Agosto de 2016 1ª Edição
Inovação e retrocesso! A contradição do desenvolvimento econômico e a precariedade da infraestrutura na Baixada Fluminense
sumário JARDIM GRAMACHO página 4
ME AVISA QUANDO CHEGAR página 24
ARCO METROPOLITANO página 20
FLONA MÁRIO XAVIER página 12
EMANCIPAÇÃO DE SEROPÉDICA página 15
ÊXODO RURAL página 22
LAGOINHA página 8
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Editorial A
INSEGURANÇA NA UFRRJ página 26
maritaca é uma ave de pequeno porte conhecida pela força de seu grito. Voando quase sempre em bando, produz um barulho que não passa desapercebido. A revista Maritaca apresenta Seropédica e seus arredores, por meio de reportagens produzidas por alunos de Jornalismo que circularam pela região ouvindo gente e aprendendo histórias. O nome da revista é uma referência a essa espécie porque pretende fazer ecoar o grito de quem precisa ser ouvido. Talvez o principal desafio de nossos tempos seja desenvolver a capacidade de ouvir outras vozes, reconhecer outros olhares e experiências. O jornalismo pode contribuir de maneira significativa para este aprendizado coletivo. Não de forma arrogante, que faz espetáculo e propaganda, e se presta pouco ou nada ao delicado trabalho de escutar outros seres humanos. Mas um jornalismo “dialógico”, nas palavras de Cremilda Medina. Durante a produção das reportagens que vocês lerão aqui, muitas foram as surpresas dos nossos jovens repórteres, ao exercitarem este delicado ofício de escuta. Entrando em territórios desconhecidos cheios de preconcepções; descobrindo, na pesquisa de dados e nas entrevistas, que o que pensavam certo estava errado e vice-versa. Pautas caíram ou levaram o grupo ao desespero porque as fontes se recusavam a falar, diziam coisas incompreensíveis no primeiro momento, pediam para falar em off ou ainda utilizavam recursos de sedução e constrangimento no velho esforço de “controlar a pauta”. O processo foi rico, mesmo quando a pauta caiu. Todas as reportagens foram produzidas em grupo, pelos alunos, desde a criação e apuração da pauta até a redação do texto e produção das fotos, ao longo de todo o semestre. A edição também foi feita por alunos. Da aventura de descoberta que é o trabalho de pesquisa jornalística nasceram as reportagens que compõem esta revista. Boa leitura!
Maritaca
Olhar além da rampa Os impactos econômicos e sociais da desativação do lixão de Jardim Gramacho para os moradores, comerciantes e ex-catadores Por Beatriz Nonato, Cleyton Santana, Ingrid Curityba e Mariana Paula
— Tem muita gente passando um sufoco danado. Pensamos que se entregássemos o lixão na mão do governo, ele nos daria uma coleta seletiva, uma oportunidade de estudo, uma cooperativa. Mas atualmente estamos jogados — declarou Manoel Silva, uma dentre as 1700 pessoas que dependiam do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, desativado em junho de 2012. Seu Maneco, como é conhecido no bairro, acompanhou o crescimento da rampa (nome
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usado pelos catadores para se referir à inclinação formada pelo lixo quando é despejado pelo caminhão) desde o início. Ele viu o aterro se tornar o maior da América Latina, e, após décadas, viu o seu portão ser trancado pelo prefeito Eduardo Paes. Jardim Gramacho, bairro localizado no município Duque de Caxias, é conhecido pelos problemas sociais e ambientais resultantes do lixão que depositou, por 34 anos, quase 10 mil toneladas de resíduos domiciliares. Apesar de
iniciativas pontuais como polos de reciclagem, cursos técnicos e indenização de 14 mil reais para cada catador cadastrado oficialmente na Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB), o bairro não se desenvolveu depois e a taxa de desemprego supera em muito a do município. O relatório feito pela ONG TETO, em 2013, revelou uma população jovem no bairro, com 63,3% de desempregados, baixa escolaridade e renda domiciliar de aproximadamente 297 reais por família.
Jardim Gramacho ‘’14 mil reais é uma ilusão” Maneco explica como os catadores se enganaram. — Eu nunca tinha colocado a mão em 14 mil reais. A gente correu logo pras lojas, eu mesmo fui um. Peguei o dinheiro e fui pras Casas Bahia, pro Ponto Frio... Gastei 3, 4 mil reais logo de cara. Daqui a pouco você se vê sem dinheiro, sem o lixão, sem emprego e sem estudo — avalia Maneco. — Eu trabalhava no lixo e ganhava em média uns 800 reais por semana. O que nós recebemos foi um dinheiro fraco, porque se o lixão estivesse funcionando até hoje a nossa situação estaria melhor. Hoje em dia, ele trabalha em um ferro velho, mas afirma que se o lixão fosse reativado voltaria a trabalhar lá. Alguns moradores não tiveram nem a oportunidade de festejar os R$ 14 mil, como ocorreu com José Araújo, que não conseguiu se cadastrar para receber o auxílio. Este fato gerou indignação aos trabalhadores, afinal, José trabalhava no lixão desde 1976 e saiu de mãos vazias, enquanto outros recém-chegados conseguiram receber a indenização. Ele mora no bairro há 40 anos, afirma que o local está abandonado e reclama da falta de saneamento básico, educação e saúde. Além das mudanças na vida dos catadores, a desativação do aterro transformou todo o lugar. A falta de expectativa pode ser vista nos olhos de cada morador, e José explica o porquê: — Isso aqui era assim (faz um gesto que indica cheio) de gente, você não podia andar, essas barracas aqui eram lotadas. Jardim Gramacho está entregue às baratas. Não apenas os moradores, mas o comércio do bairro também sentiu a mudança. — Afetou muito a compra. O pessoal catava o lixo, vendia
para reciclagem, tinha dinheiro e consumia. Com a falta de dinheiro não tem quem compre — comenta Luíza Guimarães, dona de um depósito de bebida há 18 anos. Segundo ela, a situação no bairro está muito difícil e seu estabelecimento foi assaltado mais de 30 vezes. Vilmar Mendes, dono de uma farmácia, afirma que teve uma queda de, aproximadamente, 40% nas vendas, e a entrega para os arredores do lixão é praticamente nula.
“Hoje em dia é uma benção” Apesar de todas as dificuldades encontradas no local, há quem diga que houve melhoras, como Ezequias do Nascimento, ex-catador e morador do bairro há 40 anos. Ele nunca dependeu apenas do lixo, pois conciliava a profissão de catador com outras funções informais. Segundo Ezequias, não tinha mais condição da rampa continuar devido ao excesso de gás metano que poderia se tornar uma tragédia a qualquer momento.
Por que o lixão foi desativado? Da Eco 92 à Rio+20, sediada no Rio de Janeiro, as críticas ambientais que envolviam o lixão localizado em um mangue da Baía de Guanabara ganharam força e a pressão para uma mudança de atitude do governo aumentaram. O resultado foi o fechamento oficial do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho. As mudanças foram respaldadas no Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS - Lei nº 12.305/2010), que estabelece a proibição de lixões a céu aberto, obrigando todos os municípios a separarem os resíduos para realizar um descarte ambientalmente correto.
Aula de judô do Instituto IDE com as crianças de Jardim Gramacho.
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Maritaca Apesar do abandono em que o bairro se encontra, o excatador faz alguns elogios: — Isso aqui que vocês estão pisando é abençoado, isso aqui era lama. Luz e energia aqui não tinha. Para alguns moradores do bairro que não trabalhavam no lixão, a desativação demorou muito para acontecer. Adriano Menezes mora há 30 anos no local e comemora o fechamento: — A rua principal vivia fedendo a chorume dos caminhões de lixos, quando fazia sol era um fedor infernal. Era bagunçado demais, muito lixo espalhado pela rua, cheio de cracudo, ladrão, maconheiro. Ainda tem, mas ficou melhor.
A expectativa de Adriano é que as mudanças continuem a acontecer e que as autoridades continuem trazendo melhorias ao local.
