Esteato-hepatite e diabetes

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2. Esteato-hepatite e diabetes


2. Esteato-hepatite e diabetes RSB, 72 anos, feminina, professora aposentada. A Sra. Raquel foi encaminhada por causa de hiperlipemia e alteração de enzimas hepáticas. Sua saúde em geral era boa, tendo o diagnóstico de hipertensão arterial há 5 anos, bem controlada com losartana. Ela vinha ganhando peso, especialmente no último ano, quando deixou de fazer exercícios e também parou de se preocupar com a sua alimentação porque estava muito envolvida com problemas de um familiar.

Referia alimentação variada, sem cuidados dietéticos especiais, realizando três re-

feições diárias, em média, negando o uso de álcool. Não referia queixas, nomeadamente astenia ou anorexia. Negava dor ou desconforto abdominal, bem como outra sintomatologia. Seus antecedentes familiares eram irrelevantes e a história familiar indicava diabetes mellitus nos pais. O exame clínico, sem anormalidades, mostrava altura = 154 cm, peso = 68 kg, IMC = 28,7 kg/m2. Pressão arterial: 128/75. Exames laboratoriais: Glicemia de jejum = 121 mg/dL Glicemia após GTT = 344 mg/dL Hemoglobina glicada 7.5% ( normal de 4 a 6%) AST (TGO) 70 U/L e ALT (TGP) 120 U/L; Fosfatase alcalina 68 U/L (Nl 35 a 104 U/L) gGT 45 U/L (valores normais: 8 a 41 U/L - mulheres) Creatinina: 1,1 mg/dL; l HdLColesterol 35 mg/dL; LDL colesterol 126 mg/ dL e triglicerídeos de 328 mg/dL, hemograma: sem alterações significativas, exceto por plaquetopenia: 126.000/mm3, ferritina: 890 mcg/L e saturação de ferro: 35%. O exame de urina não mostrava proteinúria e o fundo de olho e ECG eram normais.

Como as enzimas hepáticas eram persistentemente elevadas, foram realizadas

sorologias para hepatites, que foram negativas. A ultrassonografia abdominal era compatível com fígado de tamanho discretamente reduzido, sem outras alterações importantes. Perante estes resultados, realizou-se biopsia hepática que mostrou cirrose hepática micronodular, com atividade inflamatória mínima, o que levou ao diagnóstico de esteato-hepatite não alcoólica com evolução para cirrose.


A paciente foi orientada a adotar hábitos alimentares mais saudáveis e a realizar atividade física compatível com a idade e prescrito Metformina 1 grama/dia além de sinvastatina 20 mg/dia. Passou a evitar alimentos gordurosos e frituras, aumentou o consumo de legumes e iniciou caminhada (1 hora ao dia, 3 a 5 vezes na semana). Após 6 meses seu peso era 62 kg, IMC =26,1 kg/m2; as enzimas hepáticas estavam dentro da normalidade e HbA1c de 6,2%; e triglicerídeos de 156 mg/dL.

DISCUSSÃO A paciente tinha glicemia de jejum compatível com o diagnóstico de glicemia de jejum alterada. A Hemoglobina glicada, no entanto, segundo as novas orientações das principais associações médicas, indica o diagnóstico de diabetes, o que é confirmado pelo teste oral de tolerância a glicose, claramente anormal (tabela 1). A alteração de enzimas hepáticas, a ultrassonografia mostrando redução no tamanho do fígado e biopsia hepática confirmam o diagnóstico de esteato-hepatite não alcoólica (nonalcoholic steatohepatitis - NASH). Esta doença é considerada atualmente como uma forma subdiagnosticada de doença hepática criptogênica, sendo uma causa comum de alteração de enzimas hepáticas, principalmente de aminotransferases (transaminases). Foi descrita como uma síndrome com características histológicas semelhantes à hepatite alcoólica, em indivíduos adultos não etilistas. Está associada, frequentemente, à obesidade, diabetes e à dislipidemia, ocorre em ambos os sexos e pode atingir qualquer faixa etária. A esteato-hepatite não alcoólica (NASH) pode ser considerada um elo entre a doença hepática gordurosa não alcoólica, que anteriormente se acreditava ser uma doença de evolução benigna, e a cirrose hepática.

É importante acentuar que ela está fortemente associada à síndrome metabólica, com seus

componentes mais frequentes: obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e dislipidemia, muitas vezes associados à hipertensão arterial. De um modo geral, consideram-se obesidade central (adiposidade visceral), diabetes, triglicerídeos elevados, concentração sérica de HDL reduzida e hipertensão arterial como os fatores de risco para NASH. Sua patogênese está relacionada ao acúmulo de gorduras no fígado, por aumento do aporte de ácidos graxos, (como acontece na obesidade e perda ponderal abrupta), provocando o primeiro evento lesivo que é a esteatose. A resistência à ação da insulina, comum na síndrome metabólica pode contribuir para isso. Em etapa posterior ocorre a esteato-hepatite com suas formas evolutivas: fibrose e cirrose.


