quase sem limites. Cage representa uma verdadeira revolução em quase todos os meios artísticos, gerando reações chocantes e polémicas acesas, mas cujo discurso escrito e falado — talvez em compensação, de modo a fazer-se ouvir — guarda uma clareza e sobretudo uma serenidade raras vezes encontradas nos artistas seus contemporâneos. A Europa do pós-guerra, profundamente ideológica e politizada, recebe mal esta atitude subversiva de um outro género, uma espécie de tranquilo liberalismo anárquico grandemente inspirado por H. D. Thoreau (1817-1862). Ele lembra a recusa de Schönberg (essoutro revolucionário, seu professor idolatrado) de ir ouvir o seu grupo de percussões. Então, quando certos bailarinos lhe pedem para utilizar a sua música num espetáculo, ele sente pela primeira vez o seu trabalho reconhecido — dar uso à sua música é dar-lhe valor. Durante este período, Cage desenvolve uma ideia simples e fundamen-

tal: os sons e os silêncios (a música) têm apenas uma característica comum, o tempo, as durações [“O Futuro da Música: Credo”, 1937/58; “Precursores da Música Moderna”, 1949 in Silence]. O encontro das artes depende apenas da partilha de um mesmo tempo num mesmo espaço. Entre 1938 (Music for an Aquatic Ballet) e 1952, a música (o som) e a dança (o corpo, a imagem cénica em movimento) guiam-se pela mesma “estrutura rítmica”, organizações temporais que Cage estabelece de maneiras sempre diferentes, utilizando, por exemplo, os esquemas harmónicos de Schönberg ou os “quadrados mágicos” e as matrizes de Webern. Ele apercebe-se que, por detrás dessa busca “a-tonal” — em que, evitando a harmonia clássica, o compositor institui um controlo estrutural abdicando de escolher os próprios sons —, existe um potencial de indeterminação, os sons escapam à vontade do seu criador. No sentido inverso ao do serialismo integral (Babbitt, Messiaen, Boulez), as partituras de Cage deixam de manifestar a sua vontade e as estruturas passam a ser definidas aleatoriamente, pelas imperfeições do papel (Music for Piano 1-85, 1952-62) ou por um oráculo, o I-Ching (Book of Changes). Uma leitura de Cage, o piano de Tudor, uma coreografia de Cunningham, as telas de Rauschenberg (que põe ainda gira-discos a tocar) e a projeção de filmes e de diapositivos surgem aleatoriamente (através do Livro das Mutações) no primeiro happening Black Mountain Piece (1952) — e os encontros, os laços acontecem inevitavelmente e sem predeterminação entre as artes (numa atitude aliás diametralmente oposta à noção de wagneriana de obra de arte total). Ao seu trabalho com Cunningham, Cage chama por vezes “o nosso teatro” [Chance Conversations: An interview with Merce Cunningham & John Cage, 1981], mais para garantir estatutos iguais à música e à dança do que no sentido próprio do termo. Renunciando à escolha dos sons, deixando-os “ser o que eles são” [entrevista de Cage a Daniel Charles, Pour les oiseaux, 1976], ele rejeita qualquer tipo de controlo global e exterior: o do encenador (o “polícia”) sobre a cena (Musicircus de 1967), o do compositor (como Stockhausen) sobre os níveis das projeções sonoras (em Rozart Mix de 1965) e o do género artístico ou o das expectativas do público a que a fama obriga — limites à liberdade [segundo Radio Happening com M. Feldman, 1967], à liberdade dos sons nomeadamente. Muitas das suas soluções pontuais inspiraram ideias, obras, métodos, géneros e correntes, mas Cage procura, mais do que a provocação, surpreender-se e mudar continuamente: pode criar uma performance (Water Music, 1952), um happening ou um event (Reunion, 1968, com Marcel Duchamp); depois das imperfeições do papel, são folhas transparentes (sem imperfeições) que dão origem a Music Walk, Fontana Mix ou Variations I-IV (1958-63); enquanto intérprete, as suas execuções ou as estreias das suas peças são tão válidas como quaisquer outras (por exemplo, Roaratorio, an Irish circus on Finnegans Wake, abril-setembro de 1979, a sua própria interpretação de ___,___ ___ circus on ___, setembro de 1979); ele volta a escrever inesperadamente notas de música (Cheap Imitation, 1969), improvisações (Child of Tree, 1975, Improvisation A+B ou cComposed Improvisations, 1986-90) e aceita mesmo a encomenda de cinco obras líricas (Europeras 1-5, 1987-91). Curiosa é então a sua ligação à “arte conceptual” (tal como definida por Henry

Sala Principal

Cage compositor hoje

17h00

100 Cage

43.º Aniversário Teatro Maria Matos domingo 21 outubro das 17h às 20h

‣ das 17h às 20h 100 µ 100 µ 100 (estreia) Instalação para 100 auscultadores por Paulo Raposo Atento ao desenvolvimento da informática musical, Cage deixa-se por vezes seduzir pelas potencialidades sonoras (hpschd, 1969) e de cálculo (combinatória do I-Ching) do computador. Ao entrar no foyer, o público é convidado a escutar 100 fragmentos de obras de Cage, cortados, redistribuídos e emitidos através de operações aleatórias e de múltiplas variáveis (silêncios, duração, amplitude, etc.), gerados em tempo real por um computador (Max/Msp), numa irrepetível e imprevisível recombinação potencialmente infinita. Cage surge aqui também pela experimentação, na delegação do processo composional, na ideia de espaço dos, nos e entre os sons e, sobretudo, na importância da escuta na nossa experiência cultural. —

Camarim 4 ‣ das 17h às 20h 33 4 - 1185921 possibilidades para 4 altifalantes (estreia) Instalação de Luís Fernandes A gravação permite fixar e difundir o som, mas Cage sempre a utilizou na criação de novas experiências sonoras, através da amplificação, de meios eletrónicos ou da simples justaposição das camadas sonoras. 334 é uma instalação onde cada altifalante (“discurso”, “pitch”, “ruído” e “silêncio”, noções transversais na obra de Cage) reproduz aleatoriamente 33 trechos de 33 segundos cada um recolhidos de gravações de peças do compositor. As 1185921 possibilidades sonoras vão do silêncio ao ruído passando pela tonalidade, regida ou não pelas convenções harmónicas.

bilhete único de aniversário 5¤ Levantamento prévio obrigatório de bilhete para cada uma das sessões na bilheteira central do Teatro Maria Matos no momento da compra. Devido à lotação limitada do Palco, Sala de Ensaios e Camarim 5, só será permitido o levantamento de um bilhete por sessão. Faça a sua escolha com antecedência e leve a informação sobre os concertos já preparada na altura de compra de bilhetes. horário da bilheteira Terça a domingo das 15h às 20h Em dias de espetáculo até 30 minutos após o início do mesmo 218 438 801 bilheteira.teatromariamatos@egeac.pt Bilhetes apenas disponíveis na bilheteira central do Teatro Maria Matos. ficha técnica Textos por Guilherme Proença Ilustração por Pedro Lourenço Design por Sílvia Prudêncio Comissariado pelo Maria Matos Teatro Municipal em colaboração com Joana Sá e Paulo Raposo maria matos teatro municipal Av. Frei Miguel Contreiras, 52 – 1700-213 Lisboa bilheteira.teatromariamatos@egeac.pt 218 438 801 • wwww.teatromariamatos.pt Esta brochura foi escrita ao abrigo do novo Acordo Ortográfico. O papel utilizado nesta brochura é reciclado e de produção nacional. Tipos de letra: P22 Cage e H&FJ Whitney.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.