Diabetes Caso 42

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42. Diabetes e hemocromatose hereditรกria


42. Diabetes e hemocromatose hereditária AJA. 50 anos, lavrador. O paciente teve diagnóstico de cirrose hepática há aproximadamente 2 anos com dois episódios prévios por hemorragia digestiva alta. Há 6 meses foi diagnosticado DM com clínica de poliúria, polidipsia, polifagia e emagrecimento. Desde o diagnóstico está em uso de insulina NPH. O paciente ainda refere diarréia 3 a 6 evacuações por dia, às vezes com presença de sangue vivo e gordura. Ex-etilista de 1 a 3 litros de cerveja diários em abstinência há 7 meses. Em uso de insulina NPH 6 unidades antes do café, almoço e antes de dormir, Omeprazol, complexo B, Propanolol. Os pais não são consanguíneos. Mãe, etilista importante, faleceu aos 80 anos por AVC. Pai falecido por morte súbita. Irmãos saudáveis. Exame físico na admissão hospitalar: descorado, hidratado, acianótico, anictérico, eupneico. Peso: 39 Kg. Altura: 165 cm. IMC 14,3 Kg/m2. PA: 70 x 52 mmHg. FC: 61 bpm. Coração: ausculta normal sem arritmias, sem sopros sem estase jugular; Abdome: presença de cabeça de medusa, aranhas vasculares, baço palpável a 3 cm do RCE e fígado palpável a 5 cm RCD. Discreto edema bilateral membros inferiores. • Exames Laboratoriais: Hemograma: Hb 11,8g/dL Ht 32,9%; Leucócitos: 1930 a 2700/ mm³; Plaquetas: 11mil a 27 mil/ mm³. Creatinina: 0,5 mg/dL (0,70 a 1,20); Colesterol total: 87mg/dL; HDLcol: 9 mg/dL; LDL: col 41 mg/dL; Triglicerídeos: 186 mg/dL; Albumina: 3,0 g/dL (3,4 a 4,8 g/dL). Ferro sérico: 125 µg/dL (215-365); Transferrina: 130 mg/dL (215 a 365); Ferritina: 7495 ng/mL (30 a 400); INR/ TP: 1,57/18,6 (0,80 a 1,20); Fator V: 48% (70 a 150 %). TSH: 4,71 µU/mL (0,40 a 4,50) T4L: 0,85 ng/dL (0,70 a 1,50) IGF1: 30 ng/ml (91- 246). Testosterona total: 11 ng/dL (271 a 965). LH: 3,2 IU/L (1,0 a 8,4). FSH: 5,9 IU/L (até 10,5). Entre parênteses os valores normais. • Exames radiológicos: Varizes de esôfago, gastropatia hipertensiva intensa. Ressonância nuclear abdome: Sinais de acentuada sobrecarga férrica hepática e pancreática compatível com o diagnóstico de hemocromatose


primária. Sinais de hepatopatia crônica com hipertensão portal. ECO: função sistólica biventricular preservada. • Pesquisa genética Hemocromatose: HFE (+) mutação C282y em homozigose. O paciente foi tratado com dieta hipercalórica, hiperproteica e insulinoterapia intensiva. Como não há possibilidade de flebotomia terapêutica por causa da anemia foi submetido a quelação de ferro com sulfato de desferroxamina intravenoso.

Discussão: O paciente é portador de diabetes mellitus, cirrose hepática, com estado geral bastante comprometido e evidência laboratorial de hiperesplenismo, com anemia, plaquetopenia e leucopenia. Função hepática também comprometida pela observação de albumina baixa e lipídeos em concentrações inferiores ao normal , fatores de coagulação deficientes. Há hipogonadismo secundário, com concentrações plasmáticas de testosterona muito baixas na presença de hormônios hipofisários (LH e FSH) dentro do normal. A concentração plasmática de ferritina extremamente elevada, é diagnóstica de hemocromatose hereditária, confirmada pelo pesquisa positiva para a mutação do gene HFE. Hemocromatose hereditária (HH) é uma doença autossômica recessiva em que mutações no gene da hemocromatose familiar hereditária HFE (hemocromatose familiar hereditária) causam aumento da absorção intestinal de ferro. As manifestações clínicas da doença, e de outras formas de sobrecarga de ferro, estão relacionados com a deposição de ferro excessiva nos tecidos, especialmente o fígado, coração, pâncreas, e pituitária. Considerada anteriormente uma doença rara, o rastreamento na população mostrou que a frequência de heterozigotos é de cerca de 10 % em populações caucasianas nos Estados Unidos e na Europa ocidental com uma frequência de cerca de 0,5 % para o estado homozigótico. Indíduos com mutação em homozigose têm um aumento da absorção de ferro não regulado pelas reservas teciduais, com um acúmulo progressivo


