Hipoglicemia mesmo com redução de doses de insulina

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15. Hipoglicemia mesmo com redução de dose de insulina


15. HIPOGLICEMIA MESMO COM REDUÇÃO DE DOSE DE INSULINA PAS, 62 anos, feminino, auxiliar administrativa aposentada. A Sra. Patrícia tem diabetes tipo 2 há 25 anos, em uso de NPH, 30 unidades de manhã e 18 ao deitar; a glicemia antes do jantar era 35 mg/dl e não estava sentindo nada. Há uma semana reduziu pela metade a dose de insulina por causa de medidas de glicemia capilar frequentemente muito baixas, atualmente está usando Insulina NPH 15 unidades pela manhã e 10U ao deitar, e pequenas doses de insulina regular quando a glicemia está maior que 200 mg/dL (usa no máximo 10 unidades ao dia quando o controle está particularmente ruim). - Peso: 62 kg Altura 169 cm - PA sentada: 98/74, FC: 102 bpm; PA de pé: 72/40 FC 108 bpm. Exame físico normal Fundo de Olho normal; Creatinina 0.6 mg/dl, albuminúria negativa. HbA1c=7.8 %; TSH 1.84 uU/ml; T4 livre 1.5 ng/dL; glicemia 395 mg/dL;

MONITORAÇÃO Data

Café

1

255

2

422

3 4

Almoço 98

450

328

Jantar LO

Deitar

3hs

525

45

72

28

325

452

98

35

42

LO

49

35

NPH 15+0+0+10 2+3+0 15+0+0+10 3+0+0 15+0+0+10 0+3+3 15+0+0+10 0+0+0


15+0+0+10 = NPH 15 unidades de manhã e 10 ao deitar. 2+3+0 = Insulina Regular 2 unidades 30 minutos antes do café e 3 unidades 30 minutos antes do almoço. 0 significa que não usa insulina neste horário. Em resumo: trata- se de paciente com longo tempo de diabetes tipo 2, que tem medidas de glicemia capilar muito baixas sem sintomas de hipoglicemia. As questões a serem consideradas são:

Porque a ausência de sintomas?

Em primeiro lugar é necessário verificar se as medidas do glicosímetro estão cor-

retas e condizentes com as anotadas pelo paciente. É importante saber se ela de fato aplica o que diz e conferir a técnica de aplicação de insulina.

Avaliar se o uso de insulina regular (ou insulina ultrarrápida: lispro, asparte, glulisina)

está associado à ingestão alimentar; verificar se a paciente aplica insulina antes do almoço, por exemplo, mas não almoça ou não consome carboidratos na refeição.

A ocorrência de hipoglicemia sem sinais de alarme (hypoglycemic anawareness)

foi descrita há mais de 50 anos em pessoas com diabetes e também em portadores de insulinoma, que toleram concentrações glicêmicas muitíssimo baixas sem os sintomas de alarme. Atualmente, considera-se que o sintoma de hipoglicemia não é uma questão de tudo ou nada, há um amplo espectro de apresentação, desde a total ausência de alarme até a presença de sintomas discretos ou atípicos (muitas vezes não valorizados pelo paciente). Pensou-se que a hipoglicemia assintomática ou sem alarme fosse uma complicação permanente relacionado à neuropatia autonômica, mas sabe-se que pode ser revertido se o paciente conseguir permanecer rigorosamente sem nenhuma hipoglicemia por um tempo variável de algumas semanas a poucos meses.

Devemos lembrar que outros motivos podem levar as pessoas com diabetes a ter

necessidades progressivamente menores de insulina como:

• Insuficiência renal progressiva;

• Insuficiência de hormônios contrarreguladores ( cortisol e GH);

• Insuficiência adrenal;

• Hipofisite autoimune.


Sempre avaliar a possibilidade de hipoglicemias por diminuição da ingestão de alimento, é claro, e as fictícias, por administração intencional de doses de insulina, ou mesmo erros na aplicação de insulina e que a atividade física pode levar a hipoglicemia logo após o término do exercício, ou também 6 a 11 horas depois da atividade, chamadas hipoglicemias tardias. Além disso, a atividade física frequente leva ao condicionamento físico e à redução na necessidade insulínica.

