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Desafios da Telemedicina no extremo norte: A saga da criação do Núcleo RUTE na terra de Makunaima (Roraima) Antonio Carlos Sansevero Martins, MD, MHPE

1. Introdução A Rede Universitária de Telemedicina(RUTE) é uma estratégia crucial para a diminuição das imensas diferenças na oferta de serviços de saúde de qualidade que existem no Brasil. A integração de serviços de excelência às regiões menos favorecidas através dos recursos de redes de comunicação de alta velocidade oferece a perspectiva de troca de informações, qualificação técnica, solução de problemas à distância em curto prazo, bem como de acesso à informação e recursos diagnósticos de outra forma indisponíveis nessas localidades. O presente trabalho apresenta a trajetória da criação do núcleo RUTE-RR, baseada no conceito de um Centro de Telemedicina abrangendo a rede local de hospitais de ensino que dão suporte ao seu curso de Medicina.

1.1. O Estado de Roraima O Estado de Roraima é considerado um estado novo, pois foi promovido a tal condição com a Constituição Federal de 1988. É constituído por uma população estimada de 403.340 habitantes, dentre esses, 14% indígenas – que ocupam uma área de 54% do Estado, com uma densidade demográfica de 1,43 habitantes por Km2. Encontra-se em área estratégica, na fronteira com a Venezuela e a República da Guiana. A maioria da população (75%) se concentra nos seus 15 municípios, e há um discreto predomínio da população masculina (51,15%). A população é formada basicamente por migrantes vindos de todo o país, principalmente da Região Nordeste. (IBGE-2006).

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O acesso à região é difícil, se fazendo, a considerar os grandes centros do país, por via aérea e em muitas regiões, como o norte do estado, este é o único meio de transporte. Se considerarmos Manaus como centro de maior porte mais próximo, a distância da capital Boa Vista é de aproximadamente 700 km por via terrestre. As perspectivas de interação com os grandes centros produtores de conhecimento na área de saúde, facilitadas por mídia eletrônica e redes de transmissão de dados em alta velocidade, surgem como resposta às demandas geradas

pelas

dificuldades

de

deslocamento

de

profissionais

para

aprimoramento, bem como de intercâmbio de informações de saúde, proporcionando meios para atividades de educação à distância, discussões de casos em tempo real, troca de experiências e acesso a bases de dados atualizadas. Preenche-se, desta forma, lacuna importante no processo de diminuição das diferenças das condições de oferta de atenção à saúde à população amazônica em relação ao centro-sul do país. 1.2. O Curso de Medicina da UFRR e a Rede de Saúde O curso de Medicina da UFRR, desde sua criação em 1993, tem-se mantido como escola com melhor avaliação dentre as escolas da região Norte, inclusive obtendo destaque no cenário da educação de profissionais de saúde, graças a três fatores principais: a) sua opção pela formação da docência profissional, incentivando a capacitação em educação; b) sua proposta curricular inovadora, centrada na comunidade; e c) ao apoio de uma extensa rede de colaboradores voluntários, que permitem o aprendizado em ambientes reais de práticas de saúde.

Um dos principais desafios à consolidação do curso é o isolamento geográfico dos grandes centros formadores, onerando significativamente quaisquer ações de intercâmbio em moldes presenciais, adicionando aos custos habituais o “custo amazônico”.

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1.2.1. A Rede de Hospitais de Ensino O núcleo RUTE-RR compreende os três principais hospitais de ensino de Roraima, que concentram mais de 90% da atividade docente-assistencial na área hospitalar, a saber, o Hospital Geral de Roraima (HGR), que concentra as atividades de Clínica Médica e Clínica Cirúrgica de adultos e que é o Centro de Trauma de referência do estado; o Hospital Materno-Infantil Nossa Senhora de Nazaré (HMINSN), que abriga as ações de Ginecologia, Obstetrícia e Neonatologia; e o Hospital da Criança Santo Antonio (HCSA), que é a referência estadual para Pediatria e Cirurgia Pediátrica. O HGR e o HMINSN pertencem à administração estadual e o HCSA à do município de Boa Vista, que está habilitado na gestão plena do sistema no SUS. Essa configuração da rede hospitalar se mostrou desafiadora para o desenvolvimento do Projeto RUTE, no sentido de se configurar em oportunidade de integração de unidades de funcionamento autóctone e independente, mas com clara necessidade de interligação entre si. O complexo de hospitais de ensino conveniados à UFRR configura-se como a rede de assistência de maior complexidade no estado de Roraima, com área de abrangência que também atinge as fronteiras com a Venezuela e República da Guiana, cujas populações freqüentemente buscam atendimento em nossa rede. A tabela seguinte demonstra de maneira geral a capacidade instalada da rede hospitalar: Indicadores

HGR

Leitos Internação 152 leitos de UTI 10 Leitos Observação 44 Leitos UCI 3 Alojamento Conjunto Total de Leitos 209 Salas cirúrgicas 6 Salas de parto