nas células parenquimatosas, levando as manifestações clínicas deste depósito como: doenças do fígado, pigmentação da pele, diabetes mellitus, artropatia, impotência sexual em homens, e hipertrofia cardíaca com ou sem insuficiência cardíaca ou defeitos de condução. A hiperpigmentação da pele reflete uma combinação de deposição de ferro e melanina. A tríade clássica de cirrose, diabetes mellitus, e pigmentação da pele (“diabetes de bronze”) ocorre em estágios finais da doença. Hepatomegalia, fibrose e cirrose são muito comuns, e com evolução eventual para adenocarcinoma hepático, assim como hipertensão portal. A sobrecarga de ferro na HH também potencializa o desenvolvimento da doença hepática alcoólica. O carcinoma hepatocelular (HCC) é uma das complicações mais graves de deposição excessiva de ferro hepático. Vários estudos têm demonstrado um aumento do risco de carcinoma hepatocelular em pacientes com hemocromatose hereditária. Diabetes Mellitus (DM) está presente em aproximadamente 50 % dos pacientes com HH, ocorre por acúmulo progressivo de ferro no pâncreas. O defeito parece ser relativamente seletivo para a célula beta do pâncreas; insulina e de peptídeo-C são reduzidos, mas função da célula alfa parece estar intacta, como evidenciado pelo aumento das concentrações séricas de glucagon, semelhantes aos observados em pacientes com diabetes tipo 1. Nos pacientes com HH e DM em insulinoterpaia observa-se queda da necessidade insulínica após a remoção do ferro por meio de flebotomia terapêutica.

Discute-se se os pacientes com DM devem ser rastreados para a hemocromatose, uma

vez que alguns estudos mostram que a incidência de HH é maior em diabéticos; esta questão está longe de ser um consenso, mas em diabetes de evolução não habitual a HH deve ser investigada. Hipogonadismo: HH é caracterizada pela deposição de ferro em excesso em células da pituitária, em especial na hipófise anterior, levando a uma redução das concetrações séricas de hormônios tróficos. Hipogonadismo hipogonadotrófico é a anormalidade mais comum, causando diminuição da libido e impotência nos homens.


HH pode levar a uma cardiomiopatia dilatada, caracterizada pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca e distúrbios de condução, tais como a arritmia sinusal devido à deposição de excesso de ferro no miocárdio. O envolvimento cardíaco na hemocromatose pode ser diagnosticado com base na história, exame clínico, exames laboratoriais e de imagens não invasivas. O tratamento com flebotomia ou a terapia de quelação tem sido associado com a reversão da disfunção ventricular esquerda. No entanto, a disfunção miocárdica irreversível pode ocorrer em indivíduos com doença avançada. Artropatia - HH pode ser associada com um artropatia que exibe o espectro de doença de depósito de cristais de pirofosfato de cálcio (isto é, pseudogota, condrocalcinose e artropatia crônica). Em contraste com outras manifestações de HH, os sintomas de artropatia em geral não respondem a flebotomia com remoção de ferro.

Hemocromatose: Frequência de alterações relacionadas à sobrecarga de ferro (%)

Alterações da função hepática

75

Fraqueza e letargia

74

Hiperpigmentação da pele

70

Diabetes mellitus

48

Artralgia

44

Impotência em homens

45

Alterações eletrocardiográficas

31

Conclusão: Hemocromatose hereditária (HH) é uma doença hereditária em que mutações

nos genes em especial os do gene HFE fazem com que a absorção de ferro intestinal aumente, com sobrecarga de ferro resultante e dano tecidual. As principais manifestações clínicas de acúmulo de ferro na HH avançada incluem a doença hepática, pigmentação da pele, diabetes mellitus, artropatia, impotência em homens, e hipertrofia cardíaca com ou sem insuficiência cardíaca ou defeitos de condução.


O diagnóstico é feito por verificação de ferro sérico ou níveis de ferritina ou por rastreamento a partir de historia familiar de HH. Na grande maioria de seus portadores não há sintomas, mas há em menor número os que têm cirrose, diabetes, ou hiperpigmentação da pele.

Diabetes pode ser uma das primeiras manifestações da doença


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