Uma rua de contrastes O contraste social de Jardim Gramacho pode ser observado percorrendo a rua principal que leva ao aterro. A Avenida Monte Castelo começa no centro do bairro, onde as casas são de alvenaria e há um comércio que atende às necessidades básicas, como mercearia, farmácia e padaria. No fim, as moradias tornam-se mais simples com barracos de madeira, improvisados, alguns feitos
com material reciclados, há lixo por toda parte e não há comércio. A situação encontrada próxima ao lixão justifica a presença de ONGs no bairro. A maioria dos moradores encontra-se em uma situação econômica de extrema pobreza. Um dos projetos que atua no local, o Instituto IDE (Inclusão e Desenvolvimento Pelo Esporte), oferece atividades esportivas e aulas complementares ligadas à arte e à música. O projeto funciona desde 2009 e, no total, 6 mil pessoas são atendidas diretamente, como é o caso de Maneco e sua família. — Eu tenho cinco filhos, sem a ajuda das ONGs eu não
O lixo deixado próximo a casas, e não mais no aterro, demonstra o abandono e a falta de saneamento básico.
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Jardim Gramacho teria como sustentar a minha família. Segundo o diretor do projeto, Anderson Leite, a recepção dos moradores em relação aos projetos é positiva. — O governo aqui é inoperante. Eu desafio você a entrar no lixão e encontrar alguém que não goste dos trabalhos feitos pelas ONGs. Maneco, Ezequias e José tiveram diferentes sensações e visões sobre a desativação, porém, entre os prós e os contras, todos transmitem um sentimento de gratidão pela rampa. As conquistas desses três personagens vieram do lixo. Para Ezequias e Maneco, a construção de suas casas. Para José, o acesso de sua filha à graduação. — O lixo para alguns é nada, mas para nós, um dia já foi tudo — disse Maneco.
Para onde o lixo foi levado? Todos os resíduos que iam para o Lixão de Jardim Gramacho foram deslocados para o Aterro Sanitário de Seropédica, que contempla as exigências ambientais e não conta com a presença de catadores no seu interior. Prejuízos provocados pelo empreendimento podem ser percebidos, tanto por moradores quanto pelos órgãos responsáveis pela fiscalização. Algumas irregularidades são apontadas pela professora Tatiana Cotta, do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Ela conta que além do local escolhido (Santa Rosa, Chaperó) estar sob proteção ambiental e ser um solo arenoso, relatórios contrários apre-
sentados, inclusive pela Ciclus (empresa que administra o centro de tratamento de resíduos), foram suprimidos pelas autoridades municipais para que o aterro fosse instalado. Outras tecnologias mais avançadas não chegaram a ser discutidas, como a transformação do lixo em combustível para ônibus. Segundo a professora, animais peçonhentos são atraídos pelo lixo e o mau cheiro. Problemas respiratórios tornaram-se mais frequentes na população devido ao aumento do movimento dos caminhões que transportam cerca de 30 mil toneladas semanais — só da cidade do Rio de Janeiro — por uma estrada sem pavimentação até o aterro. Relatos feitos pelos moradores dizem que a água que a
população costuma pegar em um poço da região sofreu alteração no sabor desde o começo do funcionamento do aterro, levantando a hipótese de uma possível contaminação do lençol freático. A desvalorização dos imóveis é outro problema, já que as pessoas não conseguem vendê-los devido à localização e ao frequente odor no local. O aterro não afeta somente os que vivem às proximidades do terreno. Alunos que vêm de Itaguaí para a Universidade Rural já sentem o mau cheiro do aterro na estrada que liga os dois municípios. A localização da fazenda é quase na divisa entre Seropédica e Itaguaí.
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Maritaca O outro lado de Nova Iguaçu Bairro no interior de município é menosprezado e sofre consequências pela falta de infraestrutura Por Carolina Carvalho, Jéssica Antunes, Lucas Ferreira e Marina Mendes
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ocalizado a cerca de 20 quilômetros do Centro e desconsiderado em muitos mapas do estado do Rio de Janeiro, Lagoinha é um bairro pequeno no interior de Nova Iguaçu. Diferente do Centro do município, que é dominado por calçadões, áreas comerciais, muita gente e grande movimentação, Lagoinha é um lugar pacato, com pouco mais de 7 mil habitantes. Difícil acreditar que as duas regiões fazem parte da mesma cidade. Enquanto o Centro de Nova Iguaçu tem uma vida noturna agitada, com muitas casas de shows, restaurantes e até pubs, Lagoinha só tem alguns mercados, bares e padarias. O bairro tem apenas quatro
Rua de chão em Lagoinha
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escolas públicas e nenhuma unidade de saúde para a população. Quando os moradores adoecem precisam percorrer longas distâncias para buscar atendimento médico. Paraíso, Centro de Nova Iguaçu ou, inclusive, Mendes, situado a mais de 50 quilômetros, são alguns dos lugares aos quais eles recorrem. Espaços destinados ao lazer, como praças ou campinhos, não existem em Lagoinha. Para fazerem um lanche, irem a um restaurante ou encontrarem uma loja de roupa, os lagoinhenses vão até Seropédica ou Campo Grande. O caminhão de lixo passa, mas, segundo os moradores, não existem garis para recolher o que
cai pelo chão. As ruas do bairro são todas de terra. Asfalto, só na via principal que corta o bairro, a Estrada de Lagoinha, como é popularmente conhecida a junção das estradas Humaitá, Boa Esperança e Mato Grosso. É nela que os poucos ônibus que servem o bairro passam. Para ir ao centro da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, só existe um ônibus, que está em fase experimental, e passa uma vez pela manhã e outra pela noite. Fora esse, há ônibus para as cidades de Nilópolis, Nova Iguaçu, Campo Grande e Seropédica, e o tempo de espera quase sempre ultrapassa os 30 minutos.
Lagoinha Se essa rua fosse minha... Logo na primeira rua paralela à Estrada de Lagoinha, tem uma vala de esgoto a céu aberto. Na calçada coberta de mato, encontrava-se cerca de 15 manilhas de concreto. A rua se chama Rubens Corbos, de chão de barro e cheia de casinhas simples com tijolos aparentes ou tinturas descascadas. Ali, os moradores estavam se reunindo para reparar o próprio saneamento, que há muito tempo estava entupido e vazando. Seu Márcio, morador de Lagoinha desde os 18 anos de idade, é pedreiro e ficou responsável pela obra do esgoto. Ele começou a nos contar, meio desacreditado, o estado das obras. Disse que resolveu tomar uma atitude quando uma senhora de 80 anos escorregou no lodo do esgoto e quase caiu. Com a ajuda de Seu Carlinhos, um vizinho, ele começou a arrecadar dinheiro para o primeiro passo da obra. Porém, Carlinhos diz que não é fácil: — Um dá o dinheiro e o outro não dá, sempre dizem que a situação tá ruim, depois que inventaram o “tá ruim”, nunca tá bom. — Chega época de eleição, os políticos vêm aqui, prometem, abraçam morador, mas depois que passa, acabou, ninguém mais vem — lamenta Márcio. Ele disse que procurou a prefeitura para pedir dragas para abrirem o buraco do novo saneamento, mas não conseguiu nada. A solução? Desembolsar 200 reais para o aluguel da máquina, que operou por duas horas. O resultado da primeira intervenção foi significativo: agora os carros e o caminhão de lixo podem passar e as pessoas conseguem ficar na rua conversando, antes impossível, por causa do mau cheiro. Márcio lembra que as obras
Seu Márcio com o caderno onde anota o nome dos moradores que ajudaram a comprar material para a obra.
estão paradas faz dois meses e só podem continuar depois que conseguirem comprar mais material. Falta-se manilhas, blocos, cimento e areia. — A minha vontade é ver essa rua bonita e as crianças brincando aqui — completa o pedreiro com tom de esperança.
