8º ANO C

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Fotografia: Gabriela Dias Damasio de Oliveira



Por trás daquela foto

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partir da leitura do livro "Por trás daquela foto", nasce um projeto interdisciplinar. Em por trás daquela foto, um time de oito autores brasileiros dedica-se a ler as linhas e entrelinhas de fotografias que eles mesmos escolheram, e a partir delas contam a história do país, fazem relatos pessoais e até enveredam pela ficção. Partindo da ideia que a fotografia desperta memórias, provoca paixões, registra fatos, conta, explica, revela, constrói e desconstrói surge o projeto com o objetivo de trabalhar com fotos digitais e provocar nos alunos novos olhares e a produção de textos a partir de imagens coletadas e selecionadas no estudo do meio “City tour em Sorocaba”, atividade das disciplinas de História e Geografia. Nesse estudo do meio, os alunos tiraram fotos dos lugares visitados para, mais tarde, produzir o livro: "Por trás daquela foto: um olhar sobre Sorocaba".


A caminhada de Carla

A contadora de histórias A Grande Batalha A HISTÓRIA DA MINHA VIDA A igreja assombrada A minha praça do canhão A MORTE DE BALTAZAR FERNANDES A Porta Para a Felicidade A vida de Baltazar Fernandes por ele mesmo A VITÓRIA DE RAFAEL

Até que encontrei você... Baltazar Fernandes e suas invenções De volta para casa DO OUTRO LADO 2


Encontro Inesquecível

Lá Estava Eu Lembra-te do nosso primeiro passeio? NELSON E SEU NETO O FOTÓGRAFO O grande primeiro herói O mendigo premiado O segredo da minha infância POR TRÁS DE BALTAZAR Sempre unidas: a última aventura Sombras de Baltazar Tesouro sem fim Todos podem ter uma segunda chance Treinamento de goleiro

Um amigo diferente

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A caminhada de Carla Catedral Metropolitana de Sorocaba

Na cidade de Sorocaba, vivia uma família descendente de portugueses, cujos nomes eram Rafael, Hagata e Carla, de três meses. Moravam em um apartamento no centro da cidade, por isso Rafael nunca dormia direito e acordava indisposto para o trabalho. Hagata passava o dia em casa, cuidando dos afazeres e de Carla.

Um dia, cansado, voltando do trabalho, Rafael foi assaltado. Preocupado com a segurança de sua família, começou a pensar em mudar de bairro. Um mês depois, mudaram para uma casa onde a vizinhança era gentil e amigável. Carla, já com quatro anos, começou a ir para a escola que era próxima a sua casa. Ela adorava, pois tinha muitos 4


amigos que moravam na mesma rua que ela, e sempre os encontrava para brincar.

disposta na nave principal. Posteriormente, vieram da Bahia as

Já no ensino médio, Carla mudou de escola e começou a decidir no que iria se formar. Entre tantas opções, escolheu arquitetura, pois gostava de desenhar e desenhava muito bem.

imagens de Nosso Senhor do Bonfim, do Senhor dos Passos e Senhora das Dores, e, já no século XIX, de São José. A igreja ficou sem a torre até 1819. A primeira missa na matriz de Nossa Senhora da Ponte foi rezada em 1783.

Ela havia escolhido duas faculdades, uma em Sorocaba e uma no Rio de Janeiro, e conseguiu passar nas duas. Resolveu ficar em Sorocaba, onde conheceu Ricardo. Meses depois, já estavam namorando. No começo, os pais de Ricardo não gostaram de Carla, pois ela não prestava muita atenção na aula, mas tirava boas notas. No término da faculdade, Carla e Ricardo ficaram noivos. Os noivos escolheram a catedral de Sorocaba para o casamento, pois os tataravós da Carla haviam se casado nessa catedral. No dia em que foram marcar a data da cerimônia, o padre simpático e conversador contou a história da Igreja. Iniciou falando que em 1767, o Visitador Diocesano, o padre Antônio José de Morais, mandou construir uma nova igreja matriz. Recomendou-se que o edifício fosse de barroco limpo, sem traços de rococó, foi construído "em taipa grossa de pilão com pedregulho, madeirante do Mato Dentro". Por volta de 1770, veio de Portugal a imagem de Nossa Senhora da Ponte, a única existente no Brasil,

O padre viu que o casal estava interessado na história e continuou, dizendo que as pinturas que estavam penduradas no interior da igreja eram de Ernesto Tomazzini (1930) e de Bruno Giusti (1949). Seu gigantesco sino foi fundido em Sorocaba (1940) pelos irmãos Samassa, que utilizaram 50 quilos de ouro, visando a qualidade sonora. Infelizmente, o sino ficou mudo por vários anos, porque seu toque abalava a estrutura da tardia torre da igreja. Só após reparos, o sino pôde voltar a tocar. Depois de um longo discurso, finalmente o padre dispensou o casal de noivos. Carla saiu encantada com a história da igreja e teve mais certeza de se casar na catedral. Passaram-se três meses, com os preparativos do casamento todos prontos, houve uma tragédia familiar. Hagata, mãe de Carla, teve um infarto, pois fumava muito, e, não resistindo ao infarto, morreu. Carla ficou triste por sua mãe não participar de seu casamento. Dois anos depois do casamento, Carla engravidou de uma linda garota que, logo que 5


nasceu, recebeu o nome de Hagata, em homenagem a sua av贸, que fora uma mulher maravilhosa e muito importante na vida de Carla, sempre a apoiando com muito carinho e amor. Assim, Carla e Ricardo formaram uma fam铆lia feliz, com a certeza de que Hagata cresceria forte e cheia de energia para formar sua pr贸pria hist贸ria, com momentos lindos e tristes, mas com certeza, emocionantes.

Nathalia de Oliveira Assis

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A contadora de histórias

Foto da Catedral de Sorocaba Foto: Leticia Tokunaga

Em um vilarejo na Itália morava uma senhora. Ela era conhecida por ser uma grande contadora de histórias e todos da cidade a adoravam. Ela se chamava Dona Hortensia. Na verdade, seu nome verdadeiro era Ana Teresa, mas como todos a chamavam assim, desse jeito ficou. Um dia, Dona Hortensia resolveu chamar todas as crianças do vilarejo para contar-lhes uma história. Estava frio e, como ela era bondosa, deu os cobertores para as crianças se acomodarem. Antes de começar a história, a senhora preparou biscoitos e chocolates quentes para todas as crianças. Então, ela disse: — Essa história eu reservei especialmente para contar para vocês, é uma história para ensinar vocês a darem valor ao que têm — disse a senhora, 7


acomodando—se na cadeira — Posso começar a história? Alguém precisa ir ao banheiro? – perguntou ela entusiasmada. — Pode! – exclamaram as crianças com mais entusiasmo ainda. — Então lá vai: “Um dia eu fui viajar para o Brasil para conhecer o país. Lá é muito longe, são quase 11 horas de voo, mas logicamente eu fiz algumas paradas. A primeira foi na Turquia, que é um pais muito bonito, com muita história para contar! Lá eu fui em uma vila que preserva os velhos costumes da cultura turca e conheci uma menininha, Yasmine. Ela tinha mais ou menos uns 10 anos de idade. Quando fui conversar com ela e contei que só estava ali de passagem e ia viajar para o Brasil, vi os olhos daquela menininha brilharem mais que um arco-íris em um dia de sol. Ela gostou muito da notícia, disse que daria tudo para viajar pelo mundo e um de seus maiores sonhos era ir para o Brasil. Depois, ela me disse para ir até a casa dela, que era num cantinho do vilarejo, onde conversei com seus pais.” A senhora fez uma pausa, tomou um gole de seu leite, e disse: — Estou tentando me lembrar do nome deles, ah já sei! Eram dona Luanda e seu Barnabé. Continuando a história: “Fui pedir autorização para eles e eles disseram que tudo bem, mas que eu entregasse a menina pessoalmente no vilarejo dali a um mês. Depois me convidaram para um jantar festivo que ia ocorrer lá naquela noite. E eu aceitei, pois não tinha lugar para dormir, ainda ia ter que procurar um hotel e já estava quase escurecendo. Mais ou menos meia hora depois, a mãe de Yasmine me chamou para conversar. Eu fiquei assustada porque pensei que ela tinha mudado de ideia em relação a viagem, então fui às pressas. E ela me disse em voz baixa: — Hortensia tenho que te avisar uma coisa antes de você ir viajar com ela amanhã – sussurrou ela apreensiva. — O quê? Algum problema? — perguntei. — É que a minha filha tem autismo. — Sério, mas eu nem percebi, ela foi tão simpática comigo quando eu cheguei. — É, mas você vai ter que tomar cuidado com barulhos muito altos, muitas pessoas ao redor dela e outras coisas com as quais ela não está acostumada. — Tudo bem, eu vou ter mais atenção a isso. “No dia seguinte, me levantei cedo, arrumei minhas coisas, peguei Yasmine e fomos para o aeroporto. Foi tudo muito tranquilo, então entramos no avião e ela não parou um minuto de olhar pela janela. Nós pousamos no aeroporto internacional de São Paulo, pegamos um táxi e fomos direto para a cidade de Sorocaba, no interior. E de novo ela só ficou olhando pela janela. Quando chegamos ao hotel, a menina mexia em tudo, pulava na cama, como 8


se nunca tivesse visto nada parecido. Nós descemos para jantar e subimos de novo. Deitamos e ela me perguntou em voz baixa: — Minha mãe te contou que eu sou autista? — Sim, mudando de assunto, você quer dar um passeio amanhã para conhecer a cidade? — Eu quero! “No dia seguinte, nós acordamos, tomamos café e fomos conhecer a Igreja de Nossa Senhora da Ponte. Nós tivemos uma linda visão de uma janela com um vitral e na hora a menina disse que estava com saudades de casa. Em seguida, vi que ela estava ficando pálida e ela desmaiou. Chegamos no médico e Yasmine ficou tão nervosa com os barulhos que quase desmaiou novamente. Então o médico pediu para irmos para a sala dele. O doutor fez alguns exames e me disse: — Parabéns! — Pelo quê? — O amor e a dedicação que você deu a essa menina curaram-na de um dos piores autismos que eu já vi. — Muito obrigada. Eu disse quase aos prantos de emoção. Então a Yasmine saiu correndo de dentro da sala do médico e me disse: — Obrigada, eu estou curada. Ela disse com enorme sorriso no rosto. — Não precisa agradecer, eu nem sabia! Eu disse emocionada. A menina pulou no meu colo, me abraçou e me disse em voz linda e suave: — Eu te amo.

Fim Maria Emilia Homem de Mello Peixoto Ferreira

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A Grande Batalha

Monumento ao Tropeiro

Naquele tempo, não existiam essas coisas modernas de hoje em dia não, eu tinha que colocar lenha pra consegui cozinhar, e ainda pra não ficar muito caro, Juca que buscava pra mim, se não, com certeza não teríamos dinheiro para sustentar toda a família. Se me lembro bem, ele também ajudava 10


o pai a levar os bois e as mercadorias até a fronteira da cidade, ele dizia com todo orgulho: Agora faço parte dos tropeiros, junto com o meu pai. Ele tinha uns 10 anos nessa época, o pai dele nunca deixava atravessar da fronteira, era muito perigoso. Eu me lembro de que um dia, ele voltou enfurecido da escola, dizendo que seus colegas achavam que ele era um medroso, pois não ia com o pai, eu e sua mãe tentamos acalmá-lo, mas sem sucesso, ele disse que iria provar que era o menino mais corajoso de Sorocaba, estava disposto a tudo, e eu sabia disso, só não sabia quando seria a grande prova. No dia seguinte, eu não o encontrava na casa, fiquei durante uns 10 minutos o chamando, achando que ele poderia estar escondido, ou brincando, depois comecei a ficar preocupada. Acordei Marina, minha filha, e ficamos todos procurando por ele, foi aí que Neco, seu primo, disse: — Tia, olha o Juca vindo aí! Fomos todos correndo para a porta, quando Juca entrou em disparada dizendo sem fôlego: — Eu vi... eu vi... eu consegui ver pela primeira vez o papai lutando, eu vi, e nunca vou esquecer essa imagem! Ninguém acreditava nisso, eu sei que parece besteira, mas é que na época era muito raro ver uma batalha assim. Fui conversar com ele, saber qual seria a imagem de lembrança desse acontecimento. Ele me explicou certinho, com todos os detalhes... As nuvens no céu, o chapéu do pai, as árvores com as folhas ventando e, principalmente, o pai em uma espécie de montanha ou morro, deixando a imagem mais deslumbrante do que eu podia imaginar. No jantar, não conversamos sobre isso. Na verdade, ninguém falou nada, só o barulho dos talheres e das pessoas comendo, dava até pra ouvir os pensamentos de cada um. Logo após, Juca subiu pra dormir enquanto eu lavava a louça. Quando terminei e fui lhe falar boa noite, vi que ele já estava sonhando e eu sabia muito bem com o quê. Na manhã seguinte, ele veio me perguntar por que era tão especial ver uma guerra dos tropeiros, então eu comecei a contar sobre a lenda do menino levado... — Foi há muito tempo, nem a sua tataravó já tinha nascido, e a lenda começava assim: Havia um menino muito atrevido chamado Gustor, ele gostava de ser diferente de todo mundo, de sempre chamar a atenção, e ele sabia que para poder namorar com Claudia, a menina mais bonita da vila, teria 11


que provar ser o mais corajoso. Então ele decidiu que iria ver uma batalha dos tropeiros, só que o que ele não sabia é que uma bruxa havia enfeitiçado e jogado uma maldição. Quem visse a luta iria virar um cabide, só que Gustor não sabia, então como destino, ele virou um cabide qualquer, sem ter a menina e o resto da vida. Por isso, ficamos preocupados com você, por isso ninguém tocou no assunto. Ele ficou preocupado pensando que iria virar um cabide, mas por sorte ele não virou. Mais tarde, Juca se tornou um grande pintor, e sua primeira obra foi Os tropeiros. Cada qual mandou já uma foto da pintura,que agora,está guardada na minha caixa de lembranças.

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A HISTÓRIA DA MINHA VIDA POR GIULIA GUITTI

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Todo dia eu ia para a Praça do Canhão. Era um ótimo lugar para pensar e lembrar. A minha vida não era a mais fácil. Em casa eu morava com o meu irmão mais velho, Jeremy, ele tem 24 anos. Desde pequenos, eu e Jeremy íamos à praça com os nossos pais. Lá brincávamos de pega-pega, esconde-esconde e, no final da tarde, fazíamos um piquenique e mamãe nos contava sobre as histórias da praça. Como, por exemplo, que seu nome provém dos canhões que foram instituídos no lugar por Brigadeiro Tobias. Essa é a melhor lembrança que eu tenho deles, meus pais. Eu puxei minha mãe, tenho cabelos louros e olhos castanhos. Meu irmão é a cara de nosso pai, com cabelos castanhos, olhos azuis e as inconfundíveis covinhas na bochecha que eu tanto invejo. Nossos pais eram lindos. Papai era advogado, e um bem famoso, e mamãe era professora. Eles amavam trabalhar. No último aniversário de casamento deles, papai levou mamãe para um jantar e nos deixou na casa da nossa vizinha, a coitada era gorda, velha e surda. No caminho de volta, um caminhão bateu no carro, a morte dos dois foi instantânea.

Jeremy tinha 14 anos e eu 7 anos quando fomos ao nosso primeiro lar adotivo, os Parkers. Uma ótima família, mesmo, tirando o fato que o filho dos Parkers achava que era um gafanhoto. Sem brincadeira, o menino ficava o dia inteiro pulando e, se alguém lhe dissesse que ele era um menino e não um gafanhoto, ele chorava. Mas os Parkers foram um lar temporário, tivemos mais 8 diferentes famílias até Jeremy atingir a idade adulta e me adotar. Desde então, vivíamos num pequeno apartamento no centro da cidade. Eu continuava a ir todo dia à Praça do Canhão. Aos 17 anos, tive meu primeiro e último namorado, Luan. Namoramos por 3 anos até ele me pedir em casamento no dia dos namorados de 2013. Eu o amo muito. No dia 4 de maio de 2014, estávamos voltando do cinema, tarde da noite, e Luan não viu o carro na hora que fomos atravessar a rua. Nós dois fomos para a UTI. Eu não aguentei o impacto e, no dia 5 de maio, foi o meu enterro. Foi maravilhoso, aliás. Mas a melhor parte é que agora eu posso ficar a eternidade com as pessoas que eu amo e das quais tanto senti falta, meus pais.

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A igreja assombrada A igreja assombrada

Um dia nublado, Bio e Carlos estavam andando pela praça, quando começou a chover. Sem saber o que fazer, correram e avistaram uma igreja. Entraram nela e sentaram em um banco ao lado de um altar. Começaram a conversar sobre as meninas, até que o silêncio tomou conta do lugar. Bio disse:

Lateral da Catedral de Sorocaba

— Escutei um barulho, Carlos. Carlos respondeu: — Sério!? Que barulho? — Foi de uma lâmpada quebrando! — respondeu Bio. — Bio! Eu escutei também, mas foi de uma porta fechando, completou Carlos. E Bio respondeu: — Eu também ouvi! Carlos afirmou:

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— Estamos presos! E agora? Depois de um tempo, os dois viram uma sombra na claridade da janela. E a sombra disse para eles: — Vocês vão morrer!!! Os dois começaram a correr pela igreja. Sem ter como fugir, eles tiveram uma ideia. Bio tirou uma pedra do bolso e jogou na janela, assim, quebrando-a. Então, eles saíram correndo e foram para suas casas. No dia seguinte, Bio e Carlos chamaram seus amigos e contaram o que acontecera no dia anterior na igreja. Desconfiando da história de Bio e Carlos, todos foram para a igreja para verificar se a história era verdadeira. Chegando lá, todos entraram e começou a acontecer a mesma coisa. Uma lâmpada se quebrou, a porta se fechou, e apareceu o espírito dizendo: — Vocês vão morrer!!! Eles assustados, pularam a janela quebrada e saíram correndo em direção a suas casas. Na manhã seguinte, Carlos, Bio e seus amigos se encontraram e decidiram pesquisar sobre a história da igreja. Descobriram que, em 1810, morava uma pessoa naquele local, e essa pessoa morreu exatamente quando um historiador demoliu a igreja para pesquisar a área. Após 10 anos, o prédio foi reconstruído e a alma da pessoa morta passou a morar ali, assustando todo mundo que

entrava na igreja. Com o tempo, as pessoas pararam de frequentar lá e o local ficou abandonado. Depois de os garotos terem descoberto todas as informações sobre a igreja, todos foram para suas casas e combinaram de perguntar para o professor se aquela história era verdadeira. Na segunda-feira, eles contaram toda a história ao professor e ele confirmou tudo. De tarde, os garotos voltaram à igreja e conversaram com o espírito. Pediram para ele parar de assustar todas as pessoas espírito aceitou, mas disse: — Só se vocês aceitarem um desafio! Bio perguntou: — Qual desafio é esse? O espírito respondeu: — O desafio é que todos vocês procurem nesta igreja um relógio antigo de 1810. Carlos disse: — Por que você necessita desse relógio? O espírito respondeu: — Se eu tiver esse relógio, poderei ir para o céu, pois, ele abrirá um portal dimensional que me levará diretamente para lá. Então, me ajudem a encontrá-lo, por favor, que nunca mais eu voltarei a assustar alguém. Os garotos responderam: 16


— Vamos ajudá-lo encontrar esse relógio!

a

Os garotos começaram a buscar o objeto, quando escutaram um barulho estranho, que parecia ser de um relógio. Quando eles olharam para cima, avistaram um objeto estranho. E então, o espírito falou:

O espírito foi até o teto e retirou seu relógio. Então, uma fumaça começou a aparecer e o espírito sumiu. Carlos, Bio e seus amigos, felizes com seus atos, contaram para toda cidade o que tinham feito. Assim, a igreja voltou a ser frequentada e eles se tornaram heróis.

