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AMPUTAÇÃO DE MEMBROS SUPERIORES Andréa Thomaz
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AMPUTAÇÃO DE MEMBROS SUPERIORES
Introdução
O
membro superior (MS) é uma estrutura altamente complexa de nosso corpo, dotada de capacidades importantes como sensibilidade e destreza. Desta forma, é possível compreender os danos que a perda do membro superior causa no desempenho global do indivíduo. Amputações de MMSS correspondem a 20% do total de amputações, sendo o trauma (notadamente acidentes de trabalho, com máquinas) sua principal etiologia, seguido de tumores (malignos ou benignos de alta agressividade local), deformidades congênitas (50 a 60% de causa de amputação em crianças e adolescentes), vasculopatias (vasculites inflamatórias ou trombogeíte obliterante; correspondem a 5% do total) e infecciosas (Mal de Hansen, por exemplo).
Reabilitação e protetização Quando há necessidade de amputação, deve-se tentar, sempre que possível, obter um nível que possa possibilitar o restabelecimento máximo da função daquele membro e, consequentemente, do indivíduo. Para isso, é importante que o coto esteja o mais adequado possível, o que envolve vários aspectos, como: sensibilidade, comprimento, ausência de dores, entre outros...
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Para um melhor revestimento cutâneo, preservando-se assim a sensibilidade, é importante que se mantenha o máximo de pele viável, ou seja, com perfusão. A pele da palma é ainda mais sensível, sendo preferível para o revestimento. Deve-se tomar ainda o cuidado de não se deixar a pele tracionada e de se usar retalho caso não haja pele suficiente para uma cobertura óssea adequada (enxertos em MMSS podem ser usados, pois não são submetidos a grandes trações como nas amputações em membros inferiores – MMII). A localização da cicatriz depende das condições no momento da cirurgia e ela não deve apresentar aderências ao tecido ósseo. Também importante é a cobertura muscular (mioplastia – sutura de musculatura agonista e antagonista – ou miodese – sutura dos grupos musculares no osso), que é a responsável por maior estabilidade do coto e por possibilitar o uso de prótese mioéletrica. Diferente de amputações de MMII, o comprimento do coto de MS deve ser o maior possível. Isso se deve aos seguintes fatos: há necessidade de mais espaço entre a articulação da prótese e a extremidade do coto para aceitar os mecanismos de funcionamento sem alterar o comprimento do membro; possibilita maior sensibilidade proprioceptiva e maior braço de alavanca para a prótese. O osso deve ter sua extremidade lisa e contorno regular. Nas desarticulações, pode-se manter a cartilagem (articular) com o objetivo de auxilio na absorção de choques. É importante a tentativa de se evitarem neuromas sintomáticos, para isso, a técnica mais usada é a de tração com secção do nervo, para que ele se implante em tecidos moles proximalmente, evitandose que fique próximo a extremidade do coto. Adequada sutura de tendões é importante para prevenção de deformidades, e uma cuidadosa ligação de vasos ajuda a evitar complicações no pós-operatório como sangramentos e pseudo-aneurismas. Proporcionando-se um início rápido na reabilitação e um retorno precoce às Atividades de Vida Diária (AVD), Atividades de Vida Diária Instrumental (AVDI) e ao trabalho, ajuda-se na prevenção de contraturas e rigidez articular, a evitar ou minimizar frustrações e alterações de humor, além de auxiliar o processo de protetização. E se essa ocorre também precocemente, auxilia a manter a independência ao membro contralateral. Com esse objetivo, a protetização que ocorre de 3 a 6 meses após a amputação apresenta maior aderência do que se mais tardia. Curativo compressivo prepara o coto para a prótese, pois deixa-o em formato regular e atua na sensação e dor fantasma.
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Uma avaliação completa do paciente é essencial para todo o processo de reabilitação. Devese perguntar comorbidades associadas, ocupação, atividades de lazer, expectativas. A aceitação do paciente de sua nova condição é essencial para uma reabilitação adequada. Uma afecção comum é a dor fantasma: trata-se de dor neuropática decorrente da desaferentação, presente em cerca de 50% dos pacientes que tiveram membros removidos cirurgicamente. Surge geralmente de um a dois meses após a cirurgia, tendo na maioria dos casos resolução espontânea. No entanto, em casos de recidiva ou de intensidade suficiente para limitar atividades e reabilitação, merece olhar mais atento e cuidados mais específicos. Sono e humor podem sofrer interferência de tal queixa como também podem ser causa de sua perpetuação. É importante diferenciar dor fantasma de sensação fantasma: esta é a impressão de ainda possuir o membro amputado; ocorre em 80 a 100% dos pacientes logo após a amputação, sendo que perto de 10% a continuarão apresentando após um mês. Outro termo usado, e que também deve ser diferenciado de dor fantasma, é a dor no coto: esta decorre de estímulos periféricos (e não centrais) como síndrome miofascial ou neuroma. O processo de reabilitação deve se iniciar, como já mencionado, o mais precoce possível. Pode ser dividido em duas fases: pré e pós-protética. Na primeira, os objetivos principais são a aquisição de maior independência funcional, cuidados com a pele do coto, treino de força e de ganho e manutenção de amplitudes de movimentos. Na fase protética, o paciente aprende a colocar e tirar o aparelho, treina preensão e destreza terminal.