Iluminação improvizada pelos moradores
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Maritaca
Seu Jorge exibindo seus arquivos
Seu Jorge: O contador de histórias Lagoinha conta com poucos ônibus até hoje, mas quando não tinha era melhor, segundo seu Jorge. — Pra gente ir pro cinema, ou pro parque, tinha que ir até Campo Grande, passavam poucos ônibus, mas passavam, até às 21h. Às vezes a gente se empolgava e voltava mais tarde um pouco, aí tinha que vir andando, são uns doze quilômetros. Mas vinha todo mundo junto, nem sentia a viagem. Hoje, têm mais transportes, mas também tem mais gente, demora mais, além de ser perigoso vir a pé. A nostalgia de Seu Jorge por tempos não urbanizados surpreende, ainda mais porque
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não foram feitos, até hoje, tantos avanços no bairro. A impressão ao entrar em Lagoinha é de que voltamos no tempo: não há prédios ou asfalto, e à noite as vias são escuras devido à pouca iluminação. Sem contar com as pessoas nas ruas e os vizinhos sentados na frente de suas casas, conversando, como antes do invento da televisão. Há também a serra verde ao fundo que contrasta beleza às casas sem acabamento. E, é claro, há histórias, muitas histórias. Seu Jorge é morador de Lagoinha desde que nasceu, há 70 anos, quando os laranjais tomavam conta de toda a região. — Eu vi todo o avanço, vi
colocarem asfalto, luz. Mas desde os anos 70 tá tudo a mesma coisa — conta em tom de protesto. Ele é chaveiro do bairro e é cumprimentado por todos que passam à sua porta. Para os interessados na história da região, basta entrar e puxar uma cadeira, que ele conta tudo com muito bom gosto. Além de fazer chaves, Seu Jorge também é artesão. Faz barcos e maquetes de madeira por hobby e por encomenda, para outras cidades. Estudou até a quarta série e depois foi trabalhar nas plantações da região. Já teve um armazém, mas hoje se mantém apenas com os artesanatos e a loja de chaves.
Lagoinha
Por que o nome Lagoinha? Antes de virar bairro, Lagoinha era um conjunto de fazendas e literalmente havia uma lagoa no local. Conforme as pessoas começaram a frequentar para se banhar, o nome pegou. “Vamos lá na Lagoinha?”
Seu maior interesse? História. Lê “um pouquinho”, segundo ele, mas o suficiente para guardar com carinho jornais, que chama de arquivos, e livros de história. Também gosta de gravar a data dos acontecimentos. — Eu guardo tudo que eu vejo de história e de arte. Eu me interesso muito por tudo que é passado, eu gosto de saber o que aconteceu pra entender as coisas. A conversa, às vezes, fica difícil por causa do barulho ensurdecedor da Estrada Mato Grosso. A rua serve de atalho entre a Abílio Augusto Távora, mais conhecida como Estrada de Madureira, em Nova Iguaçu, e a Rio-São Paulo, em Seropédica. Basicamente, é um atalho que sustenta o bairro, porque é o único trecho asfaltado e iluminado da região que concentra todo o pouco comércio. Seu Jorge mostra, com orgulho, uma pintura sua da única casa do bairro que tinha telefone, conta histórias sobre o rio ao lado de sua casa que já foi limpo, sobre
quando não tinha luz elétrica ali. É notável a conexão forte e saudosa que tem com a natureza. Apesar dos problemas, ele gosta de morar em Lagoinha e diz que não se mudaria nunca. Seus filhos moram em Seropédica, mas muitos de seus amigos continuam no bairro. — Todo mundo me conhece, eu tenho uma história aqui. Não me imagino morando em outro lugar.
Centro Social Luiz da Lagoinha Sem hospital ou posto de saúde no bairro de Lagoinha, a alternativa dos moradores é procurar pelo centro social que faz atendimentos a preços populares. No local pode-se encontrar clínicos gerais, oftalmologistas, ginecologistas e pediatras. Os atendimentos não se restringem somente aos moradores de lá. Pessoas de bairros próximos e até mesmo da Zona Oeste do Rio costumam ir ao centro em busca de ajuda. Luiz do Social, como é conhecido na região, é morador de Lagoinha e o principal administrador do Centro Social que leva seu nome. Inaugurado em 1988 para antedimentos médicos, atualmente divide espaço com a Associação de Moradores de Lagoinha, pois Luiz também é o presidente. Ele conta que a ideia surgiu em 1986, quando esteve doente e ficou meses internado. Como promessa, decidiu abrir um centro social para ajudar as pessoas do seu bairro. O Centro Social funciona em uma casa de três cômodos, onde a sala, que também é cozinha, serve de recepção. Luiz, seu filho e uma funcionária revezam na função de marcar as consultas e atender aos telefonemas. Os médicos recebem 100 reais por hora, enquanto os pacientes
pagam 30 reais todo o mês para o atendimento de até quatro membros da família. Uma Unidade Básica de Saúde (UBS) está sendo construída no bairro de Lagoinha, que será o primeiro local público voltado à saúde na região. A previsão de abertura é para o segundo semestre de 2016. Muitos moradores do bairro também não possuem fornecimento legal de luz e água, e por isso a Associação de Moradores de Lagoinha emite comprovantes de residência. Os documentos são emitidos na sede da associação e são levados para autenticação no cartório. O próximo passo de Luiz é a mudança para um espaço maior, onde poderiam fazer também atendimentos dentários. De acordo com ele, mais de 100 pessoas por mês são beneficiadas pelo Centro. — Eu me sinto melhor do que qualquer político. Quando eu passo na rua, as pessoas me agradecem, me abraçam. Nós salvamos muitas vidas aqui!
Consultório do Centro Social
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Maritaca Tão perto, tão longe Floresta Nacional Mário Xavier e moradores de Seropédica dividem espaço na contramão do convívio. Por Isabella Mendes, José Adriano Jr, Letícia Noda e Priscilla Silva
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ada uma no seu canto. É o que aparenta a relação entre a “FloNa” Mário Xavier, localizada às margens do Km 50, da Rodovia Rio-São Paulo, no município de Seropédica, e a comunidade ao redor da área. A única Unidade de Conservação (UC) ambiental com status de Floresta Nacional do Estado do Rio de Janeiro — zona de conservação da natureza aliada ao uso sustentável parcial dos recursos naturais que oferece — foi antes conhecida como Horto Florestal. Atraía moradores ao servir como local de lazer nos anos 50 e com-
pradores em busca de madeira de qualidade e mudas de plantas exóticas, mas caiu no anonimato e viu seus vizinhos se afastarem. Eles, por sua vez, perceberam as portas se fechando pela troca de gestão, pela limitação do espaço público e pelo medo devido à insegurança e se retiraram. Logo de início, a entrada não é convidativa: a recém-doada placa de localização traz letras pequenas e muita informação, o que confunde ou simplesmente não chama a atenção dos passantes, e a falta de sinalização e seguranças no portão para quem se
Mudas vendidas ajudam na renda da Floresta.
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arriscou a entrar, encantado pelo caminho verde, imediatamente provocam receio em seguir adiante por uma estrada deserta. Morador de Seropédica desde que nasceu e dono de um quiosque de lanches ao lado da FloNa, Marcos “do Frango”, de 45 anos, lembra que as famílias faziam piqueniques no lugar até os anos 90, mas que hoje vê pouco movimento: — Antigamente, as famílias passeavam aí dentro, tinha criança brincando, o pessoal caminhava, corria... Hoje não dá para arriscar. Não tem um segurança, é deserto.... Já teve assalto e estupro à luz do dia. Vejo poucas pessoas se exercitando lá, sempre acompanhadas. A Floresta ganhou notoriedade há 2 anos, com a polêmica construção do Arco Metropolitano, entre 2008 e 2014, via expressa que liga Duque de Caxias a Itaguaí e corta a cidade de Seropédica. Em 2012, a obra foi parada porque o projeto previa a apropriação da parte norte dos 495,99 hectares da FloNa, com impacto ambiental na área de proteção de duas espécies raras em extinção: a Phisalaemus soaresi, conhecida como a “rãzinha de Seropédica” e o peixe Leptolebias minimus, nativo do Estado do Rio. Com a redefinição da rota e a designação da construção de um viaduto no local, a rodovia foi inaugurada e, em 2014, a Unidade de Conservação ganhou uma placa na estrada, que indica sua localização.
Floresta Nacional
Livros que podem ser consultados no local. Ainda não há catalogação.