— Aquele é o meu relógio! Vocês o encontraram! Estava todo esse tempo no teto da igreja e eu nunca tinha visto. Obrigado por me ajudar a encontrá-lo.

Felipe Peres Albertoni

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A minha praça do canhão Praça do Canhão

E

ra dia 17 de maio de 1842 quando alguns homens trabalhavam para colocar dois canhões no Largo da Parada das Tropas, que mais tarde foi batizada de Praça Arthur Fajardo, eu não entendia muito o porquê. Corri até meu pai. Ele estava muito ocupado naquele dia, uma grande tropa de muares acabava de chegar a Sorocaba. Naqueles tempos, meu pai possuía um grande estábulo, onde consertava arreios e celas, e ferrava as mulas e cavalos dos tropeiros. Minha mãe cuidava de uma pequena hospedagem, que com certeza iria ficar lotada naquele dia. Lá da rua, eu já podia sentir o cheiro gostoso do feijão que ela estava preparando. A comitiva logo alegrou todo o comércio. Sempre traziam novidades. Eu corria para a ponte e vinha acompanhando os tropeiros. Eles contavam muitas aventuras e sempre davam alguma moedinha quando eu ajudava a amarrar as mulas e os cavalos e dar água a eles, que chegavam muito cansados. O mais importante de tudo isso é que não ia faltar trabalho para a nossa família. Eu era ainda muito pequeno para ajudar nesse trabalho mais pesado, só tinha 10 anos, e sempre ouvia "Não atrapalha

Joaquim, vai brincar". Mas naquele dia insisti. Nunca tinha visto canhões de verdade, só nas histórias de guerras que ouvíamos dos mais velhos. Meu pai então, depois de muito trabalhar, resolveu me contar que aqueles canhões foram os que seguiram a coluna libertadora até São Paulo. Foi um movimento chamado Revolução Liberal, comandado pelo Presidente da Província de São Paulo, o Coronel Rafael Tobias de Aguiar. Ele havia sido escolhido pelo povo, pela Guarda Nacional e pela Câmara Municipal para defender a Pátria contra as decisões do Governo da Coroa, que feriam nossos ideais de liberdade. Mas o governo Imperial deu apoio aos conservadores, que organizaram tropas comandadas por Barão de Caxias e derrotaram 18


os Liberais de São Paulo e Minas Gerais. Não entendia naquela época tanta história, o que eu queria mesmo era brincar. Voltei então para a praça, que estava ficando muito bonita. Outros amigos vieram para ver. Começamos a brincar de guerra, todos queriam ser soldados. Fazíamos de conta que estávamos defendendo a cidade do perigo. Um senhor que estava assistindo a nossa brincadeira, resolveu contar que aqueles canhões tinham sido feitos aqui bem perto da nossa cidade, no município de Iperó, na primeira Siderúrgica do Brasil, chamada de Fábrica de Ferro de Ipanema. Os canhões foram feitos em comemoração ao primeiro aniversário da maioridade de Dom Pedro II. Muitos anos se passaram, o progresso chegou rápido a nossa cidade. Agora ele era conhecida como a Manchester Paulista, mas toda vez que passo pela praça, ainda me lembro das brincadeiras que marcaram minha infância naqueles canhões, de onde eu podia ver as tropas atravessando o rio Sorocaba e enchendo minha infância de alegrias.

LUCCA DE BIAGGI CAVALHEIRO 19


A MORTE E BALTAZAR FERNANDES

Baltazar Fernandes

Ser ou não ser a Morte, eis a questão. Bom, essa questão me atormentou pelo resto da minha... vamos dizer, vida-pós-morte, pois, no momento em que morri, em 1450, na Europa, fui condenado a virar Morte e perambular pela Terra, levando as almas pobres e indefesas de pessoas ruins. As almas de pessoas boas não são comigo não, é com um amigo meu. Fui condenado porque levei uma vida ruim e injusta, só matando e roubando amigos, então eu não recomendo isso a você. Caso

contrário, eu vou fazer uma visitinha aí na sua casa... Antes de virar Morte eu tinha uma vida bem comum, pra falar a verdade. Tinha pais que me amavam e tinha dois irmãos, que agora estão numa situação bem melhor que eu. Eu era um príncipe muito famoso e meus pais, reis maravilhosos a quem todo o nosso povo tanto amava. Mas eu era tão ambicioso que quis o trono de meu pai e, para isso, tive que matar meus dois irmãos e até acabei matando o meu próprio pai para me defender, pois ele descobriu a 20


maldade e traição que eu, um Com isso, minha mãe se matou de desgosto por mim e eu, idiota e com o sangue de toda a minha família em minhas mãos, reinei como um incompetente, porque logo na primeira batalha perdi e fui morto em praça pública, na frente de todos os meus súditos. No final, eles viraram escravos até sua morte, que presenciei, porque infelizmente fui eu que os levei... Depois de um tempo que eu me consolei, conheci um tal de Baltazar Fernandes, que fundou uma cidade chamada Sorocaba. Eu fiquei curioso ao vê-lo, então observei sua vida: ele nasceu em 1581 e, após virar bandeirante, fundou Sorocaba, casou-se em 1637 e morreu em 1646. Quando fui levar a alma dele, o safado escapou de meus braços e fugiu logo depois de saber que eu era a grande Morte de quem ele tinha tanto medo. Na hora que eu o vi correndo, eu caí na risada, porque nunca tinha visto uma alma correr daquele jeito e gritando todo assustado: — Aaaaah, alguém me ajudeee!!! A morte quer me levaaaar!!!! Mas ninguém conseguia ouvilo porque, repetindo, ele era uma alma. Ele me atrasou e deu muito trabalho, ele voou pelo mundo inteiro, foi para a Europa, para a África, para as índias, voltou para o Brasil e escapou de novo para o Chile, onde conheceu outra alma que havia escapado com sua ajuda. Os dois ficaram assustando e pregando peças em pessoas

adolescente idiota, tinha feito. importantes para a história, como o David Ricardo, um economista importante e que quase escapou quando o levei com aqueles dois. Por sorte, quando David ia escapar, eu o peguei pelo palito fantasmagórico daquele peste. Baltazar realmente conseguiu deixar a Morte, um ser que não tem quase nenhum sentimento, nervoso. E pensar que hoje existe uma estátua desse maldito do Baltazar Fernandes bem no centro de Sorocaba, onde ele conseguia até enxergar o rio Sorocaba. A técnica de defesa dele era construir naquela montanha para ver seu inimigo se aproximar. Eu demorei uns seis séculos procurando aquele cachorro, mas no dia que eu o peguei, ele e aquela chilena, eu pulei de alegria e até demorei um pouco para pegar as almas das pessoas para elas terem uma chance. Fiz por uma semana meu recorde. Bom, no meu tempo de Morte, que continua até hoje em dia, eu vi muitas crianças morrerem por causa desse mundo em que vivemos e hoje o dobro de pessoas morrem. Então dava pra parar com a corrupção, assassinato, estupro porque, minha gente, vocês estão deixando meu trabalho cada dia mais cansativo, vão vocês pegar milhões de almas por dia.

Andrew Ramos Borsatto

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A Porta Para a Felicidade por Helena Brandl Campos

Jardim Botânico Irmãos Villas Bôas de Amanda Duarte

Eu estava internada no Hospital Psiquiátrico Morgan, em Capela do Alto, há três meses por um grande erro. Um enorme erro, que chegava a ser catastrófico. A polícia havia se enganado e levado a pessoa errada para o manicômio. Eles estavam à procura de uma garota que havia invadido uma loja, gritando e falando que “ela” não a deixava em paz, que estava sempre falando que era culpa dela, que a tal moça a estava perseguindo. E quando o atendente perguntou quem, a menina apontou para um espaço vazio, sem ninguém. Quando o moço falou que iria pedir ajuda, a garota saiu correndo, falando que aquilo só traria problemas, mais e mais problemas.

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A coisa era que a garota se parecia muito comigo: cabelos marrons claros, lisos medianos, 1,60m, pálida, olhos cinzentos. Uma pessoa qualquer, mas o rosto retratado foi o que fez a polícia ligar a menina a mim, mas eu não sou ela, eu sou Taylor Brown e eu não devia estar em um hospício. Quando minha mãe ficou sabendo da ideia da polícia de me levar embora, ela surtou. Ela gritava “não” repetidamente, perguntando o porquê, que a sua filhinha estava ótima e que não havia nada de errado com ela. E eu me lembro de ouvir guardas subindo as escadas que levavam ao meu quarto, de lá me arrancando à força e me levando para o que devo chamar de “casa” agora. O lugar não se comparava nada a uma casa, ou àquele sentimento bom de finalmente estar no lugar mais gostoso do mundo. As paredes eram frias e não tinham cor, era apenas um cinza triste, como se aquela cor tivesse se cansado de estar ali. Havia apenas uma grande janela atrás da cama, que não encostava na parede, assim dava para observar toda a vista melhor. A cama era de metal com um colchão duro, um travesseiro muito fino e uma coberta escura, com uns rasgos. A porta era grande, marrom e desgastada, sempre trancada por fora, mas não era permitido ficar no quarto durante o dia, o que forçava a pessoa a passar seus dias no grande salão de loucos. Eu me escondia sentada no sofá no lado direito do salão, onde ninguém mais sentava. Trazia minhas pernas perto do meu peitoral, abraçava-as e ficava observando as tantas pessoas lá. Uns ficavam rodando em círculos, outros gritavam com a parede, uns pareciam normais e apenas assistiam à TV. Eu apenas pensava em escapar dali. Já não aguentava mais fazer o mesmo todo dia, comer a mesma comida nojenta e sem gosto, sentar naquele mesmo lugar e observar os outros, ver o enorme portão cinza pela janela, imaginar minha saída, ter consultas com um psicólogo impaciente e rabugento às 14h, ver pessoas saindo de lá com um sorriso enorme na cara, parentes vindo visitar seus relativos, mas o pior de tudo sempre era acordar no meio da noite ouvindo alguém gritar. Nunca tinha visto alguém novo chegar, mas tudo tem sua primeira vez. Estava sentada quando ouvi as portas da frente fazendo um estrondo, como se alguém lutasse para não entrar lá. Todos tinham parado o que estavam fazendo e ouviam atentamente, como se tivessem saído de um transe. Logo todo mundo corria para fora do salão indo ver quem estava lá. Ninguém foi me receber assim quando cheguei, pensei. Bufei e continuei sentada, algo me dizia para ir olhar, mas eu não conseguiria ver nada mesmo, era mais fácil esperar e encontrar com a pessoa nos corredores. Passaram-se minutos e muitos minutos para que todos voltassem, uns sussurrando com os outros. Nada de mais parecia ter acontecido, em pouco tempo cada um estava de volta à sua loucura. Levantei-me lentamente e fui até a frente da porta que separava a secretaria e o salão, empurrei a grande 23


abertura. Não tinha nem duas pessoas lá, na hora soube que a pessoa que havia chegado já devia ter ido para o seu quarto. Provavelmente eu o encontraria nos corredores mesmo. Já era quase meia-noite quando eu voltei para meu aposento, acompanhada de uma enfermeira. O frio parecia mais forte quando adentramos no corredor, as luzes ficaram mais fracas e começaram a piscar, dificultando minha visão das portas. Eu podia ver alguém parado em pé em frente à parede, como se estivesse perdido a chave do quarto, mesmo isso sendo impossível. A pessoa estava parada do lado da minha porta. Era um garoto. Com as luzes piscando, apenas consegui saber que ele era alto. A enfermeira limpou a garganta, encarou o menino e chamou-o: — Senhor Jones, quem o deixou sair de seu quarto? — ela soava brava, mas pareceu que no momento que ela ouviu a voz dele, acalmou-se. — Tava chato lá, a porta tava aberta, só saí para tomar um pouco de ar — respondeu tranquilamente, com um sorriso desafiador no rosto. A voz do “Senhor Jones” era rouca, grossa, calma. Ele falava devagar, fazendo cada palavra sair com a pronúncia perfeita e suave. Trazia certo arrepio, um bom arrepio. — Bom, então eu vou leva-lo de volta. Falamos as regras logo que você chegou, e você se lembra delas muito bem, eu sei — informou a enfermeira, agarrando meu braço, abrindo a porta do meu quarto, jogando-me lá e depois trancando-a — Boa noite, senhorita Brown — desejou pelo pequeno buraco. Acordei com o grito da mulher do dormitório ao lado, Nalini. Ela tinha sido diagnosticada com esquizofrenia há dois anos e desde então morava ali. Toda noite, antes das 4h30min da manhã, ela gritava. Já tinha virado costume acordar depois que ela se debatia sozinha. Levantei-me e fui até a janela, estava chovendo levemente, embaçando o vidro. Me senti uma criança quando levei meu dedo até a superfície gelada, desenhando formas e outras coisas bem aleatórias. Quando encostava os dedos, sentia um arrepio, diferente do qual eu sentira na noite anterior ao ouvir meras palavras. Senhor Jones. Senhor Jones. Senhor Jones. Aquele sobrenome sozinho me fascinava. Quem sabe eu só estou entediada demais nesse lugar e finalmente achei alguém que parece ter minha idade e ser divertido.

Quem sabe ele poderia me ajudar a sair dali. Inferno que alguém não tinha trancado a porta dele, ele sabia como abrir e abriu sem nenhum problema e ainda ficou andando pelos corredores, demonstrando que tinha conseguido apenas esperando para que alguém percebesse.

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Com aquele pensamento, me levantei e saí de frente da janela. Comecei a andar em volta da minha cama, pensando e pensando cada vez mais. Eu precisava encontrá-lo o mais cedo possível. Ele poderia me ajudar a sair dali, ele poderia me fazer voltar à vida. Três horas depois, e as portas começaram a serem abertas para irmos tomar café da manhã. Pouco me importei em me alimentar, apenas em achar o garoto. Fui a primeira a sair pelo corredor dos quartos, já correndo para o refeitório, procurando o melhor lugar para encontrá-lo. Parecia que minha vida dependia disso. Ri. Dependia mesmo. Minutos começaram a virar horas e nada, até que pediram para eu me retirar, pois precisavam arrumar as mesas para o almoço. Fiquei com um ódio, como ele não apareceu para tomar café? Fui direto para o salão, procurando-o novamente. Nada. Meu Deus, esse garoto tinha um sério problema. Bom, tecnicamente, todos nós tínhamos, por isso estávamos ali. Me sentei no sofá do lado esquerdo dessa vez, nada mudava. Uns continuavam a andar em círculos, outros continuavam a falar com a parede e os mais normais continuavam a ver TV. E nada do Senhor Jones. Aquele simples sobrenome começou a me dar um ódio muito grande. Será que ele já tinha fugido? Será que ele ficava o dia inteiro no quarto e só saía quando abriam as portas para o jardim? Eu não sabia qual era o seu quarto e muito menos sabia se ele já não tinha se mandado. Pelo resto do dia não o vi, decidi ser corajosa e fui falar com um dos enfermeiros que estava no salão. — Ah, com licença? — falei educadamente — Você poderia me dizer onde está o Senhor Jones? O moço tinha 1,65m, no máximo, cabelos ruivos enrolados, usava uma roupa branca meio gasta, um cinto preto que segurava um bastão policial. Me encarou como se eu fosse louca, o que era bem irônico no lugar em que eu estava. Ele olhou para a direita e depois para a esquerda, como se tivesse medo de que alguém o ouvisse. Bufou uma, duas, três vezes e finalmente me contou. — Ele está no quarto 518. Eu não te contei isso, você tem sorte de eu saber que você é um simples engano — esclareceu rapidamente. Um simples engano? Por alguma razão aquilo doeu. Mas eu não tinha tempo para sentir pena de mim mesma, agradeci com a cabeça e saí correndo em direção ao corredor cinco. Meu corredor. 501, 502, 503, 504... 518! Eu bati na porta, sendo que na minha cabeça eu já a teria aberto, pouco me importando se eu estava invadindo sua