Níveis de amputações e próteses recomendadas É muito importante que se informe ao paciente a indicação do procedimento de ressecção do membro. Em crianças, pela grande capacidade de adaptação, tenta-se ao máximo, preservar o MS. Em relação aos níveis de amputação, tem-se: amputação parcial ou total de mão (dedos, raios, transmetacarpal, desarticulação de punho), transradial, desarticulação de cotovelo, transumeral, desarticulações de ombro e interescapulotorácica. Comentam-se, a seguir, os níveis de amputação, algumas de suas características e os tipos mais indicados de próteses.
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1. Amputação de mão De forma geral, as próteses indicadas para amputações parciais da mão são as cosméticas, enquanto a desarticulação de punho favorece o uso de próteses funcionais. Nas amputações de dedos, as causas mais comuns são trauma (lesões térmicas, elétricas) e vasculites. Quando o reimplante não é possível, deve-se realizar a regularização do coto, tentandose manter o máximo de comprimento possível uma vez que o tamanho de coto está diretamente ligado à funcionalidade. Em ressecção de polegar, a prótese estética adquire também função pois auxilia na oponência. A amputação de raio é resultante de traumas, infecções, deformidades congênitas e tumores, e são geralmente eletivas. Pode-se usar a técnica da transposição de raio ou dedo. Na desarticulação de punho uma prótese com mão funcional (mecânica ou mioéletrica) já se torna possível. 2. Amputação de antebraço (ou transradial) Corresponde a aproximadamente 60% das amputações traumáticas de MMSS. Em má formação congênita, é o nível mais comum de acometimento. De forma geral, o nível transradial favorece próteses funcionais, sendo o terço proximal um nível de grande mobilidade e proporciona fácil protetização. Apesar de amputações transradiais apresentarem maior aceitação de próteses e do grande potencial que pode ser desenvolvido, ocorre baixo índice de volta ao trabalho. 3. Desarticulação de cotovelo É nível raro, no qual o nível de independência é próximo a amputações transumerais. Os epicôndilos devem ser preservados para facilitar possível protetização, uma vez que garantem boa suspensão do encaixe. O encaixe exige contato total com o coto e a necessidade do cotovelo, ou seja, uma articulação, torna a prótese pouco estética. 4. Amputação transumeral Na técnica cirúrgica, opta-se por realizar a ressecção o mais distal possível para que se haja maior funcionalidade. Há indicação de próteses funcionais, no entanto, apresentam resultados ruins em cotos muito curtos, com fraqueza muscular e limitação de movimentos. Se a amputação for bilateral, indica-se colocação de uma só prótese para reduzir o peso que o paciente terá que suportar. Em crianças, inicialmente se objetiva a melhora da função e depois a estética;
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no entanto, observa-se um alto índice de abandono do aparelho (principalmente pela não adaptação da família) e, quando a criança estiver mais velha, há procura por prótese estética. 5. Desarticulação do ombro (escapulo-umeral) e cínguloescapular Rara. Amputações proximais de úmero são funcionalmente iguais as desarticulações, mas a preservação da cabeça do úmero é importante para o formato do ombro (função de equilíbrio e estética também). Indicam-se principalmente próteses estéticas, pois as funcionais têm difícil manejo, alto gasto energético e apresentam alto índice de abandono. 6. Amputação interescapulotorácica É a amputação do MS em bloco com a escápula e a clavícula, junto com a parede torácica e o estreito torácico superior: é a maior ressecção do MS. Principalmente por tumores; no entanto, o diagnóstico mais precoce, o estadiamento mais preciso das lesões e o arsenal terapêutico mais amplo (tratamentos adjuvantes) têm possibilitado que tal nível seja evitado. A protetização funcional não é possível e a colocação de prótese não funcional melhora tanto cosmese como a postura.
Próteses para membros superiores Dois aspectos assumem papéis essenciais no processo de protetização: aceitação da nova condição e motivação para colocação do aparelho. Outro aspecto relevante é a condição cognitiva do paciente, que pode prejudicar o aprendizado de como operar uma prótese funcional. A prescrição da prótese deve obedecer alguns preceitos: função, conforto e cosmese, sendo os dois primeiros os principais. Em crianças indica-se mão estética o mais precoce, por exemplo, aos três meses, pois exerce função de auxilio em aquisições posturais, como sentar-se. A partir dos seis meses, pode-se iniciar uso de mão funcional; sendo indicado, a partir do 18º mês, dispositivo terminal ativo; do 2º ao 5º ano de vida inicia-se a fase de não aceitação da criança, com abandono das próteses.
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Referências bibliográficas 1) Pedrinelli, A. Tratamento do paciente com amputação. São Paulo: Roca, 2004. 2) Greve, J.M.D. Tratado de Medicina de Reabilitação. São Paulo: Roca, 2007. 3) Physical Medicine and Rehabilitation Secrets 2nd ed. Philadelphia: Hanley & Belfus. Inc., 2002.
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