Mudanças de gestão e estratégias de divulgação à população seropedicense Desde 2007, a FloNa está sob a gestão do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), mas a reserva ambiental existe desde os anos 40. O Horto Florestal de Santa Cruz, como foi chamado a princípio, foi inaugurado pelo presidente Getúlio Vargas, em 1945, e o órgão responsável pela administração era o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em setembro de 1970, passou a se chamar Estação Florestal de Experimentação (EFLEX), com cerca de 500 hectares, vinculado ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que permaneceu até meados dos anos 2000. Para ganhar visibilidade, a UC promove ações de educação ambiental, que atingem instituições de ensino fundamental e médio e abrem as portas para pesquisas aos alunos de ensino superior, não só do município,
mas de toda a região metropolitana. Ainda assim, faltam projetos e atividades que envolvam os moradores da cidade. Carlos Alves,
A população de Seropédica não se interessa por nossas atividades e nem pela FloNa. Carlos Alves
funcionário da ICMBio, conta como são as ações e o motivo dessa priorização do público: — Nós agendamos visitas de escolas da região para os estudantes conhecerem a Floresta, as trilhas guiadas, ver o processo do centro de mudas e contamos com
um material audiovisual que é passado no nosso auditório, com capacidade de 28 lugares. Essa é nossa estratégia para educação ambiental focada no ensino formal. Também vamos às escolas quando somos solicitados para dar alguma palestra. Nosso foco nas escolas são as crianças, para criar consciência sobre o tema desde cedo. Alguns professores universitários e seus alunos fazem pesquisas aqui. A população de Seropédica não se interessa nas nossas atividades e nem pela FloNa. Em 2011, colocamos cartazes no Km 49 (centro da cidade), sobre atividades dos Jogos Militares da Paz que teríamos aqui, mas ninguém apareceu. Mesmo com as medidas de divulgação e valorização ambiental, a FloNa ainda é desconhecida por muitos alunos da sua principal parceira na região, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), instituição pioneira no ensino das carreiras agrárias. O estudante de Medicina Veterinária, Iury Uzêda, mora em Seropédica há 3 anos por causa dos estudos e desconhece as atividades na Floresta: — Eu tenho conhecimento de que existe uma área de conservação em Seropédica, mas por ouvir sobre os relatos de gente da faculdade que ia caminhar lá e foi assaltado. Gostaria até de conhecer mais sobre o trabalho realizado, porque seria uma boa opção de lazer em Seropédica. Para os visitantes da unidade, há uma sala de exposição com dezenas de troncos de árvores de diferentes espécies e regiões do país, um acervo bibliográfico em diversos idiomas, entre eles português, inglês e espanhol, ainda não catalogado de áreas do conhecimento científico que ultrapassam a temática meio ambiente.
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Maritaca Conselho Consultivo e o dilema do plano de manejo Criado no dia 20 de março de 2013, o Conselho Consultivo da Floresta Nacional Mário Xavier direciona e apoia as decisões da administração, além de definir a execução do plano de manejo. Tal plano é uma ferramenta essencial para o funcionamento de uma UC, que permite criar projetos para atividades de uso e preservação dos recursos naturais, levantar dados sobre a biodiversidade, destinar as verbas arrecadadas, estabelecer a segurança e conduzir estudos e programas de extensão — pendente desde o início da administração da ICMBio, em 2007.
Temos só três guardas, que se revezam para cuidar dessa área de mais de 400 hectares. Ricardo Nogueira
O Conselho é composto pelos 5 funcionários da FloNa, por representantes de associações de produtores rurais e moradores, por um professor da UFRRJ, pela prefeitura, por institutos e empresas. A tentativa de discutir os rumos da unidade encaram a falta de recursos financeiros. Chefe da FloNa, o geógrafo Ricardo Nogueira, diz que a queda do repasse de verbas do Governo Federal dificulta o bom funcionamento do local: — Nosso sustento provém da venda de mudas que plantamos aqui mesmo, mas o valor é irrisório. Com a crise federal, acabamos perdendo parte dos recursos da União e, com isso, não
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Mato alto e viveiro abandonado assustam quem passa na via principal.
podemos investir no aumento do quadro de funcionários e melhorias para o lugar, como a segurança. Temos só três guardas, que se revezam para cuidar dessa área de mais de 400 hectares. Ele ainda ressalta que há problemas com os limites da Floresta, que sofre invasões constantes de vizinhos: — Às vezes, encontramos gado pastando aqui dentro e, se instruímos que a área é reservada, apesar da visitação ser concedida ao público, alguns não gostam e provocam queimadas, como vingança. Não temos brigada ainda, estamos prestes a constitui-la. Segundo o professor de Engenharia Florestal da UFRRJ e membro do Conselho Consultivo, Ricardo Valcarcel, há 20 anos a Floresta obtinha os recursos necessários para se manter, mas o local caiu no esquecimento e a interação com a comunidade ficou cada vez mais escassa: — O sustento vem de um esquema de compensação de iniciativas públicas e privadas, através da extração e reflorestamento de máterias-primas. A verba anual enviada para cada unidade varia de acordo com a renda gerada no ano anterior. No caso desta FloNa, a produção é muito pequena
e, consequentemente, há uma pequena geração de capital, fazendo com que ela receba pouca verba. Os órgãos de apoio do Conselho foram contatados, a fim de esclarecerem a situação da FloNa Mário Xavier. Foi enviado um e-mail para o núcleo do ICMBio, em Brasília, sem sucesso; nenhuma associação de moradores foi encontrada e, após a tentativa de 20 telefonemas, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e a Defesa Civil de Seropédica não foram localizadas. Um funcionário da Defesa Civil de Paracambi, cidade vizinha de Seropédica, manifestou que não tem uma parceria oficial com a unidade, mas ajuda informalmente: — O que fazemos é ligar para o Corpo de Bombeiros em caso de incêndio ou deixamos para a Brigada interna, mas não podemos fazer mais nada. Nossa parceria com a FloNa é informal, até porque precisamos de licitação para atuar e ainda não conseguimos. Enquanto o descaso das autoridades e a indiferença entre a Floresta e a comunidade permanecerem, Seropédica perde a oportunidade de aproveitar o privilégio de ainda conservar uma rica biodiversidade.
Emancipação SEROPÉDICA: CHEGOU A SUA VEZ? Duas décadas após o processo de emancipação, que transformou o segundo distrito de Itaguaí em um novo município, Seropédica ainda está longe do modelo prometido pelos emancipacionistas. Os problemas de 20 anos atrás continuam atuais. Por Allan Rabelo, Giulia Escuri, Matheus Queiroz e Vitória Quirino
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m 25 de novembro de 1990, foi realizado um plebiscito em Seropédica para decidir a separação de Itaguaí. Com mais de 11 mil eleitores participantes, a não emancipação obteve maior número de votos. Na época, o vereador José da Rocha Soares, um dos principais articuladores do movimento a favor da separação e autor do livro “A História da Emancipação de Seropédica”, atribuiu a derrota ao Partido dos Trabalhadores (PT), principal partido político contrário à divisão. O novo plebiscito aconteceu em 13 de março de 1994. O prefeito de Itaguaí na época, Benedito Amorim (PDT), foi contra a independência do distrito, e, segundo membros do Comitê de Emancipação, em entrevista ao Jornal Atual (n°39, outubro de 2015), realizou diversos boicotes e dificultou todo o processo. Para convencer a população a apoiar o projeto, os pró-emancipação desfilavam pelas ruas com carros de som, além de realizarem diversas reuniões e comícios em locais de apelo popular, como associações de moradores, igrejas evangélicas e praças. “Seropédica: chegou a nossa vez!” era o slogan estampado nos panfletos. No entanto, no segundo pleito o “não” venceu de novo. Mas, Alexandre Rafael, membro do Comitê da Emancipação, observou que seu pai, morto há 20 anos, estava na listagem de votantes. Os emancipacionistas iniciaram um trabalho para provar
KM 49 - O Centro Urbano de Seropédica
juridicamente que pessoas já falecidas fizeram parte da votação. Desconsiderados os eleitores fantasmas, o “sim” venceu. Em 12 de outubro de 1995, o governador do estado Marcelo Alencar sancionou
a lei 2.446, que criou o município de Seropédica. Professor do Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Marco
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Maritaca Ferreira participou diretamente das campanhas pela emancipação e atribuiu a mobilização à crise e aos problemas na política de Itaguaí: — No contexto da década de 90, com a crise financeira, a câmara de Itaguaí já estava totalmente desequilibrada e no município o prefeito havia sido assassinado. O então prefeito de Itaguaí, Abeilard Goulart de Souza, foi assassinado em janeiro de 1991. — Nós pensávamos: se emancipássemos, será que conseguiríamos apresentar um projeto de longo prazo e mudar o perfil do distrito? — conta o emancipacionista que vive em Seropédica desde a infância. A artista plástica Vera Nogueira, que integrou o Comitê de Emancipação nos momentos finais do processo diz que eles acreditavam que seria muito mais fácil ter uma vida independente com um município menor. Após passar 18 anos morando fora da cidade, ao voltar, em 1995, ela percebeu que o distrito não havia evoluído, o que a levou a se en-
Marco Ferreira, professor do Dep. de Ciências Administrativas da Rural
volver com o movimento. — Eu era uma jovem cheia de ideais e tinha certeza que daria certo. Eu sabia que tínhamos condições pra isso — relata a artista. O movimento contrário à emancipação articulou ações para tentar convencer o povo de que a separação não solucionaria os problemas. Diversos debates eram realizados em rádios locais.