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privacidade. Um minuto depois, uma figura alta e descabelada apareceu, com os olhos ainda meio fechados. Ele estava dormindo, era só o que me faltava. Quando abriu seus olhos por completo, comecei a analisar sua cara. Cabelos loiros lisos, todo despenteado, olhos marrons claros, lábios meio vermelho-rosados, era alto, tinha por volta de 1,90m. Lindo, mesmo tendo acabado de acordar. Provavelmente não fazia ideia de quem eu era, mas ainda deu aquele mesmo sorriso desafiador do dia anterior. — Senhorita Brown — sussurrou roucamente, arrepiando cada pelo no meu corpo. — Em que posso te ajudar? Demorou um tempo para eu raciocinar que ele ainda se lembrava de mim, mesmo naquele escuro da noite anterior. — Eu quero que você me ajude a sair daqui — falei firmemente. Ele apenas riu – Não ria de mim! — Ah, me desculpe, mas como você espera que eu te ajude a sair daqui? — Eu sei que você destrancou a porta ontem, eles sempre fecham, nunca esquecem. Deve até ser por isso que você está aqui, porque você é um delinquente e sabe como abrir portas e pode me ajudar a sair desse lugar! — exclamei, com ódio borbulhando no meu sangue. — Eu não vou ajudar uma louca a sair do manicômio onde é o lugar que os loucos devem ficar — zombou com aquele estúpido sorriso. — Não sou louca. Isso tudo foi um engano. Sou apenas uma garota normal que não merece passar a adolescência dela em um hospício. Você pode ir junto se quiser, eu só preciso sair daqui. Por favor! — parei, respirando e já me arrependendo da minha próxima frase — Eu faço qualquer coisa, eu tenho dinheiro se você quiser sair da cidade, que tal? Se quiser do país até! Por favor! Ele me analisou por um longo momento, como se uma guerra estivesse sendo travada na sua mente. “Ajude a pobre garota!” e “Não seja besta, volte a dormir!”. — Argh, ok. Eu ajudo, mas eu vou junto. E eu não preciso de dinheiro, apenas que você não comente sobre isso com ninguém. — Arriscou, seus olhos pareciam demonstrar um tipo de ódio interno, como se a guerra ainda estivesse acontecendo. — Eu tenho cara de ter amigos aqui? — Não, na verdade, não — riu — Me encontre no jardim 20 minutos antes de fecharem, atrás da grande roseira. Vou tentar pensar em um plano — ele parou como se tivesse esquecido algo importante — Qual o seu nome, senhorita Brown? 26


O jeito que ele pronunciava meu sobrenome apenas me fez ficar fora de órbita por uns segundos, até que lembrei que a pergunta não havia sido respondida. — Taylor. E o seu? — Jake. Jake Jones. — Acrescentou, já colocando aquele sorriso de matar na cara e fechando a porta na minha cara. Eu não estava ligando se ele tinha sido um pouco rude comigo, eu estava finalmente saindo dali e não havia sentimento melhor que aquele. Me sentei no banco atrás das roseiras muito antes de Jake chegar. Nunca tinha percebido como aquele lugar era bonito, mesmo com uma casa medonha na mesma “pintura” que aquele imenso e lindo jardim, ainda era de tirar o fôlego. Perdida nos meus pensamentos, não vi Jones chegar até que ele tocou no meu braço, tentando chamar minha atenção. Um simples toque me fez arrepiar por inteira. — Pensou em alguma coisa? Quando nós vamos? Para onde nós vamos? O que eu devo levar? — comecei a perguntar tudo que estava na minha cabeça desde que me sentara naquele banco até que ele soltou um “shh”. — Se acalme, nós temos tempo. Nós, na verdade, teremos que esperar um bom tempo. – esclareceu sussurrando. — Quanto? — Umas três semanas? — me respondeu com outra pergunta, encarando o céu já azul. — Três semanas? Você está maluco? Eu já estou aqui há três meses, quem disse que eu posso aguentar mais? Pra que tanto tempo? — perguntei rapidamente, sentindo ódio crescer em mim. — Eu preciso aprender os horários dos funcionários aqui, que lugares não têm câmeras, por onde sairemos, não é tão fácil. Se fosse, eu aposto que você já teria se mandado daqui há muito tempo — explicou — Me encontre aqui pelos próximos dias. Se der tudo certo, nós iremos embora antes, mas, por enquanto, vamos continuar com as três semanas. Dito isso, Jake se levantou, me deixando sozinha lá, boquiaberta. Vendo pelo lado positivo, eu iria sair dali a pouco. Melhor essas semanas do que o resto da minha vida naquele lugar. Pelos próximos dias, só ele falava, eu ficava quieta e concordava. Era mais fácil, se não eu começava uma briga já pedindo para ele ir mais rápido e isso só atrasava todo o processo. Nesses dias, Jones passou a ir para o salão depois do café da manhã. Ele sentava do meu lado no sofá. Bom, isso há 27


pouco tempo, no começo ele sentava no sofá do lado contrário ao meu. Um dia, ele simplesmente sentou do meu lado e começamos a conversar. Era um garoto muito engraçado, com um sorriso de enlouquecer. Toda vez que ria, seus olhos formavam rugas e eu achava isso muito fofo. Ele era meu único amigo, mas eu sentia que logo depois que fugíssemos, nunca mais o veria. Me corroía de medo disso acontecer, algo dentro de mim falava que eu deveria impedir isso. Até já tinha considerado falar para Jake cancelar o plano de fuga, mas eu sei que ele iria sozinho então. Ele parecia mais animado que eu. Já na segunda semana, ele me veio fazer uma proposta, no mesmo lugar de sempre, atrás da roseira. — Tay, eu tô com um problema em questão da fuga. — Ah, meu Deus, não me diga que não vai acontecer! — sussurrei, sentindo meu coração bater rapidamente, com um medo de nunca poder ir embora. — Não, acalme-se, vai acontecer, mas nós seremos procurados depois disso, tipo, muito procurados, então, não podemos voltar para casa. Nós temos que sair da cidade, ir para longe. Quem sabe sair do país. Você não disse que tinha dinheiro para sair do país? Bom, eu também tenho! Podemos, quem sabe, até recomeçar a vida do jeito que sempre quisemos, podemos esquecer que algum dia ficamos nesse lugar horrível e arrepiante! Que tal? — perguntou, bem atento às minhas expressões faciais. Eu parei por vários minutos. Como assim, sair da cidade? Eu tinha que ver minha mãe, meu pai, meus amigos! Não podia simplesmente deixar tudo para trás, não podia. Aparentemente ele percebeu a guerra mental que eu estava tendo e completou: — Eu sei o que você está pensando, mas se eles realmente se importassem com você, não teriam te visitado pelo menos uma vez nesses meses? — Eles se importam, ok? Muito! Muito mesmo, é só que... — tentei explicar, mas nenhum palavra ou som saía da minha boca. — Viu? Você sabe. Então, que tal? — propôs ele novamente. — Me dê um tempo pra pensar, pode ser? — ele assentiu com a cabeça, assim, eu me levantei e fui para meu quarto. Meus próximos dois dias foram passados na cama, rolando de um lado para o outro, apenas me perguntando se ele estava certo. Uma voz no fundo da minha cabeça repetia várias vezes que sim, ele estava completamente certo e eu teria que desistir da minha ideia de ver minha família e amigos. Mas esse era o preço para finalmente sair desse manicômio, finalmente viver minha vida, 28


não era? Mesmo que o preço fosse caro, eu teria que seguir em frente e sair dali, um dia eu poderia voltar. Eu vou voltar. Levantei-me da cama, fui para o quarto de Jake e esperei que ele abrisse a porta. Em segundos, ele entendeu por que eu estava ali e me contou que nós estávamos saindo na sexta, às 3h da manhã, que ele destravaria sua porta, checaria o corredor e iria abrir minha porta. Sairíamos correndo o mais rápido possível, ele pegaria as chaves do portão e finalmente seríamos livres dali. E foi assim que aconteceu. Eu ouvi uma batida na minha porta às 3h30min, sabia que era ele, então coloquei meus sapatos e me dirigi à abertura, girando lentamente a maçaneta e sorrindo de orelha a orelha ao ver que estava aberta. Logo que vi Jake, abracei-o e não me importei mais se teria que fugir do país, naquele momento eu só queria gritar de emoção. Ele pegou minha mão e andamos rapidamente pelo corredor, onde um enfermeiro dormia no chão, obviamente tendo perdido sua luta contra o sono. Jones abriu a grande porta e tinha seus olhos fechados, como se tivesse medo de que tudo desse errado. Bom, eu também estava, mas a felicidade era muito maior. Ele me levou até a bancada, onde não havia ninguém, e andou sozinho até atrás do balcão, pegando uma chave grande e prata e outra pequena cor de ouro. Voltou até onde eu estava e olhou para mim, com aquele sorriso que eu tanto amava. Eu o abracei mais uma vez fortemente. Ele sussurrou no meu ouvido “nós temos que ir rápido” e logo depois beijou minha testa, pegando na minha mão de novo. Ele pegou a chave cor de ouro e abriu bem devagar a porta, dando para fora do hospício. Só faltava aquele enorme portão. Tudo que me separava da minha nova vida era aquilo. Jake fechou a porta, jogando a de ouro no gramado. Eu ria baixinho. Andamos silenciosamente até as grandes barras altas e ele encostou uma de suas mãos na fechadura, soltou da minha mão e pegou a maior chave, colocando-a no seu lugar e girando-a. O movimento fez um grande barulho, pois estava enferrujada. Jones abriu rapidamente, jogou essa chave também, me olhou de cima a baixo e falou “corre”. Parecíamos crianças, corremos até o ponto de ônibus mais próximo. — Logo eles vão perceber que saímos, não tem como andarmos até uma rodoviária e há muitos perigos em pegar carona com estranho, me diga que você planejou algo! — alertei-o e aparentemente ele tinha até os menores detalhes preparados. Vi que ele puxava uma nota de cem reais e um cartão. Gargalhei, já perguntando — Onde você conseguiu isso? — Bom, o cartão é do meu pai, mas ele nem vai notar a falta. E eu peguei a nota na secretaria na semana passada. E se você quiser saber como eles não pegaram o cartão, eu tinha escondido na minha cueca, eu sabia que 29


eles não iriam vasculhar lá. — Respondeu, rindo um pouco de sua própria ideia. Nos sentamos e esperamos até às 6h para que um ônibus nos levasse para a rodoviária. Lá pegamos outro ônibus para a cidade de Sorocaba, onde passaríamos dois dias, para pegar dinheiro, reservar duas passagens para Austrália, onde começaríamos nossa nova vida, finalmente. Chegamos à cidade às 23h, fomos para um hotel e dormimos logo que chegamos. No outro dia, Jake foi pegar mais dinheiro enquanto eu reservava as passagens, e fiz questão de que passássemos em algum lugar de Sorocaba para que eu tivesse alguma lembrança. O Jardim Botânico Irmãos Villas Bôas. Sempre gostei de jardins, principalmente quando estava no manicômio, com Jake atrás das roseiras. Fomos naquela tarde mesmo. O lugar era lindo, tinha uma grande estufa de vidro com detalhes em branco. Dava para ver as diferentes flores de longe, mas o que me chamou mais a atenção foram as rosas. Eu e minha paixão por rosas. Primeiro decidimos que iríamos ao Palacete de Cristal e depois andaríamos pelo lugar. Pouco antes de entrar, havia uma placa onde estava escrito: “Seja bem vindo ao Jardim Botânico Irmãos Villas Bôas, inaugurado em 15 de março de 2014, com o objetivo de estudar e pesquisar a flora da região, desenvolver a conscientização ambiental e trazer lazer a Sorocaba”. Estava um pouco cheio, mas nada demais. Eu não me importava em passar horas numa fila para entrar ali, eu não me importava em passar horas em qualquer fila, pois eu finalmente tinha saído daquele horrível lugar. E eu estava do lado de uma pessoa incrível, um grande amigo. Quem sabe algum dia ele vire mais do que um grande amigo, pensei comigo mesma, já formando um grande bobo sorriso na cara. Andamos, andamos e andamos mais ainda, até chegarmos num tipo de arco que se juntava no meio. Paramos e ficamos observando a vista. Jake passou seu braço pela minha cintura e me deu um beijo no cabelo. Dei um leve riso. Ele abaixou até meu ouvido e falou que já deveríamos ir que o avião partiria na madrugada, apenas assenti com a cabeça. Chegamos ao aeroporto às 3h e partimos para Austrália às 4h, nos livrando de qualquer memória negativa que já tivemos, começando uma nova vida. E pode até ser que tudo aconteceu um pouco rápido demais, só sei que foi perfeito, mesmo com mudanças de planos no caminho, uma grande espera, noites sem dormir, pensamentos incontroláveis, sentimentos um tanto diferentes do que eu deveria sentir, foi incrível e eu não mudaria nada. Quando o avião começou a subir, Jake pegou minha mão e deu um beijo nela, dizendo que demoraria e que eu deveria dormir. Dormi ali mesmo, no seu ombro, imaginando como seria recomeçar tudo, e mesmo eu tendo discordado no começo, recomeçar era o melhor. 30


Às vezes, demora para sua vida melhorar, às vezes você vai passar dias se questionando sobre quando você realmente vai conseguir um recomeço, mas às vezes, a mudança vai estar do seu lado e tudo que você precisa fazer é acreditar.

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A vida de Baltazar Fernandes por ele mesmo

Nossa! E não é que sou eu mesmo? Mas essa escultura já faz um tempão que foi feita, eu devia ter uns 45 a 50 anos! E como eu me lembro dessa terra em que cheguei! Oh, se lembro! Ela era toda cheia de mato, animais, plantas, mas também me lembro de um povo que vivia lá, era um tipo estranho, não colocavam roupas, viviam em um monte de famílias diferentes, todos amontoados na mesma casa, um homem tinha mais de uma esposa, faziam rituais antropofágicos com os melhores e mais fortes prisioneiro de guerra, faziam reverência a um monte de Deuses que sequer existem, e um monte de outras coisas estranhas! Acho que esse tipo de gente se chama indígenas! Quando saí lá de Portugal, não pensava que aqui na América fosse tão estranho e não desenvolvido, já que lá em Portugal temos grandes cidades, como Lisboa e Coimbra, com grandes faculdades e escolas para todos os meninos e homens. Quando cheguei aqui, também lembro que tinha vários tipos de matériaprima, frutas, água e muitos animais para caçar e vários minérios. Como precisavam ser retirados para mandarmos para Portugal, nós contratamos indígenas para trabalhar. Nós, portugueses, somos melhores que esse indígenas, então não lhes demos nada: nem água, nem comida e nem moradia. Vários deles morreram nas guerras e batalhas e outros morreram no trabalho mesmo! Eu e meus companheiros de viagem nos acomodamos em uma tribo indígena, fingimos ser amigos deles o tempo todo, até que eles nos ensinaram várias técnicas diferentes de agricultura, engenharia e construção! O que foi melhor nesse tempo de viagem foi quando conheci Tainá, uma belíssima índia com cabelos negros, olhos castanhos e pele amarelada. Ela era a mais bela de todas as outras índias da tribo!

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No entanto, ela já era comprometida com o filho do melhor amigo do pajé, cujo nome era Jacir. Eu estava totalmente apaixonado, então chamei Peri, filho de Jacir, para uma luta. Quem ganhasse iria se casar com Tainá. É claro que quem iria ganhar seria eu, já que tenho armas de fogo, bombas e espingardas, enquanto ele só tinha arco e flecha, lanças e outros artigos esquisitos. Eu não contava que aquele índio tinha a força de um leão, a agilidade de um leopardo e a esperteza de um Rottweiler. Para o meu desespero, ele acabou ganhando, já que desviou de todos os tiros e tentativas minhas de explosão. No final da batalha, eu tinha apenas me machucado um pouco e estava muito cansado. As ervas medicinais do local me ajudaram. Mesmo assim, eu não desisti de Tainá. Tentei mostrar-lhe que eu era o mais forte dos homens e fazer a minha futura “sogra” e futuro “sogro” mudarem de ideia. Fui para o mato tentar caçar uma onça ou algo do tipo, mas uma tribo de canibais me capturou e fui levado até a uma tribo deles para servir de comida nos rituais antropofágicos. Eu? Com medinho de canibais? Imagina! Eu estava era com PAVOR deles! Aquelas caras todas pintadas representando a morte de cavalheiros em guerra, correndo de um lado para o outro, para apressar ainda mais a minha morte, já preparando a fogueira, etc. Mas a realidade era: eu, Baltazar Fernandes, um grande desbravador das terras, morrer nas mãos de índios canibais?! De jeito nenhum! Eu tinha que fazer alguma coisa, então comecei a gritar o nome de Tainá sem parar, para ver se ela me ouvia e vinha me socorrer. Como nada aconteceu, chamei o melhor guerreiro da tribo. Se ele me matasse, eu seria comido por eles, mas se ele perdesse, eu iria embora. Eles aceitaram e começou a batalha. Ele era muito bom, mas eu tinha aprendido algumas técnicas com Peri, então acabei ganhando e fui embora feliz da vida. Quando cheguei à tribo de Tainá e contei o acontecido, todos da tribo me aplaudiram e vieram me cumprimentar pela minha vitória, inclusive Peri, meu antigo inimigo. Então fui perguntar-lhe por que ele fora me cumprimentar, já que havia tentado me matar. Ele respondeu que a tribo com quem eu lutara tinha o melhor guerreiro de todas, e que também o melhor guerreiro não é aquele que ganha uma batalha, e sim aquele que não tem medo da morte.

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Vivi o resto dos meus dias naquela tribo junto com Tainá, Peri e outros índios, naquela cidade que mais tarde viria a ser Sorocaba. Ah! E eu já ia me esquecendo... muito obrigado pela paciência de todos por chegarem ao fim dessa carta.

