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50. Diabetes e adenocarcinoma de p창ncreas


50. DIABETES E ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS AAP, 78 anos masculino, aposentado.

O paciente está há 10 dias com poliúria e polidipsia, mal estar geral e cansaço. Sem-

pre foi muito saudável, sua alimentação bastante adequada: evita gorduras, rica em fibras; faz exercícios diariamente (caminhada) e não tem história familiar de diabetes e obesidade. Anualmente é examinado por um clínico geral e na última avaliação, há 8 meses, o perfil metabólico (lipídeos, glicemia e acido úrico) estava normal.

Exame clínico: Peso: 82 kg; Alt.: 177 cm; IMC: 26.1kg/m2.

Sem anormalidades no exame especifico dos sistemas. Glicemia atual: 452 mg/dl.

O paciente foi tratado imediatamente com insulina regular a seguir NPH e introduzido gliclazida. Após uma semana sua monitoração glicêmica domiciliar mostrava glicemias capilares entre 55 e 135 mg/dL; a insulina foi suspensa e o paciente mantido apenas em dieta e gliclazida porque teve intolerância a metformina.

Seis meses após o quadro inicial, por um quadro de icterícia, realizou tomografia de

abdome, evidenciando um tumor em cabeça de pâncreas; submetido à ressecção cirúrgica e anatopatólogico, revelou um adenocarcinoma de pâncreas. Após 8 meses o paciente faleceu com um quadro de metástases pulmonares e hepáticas.

DISCUSSÃO

Este senhor tem alguns dados de história que sugerem a presença de uma doença

diferente do diabetes tipo 2, como: ausência de história familiar de diabetes e de sinais relacionados a síndrome metabólica (IMC de 26 26.1kg/m2 - é bastante apropriado para uma pessoa com 78 anos), é ativo, sua dieta é saudável. Além disso, o quadro clínico foi rápido demais, tanto do ponto de vista clínico quanto pela informação de glicemia prévia normal. Seria essa a primeira manifestação de um carcinoma de pâncreas?


Relação entre câncer de pâncreas e DM

Diabetes provocado por tumores pancreáticos é bem conhecido, embora muito

raro, como neoplasia de células das ilhotas pancreáticas secretoras de glucagon (glucagonomas) e de somatostatina (somatostatinomas). O adenocarcinoma do pâncreas (CA) tem sido descrito como uma causa de piora da evolução de diabetes ou mesmo como primeira manifestação desta doença. Além disso, o diabetes tipo 2 tem sido associado a aumento de risco de vários tumores, dentre os quais o carcinoma de pâncreas.

Ewald e col. avaliaram 1868 pacientes internados num período de 24 meses que foram

reclassificados quanto a etiologia do diabetes; em 172 pacientes o diagnóstico foi reclassificado como diabetes associado a pancreatopatia (9.2%). Dentre esses, pancreatitecrônica era presente em 135 (78,5 % ) e CA de pâncreas em 14 pessoas.

Hippisley-Cox e Coupland mostraram que em casos diagnosticados com CA de pân-

creas, em uma corte de 4 milhões de pessoas, os preditores para essa doença eram: idade, tabagismo, diabetes tipo 2 , pancreatite crônica, dor abdominal, perda de apetite e perda de peso. Baseados nestes dados, estes autores definiram as chances de ter a doença baseados nestes fatores, de modo a contribuir para o diagnóstico mais precoce desta doença.

Evidências apontam maior incidência de adenocarcinoma de pâncreas em diabéticos

do tipo 2 de longa data, assim como a primeira manifestação do câncer como intolerância à glicose ou diabetes manifesto na forma de uma descompensacao aguda.

Estudos em animais atribuem a maior incidência de CA de pâncreas em diabéticos a

exposição prolongada à hiperinsulinemia, estimulando os receptores de insulina, que estimula o crescimento de células pancreáticas. Já em humanos, atibui-se à resistência periférica à insulina e disfunção simultânea de resposta das células beta à glicose como o principal mecanismo de causa do diabetes em paciente com CA de pâncreas. Esta hipótese foi confirmada pela demonstração de concentrações elevadas de peptideo C em pacientes com adenocarcinoma


pancreático, com melhora da sensibilidade à insulina com a ressecção do tumor.

A ligação entre diabetes e câncer de pâncreas é baseada principalmente em uma

relação temporal. Uma meta-análise identificou indivíduos com diagnóstico de diabetes com um risco 50% maior de malignidade pancreática nos 4 anos subsequentes ao diagnóstico, em comparação com indivíduos que tinham diabetes há mais de 5 anos. Em 40% dos indivíduos com câncer de pâncreas, o diabetes é de inicio recente o diabetes, ou seja, foi diagnosticado nos últimos 5 anos. Embora os dados epidemiológicos sugiram uma relação entre as duas doenças, não há evidência conclusiva entre causa e efeito. A simples perda de massa normal funcionante do pâncreas poderia ser a gênese do diabetes em pacientes com CA, pois quase 100% dos pacientes submetidos a ressecção pancreática (remoção de 80-95% do tecido) secundária à pancreatite crônica ou fulminante aguda, pancreatite hemorrágica desenvolvem diabetes. Outra hipótese para explicar a causalidade entre essas duas doenças está na perda das células pancreáticas produtoras de polipeptideo pancreático (PP). Essas células inibem a secreção pancreática exócrina e contração da vesícula biliar e atuam como mediadores hormonais do metabolismo da glicose. Deficiência de células PP está associada com a resistência hepática à insulina e produção de glicose hepática inadequada, contribuindo para hiperglicemia.

A invasão local do tumor, a destruição da celula beta, a obstrução ductal e pan-

creatite fibrótica poderiam contribuir para o desenvolvimento de intolerância à glicose e diabetes. No entanto, na avaliação anatopatológica, as células das ilhotas circundantes ao tumor têm a aparência de células pancreáticas normais; além disso, apenas 15-20% da massa das células beta é necessária para manter normoglicemia; e mesmo assim, adenocarcinomas pancreáticos pequenos podem também causar hiperglicemia. A hipótese de o diabetes ser um fenômeno para-neoplásico vem de modelos animais nos quais células cancerosas pancreáticas secretam mediadores não imunológicos que interferem com o metabolismo da glicose, a secreção de amilina, e com a ação periférica de insulina. O aumento da secreção de amilina tem sido relacionado à resistência à insulina e ao diabetes na presenca de CA de pâncreas.

As hipóteses sobre a relação entre CA e diabetes continuam não comprovadas em

humanos. De qualquer forma, a insulinopenia transitória, resistência à insulina periférica e


disfunção das células beta secundária na presença de CA pancreático, podem contribuír para o estado hiperglicêmico persistente. Em conclusão: pacientes com diabetes tem maior risco de desenvolver vários tipos de tumores entre os quais o carcinoma de pâncreas. A evolução não habitual do controle glicêmico deve levantar a hipótese de associação entre as duas doenças.

Referências: • Ewald N, Kaufmann C, Raspe A, Kloer HU, Bretzel RG, HardtPD. Prevalence of diabetes mellitus secondary to pancreatic diseases (type 3c). Diabetes Metab Res Rev. 2012 May; 28(4):338-42. • Hippisley-Cox J, Coupland C. Identifying patients with suspected pancreatic cancer in primary care: derivation and validation of an algorithm. Br J GenPract. 2012 Jan;62(594):38-45.


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