Vera é dona de um atelier de arte localizado no Km 40
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Políticos favoráveis à independência prometiam melhorias nas escolas públicas, construção de unidades de saúde e até asfaltamento de todas as ruas em dois anos, o que seria inviável cumprir, de acordo com os articuladores contrários ao processo. Segundo José Eloy de Martins, tutor e coordenador de Física do Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ) e um dos fundadores do PT na região, os opositores à emancipação eram minoria: — Como todo processo político, não se tem uma sociedade organizada. Fui contra porque não era o interesse do povo que estava em jogo. Os políticos favoráveis à cisão queriam tomar o poder sem consultar a população. Eloy atuou na votação de 1990 e também afirmou que Zealdo Amaral, um dos nomes mais fortes do processo de separação, liderou o projeto porque queria se eleger prefeito. A emancipação aconteceu, mas Zealdo foi derrotado nas urnas na primeira eleição do novo munícipio.
Emancipação
Rua nas proximidades da Prefeitura de Seropédica
O município nos dias de hoje Seropédica está em 41º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado (feito com base nos dados do Censo IBGE de 2010), à frente de cidades como Duque de Caxias, que possui uma refinaria responsável pelo maior processamento de gás natural do Brasil, e Nova Iguaçu, uma das principais opções de investimento imobiliário e comercial da Baixada. No entanto, os seropedicenses estão à mercê de uma precária estrutura de saúde, falta de planejamento urbano e uma greve na educação pública.
No ano de 2015, a Receita Municipal de Seropédica foi de R$ 191,4 milhões, sendo R$ 35 milhões de Receita Tributária, fonte de renda que deriva da arrecadação estatal de tributos (entre eles, os impostos e as taxas). Desse montante, R$ 33,5 milhões estavam previstos para serem destinados ao Fundo Municipal de Saúde e R$ 72,6 milhões, à educação. No mesmo ano, o município de Três Rios, que também conta com um campus da UFRRJ e tem população em torno de 80 mil habitantes, teve Receita Municipal
de R$ 318 milhões, já Paracambi, município emancipado de Itaguaí com cerca 33 mil habitantes a menos que Seropédica, teve uma Receita Municipal de R$ 116 milhões. No ano passado, Itaguaí teve seu orçamento total previsto em R$ 755 milhões. Todos os municípios comparados à Seropédica: Três Rios, com atividades comerciais e tamanho da população similar, Paracambi, com seu passado histórico de distrito semelhante, e Itaguaí, município inicial, possuem Receitas Municipais maiores e hospitais públicos.
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Maritaca A saúde não emancipada Uma das promessas recorrentes dos políticos envolvidos na campanha a favor da emancipação era que Seropédica disporia de uma unidade de saúde de médio porte. No entanto, 20 anos depois, a população de 82 mil habitantes (estimativa de 2015 do IBGE) conta apenas com um posto de saúde no Km 49 e uma maternidade municipal. A Unidade de Pronto Atendimento (UPA), construída no bairro Incra e prevista para ser inaugurada em abril de 2013, ainda não teve as atividades iniciadas. Zealdo
Posto de Saúde de Seropédica
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Amaral, emancipacionista, era vice-prefeito (PDT) de Seropédica quando sofreu um infarto enquanto fazia campanha política, em 16 de setembro de 2015, no bairro de Fonte Limpa em Seropédica, e foi levado ao posto de saúde do município. Por falta de atendimento e estrutura precária, veio a falecer. Para realizar procedimentos médicos mais específicos, a população precisa se deslocar para outro município. Entre os destinos mais usuais, está o Hospital Municipal São Francisco Xavier, localizado no Centro de Itaguaí.
A enfermeira-chefe Shaiane Sideris destaca a necessidade da construção de um hospital em Seropédica: — O raio-x e o dia de especialidades como ortopedia estão sempre lotados, porque não têm em Seropédica e todo mundo vem fazer aqui. Superlota o hospital. Nós temos poucos leitos, e se Seropédica tivesse uma unidade de saúde de médio porte sua população ficaria internada lá e nós também teríamos lugar para transferir os nossos em caso de necessidade.
Emancipação Educação no município A falta de um plano de carreira e as condições deficientes das salas de aula resultaram em uma greve dos profissionais da educação em Seropédica, iniciada em abril deste ano. Segundo carta oficial divulgada pelo Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação de Seropédica e Paracambi (SEPE Seropédica-Paracambi), o prefeito Alcir Martinazzo não cumpriu com os acordos feitos. “Nosso plano de carreira deveria ter sido aprovado pela Câmara e sancionado pelo prefeito até dezembro de 2015, mas até hoje nada. O plano já está praticamente pronto, mas está parado na prefeitura. Diante da situação em que pagamos passagem do próprio bolso, não recebemos insalubridade, periculosidade, nem nenhum outro benefício, não nos restou outra saída senão a greve”, destaca um trecho da carta. A votação do plano de carreira deveria ter acontecido no último dia 13 de junho. No entanto, o procurador da Câmara pediu pareceres da Procuradoria Geral do Município, o que adiou mais uma vez a votação e prolongou a greve. Segundo levantamento do Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (Ioeb) realizado em 2015, que avaliou a qualidade da educação dos munícipios, Seropédica recebeu nota 4 e ficou pouco abaixo da média nacional (4,5).
Cidade à beira da estrada Além dos problemas na oferta de serviços, os moradores dos bairros mais afastados do Centro reclamam da falta de atenção da prefeitura. Todas as gestões de prefeitos e vereadores em Seropédica não conseguiram romper a centralidade de cidade à beira de estrada e desenvolver
projetos que interliguem o município, como, por exemplo, a falta de ônibus para fazer a integração entre bairros. No município é cada vez mais rentável abrir comércios próximos às margens da Antiga Estrada Rio-São Paulo. — Quem é dono de coisa na beira da estrada é rico e, lá pra dentro dos bairros, estão cada vez mais pobres — conta a comerciante e moradora do Km 40, Ana Carolina Oliveira.
Não mudou muita coisa se comparado com a época da emancipação. Marco Ferreira
Vera Nogueira acredita que é necessária uma mudança na mentalidade da população: — Nós não temos um conjunto de informação e capacitação para tomar decisões sérias e formatar uma cidade. A população não tem objetivo de vida nem ideologia política. Precisamos de investimento em educação. O professor Marco Ferreira mencionou a falta de capacitação dos seropedicenses: — Tivemos uma recente industrialização em Seropédica. Teria que ter havido um grande projeto de qualificação de mão de obra para que essas pessoas pudessem competir com as de fora. Então, os melhores empregos em Seropédica são de pessoas de fora. Em ano de eleições municipais, o panorama da cidade está longe de mudanças significativas.