ASS. Baltazar Fernandes

Monumento do explorador Baltazar Fernandes

Letícia Tokunaga João 34


A VITÓRIA DE RAFAEL A vitória de Rafael

Praça do Canhão

Depois de terminar seu trabalho na fazenda, Gertrudes resolveu tomar seu caminho de volta para casa. Desde que tinha três anos de idade, era esse percurso que ela fazia para ir ao trabalho, antes com os pais, agora, como mãe, com seus filhos, Bento e Rafael. Quando voltavam da fazenda, Rafael observou uma cena inédita no caminho deles: — Mamãe, o que aqueles homens estão fazendo com aquele pobre coitado? — exclamou Rafael, indignado com a ação. — Vamos, Rafael, um dia você irá passar por isso — respondeu assustada a mãe. Depois desse dia, Rafael nunca mais parou de pensar nessa resposta de sua mãe. Quando finalmente chegaram em casa, eles foram dormir. De madrugada, Rafael e Bento acordaram, rezaram por suas vidas e saíram de casa com um lampiãozinho a gás, a caminho do lugar onde tinham visto o homem ser espancado. Quando chegaram perto dele, que estava prestes a morrer, ele começou a berrar, achando que era algum animal que iria atacá-lo e que ali era o fim de sua vida. Bento então esclareceu: — Calma, moço, viemos ajudá-lo, mas primeiro, o senhor precisa nos contar o que aconteceu, pois passamos aqui hoje mais cedo, e o senhor estava apanhando daqueles capangas. — Aqueles homens estão servindo ao governo português aqui. Ao sair do engenho, um deles me

ouviu criticando esse governo, por isso eu apanhei. — Desculpe-me, mas não entendi direito. O que quis dizer? — Esse governo não aceita ser criticado. Qualquer pessoa que o fizer, é espancada, como eu fui. Após muito ter conversado, Bento e Rafael correram de volta para casa, antes mesmo de seus pais acordarem. Quando chegaram em casa, os dois pularam direto na cama, com sapato e tudo, pois faltavam alguns minutos para seu pai acordar, e mais um dia iria começar para a família de Rafael. Quando todos partiram para o trabalho, Gertrudes e seus filhos foram para a fazenda, e seu marido, Antonio, foi para o engenho. Quando estavam chegando perto da entrada para a fazenda, viram um corpo atravessado no meio da estrada... Era o corpo do homem que tinha sido espancado no dia anterior, e Gertrudes afirmou aos seus filhos: 35


— Vocês dois são as coisas mais importantes para mim, eu vou falar uma coisa muito importante para vocês dois. Estão vendo aquele homem ali? Então, ele criticou nosso governo, e por isso morreu, ou seja, nunca critiquem o governo português!!! Rafael e Bento prometeram para a mãe que nunca iriam criticar, mas ela nem imaginava que eles já sabiam disso, pois o homem já tinha falado isso a eles. Muitos anos se passaram, Rafael se tornou adulto e foi trabalhar com seu pai no engenho. Bento já tinha sido morto, confundido com um homem que tinha falado mal do governo. Por causa disso, Rafael decidiu fazer justiça pelo seu irmão.

Naquele mesmo dia, um navio estava partindo para Portugal. Rafael decidiu entrar como um escravo branco, assim como toda sua família. Rafael e alguns escravos foram mais fortes, e conseguiram tomar o barco com toda a mercadoria que tinha nele. Quando pisaram em solo português, começou a guerra. Com a vitória dos escravos e de Rafael, ele tomou o controle das terras e ordenou a todas suas colônias que liberassem os escravos, pois iriam começar a usar a mão-de-obra indígena. Depois de muitos anos, Rafael morreu, e seu filho, com o nome de Bento, em homenagem ao irmão, subiu ao trono.

GUILHERME RIBAS SANCHES DIAS

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Até que encontrei você...

Jardim Botânico - Sorocaba

Acordei hoje às oito horas, pois é sábado, mas estava sem vontade de levantar da cama, esses dias tenho estado desanimada e triste, acho que ainda sou muito nova para me sentir assim. Tenho apenas 18 anos, trabalho meio período e estudo à noite, fim de semana geralmente eu faço os trabalhos da faculdade, não tenho muitos amigos, minha melhor amiga está fazendo intercâmbio na Inglaterra e vai voltar só daqui a 5 meses. Fora ela, eu não tenho amigos, apenas conhecidos, eu diria. Acho que é por isso que tenho estado assim. Desde que ela saiu há um mês, só saí uma vez, para ir ao aniversário de uma menina que eu mal conhecia. Não tinha nenhum trabalho para fazer, então resolvi dar uma caminhada, peguei meu iPod, fones de ouvido e saí. 37


Estava andando quando passei pelo Jardim Botânico de Sorocaba, cidade onde moro desde que nasci. Nunca tinha reparado neste jardim, talvez porque ele tenha sido inaugurado faz pouco tempo, dia 15 de março para ser exata. O jardim chama Irmãos Villas-Bôas, em homenagem aos irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas, importantes sertanistas brasileiros, e fica perto do Parque das Águas, em uma área de proteção da vegetação. Eu entrei no jardim, tinha várias rosas de todas as cores, plantadas em canteiros com formas arredondadas, em volta de alguns arcos de alumínio de aproximadamente 2 metros. O que mais me chamou atenção no jardim foi uma estufa que ficava em cima de um morro. Uma grande escada de pedras levava até lá. Caminhei até a escada, subi dois degraus e sentei, ainda ouvindo música, fiquei observando as pessoas que passavam, sem uma feição definida, não estavam tristes nem felizes, até que passou uma pessoa que me chamou atenção. Ele estava feliz, sorria e observava as plantas em volta. Era um rapaz que parecia ter a mesma idade que eu, acho que eu o conhecia de algum lugar. Ele deve ter percebido que eu o encarava e olhou para mim. Devia estar me achando estranha, eu desviei o olhar, mas ele continuava encarando pelo que conseguia ver com minha visão periférica. Ele percebeu que eu estava olhando e deu risada. Devia estar me achando estranha e idiota nesse momento, aquilo já estava se tornando incômodo. Eu fingi que aquilo não tinha acontecido e continuei a analisar as pessoas e plantas enquanto ouvia música, estava tão entretida fazendo aquilo que nem percebi quando o rapaz se aproximou. — Oi — disse ele me assustando. — A... oi — falei me recuperando do susto, ele riu. — Está triste? — ele perguntou parecendo realmente se importar. — Não – menti, ele era apenas um estranho, por que se importava? — Bom... parece... — ele continuou. — Só estou meio desanimada esses dias — não sei por quê, mas ele parecia uma pessoa legal, então resolvi falar. — Mas por quê? — Sei lá... minha melhor amiga foi viajar e eu não tenho muitos amigos. — Isso não é um problema — ele disse se sentando ao meu lado — prazer, meu nome é Henrique. Ele estendeu a mão para mim e sorriu, e acho que pela primeira vez desde que minha amiga fora para a Inglaterra, eu senti que alguém se importava comigo. Eu sorri, não fingindo, mas sorri mesmo, como não fazia há tempo e respondi: 38


— Prazer, meu nome é Beatriz, mas pode me chamar de Bia. — Então, Bia, o que pretende fazer hoje? — Nada... — Quer caminhar comigo? — Pode ser – sorri. — Então vamos — ele disse se levantando e estendendo a mão para me ajudar a levantar. Conversamos enquanto caminhávamos, depois paramos em uma sorveteria e pedimos duas casquinhas e continuamos caminhando e conversando. Descobri que ele gostava das mesmas bandas que eu, One Republic e Imagine Dragons, ele também adorava ler e gostava de algumas séries de que eu também gosto, como Two and a Half Men e Doctor Who. Conhecia-o há apenas 3 horas, mas era como se fosse muito mais tempo, acho que ele podia ser meu melhor amigo. Já era meio-dia, eu tinha que ir, hoje almoçaria na casa da minha mãe, então o avisei: — Eu tenho que ir, hoje vou almoçar na casa da minha mãe. — Espera, você tem whatsapp? Respondi que sim e passei meu número e ele passou o dele, então nos despedimos e eu fui almoçar. Eu estava feliz, aquele desânimo foi embora, fazer um novo amigo me fez muito bem, minha mãe até estranhou minha felicidade, algumas tias e tios meus estavam lá, então resolvi ficar mais um tempo na casa dela. Por volta das seis horas, recebi uma mensagem do Henrique, fiquei feliz por isso, as únicas pessoas que me mandavam mensagem eram Amanda, minha amiga que está fazendo intercâmbio, como eu já falei, algumas pessoas da minha classe perguntando sobre a matéria, e agora, o Henrique. “Oii”, ele escreveu. “Oii”, eu respondi. “Tudo bem?” “Sim e vc?” “Também...ei...quer ir no cinema?” “Agora?” “Por que não?” A simplicidade dele com as coisas me impressionava, para ele nada era complicado. “Ok, então, que shopping?” 39


“Iguatemi, vamos assistir...Divergente?” “Pode ser, já tô indo” “Até lá, beijos” “Bjs, até” Falei pra minha mãe que ia no shopping com uma amiga. Mesmo tendo 18 anos, prefiro esconder essas coisas da minha mãe. Passei uma maquiagem básica, peguei minha bolsa e saí. Ainda não tenho carteira de motorista, muito menos um carro, então fui de ônibus. Chegando lá, vi-o na entrada do cinema me esperando. Ele sorriu quando me viu e eu sorri quando vi o sorriso dele, o sorriso dele me deixava feliz, agora eu entendo como a alegria contagia. Ele insistiu em pagar o ingresso para mim e eu achei isso muito educado da parte dele. Durante o filme, ele colocou o braço sobre meu ombro, meio que me abraçando, fiquei envergonhada, mas ele era tão gentil que não tinha como me sentir mal perto dele. Depois da sessão, comentamos sobre o filme e parecia que o assunto com ele não acabava. Henrique insistiu em me levar para casa quando soube que eu não dirigia e eu aceitei, porque odeio andar de ônibus. Viemos conversando no caminho, eu disse para ele que parecia que eu o conhecia de algum lugar, ele olhou para baixo e deu um sorriso tímido e continuamos a conversar. Chegamos em frente de casa e ele parou o carro, levantou e abriu a porta para mim. Falei tchau e ele me abraçou como despedida. Andei até a porta e olhei para trás, ele ainda estava olhando para mim e sorrindo. Eu sorri para ele e então ele veio até mim, olhou para o chão meio sem graça e disse baixinho: — Bia... você pode me achar estranho pelo que vou dizer, esse tempo que eu passei com você foi tão especial, você é linda e simpática, não sei se você lembra, mas fizemos o nono ano juntos, deve ser de lá que você acha que me conhece, eu tinha uma queda por você, e quando te vi hoje cedo no Jardim Botânico, na hora lembrei de quem você era... — Ah... – não sabia o que dizer— eu também gostei muito do tempo que passamos juntos. — Você deve estar me achando um louco, não é... — ele disse já se virando. — Não — eu segurei-o pelo ombro — eu também gostei muito do tempo que passei com você, estava tão triste e desanimada esses dias, quando estive com você foi a primeira vez desde que minha amiga foi viajar que me senti realmente feliz, foi muito importante para mim perceber que alguém se importava comigo. 40


Ele se virou para mim e olhou nos meus olhos, me abraçou forte e sussurrou no meu ouvido: — Eu... eu acho que te amo... — Eu...eu acho que também te amo — respondi. Ele me segurou pela cintura e me deu um selinho, depois olhou novamente nos meus olhos e sorriu, eu também sorri, ele se virou e foi embora, eu entrei em casa e dei um suspiro. Acho que eu realmente amo o Henrique. Também acho que encontrei alguém que vai me fazer companhia durante esse tempo, alguém que vai me deixar feliz, alguém que vai ser meu motivo de não ficar triste nem desanimada, alguém que vai ser meu motivo de acordar de bom humor todo dia, alguém para amar.

Maria Fernanda Magalhães Garcia

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Baltazar Fernandes e suas invenções

Estátua de Baltazar Fernandes, em frente ao Mosteiro de São

de Bento

Era uma vez, em um tempo que não existia, em um lugar que não tinha sido criado ainda, um homem chamado Baltazar Fernandes. Ele estava meio tonto e atordoado e pensou que era um sonho, mas na verdade percebeu que era realidade. Assim que melhorou, veio uma voz do além e sussurrou: — Oi, Baltazar, tudo bem? — Quem é? — questionou Baltazar, assustado, jogando-se no chão.

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— Eu sou Deus, e você é o primeiro ser humano que eu criei! Temos uma longa conversa, porque eu preciso de sua ajuda para criar o restante do mundo, das pessoas, dos animais e de tudo um pouco... — exclamou Deus, com muita alegria e ansiedade. — Tudo bem, mas primeiro precisamos começar por aqui, não tem nada, apenas uma luz branca infinita, eu quero que você me permita ter conhecimento sobre tudo o que você sabe e o que tem como ideia — pediu Baltazar. E em um piscar de olhos, Baltazar estava muito inteligente, tinha obtido tantas informações que estava com dor de cabeça. Então os dois começaram a criar as coisas: criaram um mundo com países, estados, cidades, regiões, bairros, ruas, casas e muito mais... — Deus, eu quero fazer uma cidade para mim, eu posso? — interrogou Baltazar, com um sorriso de orelha a orelha no rosto. — Eu deixo, desde que você seja responsável e não faça nada exagerado ou errado. Você tem que influenciar as pessoas para elas serem boas e saberem conviver umas com as outras se ajudando!!! — explicou Deus, meio com medo de Baltazar fazer coisas erradas. E foi então que Baltazar começou a criar Sorocaba, uma cidade na qual ele exagerou muito, ele fez a cidade como se fosse um palácio para apenas ele. Criou uma cidade de luxo, com edifícios enormes, casas e condomínios de luxo, pessoas metidas que competiam para ver quem era mais rico que o outro. E quando as coisas pareciam ruins, Baltazar começou a fazer com que as pessoas se tornassem egoístas e ambiciosas. Elas não conviviam mais de modo civilizado e Sorocaba se tornou um lugar em que as pessoas roubavam as coisas dos outros. As coisas foram saindo do controle de Baltazar, até que Deus percebeu algo de errado acontecendo e foi falar com as pessoas. — Pessoal, por que se comportam como animais e não como deveriam? — questionou uma voz do além, que parecia irritada. — Baltazar não nos ensinou sobre isso! — gritavam as pessoas, confusas. Deus foi falar com Baltazar, e assim que chegou à casa dele, chamou sua atenção. — Baltazar, eu te falei para não exagerar e para influenciar as pessoas para que elas se tornassem boas e soubessem conviver! — implicou Deus meio decepcionado.

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— Me desculpe, meu Senhor, eu não farei mais isso — choramingou Baltazar, muito triste. — Muito bem, mas agora vamos ensinar as pessoas a serem humildes — ordenou Deus, assumindo a forma humana de um homem e cumprimentando Baltazar. Assim que eles chegaram em Sorocaba, Deus ensinou as pessoas sobre a vida e como devem ser, as pessoas perceberam os erros e se tornaram pessoas melhores. — Baltazar agora que está tudo resolvido, eu irei embora e apagarei a memória de todas as pessoas, inclusive você, para que elas não se lembrem de mim — disse Deus, meio triste, já preparado para apagar a memória de todos. — Espere, espere, espere, não acredito nós não inventamos o tempo! Nããããããoooooooo !!! — lembrou Baltazar, com uma expressão engraçada. E Deus já foi refazendo o mundo.

Lucas Sipeli Tada

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De volta para casa

Catedral de Sorocaba

Sinto o vento sacudir os meus cabelos, as pernas cambalearem, os pés frios e o coração parece bater mais devagar. Aqui em cima é diferente do que pensei. Sinto medo. Achei que seria a rota de fuga mais simples, rápida e eficaz. Estou no alto de um prédio, luzes, vozes, prédios e a escuridão da noite, uma noite sem estrelas, sem lua, somente escuridão. Consigo ver a catedral, “A Catedral”, tão linda e esplendorosa quanto acolhedora. É o único lugar onde consigo respirar aliviada. Toda a história que por lá flui me emociona, os dias sofridos que pessoas da minha laia (como diriam os ignorantes do

colégio onde a família que me adotou me colocou) passaram, o sangue no qual cada tijolo da catedral foi banhado, porém, mesmo com todo o sofrimento que sei que aquelas paredes já viram, me sinto confortável lá, como se eu pudesse sentir a energia de meus ancestrais. Uma voz forte e tranquila pôde ser ouvida atrás de mim e me disse: — Moça, — eu me virei e não acreditei no que meus olhos viam. Eu já havia visto aquele rosto, mas achei que eram sonhos — não olhe para baixo, aí é muito alto para se estar, acalme-se e venha comigo, vamos conversar.

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A expressão em seu rosto juvenil era de surpresa, dúvida e felicidade. Ele se aproximou e me perguntou: — Moça, por que está ai? Aproveitando a vista? Desça. Eu sei de um lugar melhor para se ver uma paisagem. Venha comigo. Eu não consegui responder. Então apenas desci e fui em sua direção. — Venha, vamos — ele disse com sua voz angelical que me fazia sentir arrepios — eu conheço um ótimo lugar para desabafar. Eu não acreditei quando percebi para onde estávamos indo. A surpresa foi tanta quando avistei a catedral... lá estava ela. Parecia estar mais linda do que de costume, mas acho que era eu mesma que estava eufórica de estar saindo com alguém. Em meu colégio, ninguém se atrevia a chegar perto de mim, pois se chegassem os outros diziam que era igual a mim, pobre, negra e sem família. Ele, porém, estava ali disposto a conversar, eu senti um sentimento estranho subindo por minha perna e gelando a minha coluna. Chegando à catedral, estacionamos um pouco longe e fomos andando até lá. No caminho, ele me explicou coisas que eu estava cansada de saber, mas na voz dele era muito melhor... coisas como que a igreja foi fundada em 1771 para substituir a antiga.

A noite foi passando de uma forma inesquecível, inacabável e nas nuvens, eu tinha dúvidas se tudo aquilo não passava de um sonho. A única coisa que provava que era real é que eu já não sentia as extremidades do meu corpo de tanto frio, e ainda sim ele me deu sua blusa. Eu não queria que a noite tivesse um fim, era muito bom, eu senti mais frio ainda quando olhei para a torre do monumento e avistei as horas, sabia que a noite estava no fim. Do nada me veio o pensamento... Eu ainda não sabia seu nome, que estupidez a minha, ele se preocupou com cada detalhe insignificante sobre mim e eu nem seu nome sabia: — Ai, que vergonha, acabo de lembrar que ainda não sei seu nome, pode me dizer ou é uma espécie de segredo nacional? — eu perguntei extremamente rosada. — Sem problema, hoje a noite é sobre você, mas se isso é mesmo importante, meu nome é Gabriel. — Então, senhor Gabriel, infelizmente chegou minha hora, eu vou indo para minha casa, pode me passar o número do seu celular? — senti um frio paralisante e mortífero ao pronunciar essas palavras. — Esqueça isso e me siga — ordenou ele em um tom misterioso — eu te levo para casa. De repente, uma luz forte e quente veio da torre mais alta da catedral, uma luz que parecia 46


distribuir abraços carinhosos e atenciosos, definitivamente uma luz em um antro de escuridão, tristeza, arrependimento, medo, morte e o frio. Assim como a igreja era uma luz no meio de toda sujeira e escuridão que a cidade pode esconder, ele foi para mim em meu momento mais escuro. Gabriel foi na direção da luz e começou a subir, como se houvesse uma escada, virou-se, esticou a mão e me questionou: — Você não vem? — aparentemente ele já sabia a resposta. — Para onde vamos? — Para um local onde você nunca mais precisará ter medo. Eu estendi o braço para que ele me guiasse, o calor era envolvente, esquentou da minha pele até meu coração. De repente, eu já não tinha mais medo de que a noite acabasse e de voltar para a escola.