Diagnósticos alternativos, que devem ser excluídos pela história e testes sorológicos incluem: hepatites virais, consumo excessivo de álcool, hemocromatose, doença hepática autoimune, deficiência de alfa-1 antitripsina, doença de Wilson e disfunção hepática induzida por drogas. Na maior parte das vezes, os pacientes com NASH são assintomáticos e o diagnóstico é suspeitado por elevação de transaminases em testes de rotina. Esteatose-hepática é também um achado frequente incidental no ultrassom, realizado por outras razões, como na suspeita de calculose biliar. Os sintomas mais comuns são: desconforto no quadrante superior direito e fadiga, embora esta última pode também ser causada pela apnéia do sono, que é frequentemente observada na população de obesos com esteatose-hepática. A hepatomegalia é o achado clínico mais comum.

Embora o diagnóstico de NASH muitas vezes seja feito após a constatação de en-

zimas hepáticas discretamente alterada, alguns pacientes podem ter valor de enzimas dentro da normalidade. A TGP ou ALT (alanina-aminotransferase) é geralmente maior do que a TGO ou AST (aspartato-aminotransferase) e raramente aumenta mais de três vezes que o limite superior do normal. A fosfatase alcalina e a gama-glutamiltransferase (GGT) estão elevadas e a presença de albumina baixa, hiperbilirrubinemia e plaquetopenia indicam doença hepática avançada. A saturação de ferro baixa sugere o diagnóstico de NASH, ao contrário da hemocromatose na qual a saturação de ferro sempre está elevada (acima de 95%).

Essa doença tem geralmente um curso clínico estável e indolente. No entanto,

quase metade dos doentes poderá evoluir para fibrose (15 a 40 %) e, em algumas séries, cerca de um sexto evolui para cirrose (em alguns estudos epidemiológicos cerca de 1% dos transplantes hepáticos tem um diagnóstico pré-transplante de NASH). Diante do diagnóstico de NASH, o próximo passo é determinar a gravidade, e o prognóstico. A biópsia do fígado permite avaliar: (i) o grau de fibrose e (ii) o processo inflamatório / balonamento das céluas. O aspecto histológico da NASH varia de esteatose simples, esteato-hepatite, fibrose e cirrose. Não há alterações patológicas capazes de definitivamente distinguir NASH de doença hepática alcoólica; portanto, uma história de prévia de consumo de álcool é essencial para distinguir entre essas duas condições. As características típicas de esteatose e inflamação desaparecem na doença avançada, assim, muitos dos casos de cirrose “criptogênica” são provavelmente causados por NASH e


o carcinoma hepatocelular é uma complicação bem reconhecida da Nash. do ponto de vista prático, pode-se considerar que medidas voltadas para a terapêutica da obesidade constituem a melhor opção atual de tratamento. orientações de aumento de atividade física e dieta apropriada com o objetivo de promover perda de peso lenta e progressiva são fundamentais. Estas medidas podem levar à diminuição de enzimas hepáticas e melhora histológica das lesões especialmente naqueles que tem redução de peso maior do que 7%. Embora alguns estudos mostrem melhora de enzimas hepáticas com o uso de metformina, o seu benefício é controverso. apesar desta paciente não ser obesa no início do quadro (iMC=28,7 kg/m2 – tabela. 2), a recomendação de dieta e atividade física programada diminuiu o peso corporal (iMC =26,1 kg/m2) e todas as anormalidades metabólicas, como a hemoglobina glicada e

tabELa 1: diaGNÓstiCo LaboRatoRiaL dE diabEtEs E sEUs EstÁGios pRÉ-CLÍNiCos

Jejum

2h após glicose

<100

<140

100 a 109

<140

tolerância a glicose diminuída

<110

<140-199

diabetes

>126*

>200

Normal Glicemia jejum alterada

Jejum de 8 horas teste oral de tolerância à glicose com 75 gramas de glicose *Repetir para confirmação

casual

>200


Tabela 2 - Classificação do estado nutricional de idosos segundo o IMC

IMC (kg/m2) < 23 23 > IMC > 28

Estado nutricional Baixo peso Eutrofia

≥ 28 e < 30

Sobrepeso

≥ 30

Obesidade

Fonte: SABE/OPAS (2002) *Repetir para confirmação


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