Enquanto isso, o prefeito Martinazzo toma medidas paliativas, como o recapeamento do asfalto na BR-465 e a reconstituição dos pontos de ônibus próximos à Universidade Rural. Entretanto, o processo que terminará na eleição de um novo prefeito ainda é baseado na troca de favores, como conta Vera: — Preferem vender o voto por uma dentadura, uma bicicleta velha ou meia dúzia de tijolos. Infelizmente, a população hoje continua do mesmo jeito. Na visão de Marco, que acreditava que a cidade se tornaria um polo de produção de alimentos, o grande problema foi ter emancipado Seropédica sem um projeto de cidade definido. — Não mudou muita coisa se comparado com a época da emancipação. Assim que saiu a primeira eleição ganhou um candidato que não tinha uma visão a longo prazo, e até hoje não se tem. Ele, o primeiro prefeito eleito (Anabal Barbosa de Souza),, não estabeleceu as diretrizes de uma cidade futura. Não teve um plano diretor ousado, coerência e eficácia administrativa e a cidade foi crescendo à beira de estrada. Só aquela quantidade de quiosque no Km 49 mostra o drama de Seropédica. Vinte anos depois, Vera Nogueira diz que se arrepende de ter participado do processo de emancipação e voltaria atrás, se possível. Além disso, a artista plástica também critica a falta de união entre os moradores. — A população de Seropédica e nem a cidade estavam prontas. Nós, aqui no bairro do Km 40, ainda não temos uma agência de correio ou uma agência bancária. A população aqui é grande, mas ainda vejo as pessoas com aquela coisa de imediatismo: farinha pouca, meu pirão primeiro.
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Maritaca Uma estrada para o desenvolvimento Construção do Arco Metropolitano traz mudanças para a rotina de Seropédica Por Catarina Villar, Christian César, Dafny Tuira e Filipe Barros
C
om a inauguração do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, em junho de 2014, a estrada que passou a cortar o município de Seropédica trouxe, também, desenvolvimento econômico para a cidade. Desde a construção do Arco, oito empresas se instalaram no município: RED VBI, Golgi, Prologis CCP, SDI Logística, Brasilit, P&G. A prefeitura estima que até o fim de 2016 mais duas empresas já estejam instaladas na cidade. Mais uma vez, como aconteceu na construção da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a cidade se depara com um crescimento populacional, só que agora provocado pela chegada dessas novas empresas ao município. As pessoas vêm de outras regiões para trabalhar na cidade e, em alguns casos, preferem morar próximas aos seus trabalhos para evitar o caótico trânsito carioca. Essa migração tende a fazer com que o comércio local se beneficie e fortaleça a economia da região.
“Donos da casa” à margem do desenvolvimento A maioria da população de Seropédica ocupa apenas as vagas de menor qualificação nas empresas que se estabelecem na cidade. Segundo o site Atlas Brasil, em 2010, 42,81% dos seropedicenses acima de 18 anos não tinham o ensino fundamental completo. Com isso, apesar de o desenvolvimento econômico chegar à cidade, esse crescimento
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não atinge seus moradores. A formação da cidade está marcada, desde antes de sua emancipação, por uma dinâmica em que os empregos que exigem nível de instrução maior atraem pessoas de fora para a região, enquanto os moradores ocupam principalmente os pequenos empreendimentos locais. A reportagem ouviu 17 moradores e nenhum deles trabalha ou conhece alguém que trabalhe nas novas grandes empresas de Seropédica. Os entrevistados sequer têm conhecimento da existência dessas novas empresas. Ou seja, os empregos gerados por essas fábricas recém-chegadas, estimados pela prefeitura em quatro mil vagas, ainda não atingiu a população local. Segundo o subsecretário de indústria e comércio Adriano Amaral, dos 120 funcionários da fábrica da P&G, apenas 35 residem no município A Secretaria Municipal do Trabalho, em parceria com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), ofereceu cursos de capacitação nas áreas de almoxarife, alvenaria, entre outros. Porém, segundo o secretário Cláudio Sine, o programa enfrenta dificuldades devido à forte crise econômica vivida no país e, por isso, está parado temporariamente. Outro projeto do governo municipal com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) pretende oferecer cursos profissionalizantes de mecânica industrial, operação e manutenção de máquinas para a população. O que não se sabe é se esse
projeto sairá do papel, ou mesmo se esses cursos oferecidos a alguns moradores serão suficientes para reverter esse quadro e garantir trabalho para os que já residiam na região antes da criação do Arco.
Migração que se repete A vinda de mão de obra de outras partes do estado, e até mesmo do país, não é uma novidade para a cidade de Seropédica. Os primeiros habitantes da cidade chegaram para trabalhar na fazenda de seda, quando ainda era distrito de Itaguaí. Com a chegada da UFRRJ, em 1913, a cidade aumentou o número de pessoas empregadas, contudo, os funcionários e alunos vinham de outros locais para morar e trabalhar aqui. Hoje em dia, a economia de Seropédica é movimentada, principalmente, pelos universitários, seja no ramo de imóveis, comércio e transporte local, o que fica óbvio no período
Adriano Amaral, subsecretário de comércio e desenvolvimento de Seropédica.
Arco Metropolitano de férias, quando o centro da cidade fica vazio e os comércios, sem clientes. Apesar de a Universidade Rural se localizar a alguns minutos do centro, grande parte da po-
pulação não tem nenhum envolvimento com a Instituição. Nos dias de hoje, com o Arco Metropolitano e as novas oportunidades de emprego em Seropédica, novamente ocorre a chegada de novos mora-
dores para a cidade, a fim de suprir a demanda de empregos para níveis de escolaridade mais altos. No entanto, mais uma vez, a população local parece pouco envolvida na transformação.
Pelo Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), realizado entre os municípios do estado do Rio de Janeiro de 2011 a 2014, Seropédica foi o 27º município com maior cresci-
mento em emprego e renda. No total, um crescimento de 66,8%. Já no período entre 2013 e 2015, o crescimento foi de 79,4%, colocando o município como o sétimo no ranking.
Esse índice supera até mesmo a capital do estado (veja o gráfico). Em 2015, a cidade do Rio de Janeiro apresentou 78% de desenvolvimento nessa categoria.
Crescimento de emprego e renda (em porcentagem)
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Maritaca Da industrialização ao êxodo rural Entre as mudanças significativas sofridas por Seropédica nos últimos anos, nota-se a migração que tem ocorrido na cidade
Devido à grande mobilidade de pessoas e ao número crescente de alunos da Universidade Rural, imóveis são alugados por todo o município de Seropédica Por Ananda Cantarino, Eriklis Amorin, Karen Merilyn, Úrsula Gomes e Wyllian Torres
O
processo de êxodo rural em Seropédica acontece, basicamente, por conta do crescimento do mercado imobiliário e pela falta de apoio por parte do governo a esses agricultores familiares. Além disso, o surgimento do polo industrial de Itaguaí e a criação do Arco Metropolitano integrou a cidade ao movimento econômico da região. — Há um processo de desterritorialização com a chegada desses megaempreendimentos, porque pequenos pecuaristas, agricultores e pescadores artesa-
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nais não serão contemplados com esse crescimento, levando-os ao êxodo dessa região. Essa afirmação é do professor Márcio de Albuquerque Vianna, do Laboratório de Pesquisa em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas (LPDT) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que investiga a economia dos municípios de Seropédica e Itaguaí. Devido ao aglomerado de indústrias que se instalou em Itaguaí, como a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA); a criação
do estaleiro; a Marinha do Brasil com a produção de submarinos nucleares; a Prumo (companhia do empresário Eike Batista); a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); a Petrobrás; a Gerdau; a Usiminas; entre outras, o crescimento econômico foi intensificado. Entretanto, esse avanço não significa desenvolvimento territorial, já que este deve ser sustentado nas diversas dimensões: cultural, social, econômica e ambiental, o que não ocorre na cidade de Seropédica. Segundo Vianna, Seropé-
Êxodo Rural dica ganhou notoriedade por ser próxima de Itaguaí, cidade que possui empresas com investimento internacional para importação e exportação, além de estar situada em um local estratégico, próxima à Dutra, ao Arco Metropolitano e, de certa forma, à capital. De acordo com o professor, o estudo, iniciado há um ano e meio, confirmou o que já se suspeitava: as áreas rurais da cidade estão sendo vendidas para construção de condomínios ou casas para alugar. Em alguns casos, terrenos estão sendo alugados para festas, mantendo sua forma e paisagem rural. Isso ocorre, também, por conta da falta de apoio do Governo à agricultura familiar local, o que provoca uma desistência nas atividades rurais. A pesquisa entrevistou agricultores rurais que já efetuaram a venda dos terrenos. Alguns migraram para o centro, outros mudaram para cidades diferentes.