Eu e ele subimos, olhei para baixo e observei a escuridão da noite se esvaindo e a sujeira daqueles que querem o mal indo embora. Nesta noite, eu vi o alvorecer da manhã crescendo no horizonte em uma cor que só poderia ser descrita como maravilhosa, lavando o mundo, eu vi tudo de um ângulo totalmente novo. Ele me levou para junto de pessoas que não se importavam com a cor de minha pele, me levou para junto dos anjos. Na manhã seguinte, encontraram meu corpo congelado, sentado ao lado da porta da igreja, todo contorcido, era uma cena triste para aqueles que o viam, mas simbolizava a noite mais feliz de minha vida. A catedral permaneceu lá com seu esplendor, levando luz junto ao Sol para o mundo, e eu continuei indo lá para ver o amanhecer junto de Gabriel.

LUCAS MOREIRA DE LIMA

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DO OUTRO LADO

Monteiro São Bento - Baltazar Fernandes

Uma vila que vivia sem preocupações e pacífica, onde hoje chamam de “América”, foi quase destruída com a chegada de algumas pessoas, que apenas apareceram em seus grandes barcos e nos expulsaram. Por que alguém arrancaria outro de sua casa eu ainda não sei. Como se nos tirar de nossa região não fosse o bastante, mandaram homens nos sequestrar anos depois! Levavam todos para suas cidades grandes para forçá-los a trabalhar... ou sofrer, os que fugiram, correram pra longe, mas eu estou aqui. Só consigo escrever agora, porque me escondo de meu ”amo” (como ele quer que eu o chame) porque estou me escondendo dele, Baltazar Fernandes é seu nome, ele mesmo me sequestrou e não quero passar mais um minuto nessa casa com ele.

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BRUNO de Magalhães MOIA


Encontro Inesquecível

Jardim Botânico de Sorocaba

Ontem foi meu casamento com a minha amada, querida e linda Claudia. Há sete anos, estava na festa de um amigo meu chamado Victor, era uma grande festa, havia aproximadamente trezentas pessoas naquele salão gigante. Foi um festão, mas duas coisas aconteceram nessa festa, uma coisa foi ruim e outra coisa foi boa. A coisa ruim foi que na hora que estava na pista

dançando, eu tinha um copo de bebida na mão, e na hora que estava tocando uma música muito agitada, uma mulher linda esbarrou em mim e eu derrubei o copo de bebida na roupa dela. A mulher me olhou com uma cara daquelas que diz... “ai, eu vou te matar, cara”, então eu olhei bem para os olhos dela e ela olhou bem para os meus e nossos olhos ficavam brilhando. Então, pedi desculpa para a mulher desesperadamente: 49


— Moça, me desculpe, por favor, eu juro que não queria fazer isso, é que meu copo estava cheio, me desculpe, por favor!!! E a mulher não respondia, ela continuava olhando com aqueles olhos brilhantes para mim. Teve uma hora que ela até babou, mas ela ficou tanto tempo olhando para mim que eu até fiquei preocupado: — Moçaaaaa, você está bem? — Sim, sim, moço — respondeu a moça, olhando fixamente para o meu rosto. — Eu perguntei se você me desculpa?! — Desculpo, sim, eu sei que você não quis que acontecesse isso — esclareceu a moça. E eu bem cara de pau falei: — Obrigado por acreditar em mim, e parabéns, moça, você é linda demais! — Obrigada, mas lindo mesmo é você com esses olhos azuis, com essa simplicidade e simpatia. Você

quer dançar comigo? — interrogou a moça apaixonada por mim. E eu respondi: — É claro que eu quero, mas qual é seu nome? — Claudia, e o seu? — Osmar! Logo fomos para a pista de dança, eu olhava bem para o rosto dela e achava que já a tinha visto em algum lugar, mas estava enganado. Eu sonhei com essa mulher um dia antes de ir para a festa. Falei para a Claudia que estava apaixonado por ela, e ela, ao mesmo tempo, falou a mesma coisa para mim. Então nos beijamos, nos apaixonamos e namoramos por sete anos. Até que no dia dez de dezembro de dois mil e treze, perguntei se ela gostaria de se casar comigo. Claudia aceitou, marquei o casamento para o dia vinte e nove de maio de dois mil e quatorze, ontem, no Jardim Botânico de Sorocaba, que foi inaugurado no dia quinze de março de dois mil e quatorze. O casamento foi lindo, eu e Claudia reunimos duzentos 50


familiares naquele lugar cheio de flores, com aquele ventinho gostoso e com toda aquela lindeza. Na hora em que o padre perguntou se nós aceitávamos nos casar, eu e Claudia dissemos que sim chorando, então todos os familiares

bateram palmas e fomos para o aeroporto para fazermos nossa lua de mel que começa aqui em Paris, local onde estou contando esta linda e emocionante história.

Rafael Kalil Guimarães

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Lá Estava Eu Por Heloísa Dias Maciel Sena

Lá estava eu ...

Praça do Canhão, por Heloísa Dias

Lá estava eu, sozinha na praça que meu avô tanto adorava, na praça em que ele me levava para brincar, na praça em que comíamos algodão doce, na praça em que contávamos histórias, e que servia como refúgio para nós dois. Nesta praça, aconteceram muitas coisas das quais me lembro com saudade, inclusive episódios engraçados. Como na vez em estávamos sentados na mureta, chupando picolé de uva e, de repente, juntou um monte de abelhas para disputá-lo comigo. Meu avô ficou com o jornal espantando as abelhas, dizendo para eu terminar logo o picolé. Esse episódio acabou sendo lembrado em todas as reuniões de família. Uma das coisas de que eu mais gostava de ouvir eram as estórias da infância dele, uma realidade que infelizmente não é a nossa. Ele contava como era bom brincar sozinho com os amigos nas praças e terrenos vazios do bairro. Nos dias de hoje, é estranho pensar em pais deixando os filhos fazerem isso, mas segundo meu avô, era isso mesmo que acontecia naquela época. Conheci o que para mim era outro mundo, onde todos se conheciam e a infância era passada na rua jogando bola, queimada, brincando de esconde-

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esconde e voltando para casa somente quando a mãe chamava para tomar banho, jantar e dormir. Se eu parasse para contar todas as artes de moleque que vovô aprontava, teria que escrever um livro. Mas não era somente sobre a infância de antigamente e molecagens que aprendi com ele. Também teve aquela vez em que meu avô me contou que o nome verdadeiro da praça de que tanto gostávamos não era Praça do Canhão não, era mesmo Praça Arthur Fajardo, Arthur igualzinho ao nome dele. E então a aula começou porque perguntei de onde tinham vindo os canhões que estavam na praça. O “professor Arthur” explicou que eles foram fundidos na Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, a primeira siderúrgica brasileira, e que foram instalados a pedido de Rafael Tobias de Aguiar, na época da Revolução Liberal de 1842. Mas como Caxias chegou a Sorocaba às 9 horas da manhã e encontrou a cidade deserta, não houve derramamento de sangue e os canhões não foram usados. Gostava tanto dele e tenho certeza de que ele também gostava muito de mim. Na verdade, teve uma vez em que ele falou que eu era sua neta favorita entre todos os cinco primos. — Gisele — chamou minha mãe, me tirando do meu mar de pensamentos — vamos embora. Não queria ir embora, não queria deixar aquelas memórias para trás, queria ficar lá para sempre onde a saudade era menor, onde ele estava em todo lugar para não me deixar esquecer das coisas boas e engraçadas que já vivemos. — Vamos, Gisele! — gritou minha mãe, já se levantando da mureta em que estava sentada. Lá estava eu, indo embora da praça que meu avô tanto adorava, onde nós nos divertíamos. Sinto tanto a sua falta, vovô, queria que o senhor estivesse aqui comigo.

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Lembra-te do nosso primeiro Lembra-te do nosso primeiro passeio?

passeio?

Estátua de Baltazar Fernandes em frente ao mosteiro de Sorocaba Paulo Bossola Neto

Depois de um longo dia de trabalho, cheguei em casa, tirei o sapato, liguei a televisão e me deitei no sofá. Logo observei no comercial de uma agência de viagens sobre um passeio turístico por cidades históricas do Brasil. Achei muito interessante e rapidamente peguei um papel e uma caneta de cima da minha humilde mesa, anotei o telefone da agência e coloquei-o em cima da mesa. Naquela hora, eu estava com muita fome, corri para a cozinha e fui cozinhar o ovo e esquentar a farofa. Olhei pela janela e vi uma moça muito linda caminhando, aqueles saltos altos e vermelhos, com aquela saia e a camiseta inteira branca e bordada e também aqueles cabelos loiros e cacheados que reluziam como ouro. Meu coração não resistiu, disparou como um foguete: — Aaaaah, se eu pudesse descer lá embaixo desse jeito, todo suado e com o cabelo todo desgrenhado, e conversar pelo menos um pouco com ela. Foi o que eu fiz, peguei meu casaco, calcei o tênis e corri para pegar o elevador, mas a porta não abria. Tentei, tentei e ela não abria e então pensei: “aquela ‘belezura’ já deve ter ido embora”. Mas eu não desisti, abri a porta da saída de emergência e desci as escadas como um jato, fiz um sinal ao porteiro do prédio, que logo abriu o portão e eu saí correndo atrás da linda moça que eu havia avistado. Ela não estava lá, então virei a esquina e eu a avistei, saí em disparada atrás dela, mas logo que ela avistou um homem desconhecido correndo em disparada, ela saiu correndo. Vocês sabem como são as ruas de São Paulo, você não pode ver 54


alguém desconhecido andando que já bate um certo medo. No final perdi a garota, não a alcancei, droga!!!! Quando voltei ao apartamento, o ovo tinha estourado e a água quente transbordara, a farofa tinha esquentado demais e no final até perdi a fome. Fui direto para a cama dormir. Meu Deus, era impossível dormir pensando no fato ocorrido, naquela moça tão linda. Acordei com aquele despertador infernal, eram 7h de uma terça-feira, mais um dia de trabalho. Tomei café da manhã, pão com geleia, leite, fruta e uma pílula de vitamina D. Me vesti, peguei três ônibus e então cheguei na clínica veterinária. Começaram a chegar clientes com aqueles cachorros latindo sem parar, aquela “muvuca”, quase surtei, até que a porta abriu e aquela moça apareceu com seu cachorro,um pastor alemão que tinha séria inflamação na barriga. Eu não quis lembrá-la do fato ocorrido no dia anterior. Eu perguntei o nome dela, era Mariana, que nome lindo, um nome tão lindo para uma pessoa tão linda. Perguntei qual era o problema com seu cão, ela falou que o cão tinha uma inflamação na barriga e que nenhum veterinário conseguira medicá-lo corretamente para curá-lo. Então peguei o cachorro e analisei o problema. Falei que o cachorro teria que passar por uma cirurgia, mas para ela fiz a cirurgia de graça, pois falei que ela era muito bonita. No final da cirurgia, falei que o cachorro estaria bem depois de uma semana, ela ficou muito agradecida e me convidou para sair depois do trabalho, às 20h no Parque Central, concordei imediatamente. Saindo do trabalho, me vesti, passei um perfume cheiroso e fui ao Parque Central me encontrar com ela. Chegando lá, eu logo a avistei, estava linda. Mariana me agradeceu e falou que o cachorro estava melhorando, então falei para nós irmos tomar um sorvete. Imediatamente ela concordou, dava para perceber Mariana estava apaixonada por mim e eu por ela. Quando compramos o sorvete e nos sentamos no banco, eu tomei coragem e falei: — Mariana, minha linda, você quer namorar comigo? Mariana ficou calada por um instante, mas falou: — Sim, é claro que sim!!! Ao cair da noite, ainda estávamos no parque, mas estávamos nos despedindo para irmos embora. Nos despedimos, cada um tomou seu rumo, cada um para sua casa para nos vermos no dia seguinte. Depois de um mês de namoro, decidi fazer aquela viagem do anúncio do jornal. Liguei para o número que tinha anotado e programei a viagem para nós dois. O bom que ela era dali a dois dias. Conversei com Mariana, ela adorou, falou que iria ser interessante e ia ser bom para a nossa cultura. No dia da vigem, fizemos a mala e fomos para o aeroporto para irmos para Minas Gerais. O voo durou 4 horas, ficamos um dia numa cidade do interior e estudando sobre a origem daquela cidade foi muito bom. Logo no dia seguinte, fomos para uma cidade no interior de São Paulo chamada Sorocaba e fomos visitar uns monumentos da cidade, também foi muito legal. Ficamos mais 5 dias viajando pelo país e aprendendo sobre sua história. Quando 55


chegamos de volta, perguntei a Mariana de qual história e de qual cidade ela tinha mais gostado e ela respondeu: — Eu gostei bastante de quando fomos para Sorocaba e visitamos a estátua do bandeirante Baltazar Fernandes. Então eu assumi para ela que na explicação da história de Sorocaba, eu não tinha prestado muita atenção, pois eu estava com sono e perguntei se ela não podia explicar para mim. Rapidamente ela respondeu: — É claro que sim, meu amor, ela é assim: Pelos ramais do Peabiru (o caminho indígena transulamericano), percorreram os paulistanos à caça de índio para escravizá-lo. Assim, entre os "caçadores", estava Baltazar Fernandes, que ganhou esta região em forma de sesmaria. No ano de 1654, o bandeirante Baltazar Fernandes mudou-se para a região onde hoje se situa Sorocaba e ali mandou construir a primeira igreja, em honra de Nossa Senhora da Ponte. Para incentivar a povoação, Baltazar Fernandes doou à igreja uma grande gleba de terra, oferecida aos monges beneditinos de Santana do Parnaíba, com a condição de que construíssem um mosteiro e abrissem uma escola. E assim foi feito, os monges construíram o mosteiro e cuidaram da instrução dos moradores do povoado. Em 1661, estando o Governador Salvador Correa de Sá e Benevides em São Paulo, Baltazar Fernandes requereu-lhe a elevação de Sorocaba à condição de Vila. A elevação foi requerida a 2 de março e, a 3 de março, foi concedida por despacho do governador. Assim, o Pelourinho que se encontrava na localidade de Itavuvu (hoje distrito de Sorocaba), foi transferido para a nova Vila. Entendeu? Eu fiquei surpreendido com a esperteza dela e respondi que sim. Durante a tarde, os pais de Mariana, que moravam no nordeste, ligaram em sua casa dizendo que sua tia não estava muito bem, ela estava com câncer e que Mariana tinha que voltar para o nordeste para ficar com a tia e a família. No dia seguinte, ela me contou o que tinha acontecido. Eu chorei muito depois da notícia e do rompimento do nosso namoro. Quando Mariana partiu, eu passei a viver a vida chata e triste que eu tinha antes e nunca mais ela veio me visitar.

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Nelson e SEU NETO Nelson e seu neto

Mosteiro de São Bento , Baltazar Fernandes

Nelson e seu neto Ramon estavam andando por Sorocaba quando o garoto avistou uma estátua em homenagem a um tropeiro chamado Baltazar Fernandes, que havia fundado Sorocaba em 15 de agosto de 1564. O que Nelson escondia do neto era que Baltazar era o avô de seu bisavô. Então Ramon pediu ao avô que contasse a história de Baltazar e por que tinham colocado uma estátua em sua homenagem. — Pois bem — afirmou Nelson — irei contar a você a história desse grande homem que viveu bem aqui em Sorocaba. Então Nelson fechando os olhos e começou a lembrar. “Tudo começou há 359 anos, em um pequeno território onde muitos tropeiros vinham de várias regiões do Brasil, pois aqui havia uma feira muito famosa. Nessa feira, você podia encontrar tudo que você precisasse, como por exemplo, alimentos, animais, roupas... O famoso tropeiro nascido em São Paulo, Baltazar Fernandes, passava muito por aqui, quando ia embarcar em suas viagens pelo sertão brasileiro. Buscava índios no Rio Grande do Sul e também no Paraguai.” Ramon perguntou a seu avô, interrompendo-o: — Vô, como o senhor conhece tanto sobre esse homem? — Bom, Ramon, Baltazar Fernandes foi um parente distante de minha família. 57


— Mas, vô, por que você nunca contou para mim? — Nunca contei, pois achei que não acreditariam em mim. Então Nelson começou a contar para Ramon a história do porquê de a estátua estar ali em sua homenagem. “A estátua está ali, pois Baltazar Fernandes foi um cidadão emérito e além disso foi o responsável por estarmos aqui nessa cidade maravilhosa que é Sorocaba.” Então Ramon, com os olhos encantados, sussurrou ao avô: — Amanhã na minha escola irei contar aos meu colegas que eu tenho um vô que é parente do fundador de Sorocaba!!! — Só não se esqueça de contar ao seu pai e sua mãe. Então Ramon voltou para casa com muitas histórias para contar.

Matheus cato FERRAZ

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O FOTÓGRAFO

VICTOR NASCIMENTO QUEIROZ

Jardim Botânico Irmãos Villas Bôas

Eu estava passando pelo jardim Dois Corações, a caminho do trabalho chato que na época eu exercia, quando me deparei com um grande Jardim Botânico, justamente numa área em que, quando era criança, me divertia com meus amigos. Nós costumávamos jogar queimada, bola de gude, futebol, entre outras antigas brincadeiras. Não consegui me concentrar no escritório (era advogado), isso Euporque estava não passando jardim Dois Corações, a caminho do trabalho paravapelo de pensar no grande jardim feito. Quando saí, fuichato direto que na época eu exercia, quando me deparei com um grande Jardim Botânico, até lá para saber mais sobre o lugar que costumava ser uma rua sem saída justamente numa área em no que, quando era parque criança,que me uma divertia compoderia meus e que se transformara mais divertido criança amigos. Nós costumávamos jogar queimada, bola de gude, futebol, entre querer. outras antigas brincadeiras. 59


Ao chegar ao estacionamento, deparei-me com uma cancela que tinha um grande botão vermelho escrito: “Abrir” e outro verde: “Informações”, apertei o verde e então a máquina começou a informar: “Jardim Botânico Irmãos Villas Bôas. Inauguração: 15 de março de 2014, área de 70 mil metros quadrados, mais de 200 espécies de plantas. Aproveite o momento!” Logo em seguida, apertei o botão vermelho e entrei. Era um lugar sensacional para um estudante de plantas, eu segui o conselho da cancela e aproveitei cada foto, porém logo escureceu e fui para casa. No dia seguinte, um sábado, acordei às 7 horas da manhã, tomei o café e já dirigi até o “Irmãos Villas Bôas”. Tirei muitas fotos até encher meu celular, voltei para casa e peguei minha câmera, fui ao jardim, tirei mais fotos. Eu não sabia o nome das plantas, mas achava que toda foto ficava boa com aquela paisagem. Minha rotina se tornou essa: saía do trabalho, ia ao Jardim, dormia, acordava, ia ao Jardim, trabalhava... e assim foi por dias, semanas e meses. Com o tempo, acabei forçando minha saída do escritório mais rápida, comecei a realmente gostar do meu momento fotógrafo, mas eu queria ir além. Numa tarde de sábado, dia 17 de novembro, decidi postar minhas fotos na internet. O site se chamava Plantas diferentes de Sorocaba. Me senti muito bem, mas não tão bem quanto uma semana depois quando, enquanto estava no trabalho, meu telefone tocou: — Alô. — João de Ferreira é quem fala? — perguntou bem animado o homem.