HMINSN HCSA

TOTAL

179 8 10 12 42 251 4 10

403 23 68 17 42 553 13

72 5 14 2 93 3

Fonte: CNES As atividades de ensino desenvolvidas nos hospitais da rede compreendem o treinamento em serviço de alunos de graduação em Medicina e de residentes,

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bem como treinamento de técnicos de nível médio em outras áreas da saúde, como enfermagem, bioquímica, radiologia, etc. Atualmente, a rede de hospitais conta com oito programas de Residência Médica credenciados pela CNRM, descritos no quadro abaixo: Quadro 1. Programas de Residência Médica Programa Pediatria

Hospital Vagas/ano HCSA 04 (quatro) vagas HCSA 08 (oito) vagas

Duração 02 (dois) anos

HMINSN 04(quatro) vagas Clínica Médica HGR 04(quatro) vagas Cirurgia Geral HGR 03 (três) vagas Infectologia HGR 03 (três) vagas Medicina de Emergência* HGR 01 (uma) vaga Ortopedia e Traumatologia* HGR # 03 (três) vagas Anestesiologia*# HGR 03 (três) vagas TOTAL 33 VAGAS

03 (três) anos

Medicina de Família e Comunidade* Obstetrícia e Ginecologia

02 (dois) anos

02 (dois) anos 03 (três) anos 03 (três) anos 01 (três) anos 01 (hum) ano 03 (três) anos

* Credenciamento provisório (2 anos) na CNRM

2. Estrutura do Projeto O Projeto RUTE-RR foi configurado a partir de uma estrutura central na UFRR com três núcleos satélites, um em cada unidade hospitalar. No Centro de Telemedicina da UFRR estão concentradas as salas de teleconferência e um ambiente de Educação à Distância (EAD), com livre acesso à comunidade de profissionais de saúde da rede hospitalar. Com recursos oriundos da portaria 1093/MEC-MS, todo o aparato para 15 estações de trabalho completas, com recursos de webconferência, foi adquirido pelo CCS, para fins de atividades de ensino virtual. Com a inclusão no projeto RUTE, além do ambiente de EAD, uma sala de teleconferência e videoconferência foi homologada no âmbito do CCS para uso da RUTE-RR.

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Cada núcleo hospitalar conta com estrutura de rede interligada ao Centro, organizada para o acesso em tempo real tanto aos outros centros hospitalares acadêmicos integrados à rede e suas bases de dados, como às unidades de atenção básica que utilizarão seu suporte técnico, interligadas via rede de Telessaúde do MS. Para isso, as unidades hospitalares envolvidas no projeto foram incluídas no projeto de rede de fibra óptica da RedeBV (REDECOMEP local). A articulação com o projeto de telessaúde do MS se fará inicialmente através da rede de atenção básica do município de Boa Vista, com projetos-piloto em pontos-chave da rede; em um segundo momento, avançaremos o acesso à rede nos municípios pólo do interior do estado, dentro dos limites de conectividade locais. A idéia central do projeto é a disseminação de conhecimento de maneira horizontal no eixo academia-rede de saúde-comunidade, associada a uma maior agilidade no fluxo de informações de saúde, beneficiando estudantes, profissionais de saúde, docentes, gestores e, como conseqüência direta, a população do estado de Roraima. Nesta óptica, o desenvolvimento de atividades nos três eixos centrais da telemedicina: educação, pesquisa e assistência seguirá um desenho que se aplique às peculiaridades locorregionais, onde a inserção do complexo de hospitais de ensino da UFRR na RUTE se fará na condição de captador de informações de ponta e “state of the art” da prática médica, e de provedor de contribuições relevantes à rede nas áreas de educação de profissionais de saúde, moléstias tropicais e saúde indígena.

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Abaixo, o mapa conceitual do projeto RUTE-RR:

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3. Caminhos e descaminhos O processo de implantação do núcleo RUTE-RR nos ensinou muitas lições ao longo do caminho. Como obstáculos importantes podemos elencar a dificuldade logística, a escassez de recursos humanos, a alta rotatividade de atores na rede assistencial e na gestão da saúde, além da inexperiência por parte da coordenação do projeto pelo curso de Medicina da UFRR. Esse conjunto complexo de fatores, proporcionou diversos contratempos no processo, como o provimento de rede minimamente confiável nas unidades, dificuldade de articulação entre as políticas da RUTE e do TELESSAÚDE, dedicação à tarefa de implantação do núcleo limitada por parte dos profissionais de TI e do curso de Medicina, devida à alta demanda de outros serviços da universidade, e baixa capacidade de articulação com os profissionais da rede de atenção. Como avanços e fortalezas no processo destacamos o apoio matricial incansável da RNP, o desdobramento dos atores envolvidos na busca de soluções para a viabilização do núcleo, e a rede de relacionamentos criada nas muitas instâncias de interlocução entre a academia e o serviço, conseguindo apoios importantes para o projeto de outros centros com processo já consolidado como Amazonas e Tocantins. No momento, o projeto RUTE-RR se encontra em fase de homologação das unidades hospitalares, com o núcleo central da UFRR já operacional e iniciando suas atividades, alavancado pela expansão dos cursos de Medicina das IFES. Agora é a hora de produzirmos nossos frutos.

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