Seropédica começa a perder o perfil rural Conforme dados do Ministério da Educação (MEC), o programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) criou mais de 12 cursos na UFRRJ em 2010, com cerca de 3.480 vagas. Antônio Cunha, proprietário da principal imobiliária de Seropédica, a Cunha Imóveis, afirma que em 2010 aumentou bastante a procura por imóveis. — Desde os últimos anos, a cidade teve um crescimento muito grande em termos de investidores. Antigamente, quem investia na cidade era o pessoal daqui; hoje, mais de 50% são pessoas de fora que vêm investir no município, fazendo casas, apartamentos, quitinetes para alugar para os universitários. O crescimento do número de alunos na Universidade Rural reflete no crescimento da deman-
Professor Márcio de Albuquerque Vianna, do Laboratório de Pesquisa em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da Rural.
da de aluguéis da cidade: — 95% dos meus clientes são alunos. Se a Rural parar, para a cidade inteira — afirma Cunha. O investidor em imóveis conta que o aumento da procura por residências na cidade diminuiu o preço dos alugueis. Em relação às vendas de terrenos, muitos agricultores ainda resistem. Eles afirmam, na pesquisa feita, que têm vendido devido às dificuldades de realizar atividades agropecuárias sem muito apoio das políticas públicas, a problemas ambientais como a seca dos últimos anos, à falta de infraestrutura como boas estradas e serviços de iluminação pública. Quem tem terras próximas ao aterro sanitário ainda tem problemas com mau cheiro, roedores e insetos, o que inviabiliza a produção de leite, por causa das moscas. — Eles acabam encurralados pelas indústrias e mineradoras, que têm interesse em comprar as suas terras, pois são planas em sua maioria, o que facilita construção de galpões — analisa Márcio Vianna. Para o pesquisador, as grandes empresas oferecem altos valores aos assentados que são capturados pela oferta, mas depois essas terras são vendidas por valores muito mais altos para as indústrias e mineradoras. As grandes empresas que se instalaram em Seropédica compraram boa parte dos terrenos próximos à rodovia Presidente Dutra. Cunha afirma que teve bastante terra vendida em Seropédica, mas com um direcionamento maior para a área de logística. Com a industrialização e o êxodo rural, Seropédica, até então conhecida apenas por abrigar a Universidade Rural, passa a ser vista como um novo polo industrial e, aos poucos, perde a característica de zona rural.
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Maritaca A Primavera Ruralina Do início do coletivo criado por universitárias à inspiração para o surgimento de novos grupos Por Isabela Alencar e Larissa Guedes
O
movimento “Me Avisa Quando Chegar”, criado por alunas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica, luta pelo fim da violência contra a mulher, pela punição de estupradores e pela segurança no campus. As ruralinas, como são chamadas as estudantes, expõem
suas vozes dentro e fora da Universidade, em atos e manifestações, para dizerem que são de luta e que todas também podem ser. Há um longo histórico de estupros na Universidade Rural. De acordo com as denúncias feitas por alunas e ex-alunas na página do Facebook, “Abusos
cotidianos”, desde os anos 70 já foram mais de 600 casos de abuso sexual. A falta de punição pela Reitoria e um caso de estupro re¬cente dentro do campus levaram a indignação das estudantes ao ápice. Em forma de protesto, elas escreveram frases como: “machistas não passarão” em muros e ruas da Universidade.
Ato do “Me Avisa Quando Chegar” em frente ao P1 – UFRRJ. Créditos: RP Fotografia
Logo depois, o “Me Avisa Quando Chegar” foi criado pela aluna de Zootecnia Beatriz Coelho, no dia 1° de abril, em um grupo no Facebook. O objetivo era que as mulheres da Rural se sentissem seguras com uma rede de apoio e parceria entre elas. Grupos que já existiam e mulheres que se manifestavam ou queriam se manifestar juntaram suas forças. Segundo Beatriz, a necessidade de criar um espaço em prol
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das pautas femininas sempre existiu dentro da Universidade. Para a estudante, o fato de algumas pessoas ficarem mais inconformadas com as pichações do que com os estupros demonstrava o quanto a discussão era necessária. Centenas de meninas entraram e convidaram suas amigas. Em dois dias, o grupo havia se tornado um movimento com protestos marcados, discursos de indignação e propostas de ações.
No dia 3 de abril, as alunas foram até a Reitoria e cobraram que fossem tomadas providências contra os crimes sexuais. O grupo pretende que não exista segregação ou hierarquização de pautas e que todas as mulheres sejam igualmente representadas. Por isso, o Movimento criou diferentes comissões abertas e promove assembleias para ampliar a participação de todas nas decisões do coletivo. Muitas
Me Avisa Quando Chegar mulheres se sentem mais confortáveis para contar suas experiências e medos, o que fortalece a luta feminina. O apoio de outras universidades, coletivos e de famosos, como o cantor Gabriel, O Pensador, foram fundamentais para divulgar e ampliar o Movimento. Muitos jornais noticiaram o que foi chamado de “Primavera Ruralina”, entre eles os sites de O DIA, R7 Notícias e G1. A comissão de comunicação do Movimento conta que muitos jornalistas buscavam pelo depoimento de vítimas, que o grupo se negou a expor. Apesar da proteção, os veículos que não desistiram de falar sobre a mobilização conseguiram obter falas de vítimas que encontraram por conta própria. Coletivos de mulheres universitárias pelo Brasil começaram a procurar ajuda no Movimento. A Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) pediu amparo para denunciar recente tentativa de estupro dentro do campus. Muitas notas de apoio foram emitidas pelo “Me Avisa Quando Chegar”, que divulgou e deu visibilidade a outras comunidades acadêmicas
que sofrem com violência sexual. No dia 27 de abril, as mulheres da Rural conseguiram que a Reitoria apoiasse o Dia de Luto e de Luta. Com as aulas canceladas, foram realizadas intervenções, palestras, oficinas, debates e cine-debates focados nas pautas femininas e feministas. Além disso, homens foram convidados a uma roda de ideias a fim de discutir o machismo. No mesmo dia, em ação coordenada, as alunas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se manifestaram pelos direitos das mulheres e o movimento feminista da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) realizou ato de apoio às ruralinas.
“Me Avisa Quando Chegar” para além das universidades A estudante de Jornalismo Pamela Machado, da comissão de comunicação do “Me avisa Quando Chegar”, conta que algumas escolas ocupadas do município do Rio de Janeiro convidaram representantes do grupo para participar de debates. Ela acredita que
Ato do “Me Avisa Quando Chegar” em frente ao P1 – UFRRJ (no centro, de saia vermelha, Pamela Machado. Créditos: RP Fotografia)
as alunas dessas escolas queiram se inspirar no grupo da Rural para formar seus próprios movimentos. Para Pamela, o “Me Avisa Quando Chegar” ainda não consegue atingir nem a sociedade de Seropédica e nem as escolas do próprio município. É uma luta muito ligada ao meio acadêmico e à “bolha universitária” — A gente tem que descobrir como levar isso para fora também, porque as meninas aqui de dentro, que fazem estágio em escolas, veem coisas básicas do feminismo que as meninas lá fora não sabem porque não chegam para elas. A aluna de Jornalismo avalia que as meninas do Movimento deveriam sair da zona de conforto e inserir o debate nas escolas de Seropédica também. — Se eu sofro, ela também sofre. A professora, a terceirizada, a mãe e a tia, que vende bala na cantina, também sofrem, todas sofrem — acrescenta Beatriz Coelho. Maria Carolina Oliveira, integrante da comissão de diálogo do “Me Avisa Quando Chegar”, e Pryscilla Ariel, da comissão de acolhimento e apoio à vítima, são alunas da Universidade Rural e militantes da União da Juventude Comunista (UJC). Para Ariel, a dificuldade do contato com as mulheres de Seropédica é uma consequência de o Movimento ter surgido dentro do ambiente universitário. — A nossa sociedade chegou no nível que não tem como falar de emancipação da mulher sem falar da emancipação de classes, porque, querendo ou não, as opressões se sobrepõem. Emancipar a mulher é emancipar todas as mulheres, inclusive as negras e trabalhadoras, que são as mais exploradas — explica Maria Carolina.