— É o próprio – respondi — Quem fala? — Eu represento a Facfoto, aqui de São Paulo, é... eu gostaria de saber se é o senhor que tira as fotos do site Plantas diferentes de Sorocaba? — Sim! Por quê? — eu já estava empolgado. — É que nós queremos saber se você teria o interesse de dar 60


aulas de fotografia por aqui. Não tive dúvida em responder que sim. Vendi o escritório e meu apartamento e, com o dinheiro, comprei uma casa em São Paulo. Fui até a Facfoto, o lugar era um paraíso, havia fotos em todas as paredes, havia vários setores como, por exemplo: — História da fotografia — Luzes e efeitos de sombra — Fotografias Urbanas — Paisagens naturais Mas o que eu fui dar aula era a “Fotografia em prática” e o título pareceu perfeito, pois eu me sentia o homem mais feliz do mundo. Um ano depois, já havia me familiarizado com todos os tópicos que envolvem o mundo da fotografia e assim passei a ser realmente um homem mais feliz.

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O grande primeiro herói

Monumento a Baltazar Fernandes

Em uma cidade que ainda iria ser inaugurada por seu fundador Baltazar Fernandes, em uma fração de segundos o povo ali perto esperou a fumaça abaixar e viram uma cratera enorme e insetos brilhantes. Começaram a sair correndo e gritando. Os insetos corroíam as pessoas, mas Baltazar Fernandes, ao correr, deparou-se com um objeto e o pegou. Os insetos o cercaram, e ele ativou o objeto, que despejou um raio verde que liquidou com eles. Aliviado. Baltazar foi embora. Ao pôr do sol, as pessoas se reuniram e conversaram até que tiveram uma conclusão de que aquilo fora um ataque de aliens. Baltazar se revelou e sugeriu: — E se reuníssemos todas as nossas armas e fôssemos ao ataque?

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— Quem é você? — perguntou uma senhora entre todos. — Eu sou Baltazar — disse com clareza. Votaram e decidiram reunir todas as armas. Armados bolaram um plano, mas em um momento, um jovem apareceu e falou, ofegante: — Achei a base deles, senhor. — Mostre-nos, por favor — falou seriamente Baltazar. — Mas é claro, senhor — disse com um ar de certeza. — Vamos logo — falou com animação. — Vamos então. Dez dos melhores e mais experientes homens foram. Ao chegar lá, espionaram de longe para não causar um confronto direto, pois estavam em menor número e em desvantagem bélica. Voltaram à vila e armaram uma emboscada, mas os aliens foram mais espertos e os atacaram primeiro, foi muito horrendo, o ataque foi bruto. Após o ataque, todos ficaram com medo de sair na rua, pois não queriam morrer ou serem caçados feito animais, mas Baltazar reuniu vários homens e falou: — Vamos ao ataque! — Não! — gritou o povo com raiva. — Mas temos que ir, se não morreremos ou viraremos escravos. — Então vamos. — Claro, avise a todos que o ataque será na calada da noite de amanhã. Todos foram se preparar até a hora chegar. Depois de algumas horas, chegou a hora esperada por todos. Alguns desistiram, mas outros permaneceram esperando o comando de Baltazar, com vestes brancas e avermelhadas, armas pistolas, rifles, bombas, dinamite, entre outras. Baltazar chegou e disse: — Homens, não garanto que voltaremos vivos, mas vamos voltar com a honra de lutarmos. — ÊÊÊÊÊ!!!!! Uhhuuuuuuuuuuu!!!!! — aclamou o povo com felicidade. — Acendam suas tochas e vamos! — conclamou Baltazar — Estão todos prontos? — Sim! — respondeu em uníssono a multidão que o acompanhava. — Então vamos! Atacar!!!! Todos foram bravos com honra. Chegando lá, eles espionaram por horas e horas e estavam cansados de esperar. Muitos caíram no sono, pois não aguentavam mais esperar. Baltazar ficou parado, não se mexia por nada, então ele disse:

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— Ei! — Oi? — Fala baixo! — Desculpa... — Escutem bem, pois falarei uma vez só. — Claro — falaram com clareza. — Pelo que percebo, nossos inimigos captam movimentos, por isso sejam espertos, não corram, andem bem devagar, devagarzinho. Sua audição é muito boa, mas eles não veem muito bem. — Vamos logo! — Fique calmo! — Está bem! Então, está esperando o quê? Vamos! — Isso aí! Eles foram bem devagar, lentamente, para não fazerem barulho. Chegando, mataram três aliens e vestiram a roupa deles para se disfarçar. Os três entraram e os outros esperaram o sinal. Após alguns minutos, os três deram o sinal e explodiram a base, falando: — Corram, corram! — Baltazar, cuidado! — Não, Baltazar!!! — Nããããão!!!!!! Muitos morreram, mas pela honra de uma cidadezinha chamada Sorocaba, para onde poucos voltaram. No dia seguinte Macleine, que passou a liderar o grupo após a morte de Baltazar, falou em tom bom: — Meus amigos, irmãos e irmãs, hoje inauguramos esta estátua de Baltazar Fernandes, grande homem que nos salvou! Pedimos minuto de silêncio em sua memória. — ... — Jack! — O quê? — Eu dou a cidade a você, que tome conta dela como Baltazar fez. — Sim. — Então está bem. — Adeus. — Aonde você vai? 64


— Vou caminhar por uns tempos. — Então adeus. — Adeus. Macleine caminhou por 149 dias, mas morreu a caminho de casa. Já o pessoal da cidade viveu tranquilo o resto de suas vidas.

PEDRO HENRIQUE TEIXEIRA DE MORAES FREDERICO

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O mendigo premiado

Era mais uma manhã qualquer na Praça do Canhão, o morador de rua José estava dormindo, quando ouviu uma moça dizendo: — Eu vou comprar aquela bala até eu achar o bilhete premiado. — Eu também, nem que eu precise comprar todas da loja, eu quero muito ganhar o prêmio de cinquenta milhões de reais — respondeu um garoto, entusiasmado. Os dois foram se afastando, deixando José sonhando com o prêmio. Ele queria muito achar o bilhete premiado, então decidiu ir até o barzinho mais próximo. Chegando lá, logo perguntou: — Eu queria comprar a bala premiada. — Está aqui, custa vinte e cinco centavos. — respondeu o vendedor. — Obrigada — disse o mendigo, logo abrindo o papel da bala. Era uma embalagem vermelha, com alguma coisa escrita que José não conseguia entender, ele nunca teve a oportunidade de ir para escola, era analfabeto. Mas não tinha nada, a não ser uma bala, o que deixou José muito desanimado. Ele voltou para o local onde dormia, deitou-se e logo dormiu, sonhando com o bilhete. O sol já estava saindo, o homem logo se levantou e foi ao semáforo mais próximo, na tentativa de conseguir alguns trocados, para comprar mais uma bala. Depois de mais ou menos meia hora, conseguiu algumas moedas e foi para aquele barzinho. Meio desanimado, disse: — Oi, eu voltei, quero três daquelas balas, por favor. O balconista entregou as balas, José pegou todas e atravessou a rua, voltando para a praça. Sentou em um banquinho e rapidamente começou a abrir as balas. A primeira não tinha nada, a segunda também não, já a terceira tinha um brilhante bilhete dourado. José mal podia acreditar, estava muito feliz, voltou para o bar para pedir para o vendedor ler o que estava escrito para ele, atravessou a rua cantarolando: — Ganhei, ganhei, ganhei, o bilhete premiado, ganhei, ganhei!

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O mendigo pediu gentilmente para o homem ler aquelas palavras que estavam escritas no bilhete, em um tom alto. O homem falou: — Você é o grande vencedor, parabéns, você achou o bilhete premiado, retire seu prêmio na lotérica mais perto. Correndo, o morador de rua foi para a lotérica mais próxima e, chegando lá, logo ganhou um envelope dourado. José se sentou na calçada e abriu o envelope. Era tanto dinheiro que ele mal conseguia acreditar que tudo aquilo era dele, guardou o envelope no bolso. Voltando para a Praça do Canhão, viu várias câmeras e repórteres que estavam esperando pela chegada do grande vencedor do bilhete dourado. — O que você pretende fazer com o prêmio? — perguntou uma repórter, colocando o microfone próximo a José. — Como está se sentindo? — perguntou outra repórter. Eram tantas perguntas, o homem nem queria respondê-las, quando ouviu uma pergunta que lhe interessou: — Você vai continuar morando nessa praça mal cuidada e feia? — Essa praça não é mal cuidada, muito menos feia, ela representa muito para essa cidade, essa é a Praça Arthur Fajardo. Esses canhões que você está vendo foram instalados em 1842 e nunca chegaram a ser usados. Não, eu não vou continuar morando nessa praça, mas pretendo morar em uma região próxima e continuar visitando esse lindo local. José logo estava em vários noticiários, morando em uma humilde casa, próxima à Praça do Canhão, levando uma vida de um rico muito generoso e humilde. Cinco anos depois, casou-se com uma veterinária, construíram uma família. Eles ainda têm muito dinheiro, mas não são nem um pouco metidos, José tem uma grande empresa e está vivendo melhor do que nunca sonhou em viver.

LUCCA ZUNIGA CONTE

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O segredo da minha infância

Catedral de Sorocaba

Quando eu era criança, eu adorava brincar nos arredores da igreja que existia perto da minha casa. Não sei exatamente por que, mas eu me divertia. Todo dia era a mesma coisa: eu ficava brincando até a missa das sete horas acabar e, quando todos saíam, perto do meio dia, eu entrava na igreja, conversava com o padre, que era amigo da minha mãe, rezava do meu jeito meio estranho, já que eu não sabia fazê-lo direito e, quando a próxima missa começava, eu ia embora, para almoçar e ir à escola. Certo dia, quando entrei na igreja, vi uma moça na casa dos 35 anos de idade, sentada em uns dos bancos. Quando me viu, ofereceu-me um sorriso gentil, porém, de certa forma, triste, e isso despertou em mim uma curiosidade sobre a vida da mulher, afinal, sempre fui um jovem curioso. A partir daquele dia, sempre que podia, observava aquela mulher, como se achasse que olhá-la me traria respostas sobre o porquê de ela sempre parecer tão triste e solitária. Ela era portadora de uma beleza inegável, apesar das poucas rugas e olheiras chamativas, tinha olhos castanhos, uma pele morena assim como os cabelos, podia-se, também, perceber os traços cubanos em seu físico. Os anos foram passando, e eu fui crescendo, mas nunca deixava de brincar pelos coqueiros e prédios ao redor da igreja e, claro, de observar aquela mulher, mas nunca cheguei a trocar uma palavra sequer com ela, não me pergunte o porquê. Mais alguns anos se passaram, e as brincadeiras já eram parte do meu passado, pois tinha dezenove anos, e não era mais criança. Tive que me mudar da minha pequena cidade para São Paulo, ou seja, não via mais a mulher. 68


Assim, mais dois anos se sucederam, mas, por algum motivo, nunca me esqueci da mulher. Me perguntava, na época, o porquê da minha curiosidade perante essa senhora. Hoje sei que ela despertava esse fascínio, pois era uma das únicas pessoas na minha cidade que pareciam portar um passado doloroso. No verão de 1990, fui visitar meus parentes em minha terra natal e, ao passar pela igreja que tanto marcara minha infância, vi aquela senhora novamente, porém, era evidente que sua vida havia melhorado, pois sua aparência e seu sorriso a denunciavam. Por algum motivo, isso me alegrou o suficiente para ter aquela sensação de “meta concluída”, como se, de alguma forma, isso “encerrasse” um dos mistérios da minha infância. Após esse dia, toda vez que voltava à minha cidade e passava em frente à igreja, sorria, como se ela guardasse um segredo valioso, o segredo da min ha infância.

Anna Helena de Oliveira Mariucci

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Por trás de Baltazar

E

ra a volta às aula e Mariana estava de volta à sua rotina. Naquele ano, estudaria no período da tarde, já estava cansada de passar a tarde toda no colégio. Mas era o único jeito que ela tinha, pois afinal, ela fazia a faculdade e não teria outro período a não ser o da tarde. Onze e meia, a jovem foi se arrumar para ir à escola. Meio dia e meia saiu de casa preparada para passar a tarde na faculdade. Chegando lá, notou algumas presenças novas, além daquelas que ela já conhecia do colégio. Mas apenas um dos quatros meninos novos chamou atenção da garota. Era Robson, um garoto que vinha de uma escola vizinha. Ele olhou para ela com o mesmo afeto com que ela também olhou. E nisso, a garota sentiu um afeto muito grande pelo colega de classe. Como Mariana era uma pessoa muito carismática, foi até a cadeira em que o menino estava sentado, quieto, observador e então perguntou Baltazar Fernandes - Praça Mosteiro de São Bento seu nome. O garoto, envergonhado, então respondeu: — Robson. Ela então sorriu para ele, dizendo que ele podia se sentar perto dela para não ficar sozinho. Ele agradeceu e assim seguiu Mariana. Os outros garotos de classe que também conheciam a jovem, também começaram a 70


conversar com o novo colega de classe, que então passou a ter a amizade deles. Os dias se passaram, e essa amizade ali crescia. Ele jogava bola com os outros garotos e ela sempre torcia pelo time em que ele jogava. Um dia, ela criou coragem e falou para ele: — Você quer ir ao cinema comigo? — Claro! Mas a que horas eu te pego em sua casa? — Pode ser às oito! Vamos assistir ao filme das nove! — Ok. Então eu te pego na sua casa para sairmos às oito! À noite, antes de sair, a jovem, enquanto se arrumava, perguntou para a mãe: — Mãe, o que você fez para conquistar o papai? — Eu era amiga de faculdade dele, daí eu o convidei para assistir a uma peça de teatro, mas não lembro qual era o nome. Mas uma peça muito romântica, quando foi a parte que o homem conquista a mulher, eu virei para ele e lhe dei um beijo. Foi surpresa para ele. Daí começou tudo, eu comecei a namorá-lo, até ele me pedir em casamento. Foi o dia mais feliz da minha vida. Eu aceitei, nossa lua de mel passou por Paris, Londres, Nova York e, por último, Sorocaba, visitamos a estátua de Baltazar Fernandes, na frente do mosteiro de São Bento, local em que a minha mãe e eu nos casamos. Após a mãe lhe contar, ela terminou de se trocar e foi para o cinema com o amado. Quando estava no carro, Robson lhe perguntou: — Por que você me convidou para vir ao cinema? — Estava todo mundo ocupado, e então resolvi te convidar! — Tudo bem! Só era curiosidade! Quando chegaram na sala de cinema, não aconteceu nada, saíram de lá amigos, como sempre. Quando ela ia pôr um “pé à frente”, ele mudava de assunto. A menina chegou em casa super triste, chorando aos prantos. Sua mãe chegou perto e falou: — O que aconteceu!? Ele te magoou? — Não, mãe, mas quando tentava beijá-lo, ele mudava de assunto, não sei se foi por querer! — Mas ainda é o seu primeiro encontro com o rapaz, no próximo você consegue! É só acreditar! Por que não o convida para... não sei... um restaurante? 71


— Ótima ideia mãe, amanhã o convido! No dia seguinte, a menina mal conseguiu falar com ele, mas o rapaz falou: — Ontem foi bem legal, você não quer ir a um restaurante comigo? A menina ficou muito feliz, mal conseguiu falar... Um... Dois minutos sem falar nada...Quando conseguiu falar, respondeu: — Ló... Ló... Lógico que eu quero! — Ok! Te pego em sua casa às oito! Saiu saltitando do colégio de felicidade. Chegando em casa, sua mãe lhe perguntou o que havia acontecido no colégio. A menina respondeu: — Ele nem me deixou falar e já foi perguntando se eu gostaria de ir ao restaurante, falando que foi super legal a minha companhia no cinema, ele adorou! — Que bom, filha, agora você vai conseguir pedi-lo em namoro! Tenho certeza! À noite, no restaurante, começaram a conversar. Estavam conversando sobre as tarefas e etecetera. Após um tempo, Robson já puxou uma conversa meio “sentimental”, até uma hora que ele falou: — Eu te amo. E beijou a menina com muito gosto. Após isso, ele perguntou: — Quer namorar comigo? Eu te amo... — e retirou uma aliança de seu terno. — Sim... Eu te amo... Foi por isso que te convidei para ir ao cinema. Os anos se passaram e começaram a namorar, indo para vários encontros juntos, como para a restaurantes, praças, cinema, teatro, zoológico, tudo... Já tinham até o casamento marcado. Até o dia em que Mariana recebeu uma notícia horrível. Sua mãe havia morrido, levara um tiro de bala perdida. Ficou muito triste, tentou até cancelar o casamento, mas não consegiu, amava demais Robson. Então para a surpresa dela, Robson desmarcou o casamento deles e marcou no Mosteiro de São Bento, local onde a mãe de Mariana e sua avó haviam casado. Na véspera do casamento, Robson contou a ela que havia marcado o casamento deles para acontecer no Mosteiro, ela ficou chocada, aos prantos, dizendo obrigada. 72


O dia do casamento chegou, foi lindo... Mas o quanto ela chorou... Uma bela cerimônia, com vários convidados. Estavam casados. Uma semana depois do casamento, estavam muito felizes, foram para a frente do Mosteiro de São Bento, e Robson falou: — Uma geração da sua família no Mosteiro de São Bento, está feliz? — Sim, consegui o que eu mais queria... Você! — Eu também! Você conhece a história dele? — perguntou, apontando para a estátua de Baltasar Fernandes. — Não! Como é? — O bandeirante Baltazar Fernandes foi fundador e dos primeiros povoadores de Sorocaba. Ele nasceu em São Paulo e cresceu em Santana de Parnaíba. Por volta de 1654, Baltasar edificou casa à beira do Rio Sorocaba e na colina a capela de Nossa Senhora da Ponte. Baltazar queria que Sorocaba deixasse de ser um povoado e virasse uma vila, o governador atendeu o seu pedido. — Nossa! Muito interessante! — E você sabe pra onde está virada a cabeça da estátua!? — Não, para onde? — Pro rio Sorocaba! — Que legal! Não havia pensado nisso! Depois disso, Mariana e Robson tiveram dois filhos e viveram felizes!