O que fazer para esta paciente? É necessário explicar os sintomas clássicos de hipoglicemia (tremor sudorese, etc) e não clássicos (mudanças de humor, fadiga, formigamentos, dificuldade de raciocínio, sono agitado, pesadelos noturnos, cefaleia ao acordar, etc). Orientar correção de hipoglicemia, ou seja, comer 1 colher de sopa de açúcar em ½ copo de água ou 1 copo pequeno (150 mL) de suco de laranja ou refrigerante comum ou 4 bolachas, esperar 10 a 15 minutos, reavaliar sintomas ou medir novamente a glicemia, repetir este processo (comer e esperar 10-15 min) quantos vezes forem necessárias para corrigir a hipoglicemia. Na vigência de hipoglicemia com alteração de consciência ou convulsões, prescrever glucagon e orientar o paciente e os familiares sobre a forma de uso. Modificar as doses de insulina para um esquema basal-bolus, com insulina basal e a insulina rápida em quantidades parecidas e certamente em doses menores do que ela usa no momento. A dose de insulina pode ser calculada baseada no peso atual da paciente (62 Kg), assim: Dose total diária de insulina: 0,4 a 0,8 U/kg/dia •

Peso x 0,4 = 24,8 U = 25 U/dia

Peso x 0,8= 49,6 U = 50 U/dia

Como a paciente tem muita hipoglicemia assintomática, a tendência seria utilizar uma dose menor de insulina, então ~ 25 UI /dia seria mais sensato. Metade da dose seria utilizada com insulina basal (12 - 13 UI), NPH: 5+4+0+4 e a outra metade como bolus


pré-prandial (~12 UI), Insulina Lispro / asparte / glulisina: 4+4+4. A princípio, podemos não orientar correção para observar como a paciente se comporta com as doses prescritas, mas caberia orientar a redução da dose de insulina pré-refeição na presença de hipoglicemia, ou seja, glicemia pré-prandial menor que 50 mg/dl reduzir 2 UI e se entre 51 e 70 mg/dL reduzir apenas 1 UI. Caso a opção seja orientar dose suplementar de insulina pré-prandial para correção de valores alterados, deve-se prescrever metas glicêmicas não tão rígidas. Paciente com hipoglicemias assintomáticas, glicemias devem variar entre 100 e 200 mg/dL, então o alvo glicêmico deveria ser entre 120 e 150 mg/dl e o fator de correção entre 50 e 100 mg/dL. Uma tabela com as orientações de suplementação de dose deve ser fornecida ao paciente (como fazer esta suplementação tem ficar muito clara para o paciente, para que não haja erros!), como exemplo:

• Glicemia capilar menor que 50 mg/dl, corrigir a hipoglicemia (consumir carboidrato) e

depois aplicar 2 unidades de insulina rápida (ou ultrarrápida);

• Glicemia entre 70 a 120mg/dL, aplicar 3 unidades de insulina rápida (ou ultrarrápida);

• Glicemia entre 120-180 mg/dL, aplicar 4 unidades de insulina rápida (ou ultrarrápida);

• Glicemia entre 180-240 mg/dL, aplicar 5 unidades de insulina rápida (ou ultrarrápida);

• Glicemia entre 240-300 mg/dL, aplicar 6 unidades de insulina rápida (ou ultrarrápida).

Orientar a automonitoração, como a paciente está em uso de dose fixa de insulina, sugere-se a monitoração de 8 pontos 1 x semana:

• Medir glicemia capilar antes e duas horas após as refeições, às 3h da madrugada

e jejum do dia seguinte, refil de 8 pontos, 1 vez por semana.

3h da 2h depois madrugada

Data

Jejum

2h depois

Antes do almoço

2h depois

Antes do jantar

12/04

X

X

X

X

X

X

X

13/04

X

26/04

X

X

X

X

X

X

X

27/04

X

03/05

X

X

X

X

X

X

X

04/05

X


Como a paciente tem hipoglicemias frequentes e muitas vezes assintomáticas, seria prudente orientar medir sempre antes das refeições e também em outros períodos do dia, especialmente as madrugadas para a prevenção de hipoglicemia, e agendar retorno precoce. Este esquema deve ser reavaliado rapidamente. Qualquer hipoglicemia implica em modificação do esquema e redução da dose de insulina. Manter a paciente sem hipoglicemia (de 3 semanas a meses) pode modificar a sua capacidade de perceber os sintomas e reverter o quadro de hipoglicemia sem sinal de alarme. Paciente como esta deve ser acompanhada em serviço de atenção secundária, de preferência por equipe multidisciplinar, por causa da sua complexidade e risco. A educação para a prática do autocuidado é fundamental


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