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Maritaca Insegurança no Campus da Rural faz parte da rotina universitária O constante sentimento de medo provocado pela precariedade e falta de manutenção no campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica, faz alunos enfrentarem dificuldades dentro da instituição Por Carla Juliana, Isabela Borges, Letícia Silva e Thaís Chaves
E
nquanto os estudantes brigam por melhores condições no local, a Rural alimenta promessas que não saem do campo das ideias e rege a enorme área do campus sob condições precárias e limitadas. A Reitoria reconhece a situação e funciona como pode. Uma pesquisa foi feita por meio de um questionário com perguntas relacionadas à segurança oferecida pela Universidade e à sensação de insegurança que acompanha os alunos. O questionário foi disponibilizado nas redes sociais e 145 alunos participaram. De acordo com a pesquisa, 6,2% dos alunos já foram assaltados no espaço da Rural, 15,2% já tiveram algo furtado dentro do campus e 2,8% já sofreram algum tipo de violência física. Apesar de a maioria não ter sofrido qualquer tipo de atentado, 94,5% disseram que sentem medo ou insegurança ao andar no ambiente. Um aluno que participou da análise reclamou do descaso com a manutenção no campus, como podas e limpeza do mato, além da não identificação das pessoas que entram e saem do espaço pelo portão principal. No item sobre a experiência de sofrer alguma violência dentro da Universidade, outro estudante respondeu que já teve uma arma apontada a sua cabeça. A Rural possui aproximadamente 3.024 hectares, um conjun-
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A passagem conhecida como “buraco”, entre o Restaurante Universitário e o Pavilhão de Aulas Teóricas (PAT), é um dos lugares críticos. Segundo Joel Clemente, chefe de serviço comunitário, responsável pela iluminação e telefonia da Rural os carros não podem passar para inserir postes de iluminação, mas, recentemente, todo o mato, que muitas vezes era maior do que os pedestres, foi aparado.
Já sofreu algum tipo de violência física na Rural? Os números mostram uma grande diferença entre os casos concretos de violência que ocorrem dentro do campus e o número de alunos que sentem medo ou que convivem com a sensação de insegurança. Parece que a repercussão de casos de violência é refletida em forma de insegurança na rotina dos estudantes.
Não, mas conheço gente que sim Não Sim
Sente a sensação de insegurança ao andar pelo campus? Não Sim
Insegurança na UFRRJ to arquitetônico de 131.346 metros quadrados de área construída e comporta um número de alunos superior a dez mil. Mas o campus de Seropédica tem apenas uma guarita para controle da entrada, 40 guardas federais e dois ônibus para transporte interno dos alunos. A aluna do curso noturno de Letras, Beatriz Fogliano, fala sobre a sensação de medo em estudar à noite e como isso se reflete no seu desempenho. — Quando você escolhe, por qualquer motivo, faltar uma aula, tem que arcar com as con-
sequências disso. Mas você ser obrigada a perder metade das aulas do semestre devido ao medo que sente de sair sozinha do Instituto de Zootecnia às dez horas da noite, porque você é mulher e usa short curto e pode ter seu corpo violentado ou algo roubado, não é culpa sua. Os alunos Eriklis Amorim e Wyllian Torres, do terceiro período do curso de jornalismo, sofreram uma tentativa de assalto ao sair do Instituto de Zootecnia (IZ) no período da noite em direção ao alojamento, onde moram. Eles contam que os pertences não fo-
Opinião dos alunos Na pesquisa feita pela reportagem, entretanto, 91% dos alunos afirmam que a Universidade precisa de mais ônibus, 94,5% acham o número de guardas insuficiente, 91,7% dos alunos consideram que a iluminação e o corte da grama estão em estado precário e 86,9% dos estudantes acreditam que a distribuição dos prédios para as aulas é malfeita.
O coletivo de mulheres Me Avisa Quando Chegar entrou em contato com uma empresa de ônibus para que fosse colocado um novo ônibus que saísse de dentro da Universidade no período da noite. Infelizmente, até o momento, nada foi concretizado. Porém, a Reitoria colocou mais um micro-ônibus para sair da Rural às 22h.
Recentemente, a Divisão de Guarda e Vigilância da Universidade está cadastrando os carros que frequentam a Rural, a fim de controlar o acesso de veículos. A expectativa é que todos os membros da comunidade estejam com adesivos de identificação.
ram levados porque um deles fingiu conhecer um carro que passava na hora. As vítimas não fizeram um Boletim de Ocorrência (BO) e nem falaram com a Divisão de Guarda e Vigilância (DVG), porque não acreditam que alguma providência iria ser tomada. O chefe de serviço comunitário, responsável pela iluminação e telefonia da Rural, Joel Clemente de Andrade, conta que não tem condições de colocar iluminação em toda a Universidade por causa da falta de instrumentos de trabalho. Desde 2015, não há material suficiente para a implantação de postes, por exemplo. Segundo funcionários da DVG, o efetivo de vigilantes na Universidade é de 14 homens, porque, há mais ou menos 18 anos, novos guardas não são contratados. A maioria deles está aposentada e o vazio de funcionários no quadro não é reposto. Em 2013, a Reitoria informou, em nota, que já estudava uma forma de monitoramento e que faria novas contratações de vigilantes.
Ônibus universitário — Os Fantasminhas são patrimônios dos alunos — afirma Londero, um dos motoristas do ônibus universitário, conhecido entre os alunos como Fantasminha pela sua cor. Ele conta que os veículos que transitam pela Rural até o Km 49 só existem por causa das reivindicações dos antigos alunos e que o processo para obtenção dos ônibus durou cerca de seis anos. O veículo interno é uma maneira de garantir que os alunos tenham acesso aos prédios no período da noite de forma segura.
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Maritaca
Matheus Queiroz
“Vocês não podem ter medo de gente”:
essa foi uma das frases que mais ouvimos durante o primeiro período. Não sei se por timidez, falta de experiência ou simples receio de ser invasivo, mas eu tinha um pouco de medo de gente, de tomar iniciativa, de ir um pouco mais fundo sobre alguma questão em uma entrevista. A melhor parte da realização dessa reportagem foi perceber que eu tinha perdido esse medo, que eu conseguia fazer perguntas e conduzir uma entrevista. Mas, melhor que isso, eu me tornei um ouvinte melhor e aprendi a tentar valorizar ao máximo as experiências dos meus entrevistados. Não é apenas um exercício necessário para um jornalista, mas essencial para o ser humano. Sem dúvida, todo o processo de apuração e edição dessa reportagem foi muito decisivo para decidirmos se é isso que realmente queremos para o nosso futuro. Estivemos diante de várias adversidades, passamos noites em claro, viajamos atrás de fontes, mas, pela primeira vez, pudemos experimentar o que é ser um jornalista. E, particularmente, sinto que fiz a escolha certa.
Giulia Escuri
“O município de Seropédica não deveria ter sido emancipado”,
foi a primeira afirmação na pauta. Quando a apuração terminou, o grupo começou a discutir: “É verdade que faltam hospitais, asfalto em muitas ruas e até cemitério, mas e se Seropédica ainda fosse distrito de Itaguaí, as coisas seriam diferentes?” A certeza que fez começar a reportagem virou dúvida, e ainda não encontrei uma resposta para a pergunta. Entendi, na prática, que ser jornalista é bem mais do que partir de uma certeza e prová-la com falas já arquitetadas dos entrevistados. E percebi, como dizia Raul Seixas, que não preciso ter uma opinião formada sobre tudo. A única bibliotecária do município, que sob aviso prévio, chorou ao lembrar dos livros que a prefeitura despejou em um galpão. A enfermeira que quase nos deu as mãos e nos levou a quem poderíamos falar. A artista plástica, que lutou pela emancipação, e nos recebeu em seu atelier. Entre tantas outras pessoas maravilhosas que conheci durante a experiência e me ajudaram na tentativa de me tornar uma aluna e futura jornalista melhor.
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