Marcelo Henrique Bassi AYRES ferreura

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Sempre unidas: a última aventura

Jardim Botânico Sorocaba

Duas garotinhas brincavam no Jardim Botânico, correndo de lá pra cá, fingindo que eram exploradoras, procurando novas aventuras. — Lily, veja o que eu achei! Uma espécie de planta nunca vista antes!! — disse Zooey, correndo na direção de sua amiga. — Nossa! Que legal!! Como vamos chamá-la? — Que tal...Padius! — Por que Padius? — Porque parece nome que adultos cientistas dão pras plantas. — Adorei!!! sorridente.

falou

Lily

As meninas continuaram brincando até que suas mães se aproximaram. — Lily, vamos! — disse Amélia, mãe de Lily. — Mas já? — respondeu a menina em um tom choroso. — Sim, já está tarde! E a mamãe ainda tem que passar no supermercado. — É, vamos indo também, Zooey — comentou Helena, mãe de Zooey. — Tá bom... sem problemas, Lily, pode ir, eu também vou, final de semana que vem a gente vem de novo para brincar mais, né, mãe?! —disse Zooey, indo para o lado de sua mãe. 74


— Claro que sim, filha. As duas garotinhas deram um abraço muito apertado uma na outra e depois um beijinho na bochecha e foram embora. As duas eram muito próximas, conheceram-se quando o Jardim Botânico fora inaugurado em Sorocaba, onde elas moravam. O local abriga uma área de aproximadamente 70 mil metros quadrados, então elas brincavam muito, corriam muito e se divertiam muito. Esse jardim foi feito para o lazer, desenvolvimento de pesquisas acadêmicas, educação ambiental e preservação do meio ambiente, além de ser um novo espaço ecológico com o objetivo de trabalhar com as espécies locais e regionais da flora. Mas o que elas mais gostavam nele era os variados tipos de plantas. Os anos foram passando e cada vez mais próximas elas ficavam, eram praticamente irmãs. Quando elas tinham 15 anos , saíam juntas todos os finais de semana, trocavam mensagens e ficavam falando no telefone o dia inteiro. Elas já tinham vários planos para o futuro, e claro, juntas. Zooey estava deitada em sua cama lendo um livro quando ouviu o seu celular começar a tocar, e vendo que era o número de sua amiga, atendeu. — Zooey! — Eu! — Eu queria conversar com você hoje...a gente pode se encontrar no lugar de sempre? — Claro, que horas? — 15 horas?

—Ok! Vou ter que desligar. Beijos. — Ok, beijos. O mesmo lugar de sempre era o trilho do trem que tinha sido interditado. Como as duas moravam razoavelmente perto, dava para irem a pé. Quando eram 3 da tarde, as duas já se encontravam nos trilhos, mas Lily não estava alegre como sempre. — O que aconteceu? perguntou Zooey assustada.

— Zooey, eu vou mudar pra Inglaterra. — Você o quê? — Meus pais querem mudar pra lá. — Por quê? — Por causa do emprego do meu pai. Ou era isso, ou era não ver o meu pai pelos próximos 3 anos, então minha mãe decidiu que a gente iria junto com ele. — Não pode ser! Eu não quero que você vá! Eu quero você aqui do meu lado! E quando você for? Com quem eu vou compartilhar os meus segredos? Com quem eu vou ficar brincando de explorador, que é realmente uma coisa muito infantil para a nossa idade, mas é uma coisa especial só nossa! Eu não quero que você vá! — choramingou Zooey com lágrimas grossas escorrendo de seus olhos. — Eu também não quero ir — concordou Lily, aproximando-se da amiga — mas a escolha não foi minha! E eu tenho certeza de que você vai fazer novas amizades.

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— Mas...ninguém vai ser como você! As duas se abraçaram e começaram a chorar, uma sentiria muito a falta da outra. — Você vai ter que ir mesmo, né?! — perguntou Zooey e Lily apenas assentiu com a cabeça — Jura que nunca vai se esquecer de mim? Que a gente vai se falar todo dia por mensagens ou chamadas em vídeo? E que a gente, mesmo longe, nunca vai se separar?

— Eu prometo, Zooey! Eu juro que nunca te esquecerei, eu prometo que falarei todo dia com você e que, mesmo longe, a gente nunca vai se separar! — prometeu Lily, sem tirar os olhos dos da amiga. —Essa vai ser a nossa última aventura como exploradoras... — anunciou Zooey tristemente. — Não, será o começo de uma nova aventura. Só que separadas.

ISABELLA MATEUS FAUSTINO SAPORITO

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Sombras de Baltazar Carolina Vianna Costa Federighi

Jardim Botânico – Sorocaba Foto: Maria Fernanda Magalhães Garcia

“B

altazaaar...Baltazaaaaar... BALTAZAR...” Naquela noite de julho, Baltazar Fernandes não conseguia mais dormir, ouvia vozes chamando seu nome sem parar. Baltazar abriu os olhos e chamou por sua esposa desesperadamente:

— Você ouviu? Você ouviu? — perguntou amedrontado. — O quê, Baltazar? — balbuciou Lúcia , sua esposa. — As vozes, as vozes estavam me chamando... — explicou.

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— Não ouvi nada... — respondeu, meio adormecida.

— Vou mandar açoitá-lo, seu negro atrevido! — berrou Baltazar.

— As vozes chamaram meu nome no meio da noite, agora há pouco... Não posso estar louco... — afirmou.

— Não adianta, senhor, eu sou um espírito... — explicou.

— Baltazar, desculpe, não ouvi absolutamente nada... Preciso ir dormir agora, amanhã será um longo dia, vá dormir também — acrescentou, indo dormir. Pela manhã, sentado à mesa, degustando tranquilamente seu café da manhã, um homem bateu à sua porta: — Senhor, me mandaram vir aqui, pois o senhor tem uma missão a cumprir — contou o escravo ofegante. — Quem é você? O que está fazendo em minha casa? — indagou Baltazar, surpreso com a visita inesperada, quando foi interrompido por sua esposa. — Com quem você está falando, Baltazar? O que está acontecendo? — interrogou sua esposa um pouco assustada ao ver seu marido falando sozinho. — Estou falando com esse pobre infeliz... — retrucou Baltazar enfurecido — Você não está vendo este pobre infeliz? Ele está dizendo que eu tenho uma missão importante a cumprir! — Cruz credo, seu Baltazarrr! Deve di ser “arma” penada, obra do Demo — vociferou a serviçal assustada, que por sua vez estava quase desmaiada. — CHEGA! Não quero ouvir mais nada! Vou trabalhar! Estou indo! — gritou enquanto saía. No caminho, foi interrompido inesperadamente pelo mesmo homem que havia dialogado com ele e assustado a serviçal: — Senhor Baltazar... Ninguém pode nos ouvir. Eu vim do mundo dos espíritos, o senhor TEM uma missão!

— Deve ser o calor que está queimando os meus miolos! Imagine, eu conversando com “assombração”! — declarou ele. — Eu insisto, senhor! Você tem uma missão, se não cumpri-la, será assombrado por espíritos iguais a mim pelo resto de sua vida, será internado por acharem-no louco — retrucou o vulto. Por um instante, Baltazar chegou a se convencer de que poderia realmente ser um espírito, mas em seguida, foi brutalmente interrompido no seu mais íntimo pensamento por um senhor de terno branco e bengala na mão: — Baltazar, estou aqui a contemplá-lo conversando com quem, senhor? — indagou o homem. — Como está passando, senhor Alfredo? — demandou, mudando de assunto rapidamente. — Mais ou menos, como Deus permite, há dias em que a dor não me permite uma bela noite de sono, outros dias amanheço melhor... Dá até para dar uma caminhada pela praça para ver uns amigos — Alfredo comentou sobre sua vida, esquecendo-se assim da cena que acabara de presenciar. Baltazar se despediu de seu amigo e continuou a caminhada. Melhor assim, pois em cidades pequenas, assuntos indesejáveis correm rápido demais. Caminhava tranquilamente quando foi interrompido por um bando de mulas correndo em sua direção, e um fazendeiro, que era dono das mulas, berrou: — Me ajudem! Peguem as mulas! Por favor! — gritou o fazendeiro desesperado. 78


Baltazar pegou uma das mulas, e as outras, por um milagre, pararam e voltaram para a fazenda. O fazendeiro, com um olhar alegre, aproximou-se de Baltazar, apertou sua mão, agradeceu-lhe, deu-lhe um mapa e sussurrou em seu ouvido:

E então, por um momento, Baltazar se questionou se aquele fazendeiro era um vulto também, assim como o escravo. Passado aquele momento, Baltazar inexplicavelmente decidiu se aventurar na jornada de fundar uma vila.

— Pode ficar com essa mula, agora que você já a tem, siga seu caminho e não esqueça sua missão, que é fundar esta vila que está no mapa.

Depois de um mês, no dia 15 de agosto de 1654, chegou na vila, que recebeu o nome de Sorocaba.

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Tesouro sem fim

Jardim Botânico Irmãos Villas-Bôas, Sorocaba- SP

Sábado: Eram exatamente nove da manhã quando Eliza me ligou, querendo saber onde eu estava e se eu não me importava mais com minha melhor amiga. No começo, eu não fazia ideia nenhuma do que estava acontecendo, até que eu lembrei: trabalho de ciências. Não o meu trabalho de ciências, este já estava pronto havia muito tempo. O da Eliza. O que ela tinha que entregar terça. O que a havia feito me ligar desesperada na noite de sexta perguntando se eu poderia ir ao Jardim Botânico no dia seguinte. Por algum motivo, eu concordara com ela. — Desculpa, meu despertador falhou. — eu murmurei no telefone,

mesmo que isso fosse uma mentira e eu nem tivesse um despertador — Eu vou tomar café e pedir para a minha mãe me levar. Eliza concordou, ainda chateada, e eu desliguei. Cerca de quinze minutos depois, cheguei ao Jardim Botânico. — Finalmente! — Eliza apareceu na entrada — Já estava achando que você não vinha. De qualquer maneira, preciso que você fotografe aqui fora enquanto eu faço anotações sobre as plantas. Concordei e comecei a fotografar. A primeira meia hora foi bem produtiva, mas depois as coisas começaram a desandar. Minha câmera estava ficando sem bateria e estava morrendo de sono. Sentei no pé da escada, ao lado de um vaso de rosas, desanimada. 80


Cerca de cinco minutos depois, enquanto olhava para o vaso, percebi um bilhete enterrado ao lado de uma rosa. Movida pela curiosidade e pelo tédio, puxei o pedaço de papel. Dizia: Se quiser encontrar o tesouro, procure pelo jardim quando a esperança tiver acabado. Spoiler: O tesouro é decepcionante. Sorri e voltei o papel para onde o havia encontrado. Provavelmente alguma excursão brincara de caça ao tesouro. Já me sentindo melhor, resolvi fotografar com meu celular e terminar tudo logo para poder voltar a dormir. Lá pelas onze, acabei de fotografar tudo e avisei para Eliza que mandaria as fotos por e-mail. Ela concordou, distraída com a pesquisa e eu voltei para casa. Dormi e fiquei no computador pelo resto do dia. À noite, pensei em como meu dia havia sido entediante e me lembrei do bilhete que encontrara, em como ele havia sido o ponto alto do meu sábado.

Domingo: Acordei após sonhar com piratas desenterrando tesouros e percebi que estava dando muita importância para um bilhete de excursão escolar. Mas não consegui evitar pensar em como nenhuma excursão faria uma caça ao tesouro e escreveria “spoiler” na pista ou em como eles recolheriam os bilhetes mais tarde. Depois de quase voltar ao Jardim Botânico, resolvi que seria mais produtivo ir assistir à TV com meu irmão. Assim que cheguei à sala, sem desgrudar os olhos do desenho que estava passando, ele me avisou: — Jane, algum amigo seu ligou e perguntou se você pode ir ao cinema com ele depois do almoço. — Que amigo? — perguntei, enquanto ia até a cozinha preparar uma tigela de cereal. — Eu não lembro direito, um tal de Ricardo. Voltei para a sala em uma velocidade surpreendente. — Tipo... Roberto? — perguntei, sentando ao lado dele. — Isso mesmo! Roberto, esse era o nome dele. Mudando de assunto, pode aumentar o volume pra mim, por favor? — eu fiquei parada, em silêncio — Jane? Qual o problema? Por acaso o Roberto é de quem você gosta? Olhei para ele, rapidamente soltando uma risada.

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— Por que essa é sempre a primeira opção, Sam? — suspirei, um pouco triste e um pouco cansada — E não, eu não gosto dele. Na verdade, eu estou realmente irritada com o Roberto depois que ele roubou meu trabalho de inglês. E agora ele vem me convidando para ir ao cinema como se ele não tivesse me feito pegar uma recuperação. Quando percebi que meu irmão não estava mais ouvindo, voltei para o quarto, resolvendo ignorar qualquer chamada, ouvir todas as músicas que pudesse e descer apenas para comer. Acabou por ser um dia bem enjoativo, mas pelo menos eu me esqueci temporariamente do pedaço de papel.

Segunda: Os acontecimentos do fim-de-semana se bagunçaram na minha cabeça durante a aula, principalmente por ter sido acertada umas cinco vezes por um bilhete do Roberto querendo conversar ou da Eliza querendo contar os resultados da pesquisa. Quando as aulas finalmente acabaram, os dois vieram falar comigo, cansados de serem ignorados. Um plano começou a se formar na minha cabeça. — Se quiserem conversar, apareçam no Jardim Botânico às três. E tragam a Karen. Os dois assentiram e eu liguei para meu pai avisando que precisava continuar a pesquisa da Eliza. Ele não pareceu muito feliz, mas concordou em me dar uma carona. Às três, todos nós estávamos lá. Karen parecia um pouco confusa e infeliz. — Ok, todos! — eu falei, enquanto andávamos até o vaso com a mensagem — Preciso que vocês procurem pelo jardim um tesouro. Com cuidado para não destruir as plantas, porque somos todos ecologicamente corretos. Eliza pode explicar para Karen sua pesquisa e Roberto pode me pedir desculpas. — Essa é a minha utilidade!? — Karen exclamou, enquanto Eliza começava a falar sobre quão legal seu trabalho estava — Não creio que aqui exista um tesouro, Jane. E eu tenho que sair daqui à uma hora, tenho balé para ir. Após afirmar que não pretendia levar mais de vinte minutos, comecei a procurar. Roberto ficou quase quinze minutos em silêncio, até que finalmente disse: 82


— Jane, sinto muito se fiz você pegar recuperação em inglês e blá blá blá. Agora, podemos ir ao cinema? Estreou um filme de menina que eu realmente quero ir ver. Estava prestes a dizer que tudo bem, até ouvir a última parte. — Como assim, um “filme de menina”? E por que eu ir assisti-lo com você melhora a situação? Ele não respondeu. Ao invés disso, saiu sem dizer mais nada. Ao ver que Roberto havia ido, Eliza e Jane também resolveram ir embora. Ninguém achou nenhum tesouro ou pista.

Terça: A aula passou lentamente, com destaque para a apresentação de Eliza. — O Jardim Botânico Irmãos Villas-Bôas foi fundado em quinze de março de 2014 e sua área é de 70 mil metros quadrados. Agora, vamos falar de cada tipo de planta... — Eliza proclamou teatralmente, para depois começar uma apresentação de vinte e seis minutos. Eu apresentei meu projeto de placas solares em cinco minutos e voltei a pensar no bilhete, em “filmes de menina” e em todas as pessoas que Roberto tinha ofendido em uma única frase. Não pude ir ao Jardim Botânico naquela tarde, já que tinha que fazer lição de casa e ir para minha aula de violino, mas esse assunto dominou meus pensamentos a tarde toda. Provavelmente escrevi “caça ao tesouro” e “mensagem” várias vezes nas minhas tarefas.

Quarta: Durante a escola, pensei na parte da esperança da mensagem. Achei que queria dizer que eu só encontraria se desistisse. Mas como poderia desistir de encontrar o tesouro se essa ação continuasse relacionada com como encontrar o tesouro? No intervalo, Roberto veio falar comigo: — Desculpe se eu fui ofensivo segunda. E, novamente, desculpe por ter roubado seu trabalho — sua voz era sincera dessa vez. — Vou te desculpar se me responder isso: Quem você ofendeu?

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Sua expressão era de pânico e eu podia enxergar as engrenagens de seu cérebro funcionando. — Hum, garotas legais e inteligentes como você, que não gostam de filmes melosos femininos? Virei-me e sai, sem falar nada ou olhar para trás. De tarde, voltei ao Jardim Botânico para continuar procurando. Uma hora, Karen apareceu, mas estava desapontada: — Achei que a Eliza viesse. Estava louca para ouvir mais sobre o projeto de história dela. Não sabia se ela estava falando sério ou não, então apenas voltamos a procurar. Novamente, não achei nada. Fingi me lembrar do spoiler e desisti, mas não adiantou. Me despedi de Karen e voltei para casa. No caminho, minha mãe comentou: — Você realmente gostou desse parquinho, não? De qualquer forma, não se esqueça dos seus outros compromissos. Vamos visitar a tia Diana sábado. Disse que tudo bem e voltamos a ficar em silêncio. Naquela noite, sonhei que encontrava uma arca vazia.

Quinta: As coisas começaram a sair de controle já de manhã, quando, após perceber que estava obcecada com isso, resolvi passar a tarde toda procurando, para ver se achava o tesouro e relaxava. E, enquanto estava procurando, qualquer pensamento fazia com que eu procurasse mais ainda. “Pode não ter tesouro nenhum”? Procurava mais. “Você não está vivendo mais nada”? Procurava mais. “O tesouro é decepcionante”? Procurava mais. Às quatro da tarde, Eliza me ligou, implorando para eu ir ao shopping com ela e Karen. Eu, pela primeira vez, recusei um convite dela. Roberto telefonou umas trinta vezes, mas todas suas respostas para minha pergunta eram mais e mais ofensivas. Quando ele respondeu “indianos”, eu parei de atendê-lo. Meu pai me ligou, perguntando se eu estava bem, e eu disse que sim. Quando voltei para casa e olhei para meu computador, desligado há quase uma semana, decidi que aquilo precisava acabar. 84


Sexta: Na saída da escola, chamei Eliza, Roberto e Karen para almoçarmos e depois irmos ao Jardim Botânico. A mãe da Karen concordou muito alegremente em nos levar e, assim que chegamos lá, Eliza e Karen foram procurar para um lado e eu e Roberto para outro. Nós não nos falamos. Às quatro da tarde, todos estavam exaustos, mas eu insisti para que procurássemos mais um pouco. Roberto finalmente quebrou o silêncio: — Sabe, eu achei que você seria mais esperta, Jane. Eu achei que você perceberia que todo o pretexto de “filme de menina” e cinema era apenas para te chamar para sair. Eu parei onde estava e me virei para ele, com tudo fazendo sentido. — Ah. Desculpa. Geralmente eu perceberia isso, mas, você sabe, essa semana está sendo difícil e eu tenho certeza que estou endoidando. — Definitivamente você está endoidando — ele riu, nervoso — Mas, então, qual é a sua resposta? Você sairia comigo? Ele tinha escolhido a pior hora. — Na verdade, não — murmurei, olhando para baixo — Eu não sairia com você. Não que você não seja a pessoa mais legal do mundo porque, tipo, você totalmente é — eu estava nervosa o bastante para usar “tipo” em uma frase. — Uau. Direta. Ok. Podemos, eu não sei, ignorar esse incidente e nos concentrar em encontrar esse tesouro? — Roberto parecia quase bem. — Ignorar parece ótimo. Mas é realmente o que você quer? Porque eu me importo com os sentimentos dos outros. E sim, eu sei que eu estou mal essa semana, mas se eu não encontrar nada hoje, vou apenas assumir que isso não existe e superar ao longo do tempo — eu voltei a procurar algo, mas ainda prestando atenção nele. — Para falar a verdade, eu realmente quero te ajudar a encontrar o que quer que você esteja procurando. E isso é mais importante do que eu talvez ter uma queda por você. Mesmo. Depois que encontrarmos, eu volto com esse assunto. Ou não. Então não responda, só volte a procurar! — Roberto não me esperou agradecer e começou a examinar um cacto. Mesmo com toda a motivação, quando o Jardim ia fechar ainda não tínhamos encontrado nada. — Sinto muito... — Eliza comentou, enquanto descíamos as escadas — Mas acho que era tudo uma invenção. 85


— Pelo menos foi divertido! — Karen colocou uma animação falsa na voz. — E nós fizemos as pazes...? — Roberto olhou para mim — Você decide se quer esquecer toda a confusão ou não. E relaxa, nunca vou usar o termo “friendzone”. Isso seria tão ofensivo quanto “filme de menina”, que ofende tanto garotas que gostam desses filmes, garotas que não gostam e mais alguma coisa que eu não consegui entender. — Estamos no caminho certo! — exclamei, me sentindo surpreendentemente feliz — Pesquise de novo o que você não entendeu. E sim, nós fizemos as pazes. De repente, parei. — Vão andando, pessoal. Eu já alcanço vocês. — disse, enquanto caminhava em direção a algumas rosas. Elas eram mais vermelhas que o normal, destacando-se de tudo. Na terra, havia um brilho metálico. Cavei um pouco e encontrei uma pequena caixa de metal da mesma cor das rosas. Dentro, havia um bilhete: Tão óbvio que ninguém lembraria daqui. Parabéns, quem quer que você seja. Você chegou ao fim... Do prólogo. Decepcionante. A não ser que você queira continuar e o segundo tesouro encontrar. Se for esse o caso, tire o fundo da caixa. Levantei a cabeça, vendo as pessoas andarem para fora do jardim. Meus amigos me esperavam do outro lado, ansiosos para saber o que acontecera. Um segundo tesouro parece ótimo. Mas não hoje. Eu preciso de paz, pensei, enquanto guardava a caixa na minha bolsa. Um pouco antes de sair, me lembrei de mais uma coisa. Andei até o vaso e retirei o pedaço de papel que criara toda a confusão. Depois, corri para fora, me esquecendo da caixinha e da semana louca por um momento.

Amanda Szász Ishii

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Todos podem ter uma segunda chance

Arthur Gregorio Barbosa Tavares

Catedral de Sorocaba

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Juliana namorava Eduardo e naquele dia eles faziam três anos de namoro. Ela queria um relacionamento mais sério, pois se sentia mal por já ter uma idade mais ‘’avançada’’, 33 anos. Para comemorar o aniversário de namoro, Eduardo a levou para o restaurante preferido de Juliana e pediu ao garçom que ele colocasse o anel na taça de vinho. Após meia hora, eles fizeram o pedido: — Eu vou querer essa salada e a sopa do dia — afirmou Juliana, olhando o cardápio. — Você gostaria de alguma bebida? — perguntou o garçom. — Sim, eu queria uma taça de vinho — declarou totalmente decidida. — E você? — questionou o garçom, direcionando-se a Eduardo. — O mesmo que ela — informou, piscando os olhos para que o garçom não se esquecesse do anel.

gostoso! Mas beba bem devagar — propôs, querendo fazer o pedido de casamento. Sem entender muito o que acontecera naquele momento, Juliana bebeu o vinho e encontrou o anel. Ela ficou toda emocionada, mas não deixou de perguntar: — O que é isso? — Você quer casar comigo? — perguntou Eduardo antecipadamente, ao olhar com firmeza para Juliana. E, como esperado, a resposta foi sim. Eles terminaram de jantar e foram embora pra casa. No dia seguinte, eles já começaram a comprar os preparativos para o casamento. Eles foram a várias lojas do shopping, até que Juliana pudesse terminar as compras. Próximo ao carro, quando estavam voltando, Juliana escutou uma voz familiar que exclamou: — Juliana! Não acredito que te reencontrei!

Um pouco depois, o pedido chegou e eles começaram a conversar:

Quando ela virou, viu Sérgio Rodriguez, um colega de faculdade que era apaixonado por ela naquela época.

— Como está o jantar, querida? – interrogou, pensando em como ela se sentia.

— Nossa, que bom te ver — mentiu Juliana, insinuando que não era nada bom.

— Maravilhoso, muito obrigada. Está tudo tão... tão perfeito – comentou, olhando em volta e admirando seu namorado.

— Quem é esse? — questionou Sérgio, apontando para Eduardo.

— Beba um pouco do seu vinho, querida. Humm... está tão

— É meu noivo — declarou Juliana, abraçando Eduardo com firmeza. 88


— Prazer, eu sou Sérgio, amigo de faculdade da Juliana — informou, apertando a mão de Eduardo. — Por que você não janta conosco hoje? Vocês não têm se visto por muito tempo e devem ter muita coisa para pôr em dia — propôs Eduardo, querendo agradar sua esposa. — Boa ideia, vou sim — respondeu, babando por Juliana. Já eram 19h quando Sérgio chegou. Eduardo tinha preparado um macarrão à bolonhesa, uma salada, um frango e, para sobremesa, um belo pudim de doce de leite, que ele ficou horas fazendo na cozinha. Já no meio do jantar, Eduardo se levantou para ir ao banheiro. Nesse meio tempo, Sérgio agarrou Juliana e a beijou. Quando Eduardo voltou e viu essa cena, ele berrou: — Cachorros! Os dois! Eu convido você pra fazer minha mulher feliz e você a beija! Seu cachorro! Ele saiu correndo do apartamento que dividia com Juliana, que logo saiu atrás já empurrando Sérgio para sair do seu apartamento. Quando chegou ao portão do prédio, ela somente viu pela porta de vidro Eduardo caído no meio da

rua e marcas de pneus que indicavam o que tinha acontecido. Juliana ligou para a ambulância, mas ela chegou tarde. Eduardo já tinha morrido. A moça, chorando, foi à catedral da cidade, mesmo estando chovendo, mas ela estava fechada. Então ela se sentou nos degraus da igreja e lá ficou por horas e horas chorando. Ao amanhecer, ainda na catedral, Juliana viu uma placa na em que estava escrito: “Essa catedral foi construída para mostrar aos colonos o legítimo milagre de estar perto de Deus! Tudo acontece por uma razão! E se algo de ruim aconteceu e você não teve a culpa, Deus lhe dará uma nova chance! Então para ajudar a esclarecer esse assunto, o padre Antônio José de Morais mandou construir essa catedral em 1762, com pinturas de Ernesto Tomazzini (1930) e de Bruno Giusti (1949).’’ Após ler isso, Juliana ficou pensando qual seria sua nova chance. Uns dias mais tarde, descobriu que estava grávida de Eduardo e que eram gêmeos. Depois do nascimento, Juliana decidiu que um se chamaria Eduardo e outro Antônio, em homenagem ao padre. Ela também decidiu que eles seriam batizados na catedral de Sorocaba. E assim foi feito.

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Treinamento de goleiro Caminhavam numa tarde de domingo um avô, seu Carlos, e seu neto Pedrinho, de 14 anos. Na época, o garoto estava no 9º ano e aprendia sobre a história de Sorocaba. Na sexta-feira anterior ao passeio, ele aprendera sobre a Revolução Liberal. Naquele domingo, 18 de maio de 2000, era aniversário de seu Carlos, que estava se recuperando de uma cirurgia de retirada de Praça do Canhão, Sorocaba - SP pedras nos rins. Seu neto, como era uma pessoa muito amorosa desde pequeno, decidiu levá-lo a um passeio por Sorocaba. No meio desse passeio, os dois passaram por vários pontos turísticos, como a estátua de Baltazar Fernandes, o Jardim Botânico e vários outros lugares. Quando passaram pela Praça do Canhão, o neto contou a seu avô toda uma história sobre a razão de aqueles canhões estarem ali. Enquanto seu neto falava, seu Carlos interrompeu:

C

— Espere um instante, meu neto querido. — Fale, vô. — Vou lhe contar uma história relacionada a esse monumento que temos aqui a nossa frente. — Pois diga — Disse o garoto com entusiasmo. — Pois então, na época que aconteceu essa Revolução Liberal, os soldados se preparavam para um possível acontecimento que podia levar as autoridades a usar aqueles canhões. Mas, existia um soldado chamado Pizarro, que sempre dizia a seus companheiros que conseguia agarrar uma bola de canhão em suas mãos sem perdê-las. — Isso é sério, vô?! — interrompeu o menino. — Sim, mas, meu “fio”, deixa-me contar a minha história. Bom, onde eu estava? Ah, então, Pizarro era um soldado muito arrogante, e a maioria dos soldados não gostavam dele, mas também havia uma grande parte desses soldados que admiravam sua braveza ao tentar façanhas que pareciam impossíveis. Em um dia ensolarado, os soldados propuseram a ele que realmente agarrasse uma bola de canhão, como ele dizia que conseguia. A primeira bola atirada ele conseguiu agarrar, as pessoas a seu redor ficaram 90


totalmente espantadas com aquilo. Então veio a segunda bola, sua mão ardeu bastante, o que foi visível ao enxergar lágrimas escorrendo em seu rosto. Aparentemente naquele momento o soldado quebrara sua mão. E então veio a terceira e última bola, por um erro grotesco de um outro soldado, a bola de canhão acertou bem em cheio seu peito. O soldado, simplesmente, voou longe com o impacto e nunca mais o acharam. — Simplesmente espantosa essa história, vô. — Porém, houve uma consequência desse acontecimento. — Pois diga! — pediu o neto curioso. — Isso levou um grupo de pessoas a inventar o futebol, a fazer treinamentos para goleiros com essas bolas de canhão. Bom, muitos morreram tentando, mas outros conseguiram fortalecer suas mãos ao um ponto completamente revolucionário. Esses treinamentos para goleiros foram se intensificando cada vez mais no mundo, como também a prática de jogar futebol. Depois de muitos anos, esses canhões foram inovando-se a ponto de usarem bolas de futebol (muito mais macias e leves do que bolas de canhão, óbvio!). Porém, essa história influenciou o menino Pedro a escrever a sua. Sim, exatamente, sou eu Pedro, hoje em 2014 tenho 27, ainda não fiz aniversário, escrevi esse texto para mostrar ao mundo uma história fascinante que meu avô me contou.

João Pedro Patelli Ramos dos Santos

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Um amigo diferente

Jardim Botânico Sorocaba

Havia uma menina muito bonita que se chamava Lucy. Ela era lá de Sorocaba, tinha dezessete anos, vivia com seu pai, pois sua mãe havia falecido no momento do seu parto. Ela era uma menina feliz, seu único amigo era um livro, pois ela não conseguia se relacionar com as pessoas.

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Um dia, quando estava lendo seu livro, foi abordada por ladrões que passavam de skate pela rua e pegaram seu livro. — Não! – gritou a menina preocupada. Logo em seguida, um outro menino de patins apareceu. — Eu irei recuperar seu livro! — explicou o menino, agitado. Após vivenciar aquela cena, Lucy foi correndo atrás deles. Quando ela chegou perto dos meninos, viu que o ladrão estava sem saída, pois havia um muro muito alto atrás dele e não havia saída. — Saia e dê o livro da moça, se não, eu já chamo a polícia! — anunciou o garoto dos patins. — Não é preciso, o livro está aqui! — afirmou o ladrão preocupado. O menino que havia salvado Lucy pegou o livro e o devolveu. — Moça, aqui está seu livro! — insinuou o garoto, ansioso. — Obrigada, e como gesto de gratidão, vou lhe pagar um cappuccino, você gosta? — perguntou a menina feliz. — Não precisa, para mim, salvar o livro de uma menina tão bonita assim já está bom! — respondeu o rapaz tímido. — Claro que precisa! Vamos, tem uma lanchonete ali! — insistiu a garota alegre. — Então, está bem, eu vou! — esclareceu o menino alegre. Chegando na lanchonete, a menina pediu dois cappuccinos e dois mistos quentes. — Mas então, como é o seu nome e quantos anos você tem? — indagou Lucy curiosa. — Eu me chamo Isaac e tenho dezoito anos. Venho lá de Ribeirão Preto, pois quando eu era pequeno meu pai teve que vir para cá para trabalhar e meu melhor amigo é o meu par de patins — respondeu o jovem com vergonha. — O meu melhor amigo é o livro. Onde você mora agora? — inquiriu a menina envergonhada. Eu moro em uma pensão lá na Nogueira Padilha — respondeu o menino entusiasmado. 93


— O meu nome é Lucy, sou daqui mesmo e tenho doze anos. Mas me diga, você mora na pensão com seus pais, né? — indagou novamente a garota preocupada. — Não, moro sozinho, meus pais morreram já faz muito tempo em um acidente de trânsito — explicou o garoto. — Eu perdi minha mãe na hora do parto, mas vivo com meu pai — proferiu a jovem. — Ah, você gosta de videogame? — indagou o menino ansioso. Então o Isaac e Lucy ficaram horas conversando, sabendo do que o outro gostava, do que não gostava, quais eram seus amigos, seus interesses e sua histórias. Os dois combinavam de sair toda terça e sexta para ir a algum lugar que ajudasse as pessoas, iam muitas vezes aos orfanatos. De tanto que os dois saíam, um começou a gostar do outro, até que o garoto um dia teve a coragem e foi até ela e a pediu em namoro. A menina aceitou o pedido na hora, pois desde o dia em que ele a salvara, ela começou a se apaixonar por ele. Eles passeavam, faziam piquenique, não se separavam. Até que uma vez, o rapaz comentou com a menina que ele teria que fazer uma pequena viagem para ver se queria trabalhar como motorista mesmo, então Lucy logo concordou. Passaram-se quatro meses e a garota já estava apavorada de tanta demora, quando recebeu uma carta dizendo que Isaac estava internado em um hospital lá de São Paulo, pois estava com câncer na bexiga. A garota, assustada, pediu para seu pai levá-la lá. Quando chegou, recebeu uma notícia do médico de que seu amigo teria que fazer um transplante e que custaria muito dinheiro. Logo em seguida, o pai da menina pegou sua carteira e anunciou que iria pagar tudo. No dia do transplante, a garota e seu pai estavam ansiosos e preocupados, pois o menino poderia morrer a qualquer instante. Depois da cirurgia, o médico foi até eles e falou que correra tudo certo. Os dois pularam de alegria. Quando Isaac já podia ir embora, Lucy disse que ele poderia ficar em sua casa e que ela cuidaria dele, então ele teve que aceitar. Em casa, Lucy perguntou por que ele não havia contado para ela e ele respondeu que não queria preocupá-la.

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Depois de três meses, a garota falou que queria ir à inauguração do Jardim Botânico Irmãos Villas Bôas, em Sorocaba, que seria no dia quinze de março. O garoto, só pelo fato de sair de casa, já concordou. No dia da inauguração, quando Lucy e Isaac chegaram, uma mulher do local falou que lá seria tanto para pesquisas como para lazer, pois ali era um lugar incrivelmente lindo. Depois que ela saiu, a garota, olhando para as plantas, começou a falar para seu namorado que lá era lindo, mas de resposta não ouviu nada. Então, ela olhou para o lado e viu que seu namorado estava no chão. Abaixou-se rapidamente e tentou ouvir o coração dele, mas percebeu que estava morto, que seu coração tinha parado. A menina chorou muito, muito, muito, mas reconheceu que, por um breve período na sua vida, ela tinha sido feliz por conhecer um menino da sua idade a quem ela amava. Depois de ser enterrado Isaac e passados alguns meses ela voltou a ser aquela menina que lia livros e eles eram seus melhores amigos, pois não tinha mais um amigo de verdade.

JÚLIA FURTADO VAZATTA

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